(gr. to dynaton; lat. possibilis; in. Possible; fr. Possible, al. Möglich; it. Possibilé).
O que pode ser ou não ser. Esta definição nominal geralmente é pressuposta pelas definições conceptuais desse termo, mas só estas últimas permitem tratar dos problemas peculiares a essa noção. As definições conceptuais de possível podem ser: A) negativas (de natureza lógica); B) positivas. Por sua vez estas últimas podem ser 1) de possibilidade real; 2) de possibilidade objetiva. As três classes de definições daí resultantes correspondem quase perfeitamente às três espécies de possível distinguidas por Aristóteles em Metafísica: “O possível significa: 1) o que não é necessariamente falso; 2) o que é verdadeiro; 3) o que pode ser verdadeiro” (Met., V, 12, 1019 b 30).
1) As definições negativas de possível são de natureza lógica; definem o possível como aquilo que não é necessariamente falso ou não inclui contradição. Era com esse sentido que Aristóteles definia o possível no trecho citado. Este conceito passou à tradição filosófica com a denominação de “possível lógico”, distinto do “possível real”. Tomás de Aquino de Aqui-no chama-o de “possível absoluto” e diz que resulta ex habitudine terminorum, isto é, da não repugnância entre predicado e sujeito (S. Th., I, q. 25, a. 3). Duns Scot chama-o de possível lógico, considerando-o próprio da “composição do intelecto”, porquanto os termos desta não incluem contradição (Op. Ox., I, d. 2, q. 6, a. 2, n. 10). Ockham julga que o possível, neste sentido, outra coisa não é senão o não–impossível (Summa log., II, 25). Foi este o conceito ressaltado por Leibniz: “Quando vos digo que há uma infinidade de mundos possível, pressuponho que não impliquem contradições, assim como se podem escrever romances que nunca se realizarão, mas que são possíveis. Para que uma coisa seja possível, basta que seja inteligível” (Carta a Bourguet, 1712, em Op., ed. Gerhardt, III, p. 558). Neste sentido, Leibniz distinguia o possível do compossível(y), que é a possibilidade objetiva. A noção de possível neste sentido continua na escola wolffista (Wolff, Ont., § 85; Crusius, Vernunftwahrheiten, § 56; Lambert, Dianoiologie, § 39); Kant considerava-a válida em seus limites, mas opunha-lhe a noção de possibilidade objetiva (Dereinzig mógliche Beweisgrund zu einer Demonstration des Daseins Gottes, 1763, II, 1).
As duas teses fundamentais desta noção do possível são as seguintes: I) redução do possível ao não–impossível; II) inferência do possível a partir do necessário, no sentido de que o necessário deve ser possível. Trata-se de dois princípios estreitamente interligados. Aristóteles enunciou-os pela primeira vez no famoso tratado sobre o possível, que se encontra em De interpretatione. O necessário deve ser possível — raciocinou Aristóteles — porque, se não fosse possível, seria impossível, o que é contraditório (De int., 13, 22 b 28 ss.). A identificação do possível com o não–impossível já está clara nesse raciocínio, mas em todo caso tornou-se explícita com Aristóteles. Ele observa que, tanto no caso de possibilidades pertencentes a entes imutáveis quanto de possibilidades pertencentes a entes mutáveis, é sempre verdadeira a proposição “não é impossível que seja” (De int., 13, 23 a 13). A mesma doutrina era repetida por Tomás de Aquino, que, no entanto, se restringia explicitamente ao possível lógico (Contra Gent., III, 86). As mesmas teses estão presentes nas doutrinas contemporâneas sobre o possível Peirce diz: “É essencial ou logicamente possível tudo que uma pessoa, que não conhece fatos mas está a par do raciocínio e tem familiarida-de com as palavras que ele contém, seja incapaz de declarar falso” (Coll. Pap., 4, 67). Aqui a noção de falso substituiu a de contraditório, mas o possível continua sendo reduzido àquilo que não é falso. Carnap, por sua vez, define o possível como o “não impossível” (Meaning and Necessity, § 39-3)- Essa é a definição mais frequente na lógica contemporânea. Obviamente, a noção de possível neste sentido implica um conceito bem definido de impossibilidade, isto é, da contradição ou falsidade lógica. Mas este conceito não parece estar à disposição dos lógicos, visto o seu desacordo sobre a noção contrária e complementar de impossibilidade, que é a noção de necessidade .
