O ‘meio’ de comunicação, como a própria palavra o mostra, se situa entre os sujeitos comunicantes. Ele é, portanto, exterior, público; servido para a comunicação, ele pertence à comunidade, é comum. “Exterioridade” e “existência pública” são características dos elementos que se estruturam nos sistemas ideológicos: os ideologemas. Vamos analisar rapidamente as relações entre os meios de comunicação e a ideologia de um grupo. Os instrumentos. Conforme a posição fenomenológica, as coisas em nosso mundo constituem uma totalidade estruturada; o que possibilita essa estruturação é a utilidade das coisas. Assim, o martelo é aquilo que “serve para pregar pregos”, o prego é aquilo que “serve para sustentar quadros na parede” ou para “juntar pedaços de madeira”, e assim em diante. Mas de onde partem os instrumentos e para onde nos levam eles? Os instrumentos “partem de nós”; deles nos servimos conforme nossos desejos e necessidades quotidianas. E, enquanto intermediários, mediadores entre nós e os outros coisas de nosso quotidiano, os instrumentos nos ligam ao mundo.
Os objetos. De repente, um instrumento adquire “especial significação” para nós. Conforme se mostra na analítica do objeto, o objeto é um instrumento que saiu da transitoriedade e do dever quotidiano, tornando-se algo cujo sentido é dado por outra coisa que não a sua utilidade quotidiana. Vê-se esta transformação, por exemplo, no caso de objetos pessoais, como um chaveiro “de estimação” cuja perda muito lamentaremos. Ou no caso de objetos públicos: a roupa será “bonita” ou “feia” em função da impessoalidade da moda, de sua eroticidade, ou de seu simples apelo visual. Em alguns casos de objetos pessoais torna-se fácil “explicar” a origem de sua transformação de instrumento em objeto — o chaveiro pode me ter sido presenteado numa ocasião “especial”; nos objetos públicos, no entanto, o seu sentido é sempre misterioso, e quando a respeito dele interrogamos, as respostas que nos são dadas serão sempre “ideológicas” — pertencentes a um saber comum cuja própria transparência é seu maior mistério. Por exemplo, o apelo da moda dependerá e fatores tão estranhos quanto “o gosto dos costureiros”, o “interesse comercial dos fabricantes de roupa”, o “intrínseco erotismo de certos tipos de tecidos”. Nenhuma destas explicações se deixa elucidar fora do círculo das explicações ideológicas, desde que costureiros, industriais espoliadores e teóricos sobre o erotismo não pertencem a nosso quotidiano.
Instrumento e Objeto. O instrumento nos liga ao mundo, ou seja, ao transitório. A que nos relaciona o objeto? Ao “eterno”, “permanente”, ao “ideal”. O objeto é a presença em nosso quotidiano de algo que não pertence a este quotidiano. O objeto pessoal nos lembra o “momento de glória”, mas de onde vem a glória do momento? De sua valorização ideológica. O objeto público já tem o seu sentido dado claramente dentro sistema ideológico: o brasão de minha família tem uma águia porque a águia “é o símbolo da majestade”; a bandeira do país tem tais e tais cores porque “elas representam nossas riquezas e qualidades”.
Objeto e persona. Conforme se vê na analítica existencial_ da comunicação, os limites de minha pessoa para a “exterioridade”, para a “vida pública” são dados pelos limites de meu espaço pessoal, de minha persona. A persona é aquilo que me caracteriza para os outros; no meu escritório eu “sou” as minhas roupas espalhadas, os “fatos engraçados” que aconteceram comigo. Para o artista popular, ele será toda a mise-en-scène que seu diretor de espetáculo tiver preparado, ou a “imagem” que a agência publicitária programar para vendê-lo. O meio é a mensagem? Desde que o “significado” da pessoa é dado pelos objetos que a cercam e que a encobrem, no caso de nossa existência entre os outros não tem sentido separarmos o “significado” do objeto do próprio objeto. O objeto — seja ele uma coisa (chaveiro, roupa, estátua) ou “noção comum” — é seu próprio sentido. Compreende-se aqui o alcance da metáfora de McLuhan, embora ele não pareça sempre compreender a relação meio/mensagem desta forma.
A distância existencial. A forma de objetos, os meios de comunicação sempre existirão. Como objetos públicos, isto é, objetos de “sentido comum” para um grande grupo de pessoas, é certo que o nosso tempo se caracteriza pela alta difusão de ideologemas através de meios de comunicação. [Francisco Antônio Dória]