É aquilo, donde de algum modo, uma coisa procede quanto ao ser, ao acontecer ou ao conhecer. — Primeiros princípios são os que, em sua ordem, não procedem de outro princípio; com isso, porém, não se exclui que, numa ordem superior, tenham também princípios. — O conceito de princípio é mais amplo que o de causa ou de elemento. A noção de causa implica a diversidade do ser e a dependência do causado relativamente à causa. A noção de elemento inclui que este entre, como parte, na formação de um todo. O conceito de princípio prescinde destas determinações (vide razão, causa, princípios do conhecimento, princípios do ser). — Brugger.
Desde os pré-socráticos, o termo princípio significou “princípio de todas as coisas” ou ”aquilo de que derivam todas as outras coisas”. A este sentido deve acrescentar- se outro que também teve larga tradição; em vez de mostrar uma realidade e dizer dela que é o princípio de todas as coisas, pode propor-se uma razão pela qual todas as coisas são o que são.
Então o princípio não é o nome de nenhuma realidade, mas descreve o caráter de determinada proposição que “dá razão de”. Estes dois modos de entender o princípio foram posteriormente chamados princípio do ser e princípio do conhecer. Em muitos casos, pode caraterizar-se um determinado pensamento filosófico pela importância que dá a um princípio sobre o outro. Por exemplo, se há um primado do princípio do ser sobre o princípio do conhecer, estamos perante um pensamento filosófico fundamentalmente realista, segundo o qual o princípio do conhecimento segue o princípio da realidade; se dá um primado inverso, encontram-nos perante um pensamento idealista, segundo o qual os princípios do conhecimento da realidade determinam a realidade enquanto conhecida ou cognoscível.
Apesar de já antes existir a noção de princípio, foi Aristóteles que precisou os vários significados deste termo: ponto de partida do movimento de uma coisa; o melhor ponto departida; o elemento primeiro e imanente da geração, e….. (Metafísica). Segundo Aristóteles “o caráter comum de todos os princípios é o ser a fonte donde derivam o ser, ou a geração, ou o conhecimento”. Para muitos escolásticos, o princípio é aquilo de onde algo procede, podendo este algo pertencer à realidade, ao movimento ou ao conhecimento. Embora um princípio seja um ponto de partida, nem todo o ponto de partida pode ser um princípio. Por isso, reservou-se o nome de princípio para aquele que não pode reduzir-se a outro. Em contrapartida, pode admitir-se que os princípios de uma determinada ciência são, por sua vez, dependentes de certos princípios superiores e, em última análise, dos chamados “primeiros princípios” ou axiomas. Se nos limitarmos agora só aos princípios do conhecer, poderemos dividi- los em duas classes: os princípios comuns a todas as categorias de um saber e os princípios próprios de cada categoria de saber. No que se refere à natureza dos princípios do conhecer, debateu-se trata de princípios lógicos ou de princípios ontológicos. Alguns afirmam que só merecem chamar-se “princípios” os princípios lógicos (como o de identidade, de não contradição e o do terceiro excluído). Outros afirmam que os princípios lógicos são, no fundo, ontológicos, uma vez que os princípios não regeriam se não estivessem de certo modo fundados na realidade. Quanto à relação entre os princípios primeiros e os princípios próprios de uma ciência, repetem-se os termos da polêmica há pouco descrita: uns defendem que se trata de uma relação primeiramente lógica e outros de uma relação fundada na natureza das realidades consideradas.
