propriedades do ser

A propriedade é definida como o próprio de uma coisa (idion), que nem sempre é unívoco com o ente. O próprio é o que pertence a toda uma espécie, não como essência, pois pode encontrar-se em outras espécies.

O próprio é um predicável acidental. É, em suma, o necessário em qualquer sujeito, não pertencente a sua essência.

A unidade ontológica é a primeira propriedade do ente (como ser), um atributo transcendental.

Como já vimos, são conceitos transcendentais aqueles que se referem a atributos que convém a todos os seres, não apenas no que eles têm de comum, mas também no que têm de próprio. Desta forma, o conceito de ser pode ser aplicado a todos os entes.

Mas, também, outros conceitos o podem, como, o de entidade (entitas), o de unidade, o de verdade e de bondade, (valor), o de “alguma coisa”, e também o de relação.

Já examinamos o que se entende por unidade: caráter do que é um. Não se deve confundir o conceito de unicidade com o de um. Unicidade é o caráter do que é único, sem segundo idêntico a ele, enquanto o de ser um, refere-se ao caráter de quem tem unidade.

A unidade é indivisa. Muitos julgam que é negativo o conceito de indiviso. Mas a unidade é positiva, e o caráter de ser indivisa, aponta apenas a recusa que se faz a unidade de não ser senão ela mesma, pois se divisa, a unidade, enquanto tal, deixá-lo-ia de ser.

Consequentemente, todo ente é um (ente ôntico). “Um, o que é indiviso em si e distinto de qualquer outro” (Tomás de Aquino). Unidade é dada pela coerência (veritas ontológica) pela inteligibilidade do ente, enquanto ente.

A unidade pode ser, em linhas gerais:

a) simples, de simplicidade;

b) de composição.

É unidade simples, de simplicidade, a que além de indivisa é ainda indivisível.

O átomo dos filósofos é indiviso, pois é a-tomós, e também é indivisível porque é simples, não composto. Também, assim, um puro espírito é indiviso e indivisível.

Os seres compostos, que como tais não são simples, formam uma unidade de composição, e formam um todo. Enquanto todo, é individido atualmente, mas não excluí a divisibilidade. As unidades formamatéria, substância-acidente, são para muitos unidades de simplicidade, embora apresentem distinções metafisicamente consideradas; para outros, unidades de composição, mas muito mais coerentes do que as que compõem as unidades de composição física. Um átomo, na concepção atômica científica, é uma unidade de composição forte.

Estas unidades, que são estruturas, como as estruturas de ordem biológica, de ordem psicológica e sociológica, possuem graus de coerência, de coesão, maior ou menor. São assim “tensões”, no sentido que damos a este termo, que incorporamos ao universo de discurso da filosofia. Mas a tensão oferece um aspecto importante. Se ela é, como todo, quantitativamente a soma das suas partes, é qualitativamente diferente, o que revela um salto qualitativo importante, que a “Teoria Geral das Tensões” estuda.

Duns Scot oferece esta divisão de unidade:

Unitas aggregationis (unidade de conjunto) é a que forma um grupo de objetos simplesmente reunidos.

Unitas ordinis (unidade de ordem). Esta não é uma pura e simples justaposição, mas nela cada parte ocupa um lugar justificável, em virtude de um certo princípio.

Unitas per accidens (Unidade por acidente). Não é propriamente uma relação de ordem, mas a unidade de um determinado e de uma forma que o determina. Se a forma é acidental, a unidade é per accidens. Se a forma é substancial, estamos, então em face de uma.

Unitas per se, uma unidade por si. Finalmente a unidade mais alta é a Unitas simplicitatis, que implica uma perfeita identidade, pois o que está numa unidade de simplicidade, seja o que for, é a mesma coisa que seja o que for, nela.

A unidade não é um termo apenas unívoco, pois a unidade que encontro neste livro como um artefato humano, portanto do mundo da cultura, e um ser vivo, como unidade, é diferente. Mas também não é apenas equívoco, porque, em ambos casos, estamos em face de uma coerência. Há síntese de semelhança e de diferença, portanto a unidade é análoga, como examinaremos ao tratar o tema da analogia.

O ser é unidade. E como já vimos, ser e um se convertem (ens et unum convertuntur). Se o ser fosse divisível pelo nada, por exemplo, como o afirmam alguns, teríamos, então, diversos seres, e cairíamos no pluralismo, com todas as aporias que daí decorrem, como ainda veremos em lugar oportuno.

Essas propriedades do ente não lhe acrescentam qualquer coisa de real, mas apontam o que é racionalmente captado no ente. Esta afirmação, que ora fazemos, implica um problema de ontologia, que é o da distinção. Por esse motivo, no lugar oportuno, voltaremos a examiná-lo. [MFS]