memória sensível

O último dos sentidos internos, a memória, tem uma função precisa e limitada. A conservação e a simples reprodução das impressões sensíveis é, como dissemos, trabalho da imaginação. O que advém à memória, assim parece, é ser o “tesouro” destas relações abstratas concebidas pela “cogitativa”: ela as desperta na consciência ao mesmo tempo que desperta as imagens. Mas o caráter verdadeiramente distintivo desta faculdade é seu poder de representar as coisas como passadas, “sub ratione praeteriti”. Dizemos que alguém se lembra de alguma coisa quando pode relacionar sua percepção com o passado: ontem encontrei tal pessoa; a imagem deste acontecimento apresenta-se à minha consciência com sua situação no tempo.

Como se opera esta ligação da imagem ou das relações evocadas com um momento determinado do tempo? Isto não pode ser feito pela inteligência, pois esta capta o seu objeto em condições de abstração que o situam acima do curso do movimento e, portanto, do tempo; por isso, não haverá no homem memória intelectual pura. A apreensão do movimento é, de modo imediato, uma percepção sensível e é nesta que se funda o conhecimento do tempo. A ordem temporal dos fenômenos assim apreendidos inscreve-se na memória que é, por isso, capaz de a reproduzir. Basta que um destes fenômenos se lhe apresente, e estará em condição de situá-lo temporalmente com relação aos outros.

No animal, esta revivescência do passado realiza-se de modo automático. Na consciência humana, pode também ser o resultado de uma procura ativa que recebe o nome de reminiscência. A psicologia moderna trará complementos preciosos à análise dos antigos, precisando as condições e as modalidades, no quadro do tempo, desta revivescência dos fenômenos anteriormente percebidos Mas parece não poder mudar em nada a definição mesma do fato de memória, ou sua especificação por esta “ratio praeteriti”, tão claramente reconhecida pelo aristotelismo. Aqui, como para os outros sentidos internos, parece esta filosofia ter conseguido elevar-se a um discernimento notavelmente preciso e exato dos objetos. [Gardeil]