2) A definição de possível como possibilidade real identifica o possível com o potencial e vê no potencial o que se destina infalivelmente a realizar-se. Foi graças a essa interpretação que Deodoro Cronos, famoso filósofo de Mégara, afirmava, com o argumento vitorioso , que tudo o que é possível se realiza, e o que não se realiza não é possível (Aristóteles, Met., 9, 3, 1046 b 24 ss.; Epicteto, Diss., II, 19,1; Cícero, De fato, 6 ss.). Deodoro Cronos inferia deste princípio a tese da necessidade de tudo o que é: nada do que foi, é ou será, pôde ser, pode ou poderá ser diferente de como foi, é ou será. Mas o próprio Aristóteles, que combatia a tese de Deodoro Cronos baseando-se nos outros significados de possível, às vezes admitia a tese fundamental desta concepção de possibilidade: “Não pode ser verdade que alguma coisa é possível mas não será, pois neste caso não existiriam impossibilidades” (Met., IX, 4, 1047 b 3). Esta concepção do possível foi acolhida pela escolástica árabe a partir de Avicena. A divisão de Avicena entre o ser necessário e o ser possível é na verdade a divisão entre aquilo que extrai seu ser de si mesmo (Deus) e aquilo que extrai seu ser de outro (as coisas criadas). Deste ponto de vista, o possível é possível enquanto não é nada; assim que começa a ser, este é o sinal de que estão presentes todas as condições ou causas do seu ser, e ele tornou-se necessário: no sentido de necessário em relação a outra coisa (Met., II, 1-2; Algazel, Met., I, 8; etc). Este “necessário em relação a outra coisa” era o contingente .
Esta doutrina foi repetida muitas vezes na história da filosofia. Uma de suas melhores expressões está em Hobbes: “Chama-se de impossível o ato para cuja produção nunca haverá potência plena. Pois a potência plena é aquela para a qual concorrem todas as condições necessárias à produção do ato; se nunca houver a potência plena, sempre faltará alguma das condições sem as quais o ato não pode produzir-se, de tal modo que esse ato nunca poderá produzir-se, portanto será um ato impossível. O ato que não é impossível, é possível. Portanto, todo ato possível deve verificar-se de tempos em tempos: se nunca se verificasse, nunca concorreriam todas as condições necessárias à sua produção, e ele seria então, por definição, um ato impossível, o que contraria a hipótese” (De corp., 10, § 4). Esta elaboração do conceito de possível outra coisa não é senão a repetição do argumento vitorioso de Deodoro Cronos, que reaparece toda vez que se reduz o possível a uma potencialidade, na qual devam estar presentes todas as condições de realização, estando, pois, destinada infalivelmente a realizar-se. Este é o conceito de possível encontrado em Hegel, que distinguia possibilidade real e mera possibilidade; esta seria “a vã abstração da reflexão em si”, ou seja, uma simples representação subjetiva, ao passo que se tem a possibilidade real quando ocorrem todas as condições de uma coisa, de tal maneira que a coisa deve tornar-se real; é óbvio que, neste caso, possibilidade real não se distingue de necessidade (Enc., § 147). A noção de possibilidade real neste sentido é frequentemente empregada pelos seguidores de Hegel, sejam eles idealistas ou marxistas. Muitas vezes esta noção foi empregada para designar a predeterminação dos eventos históricos em suas condições, portanto para fundamentar a possibilidade de previsão infalível da evolução futura da história. Foi deste modo que G. Lukács usou esse conceito (Geschichte und Klassenbewusstsein, 1923; trad. fr., 1960, p. 104 ss.). Com o mesmo significado de potencialidade, esse conceito está pressuposto num livro de S. Buchanan, em que a possibilidade é definida como “a ideia reguladora da análise do todo em suas partes”, sendo as partes definidas como “a potencialidade do todo” (Possibility, 1927, pp. 81 ss.).
Finalmente, o último exemplo deste conceito é a denominada “lei modal fundamental” de N. Hartmann, que compreende as seis teses seguintes: “1) o que é realmente possível é também realmente factível; 2) o que é realmente factível é também realmente necessário; 3) o que é realmente possível é também real e reciprocamente necessário; 4) aquilo cujo não ser é realmente possível é também realmente infactível; 5) o que é realmente infactível é também realmente impossível; 6a aquilo cujo não ser é realmente possível é também realmente impossível” (Möglichkeit und Wirklichkeit, 1938, p. 126). Estas teses não passam de redução explícita do conceito de possibilidade real no conceito de necessidade: redução à qual na verdade não poderíamos objetar.
Faz parte desta noção do possível a redução do conceito de possível à ignorância ou à imaginação postfactum. O primeiro caminho foi seguido por Spinoza: “Chamo de possível as coisas singulares, porquanto, considerando as causas pelas quais devem ser produzidas, ignoramos se elas estão determinadas a produzi-las” (Et., IV, def. 4; Cogit Met., I, 3). O segundo caminho foi seguido por Bergson: “O possível é a miragem do presente no passado; e como sabemos que o futuro acabará por tornar-se presente e que o efeito da miragem continuará a produzir-se, dizemos que em nosso presente atual, que será o passado de amanhã, a imagem do amanhã já está contida, apesar de não chegarmos a alcançá-la. Nisso está precisamente a ilusão” (“Le Possible et le réel”, 1930, em La pensée et le mouvant, 3a ed, 1934, p. 128).