Finalmente, foi tradicional o debate acerca da redutibilidade dos princípios de cada ciência aos princípios de qualquer outra ciência. A diferença entre a tradição aristotélica e o cartesianismo, nesta aspecto, consistiu que enquanto a primeira defendeu a doutrina da pluralidade dos princípios, Descartes tentou encontrar primeiro as causas, os princípios que satisfizessem as condições seguintes: serem tão claros e evidentes que o espírito humano não pudesse duvidar da sua verdade, e serem princípios dos quais pudesse depender o conhecimento das outras coisas, e dos quais possa deduzir-se esse conhecimento. Esses princípios seriam as verdadeiras “proposições máximas”. [Ferrater]
(gr. arche; lat. Principium; in. Principle; fr. Principe; al. Prinzip, Grundsatz; it. Principio). Ponto de partida e fundamento de um processo qualquer. Os dois significados, “ponto de partida” e “fundamento” ou “causa”, estão estreitamente ligados na noção desse termo, que foi introduzido em filosofia por Anaximandro (Simplício, Fís., 24,13); a ele recorria Platão com frequência no sentido de causa do movimento (Fed., 245 c) ou de fundamento da demonstração (Teet., 155 d); Aristóteles foi o primeiro a enumerar completamente seus significados. Tais significados são os seguintes: 1) ponto de partida de um movimento, p. ex., de uma linha ou de um caminho; 2) o melhor ponto de partida, como p. ex. o que facilita aprender uma coisa; 3) ponto de partida efetivo de uma produção, como p. ex. a quilha de um navio ou os alicerces de uma casa; 4) causa externa de um processo ou de um movimento, como p. ex. um insulto que provoca uma briga; 5) o que, com a sua decisão, determina movimentos ou mudanças, como p. ex. o governo ou as magistraturas de uma cidade; 6a aquilo de que parte um processo de conhecimento, como p. ex. as premissas de uma demonstração. Aristóteles acrescenta a esta lista: “’Causa’ também tem os mesmos significados, pois todas as causas são princípios. O que todos os significados têm em comum é que, em todos, princípio é ponto de partida do ser, do devir ou do conhecer” (Mel, V, 1, 1012 b 32-1013 a 19).
Esses reparos de Aristóteles contêm quase tudo o que a tradição filosófica posterior disse a respeito dos princípios. Talvez caiba distinguir outro significado: como ponto de partida e causa, o princípio às vezes é assumido como o elemento constitutivo das coisas ou dos conhecimentos. Este, provavelmente, era um dos sentidos da palavra entre os pré-socráticos, às vezes utilizado pelo próprio Aristóteles (Met., I, 3, 983 b 11; III, 3, 998 b 30, etc). Neste sentido, Lucrécio chamava os átomos de princípio (De rer. nat., II, 292, 573, etc), e os estoicos distinguiam elementos e princípio, pelo fato de que os princípio não são gerados e são incorruptíveis (DIÓG. L., VII, 1, 134).
No séc XVIII, ao definir o princípio como “o que contém em si a razão de alguma outra coisa”, Wolff (Ont., § 886) observava que esse significado estava de acordo com a noção de Aristóteles e que os escolásticos não se haviam afastado dela (Ont., § 879). Baumgarten, a quem a terminologia moderna tanto deve, repetia a definição de Wolff (Met., § 307). Kant, por um lado, restringia o uso do termo ao campo do conhecimento, entendendo por princípio “toda proposição geral, mesmo extraída da experiência por indução, que possa servir de premissa maior num silogismo”, mas por outro lado introduzia a noção de “princípio absoluto” ou “princípio em si”, vale dizer, conhecimentos sintéticos originários e puramente racionais, que ele julgava insubsis-tentes, mas aos quais a razão recorreria no seu uso dialético (Crítica da Razão Pura, Dialética, II, A).
Na filosofia moderna e contemporânea a noção de princípio tende a perder importância. Com efeito, inclui a noção de um ponto de partida privilegiado, não de modo relativo (em relação a certos objetivos), mas absoluto, em si. Um ponto de partida desse gênero hoje dificilmente poderia ser admitido pelas ciências. Poincaré observava com razão que um princípio não passa de lei empírica que se considere cômodo subtrair ao controle da experiência por meio de convenções oportunas: portanto, um princípio não é verdadeiro nem falso, mas apenas cômodo (La valeur de la science, 1905, p. 239). Em matemática e lógica, nas quais há oportunidades dessa natureza, esse termo está em desuso para indicar as premissas de um discurso, e foi substituído por axioma ou postulado. Nestes campos, é frequente dar-se o nome de princípio a teoremas particulares, cuja importância para o desenvolvimento ulterior de um sistema simbólico se queira ressaltar. Peirce chamara de princípio guia (Leading Principle) o princípio que “se deve supor verdadeiro para sustentar a validade lógica de um argumento qualquer” (Coll. Pap., 3,168; cf. Dewey, Logic, I; trad. it., p. 46). [Abbagnano]