neocriticismo

(in. Neo-Criticism; fr. Néocriticisme, al. Neukantianismus; it. Neo-criticísmó).

Movimento de “retorno a Kant” iniciado na Alemanha em meados do século passado e que deu origem a algumas das mais importantes manifestações da filosofia contemporânea. As características comuns de todas as correntes do neocriticismo são as seguintes: 1) negação da metafísica e redução da filosofia a reflexão sobre a ciência, vale dizer, a teoria do conhecimento; 2) distinção entre o aspecto psicológico e o aspecto lógicoobjetivo do conhecimento, em virtude da qual a validade de um conhecimento é completamente independente do modo como ele é psicologicamente adquirido ou conservado; 3) tentativa de partir das estruturas da ciência, tanto da natureza quanto do espírito, para chegar às estruturas do sujeito que a possibilitariam.

Na Alemanha, a corrente neocriticista foi constituída pelas seguintes escolas: 1) de Marburgo (Marburger Schule), à qual pertenceram F. A. Lange, H. Cohen, P. Natorp, E. Cassirer, e à qual também se liga, em parte, Nicolai Hartmann; 2) de Baden (Badische Schulé), fundada por W. Windelband e H. Rickert, 3) historicismo alemão, com G. Simmel, G. Dilthey, E. Troeltsch, etc. Esta última escola formulou o problema da história analogamente ao modo como as outras escolas kantianas formulavam o problema da ciência natural (v. historicismo). Fora da Alemanha, vinculam-se à corrente neocriticista C. Renouvier e L. Brunschvicg, na França, S. H. Hodgson e R. Adamson, na Inglaterra, e Banfi na Itália. [Abbagnano]


Ou neokantismo, movimento filosófico proveniente de Kant (nascido na Alemanha por volta de 1860) e que se desenvolveu até aproximadamente 1914. — Agrupa numerosas escolas: fisiologista (com Helmholtz, F. A. Lange), metafísica (com Liebmann, J. Volkelt), realista (com A. Riehl), relativista e positivista (com H. Cornelius), principalmente a escola de Marburgo, ou escola lógica (com H. Cohen, P. Natorp, E. Cassirer, A. Lieber), e a escola de Baden, ou escola axiológica (com Windelband, Rickert, Lask). É necessário distinguir o “neokantismo” do “pós-kantismo”, que lhe é bem anterior (Fichte, Schelling, Hegel); o neokantismo é, ele próprio, proveniente de uma reação contra a “metafísica” pós-kantiana; apresenta-se como um “retorno a Kant”, à teoria das ciências positivas (epistemologia) e a uma moral baseada no dever (e não na inspiração): define-se como uma filosofia “rigorosa e metódica”, que se situa entre a metafísica especulativa e o empirismo puro e simples. [Larousse]


Por volta de meados do século XIX, sobretudo na Alemanha, assistiu-se à retomada sistemática da filosofia kantiana, no sentido preciso de reflexão sobre os fundamentos, os métodos e os limites da ciência. E, posteriormente, essa retomada levaria à ampliação dos âmbitos de exercício da reflexão crítica, que não se limitariam mais ao campo da ciência, mas abrangeriam também outros produtos da atividade humana, como a história e a moral e, depois, a arte, o mito, a religião, a linguagem.

Da mesma forma que o espiritualismo, o criticismo pretende combater o fetichismo positivista do “fato” e a ideia da ciência metafisicamente absoluta. Entretanto, o neocriticismo é contrário a qualquer metafísica, tanto de tipo espiritualista como idealista. E, igualmente, é avesso a toda redução da filosofia à ciência empírica (trate-se da fisiologia ou da psicologia), à teologia ou à metafísica. Para o neocriticismo, a filosofia deve voltar a ser o que era com Kant: análise das condições de validade da ciência e dos outros produtos humanos, como a moral, a arte ou a religião. Assim, só para exemplificar, ao neokantiano não interessam as situações de fato (psicológicas, institucionais ou econômicas) que podem se entrelaçar com a produção e a difusão de uma teoria científica: só lhe interessa a validade da teoria, isto é, as condições dessa validade. Igualmente ocorre em relação à norma moral ou jurídica ou ao produto artístico: em que condições é válida a norma? Em que condições é bela esta ou aquela pintura? Assim, o objeto da filosofia crítica não está nas questões factuais (“quid facti?”), mas sim nas questões de direito (“quid juris?”), questões, repetimos, de validade.