3) O terceiro conceito de possível é de possibilidade objetiva, que remonta a Platão. A possibilidade de agir ou de sofrer uma ação foi assumida por Platão como a definição do ser em geral (V. “ser”), contra os materialistas, por um lado, e contra os idealistas, por outro. “Digo que é existente tudo aquilo que tem por natureza a possibilidade de fazer uma coisa qualquer ou de sofrer uma ação (inclusive tudo o que existe em medida mínima e por uma vez só, e com respeito à coisa mais insignificante). Por isso, faço a seguinte definição: os entes não são outra coisa senão possibilidades” (Sof., 247 e). Aristóteles definia a possibilidade neste sentido como “aquilo que pode ser verdadeiro” (Met., V, 12, 1019 b 32). E Tomás de Aquino defendia essa possibilidade contra o neces-sitarismo árabe: “O possível ou contingente, que se opõe ao necessário, tem em seu conceito que não deve realizar-se necessariamente quando não é, visto que ele se segue necessariamente da sua causa” (Contra Gent., III, 86). Ockham incluía o mesmo conceito entre os significados do termo possível, como “aquilo que não está em ato, mas poderá estar”, ou que “não é nem necessário nem impossível” (Summa log., II, 25). O conceito de compossível(v), de Leibniz, é outra expressão dessa mesma noção de possibilidade, defendida por Kant já antes de suas “Críticas”, quando, opondo-se à escola wolffista, ele mostrava a insuficiência do conceito de possibilidade lógica: “Existir possibilidade e no entanto não existir nada de real é contraditório, porque, se nada existe, nada de pensável é dado, e estaremos em contradição se ainda quisermos que haja alguma coisa de possível” (Dereinzig mögliche Beweisgrundzu einer Demonstration des Daseins Gottes, I, 2, 2). Ou, em outros termos, “subtraindo-se do possível o material e os dados, também se nega a possibilidade” (Ibid., I, 2, 3). Aqui, Kant parece negar até mesmo a legitimidade da noção de possível lógico. Em outro ponto, admite também esta possibilidade: “O conceito é possível todas as vezes que não se contradiz. É este o caráter lógico da possibilidade, e com isso o seu objeto é distinto do nihil negativum. Mas não pode ser um conceito vazio. (…) Esta é uma advertência a não deduzir imediatamente a possibilidade (real) das coisas da possibilidade (lógica) dos conceitos” (Crít. R. Pura, Dialética, II, cap. 3, seç. 4, n. [A 597, B 625D. A possibilidade objetiva ou real baseia-se, então, nos dados da experiência e é uma possibilidade que só a experiência, e não o simples conceito, autoriza a admitir. Todavia, não se trata de uma possibilidade real no sentido de que falamos ao ne 2, isto é, de uma potencialidade destinada infalivelmente a realizar-se: “As proposições de que as coisas podem ser possível sem ser reais e que, portanto, não se pode deduzir a realidade a partir da possibilidade ajustam-se à razão humana” (Crít. do Juízo, § 76). Kant chama de real ou transcendente a possibilidade que se baseia nos dados da experiência, mas não a identifica com a necessidade: ela só significa que ao conceito pode corresponder um objeto (Crít. R. Pura, Anal. dos Princ, cap. III [A 244, B 3031).
Se Kant insistia na conexão do possível objetivo com a experiência, Kierkegaard insistia, em polêmica com Hegel, na indeterminação do possível Respondendo negativamente quando lhe perguntaram se o passado era mais necessário que o futuro, Kierkegaard afirmou que o possível não se toma necessário pelo fato de realizar-se, mas que permanece possível: “O passado não é necessário no momento em que devêm; não se tornou necessário por devir (o que seria uma contradição); e torna-se ainda menos necessário através do entendimento da pessoa”. Neste caso, com efeito, o passado ganharia o que o intelecto perdesse: não seria entendido pelo que é, mas por uma outra coisa (Philosophische Broken, IV, Intermédio, § 4; trad. fr., pp. 162 ss.). Toda a especulação de Kierkegaard baseia-se nessa noção de possibilidade objetiva e indeterminada, com a qual esclarece as noções de angústia e de desesperança . No entanto, Kierkegaard às vezes utiliza expressões que não são rigorosamente compatíveis com a indeterminação objetiva das possibilidades, como p. ex. “Tudo é possível” ou “todas as possibilidades”. Considerando as possibilidades como infinitas, acaba-se por excluir sua indeterminação e limitação: de fato, o que falta a uma delas para realizar-se infalivelmente pode ser suprido pelas outras, se elas forem infinitas; as possibilidades transformam-se, então, em potencialidades necessárias.
