(do lat. numerus, do gr. nomos, lei, norma. Corresponde ao gr. arithmos, de rythmós, do radical rhe, de onde rheô, do verbo rhein, que significa fluir).
Há, portanto, um parentesco entre número e ritmo. a) Para os pitagóricos há uma analogia em cujo logos ambos se identificam. O fluxo da criação implica o número. "Ritmo é a periodicidade percebida. Trata-se da medida em que tal periodicidade forma em nós o fluxo habitual do tempo. Assim, todo fenômeno periódico, perceptível aos nossos sentidos, destaca-se do conjunto dos fenômenos irregulares... para atuar só sobre nossos sentidos e impressioná-los de maneira totalmente desproporcionada à riqueza de cada elemento atuante", escreve Pius Serviano e Matila C. Ghyka sintetiza: "ritmo é a experiência do fluxo ordenado de um movimento".
Deste modo o ritmo está para o tempo assim como a simetria está para o espaço. A harmonia espacial (extensista) é simétrica; a harmonia temporal (intensista) é o ritmo. Para Pitágoras (o que é confirmado por todos os pitagóricos posteriores) que o arithmos era posótetes Khyma ex monadou synkeiménon, ou seja a série móvel que jorra (que flui) da Mónada. Arithmós é assim algo das coisas móveis, das coisas que conhecem mutações de qualquer espécies; isto é, daquelas que sofrem as mutações. Há arithmos (número) onde há geração e corrupção, onde há aumento e diminuição, onde há alteração, onde há movimento (transladação). Todas as coisas finitas portanto, que constituem a série das coisas criadas, são números, têm números. Todo ser finito caracteriza-se pela composição, pois o único ser absolutamente simples, de simplicidade absoluta, é o Ser Supremo. O Um (Hen Prote = um primeiro) não é um número, como não oéo Hen-Dyas aóristos (o um díada-indeterminada), pois este, sendo gerado por aquele (e note-se gerado e não criado), é ainda aquele em sua processão ad-extra. A geração do Hen-Dyas dá-se através de uma processão ad-intra, ainda no Ser Supremo. O Hen-Dyas (Um-múltiplo) de Platão é o Um em sua atividade criadora, que cria a díada indeterminada (a determinação que é o ato formativo de Aristóteles e a determinabilidade que é a potência-materiável). O número vai surgir na oposição entre determinação e determinabilidade, pois é a série móvel que flui da Mônada, o produto das relações entre os opostos na substância universal.
Fragmentos pitagóricos sobre os números:
Arithmou dé te pant’epoiken
"Tudo está arranjado (arrumado, construído) segundo (pelo) número". - Frase atribuída a Pitágoras, segundo Aristóxeno de Tarento.
Pythagóras panta ta prágmata apeikathôs tois aritmois.
"Para Pitágoras todas as coisas copiam (são modeladas, copiadas por) o número". Estes dois fragmentos pertenciam ao Catecismo Pitagórico. Pythagóran mathein tà peri tous arithmous pará Aigyptión.
"Pitágoras, através dos egípcios, é que teve conhecimento epistêmico dos números". - Aristóteles.
Panta tà gignoskómena arithmòn exonti.
"Todas as coisas se tornam conhecidas pelos números". (Frag. 3 de Filolau, cit. por Diels).
... ar, aitioion tón kai tou emai ôs óroi oinai stigmai tón megethôn.
"... os números são as caudas da substância e do ser. ... a título de limites, assim como os pontos determinam as grandezas". (Aristóteles in Met. 1092b-8, mas que se refere ao pitagórico Eurico de Tarento, discípulo de Filolau).
... pánta tàpr’gmat apeikázôn tois arithmois.
"Todas as coisas são feitas à imitação dos números". (Anônimo, cit. por Diels). ... arithmon stoikeia tôn ontôn stoikeia.
"o princípio do número é o princípio (elementos) do ser (ente)".
HINO ÓRFICO CONSAGRADO AO NÚMERO E ACEITO PELOS PITAGÓRICOS - "Desde o recesso imaculado da Mónada até o nome sagrado da Tétrada, de onde verdadeiramente surgiu a mãe fecunda de tudo, a qual, mais importante que tudo, envolve tudo, inabalável, eterna, a que os deuses imortais e os homens surgidos da terra chamam a Pura Década...
"Segundo Teon de Esmirna há onze tétradas (tetractys), das quais reproduzimos as principais:
1a) A formada pelos quatro primeiros números: 1+2+3+4=10. Era por esta que os pitagóricos juravam.
2a) A formada pelas duas progressões geométricas dos números pares e ímpares (1,2,4,8 e 1,3,5,7).
