Aristóteles (Metafísica, L.4, c.3) liga ao estudo do ser enquanto ser, o estudo de certas verdades primeiras que denomina axiomas. A razão deste fato é aqui nitidamente precisada: tais verdades devem ser consideradas na ciência suprema porque possuem tanta amplitude ou a mesma universalidade que o ser, objeto desta ciência: “Uma vez que é evidente que os axiomas se aplicam a todos os seres enquanto seres, é do conhecimento do ser enquanto ser que decorre o estudo destas verdades”.
Garantidos por esta afirmação de seu Mestre, inúmeros peripatéticos fazem seguir; nos seus tratados de metafísica, o estudo do ser de um capítulo consagrado aos primeiros princípios. Por vezes, é verdade, este estudo é relegado à lógica, alegando-se, o que é exato, que tais princípios são os reguladores supremos de toda nossa atividade racional. Mas não é menos verdade que, antes de presidir o bom funcionamento de nosso espírito, os primeiros princípios possuem inicialmente valor — e é assim que nos são imediatamente dados — de leis objetivas do ser. É, portanto, como dizia claramente Aristóteles, ao estudo do ser enquanto ser que se liga propriamente a análise destas verdades primeiras. É necessário acrescentar que estas considerações, que visam assegurar as primeiras verdades do nosso espírito, tomam naturalmente lugar na linha do estudo crítico do ser e dos primeiros fundamentos do nosso conhecimento que empreendemos neste capítulo. Aqui metafísica e crítica praticamente coincidem.
O que se deve entender exatamente por primeiro princípio? De um modo geral, os primeiros princípios representam o termo último na ordem ascendente da resolução de nossos conhecimentos; habitualmente designam-se por esta expressão juízos ou proposições, mas Tomás de Aquino a aplica igualmente aos termos ou noções simples que entram como elementos nestes juízos. Nós nos deteremos aqui na primeira destas significações. É evidente, todavia, que na teoria do ser, não devemos nos interessar pelos princípios especiais de cada ciência, mas somente por aqueles que, convindo a todo ser, são absolutamente comuns.
Considerados em si mesmos, nós o vimos em lógica, os primeiros princípios devem ser verdadeiros e necessários, o que é óbvio, e além disso, imediatos (per se notae). A nota de imediatidade, aplicada a um princípio, significa que se nos apercebemos de sua verdade sem intermediários ou termos médios; é suficiente que se tenham apreendido os termos que compõem tal princípio para que o valor da proposição apareça com plena evidência; neste sentido diz-se que são conhecidos por si mesmos. Deve-se acrescentar que, no momento em que se trata de um princípio absolutamente primeiro, os próprios termos de que ele é composto devem ser absolutamente simples, isto é, não podem ser reportados a nenhuma noção anterior. Por si, estas proposições primeiras, como o seu nome de início já o indica, se referem, ou mais exatamente, são princípios de referência de toda uma ordem de conhecimentos que repousa sobre tais proposições ou que as implicam e as supõem de maneira necessária. Aos princípios metafísicos relativos ao ser se subordinam universalmente todos os conhecimentos: o que é afirmar a importância capital destas verdades primeiras.
Qual é o primeiro de todos estes princípios? Ainda em nossos dias isto é discutido. Para Aristóteles a questão se encontrava resolvida (Metafísica, c.3) . Este primeiro princípio deve satisfazer a três condições: ser o melhor conhecido; ser possuído antes de todo outro conhecimento; ser o mais certo de todos. Ora, este princípio é incontestavelmente “aquele a propósito do qual é impossível se enganar”, isto é, o princípio de não-contradição.
Aristóteles liga ao princípio de não-contradição uma fórmula que não é mais do que uma consequência: “entre a afirmação e a negação do ser não há intermediário”, “o ser é ou não é” é o princípio do terceiro excluído. É-nos suficiente tê-lo assinalado. Os autores modernos estudam igualmente aqui toda uma série de outros princípios: princípios de razão de ser, de causalidade, de finalidade, de substância. Tais princípios são evidentemente essenciais à vida do espírito; mas, pondo em ação noções ou distinções que não são ainda reconhecidas, apenas mais tarde tais princípios virão logicamente no progresso regular do pensamento metafísico. Nós nos submeteremos a essa marcha metódica e iremos passar em seguida à determinação das propriedades do ser, além do ser ele mesmo considerado como “quididade” e de sua oposição ao não-ser.
Origem e formação dos primeiros princípios.
Os primeiros princípios não são verdades inatas ou possuídas pela inteligência anteriormente a todo conhecimento. Mais precisamente, só nossa inteligência, que está em pura potência com respeito aos inteligíveis, é inata. É apenas no momento em que nossas faculdades de conhecer são determinadas pelos objetos sensíveis que tomamos consciência dos primeiros princípios. E ainda faz-se mister precisar que inicialmente só os apreendemos em casos particulares, em relação a tal ser; só podemos nos elevar a fórmulas universais relativas a todo ser após haver elaborado a ideia comum de ser. Se não são inatos, estes princípios são todavia ditos naturais à nossa inteligência, pois se seguem naturalmente ao seu exercício: toda inteligência que se exerceu os possui necessariamente. Em relação a essa inteligência, constituem o que se chama uni habitus, isto é, uma disposição estável que assegura à faculdade a facilidade e a segurança em seu exercício. Esse habitus também se diversifica na medida em que se trata dos primeiros princípios na ordem especulativa ou dos primeiros princípios na ordem da ação prática. Fixemos, pois, que o habitus dos primeiros princípios especulativos da inteligência, sem ser inato, aperfeiçoa contudo de modo natural esta faculdade (Tomás de Aquino, Metaf., IV, 1, 6, n. 599). [Gardeil]