Desse modo, está clara a razão pela qual os neokantianos propõem uma filosofia dominada por problemas gnosiológicos ao invés de problemas empírico-factuais ou enigmas metafísicos. O neocriticismo exclui e combate o factualismo positivista, a metafísica idealista do espírito e a consideração religiosa dos espiritualistas. Tampouco devemos esquecer que os neokantianos tiveram atitude crítica em relação à “metafísica” marxista (basta pensar em Windelband ou em Rickert) e que alguns deles (Cohen, por exemplo) tornaram-se propugnadores do socialismo visto não como resultado do materialismo dialético, e sim muito mais baseado no imperativo moral que ordena tratar a humanidade, em si e nos outros, sempre como fim e nunca como meio. Perguntava-se Cohen: “Como se concilia a dignidade da pessoa com o fato de que o valor do trabalho seja determinado pelo mercado, como o de uma mercadoria?” Por essa razão, Cohen e outros neokantianos configuraram-se como grupo de socialistas não-marxistas. Por outro lado, durante a Segunda Internacional, todo um grupo de pensadores marxistas (Adler e, com ele, os austromarxistas, mas também outros), assumindo seriamente os resultados mais importantes da filosofia neokantiana, dariam vida a uma das mais vivas, interessantes e promissoras correntes revisionistas e reformistas no seio da tradição marxista.

Na verdade, inclusive no período de hegemonia do idealismo, a tradição kantiana nunca havia desaparecido inteiramente na Alemanha. Entretanto, em 1865, Otto Liebmann (1840-1912) publicou um livro, Kant e os epígonos, onde examinava as quatro orientações da filosofia alemã pós-kantiana (o idealismo de Fichte, Schelling e Hegel; o realismo de Herbart; o empirismo de Fries; as concepções de Schopenhauer) e, ao término da análise de cada uma dessas orientações, concluía com o lema: “Devemos, portanto, retornar a Kant”.

Por sua própria conta, já retornara a Kant o grande cientista Hermann Helmholtz (1821-1894), que, com base em estudos de fisiologia e de física (Sobre a vista humana, 1855; Doutrina das sensações sonoras, 1863; Os fatos da percepção, 1879), chegara à tese segundo a qual a nossa estrutura fisiopsíquica é uma espécie de a priori kantiano. Para Helmholtz, as sensações (sonoras ou luminosas) são sinais que forças externas produzem sobre os nossos órgãos dos sentidos. Esses sinais não são cópias ou representações das coisas, e sim têm alguma relação com as coisas, no sentido de que o mesmo objeto, na mesma situação, produz o mesmo sinal.

Também chegaram autonomamente ao criticismo Friedrich Albert Lange (1828-1875), autor de uma História do materialismo (1866), e Alois Riehl (1844-1924), autor de O criticismo filosófico e seu significado para a ciência positiva (1876-1887).

Os dois centros de elaboração do neocriticismo foram Marburgo, com Cohen e Natorp, ao qual se liga Cassirer, e Heidelberga, com Windelband e Rickert. Entretanto, não devemos deixar em silêncio o fato de que, embora tenha alcançado na Alemanha os seus resultados mais significativos, o neocriticismo não foi uma filosofia somente alemã. Na Inglaterra, o neokantismo foi desenvolvido por S.H. Hodgson(1832-1912), Robert Adamson(1852-1902)e Geoerge D. Hicks (1862-1941). Na Itália, foi Antônio Banfi (1886-1957) quem adotou as teses do neocriticismo, juntamente com outras instâncias (como a da filosofia de Simmel e, depois, do marxismo). Mas, antes de Banfi, já haviam retornado a Kant também Carlos Cantoni (1840-1906) e Félix Tocco (1845-1911), além de Francisco Fiorentino (1834-1884) e Tiago Barzellotti (1844-1917).

Foi notável e influente a presença do neocriticismo na França. Aqui, basta mencionar Carlos Renouvier (1815-1903), para quem o único fim da filosofia está no estabelecimento de leis gerais e dos limites do conhecimento; Otávio Hamelin (1856-1941), que, na obra O idealismo contemporâneo (1905), fez questão de sustentar que não cabe à filosofia aumentar a quantidade do saber, já que a filosofia nada mais faz do que refletir sobre a qualidade do saber.

E, como o saber humano está em contínuo desenvolvimento histórico, então, afirma Brunschvicg, a história do saber humano é “o laboratório da filosofia”. [Reale]