Na filosofia contemporânea, porém, o conceito de possibilidade objetiva é entendido no seu sentido empiricamente determinado e finito. Peirce fala em “possibilidades substanciais” (em oposição às possibilidades lógicas), como as que se fundam em informações referentes aos fatos e a suas leis; e diz que tais possibilidades coincidiriam com a necessidade só na hipótese de uma informação onisciente (Coll. Pap., 4, 67). Dewey entende a possibilidade, no âmbito da matemática e, em geral, da investigação científica, como possibilidades de operações ou de transformações (Logic, XV e XX, 3). Wittgenstein afirma que possibilidade é o que se expressa por uma proposição sensata, que se distingue da tautologia, que é a proposição da lógica ou da matemática, que “nada diz”, e da contradição (Tractatus, 5, 525). Em outros termos, para Wittgenstein, a proposição sensata é apenas a expressão da possibilidade de um fato. Lukasiewicz e Tarski formularam os princípios de uma lógica da possível, cujo fim seria evitar o determinismo (v. os textos citados em princípio do terceiro excluído). Reichenbach, por sua vez, distinguiu da possibilidade lógica a possibilidade física e a possibilidade técnica: a primeira significa algo que não contradiz as leis empíricas; a segunda, algo que pertence ao reino dos métodos práticos conhecidos (“Verifiability, Theory of Meaning”, em Proceedings of the American Academy of Arts and Sciences, 1951, [80a, p. 53). Além disso, pôs a possibilidade física como fundamento da probabilidade (Theory of Probability, § 74). Mas está claro que esse ponto de vista pode ser generalizado, e que só se pode identificar uma possibilidade objetiva em contextos particulares, ou seja, com base em condições e regras vigentes em determinado campo. possível ex., no que diz respeito ao homem, a possibilidade física que ele tem de realizar determinada ação não coincide necessariamente com as possibilidades jurídicas ou morais que lhe são oferecidas pelo sistema social em que vive.
Muitas das possibilidades que seu organismo físico permitem efetivar são-lhe obstadas pelas normas jurídicas e morais. Portanto, para cada possibilidade objetiva é indispensável a referência a um contexto de condições e de regras técnicas determinadas, e falar-se em possibilidade sem especificar esse contexto só pode dar ensejo a equívocos. Aliás, o mesmo se pode dizer das ciências: uma possibilidade lógico–matemática nem sempre é uma possibilidade física, ou seja, passível de efetivação com base em leis da física, e assim por diante (cf. J. R. Lucas, The Concept of Probability, 1970, p. 6 e passim).
No campo da metodologia historiográfica, a noção de possibilidade objetiva foi considerada indispensável por Max Weber (Kritische Studien aufden Gebiet der Kulturwissenschaftlichen Logik, 1906; cf. especialmente a segunda parte; trad. in., em The Methodology of the Social Sciences, pp. 164 ss.; trad. it. em II método delle scienze storico-sociali, pp. 207 ss.) sendo empregada também em obras mais recentes (p. ex., W. Dray, Laws and Explanation in History, 1957, VI, 3; cf. história; historiografia). No campo das ciências biológicas, essa noção foi utilizada por Goldstein (Der Aufbau des Organismus, 1934; trad. fr. 1951) e tende a ser utilizada no domínio psiquiátrico (cf., p. ex., M. Torre, “La categoria dei possibile in psicopatologia”, em Note e Riviste di psichiatria, 1957). Além disso, a genética e a teoria da evolução utilizam constantemente esse conceito, designando-o às vezes com outro nome (p. ex., com o nome de oportunidade, cf. G. Simpson, The Meaning of Evolution, cap. XII, “The Opportunism of Evolution”). Na sociologia, os conceitos que, implícita ou explicitamente, recorrem à noção do possível são os mais numerosos. Lévy-Bruhl falou do “limite do possível” como constitutivo da experiência racional, por isso como deficiente ou ausente na mentalidade primitiva (Les carnets, 1949; trad. it., p. 98 ss.). Toda a teoria da probabilidade, seja qual for a sua interpretação, baseia-se nessa noção de possível (cf., p. ex., Reichenbach, Theory of Probability, § 74; e Popper, que fala da probabilidade como “vector no espaço das possibilidades”; v. probabilidade). Finalmente, é quase supérfluo lembrar a importância que a noção de possibilidade objetiva tem na filosofia existencialista, em que constitui o principal instrumento de análise (v. existencialismo). Está claro que, de acordo com esta terceira interpretação, o oposto de possível não é impossível, mas não-possível. [Abbagnano]