(gr. moria; lat. stultitia; in. Madness; fr. Folie; al. Wahn; it. Pazzià).
1. O que Platão chamava de boa loucura, que não é doença ou perdição, foi interpretada de dois modos diferentes: 1) como inspiração ou dom divino; 2) como amor à vida e tendência a vivê-la em sua simplicidade.
1) O primeiro significado encontra-se em Fedro, onde Platão afirma que “os maiores bens nos são ofertados através de uma loucura que é um dom divino” (Fed., 244 a). Essa loucura manifesta-se em quatro formas: a) loucura profética, base da adivinhação, arte de predizer o futuro; b) loucura purificadora, que permite afastar os males por meio de purificações e de iniciações no presente e no futuro; c) loucura poética, que é inspirada pelas musas (Ibid., 244a, 245a); d) loucura amorosa, a forma superior, à qual o homem é predisposto pela lembrança da beleza ideal, despertada nele pela beleza das coisas do mundo (Ibid., 249e). Obviamente, as três primeiras formas de loucura têm inspiração divina e são atribuíveis ao entusiasmo . O amor, entretanto, é loucura em sentido diferente, como aspiração ao ser autêntico, despertada por sua manifestação ‘’mais amável e mais evidente”, que é a beleza. Ora, este já é o segundo significado de loucura
2) No segundo significado, a loucura é de fato amor à vida em sua simplicidade, contraposta à sabedoria artificiosa e sombria, bem como à ciência de quem sabe tudo menos viver e amar. O Elogio da loucura (Stultiae laus, 1509). de Erasmo de Roterdã, é a mais famosa defesa desse segundo significado do termo. Eis como Erasmo traça o retrato do sábio estoico: “Ele é surdo à voz dos sentidos, não sente emoção nenhuma, o amor e a piedade não impressionam seu coração duro como diamante, nada lhe escapa, nunca deixa de duvidar, sua visão é de lince, tudo pesa com a máxima exatidão, nada perdoa; encontra em si mesmo sua felicidade, julga-se o único rico da terra, o único sábio, o único rei, o único liberto: numa palavra, julga-se o todo; e o mais interessante é que ele é o único a julgar-se assim”. Ora, pergunta-se Erasmo, quem não preferiria a este sábio “um homem qualquer, retirado da multidão dos homens loucos, que, conquanto louco, soubesse comandar os loucos e obedecer a eles e fazer-se amar por todos; e que fosse complacente com a esposa, bom para os filhos, alegre nos banquetes, sociável com todos com quem convive, e por fim que não se considerasse alheio a tudo o que pertence à humanidade?” (El, 30). A loucura de que fala Erasmo é a simplicidade da vida, que se satisfaz nutrindo ilusões e esperanças; ou, no campo da religião, é a fé e a caridade contrapostas às cerimônias exteriores, aos ritos mecanizados e à hipocrisia dos grandes banquetes (Ibid., 54). Essa forma de loucura nada tem, obviamente, com a inspiração divina, mas é humana, laica, e por isso seu elogio é um dos documentos mais significativos do Renascimento.