(lat. lingua; in. Language, Tongue; fr. Langue; al. Sprache; it. Lingua).
Um conjunto organizado de signos linguísticos. A distinção entre L. e linguagem foi estabelecida por Saussure, que definiu a L. como “conjunto dos costumes linguísticos que permitem a um sujeito compreender e fazer-se compreender” (Cours de linguistique générale, 1916, p. 114). Neste sentido, L., por um lado, é sistema ou estrutura e, por outro, supõe uma “massa falante” que a constitui como realidade social. Podem-se distinguir duas espécies de L.: 1) históricas, cuja massa falante é uma comunidade histórica: p. ex. italiano, inglês, francês, etc; 2) artificiais, cuja massa falante é um grupo que se distingue por uma competência específica; são as L. das técnicas específicas (às vezes chamadas impropriamente de linguagens); p. ex.: L. matemática, L. jurídica, etc. [Abbagnano]
Em toda competência e era qualquer desempenho de sua língua, o homem se comporta e se refere ao real em sua própria realização. Da perspectiva do discurso não há motivo para privilegiar nenhuma realização ou região do real. Nem a natureza prima sobre a história nem a história sobrepuja a natureza. Nenhum modelo de discurso prevalece sobre qualquer outro padrão de fala. O relacionamento com o universo das realizações faz com que toda língua se encontre com o real na construção de seu mundo e nas vicissitudes de sua história. Nos discursos da língua, os homens se aproximam, de maneira assintótica, do lugar da origem e se avizinham do espaço da morada de todas as coisas.
A referência ao universo nas línguas é assim tão originária porque conduzida pela verdade manifestativa e sustentada pela liberdade não negativa da realidade em silêncio. Sem dúvida, todos os empenhos e desempenhos se recomendam às peripécias de realização do real. Mas só a língua dá a palavra e, com a palavra, a oportunidade de silêncio às próprias coisas, ao real em si mesmo, em sua taumaturgia de ser e não ser. Na oportunidade, em que o discurso fala e, ao falar, se cala, acontece a subordinação do homem à realidade, tanto nas realizações que ele mesmo é, mas não tem, como nas realizações que ele mesmo tem, mas não é. É este serviço silencioso da realidade que proporciona às línguas o fundamento de possibilidade para uma liderança ontológica, embora limitada, no conjunto da existência histórica dos homens. Entretanto, para se compreender a referência especial ao universo que as línguas sustentam, e a conduta explosiva dos homens que elas lideram, é indispensável uma experiência do silêncio, que conduz e subtende a possibilidade de todo e qualquer discurso. O discurso cumpre a liderança ontológica da linguagem. É onde acontece a explosão da existência: um determinado modo de viver irrompe na totalidade do real e, nesta irrupção e por ela, a realidade emerge no vigor de seu silêncio em todas as realizações. [Carneiro Leão]
Quem estabelece teoricamente a diferença entre língua e fala é Saussure. E é esta distinção que vai servir de base à sua teoria. Saussure parte da natureza “multiforme e heteróclita” da linguagem, cuja unidade não poderá ser distinguida “pois ela participa ao mesmo tempo do físico, do fisiológico e do psíquico, do individual e do social” “Essa desordem cessa, se, deste todo heteróclito, se abstrai um objeto social puro, conjunto sistemático das convenções necessárias à comunicação, indiferente à matéria dos sinais que o compõem e que é a língua, em face do que se fala recobra a parte puramente individual da linguagem (fonação, realização das regras e combinações contingentes dos signos)”. A língua seria a linguagem menos a fala. É “a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo, que por si só não pode nem criá-la nem modificá-la”. Ela é autônoma; tem suas regras próprias, que não podem ser alteradas por um único indivíduo; é também uma instituição social, determinante das possibilidades da fala. A fala é um ato individual que se seleciona nos limites da língua e que a atualiza. Ela é constituída pelas “combinações graças às quais o sujeito falante pode utilizar o código da língua em vista de exprimir seu pensamento pessoal (…) e pelos mecanismos psico-físicos que lhe permitem exteriorizar estas combinações.”.
No seu plano de expressão, isto é, como objeto da teoria linguística, Ulmann distingue assim:
fala | língua |
codificação de uma mensagem | código |
atualizada | potencial |
individual | social |
livre | psicológica |
efêmera | fixa |
psico-física | movendo-se lentamente |
Pode-se explicar a última distinção do semanticista: “A fala tem dois aspectos diferentes, um físico, outro psicológico. Os sons efetivos são acontecimentos físicos, enquanto que os significados por eles expressos são fenômenos psicológicos. A língua, por seu lado, é puramente psicológica: é constituída por impressões de sons, palavras e aspectos gramaticais depositados na nossa memória, onde permanecem constantemente, ao nosso dispor, um pouco como o dinheiro depositado num banco (que continua à disposição da pessoa que o colocou)”. Se bem que o que Ullmann entende como psicológico na língua esteja longe de sê-lo, pode-se ter uma ideia das sub-diferenciações.
Barthes dirá que é impossível uma linguística da fala, “poi. toda fala, desde que é apreendida como processo de comunicação, já está na língua: só há ciência da língua”. Barthes mostra como Hjelmslev não recusou a concepção saussureana de língua e fala “mas redistribuiu seus termos de modo mais formal”. Hjelmslev opõe a língua à fala, mas distingue a língua em três planos: 1. o esquema, que é a língua como forma pura. É, por exemplo, o r brasileiro, “definido fonologicamente por sua situação numa série de oposições”; 2. a norma, que é a língua como forma material, já definida por uma certa realização social, mas ainda independente do detalhe desta manifestação”; como, por exemplo, o r oral brasileiro, independentemente de sua pronunciação (não a do brasileiro escrito); 3. “o uso, que é a língua como conjunto de hábitos de uma sociedade”; por exemplo, o r de certas regiões. “Entre fala, uso, norma e esquema as relações de determinação são variadas: a norma determina o uso e a fala; o uso determina a fala mas também é determinado por ela; o esquema é determinado ao mesmo tempo pela fala, uso e norma”. Com isto Hjelmslev formaliza mais adequadamente o conceito de língua — como esquema — e impõe uso ao invés da fala concreta. “Formalização da língua, socialização da fala, este movimento permite fazer passar todo o ‘positivo’ e o ‘substancial’ do lado da fala, todo o diferencial do lado da língua”.
Barthes mostra ainda que há vantagens na aplicação deste par dicotômico na semiologia. Entendendo a semiologia como “tendo por objeto qualquer sistema de signos, qualquer que seja sua substância e limites”. O modelo linguístico não pode ser seguido estritamente para os outros sistemas semiológicos. Por exemplo, no sistema automobilístico a desproporção entre língua e fala é bem menor que na linguagem, articulada já que o “falante” só pode escolher entre poucos modelos e uma pequena linha de acessórios diferenciais (e cores). O mesmo se constata no mobiliário ou no “sistema da moda escrita”.
Barthes acha que esta dicotomia vai gerar aquela entre estrutura e acontecimento. Cita Lévi-Strauss , onde este mostra que estuda o mito a partir da distinção entre língua e fala. Mas é bom lembrar que Lévi-Strauss o faz para distinguir entre o estrutural e o estatístico que, de modo algum, podem ser trazidos analogicamente para a dicotomia (a não ser através de uma instrumentalização rigorosa, que teria que levar em conta a teoria da cultura e da comunicação em Lévi-Strauss). A aplicação mecânica do método linguístico é arbitrária e, portanto nociva para os saberes humanos e sociais. (Chaim Katz – DCC)