3a) A que reúne, segundo a mesma progressão, a natureza de toda grandeza. O ponto, a linha, a superfície, o corpo. ( Também descrita por Aristóteles em Peri Physeôs de modo um tanto distinto).
4a) A dos corpos simples e das figuras que a eles correspondem: água, ar, fogo, terra.
5a) É a das coisas engendradas: a semente corresponde à unidade e ao ponto, o crescimento em comprimento à diada e à linha, a largura à tríada e à superfície, e o crescimento em espessura à tétrada e ao sólido.
6a) A classificação de noetê, que é a das faculdades cognitivas e dos cognoscíveis. Nossa alma compõe-se de quatro partes: a inteligência (noûs), o conhecimento (epistéme), a opinião (doxa) e a sensação (aisthesis), segundo a classificação de Aécio.
Há ainda o que se refere à Trindade Transcendente do Deus Uno, simbolizada apelo triângulo com seus três lados, sendo que o quarto é a figura dada como totalidade.
Para Pitágoras havia dois números: aquele que está nas coisas e o que as coisas copiam, que servem de modelos às mesmas.
Aristóteles, a quem se deve em grande parte a confusão que há sobre o pensamento pitagórico, no livro Alfa da Metafísica, onde os examina, de modo geral, mas na verdade referindo-se à obra dos autores que ele conhecia e que, por serem menores, davam-lhe portanto uma visão parcial do pensamento pitagórico, concluía no 989 b. 30 que admitiam coisas matemáticas não pertencentes às coisas físicas, pois não as classificavam entre os seres com movimento.
As coisas matemáticas eram assim imóveis e imutáveis. Reconhecia que os pitagóricos não reduziam toda a realidade à realidade sensível, admitindo uma outra mais elevada que a das coisas físicas. Mas afirmava não compreender (990 A. 10) como essas coisas matemáticas, que seriam os números, poderiam operar a geração e a corrupção sem movimento e sem mutação. São estas as suas palavras: "Os pitagóricos não nos fornecem nenhum esclarecimento, nem nos explicam como podem operar a geração e a corrupção, ou as revoluções dos corpos que se movem no céu". Também não explicavam a leveza e a pesadez dos corpos. Nem tampouco as causas dos seres e do devir do universo material, pois perguntava ele "não há nenhum outro número fora desse numero, do qual o número seja composto? ":Será que o número que devemos compreender como representando cada uma dessas abstrações é o mesmo que aquele que está no universo, ou é um número distinto dele? Platão afirma que é um outro número. Contudo ele também pensa que todos esses seres, assim como suas causas são números; somente, para ele, os números inteligíveis são causas, e os outros são sensíveis".
Assinalava Aristóteles que os pitagóricos faziam confusão entre os números imanentes às coisas (números sensíveis) e os números a elas transcendentes. Daí encontrar-se ante a aporia: como os números poderiam, ao mesmo tempo, constituir as coisas, ser as próprias coisas, e ser a causa de sua existência? Esta pergunta de Aristóteles também foi a de Silvestre Maurus, e levaria à afirmação de que o número seria a causa sui ipsius, a causa de si mesmo, o que é um absurdo. Observa-se, desde logo, a influência da esquemática empírica de Aristóteles na compreensão dos números. E a aporia em que ele se encontra em face do pitagorismo é mais de origem subjetiva do que objetiva.
Platão, que não se pode negar, é um iniciado pitagórico, falava na distinção entre o número em sentido eidético e o número concreto, o número nas coisas. E se não bastasse a afirmativa de Platão para justificar essa tese, as sentenças anteriormente citadas seriam suficientes, pois nelas se vê que todas as coisas estão arranjadas, arrumadas, construídas segundo (pelo) número (epoike) e, noutra, as coisas da nossa experiência, as coisas sensíveis (tàprágmata) são cópias dos números.
A palavra pragma indica as coisas feitas, os efeitos, assim como praxis indica o fato da ação, o exercício da ação, o realizar algo. Estas coisas realizadas, efetuadas, são modeladas pelos números, pois a palavra apeikathos, do verbo apeikazô, copiar, representar, figurar segundo um modelo, e apeikasia, imagem, representação. Neste caso as coisas sensíveis são construídas pelos números e, por sua vez, copiam os números. Há assim o número que está na coisa, in re (concreto), e o número que antecede a coisa, ante rem, que a coisa copia (eidos). O primeiro é o número concreto, e o segundo o número eidético. Partindo daí, vê-se claramente que não se justifica a crítica aristotélica, pois as coisas não são causa sui ipsius, pois essas que são arranjadas, arrumadas, construídas por números, copiam o número eidético que corresponde à forma platônica. Este número é imutável e eterno, como imutáveis e eternas são as formas platônicas. O outro está nas coisas que sofrem mutações. Mas estes mesmos, que estão nas coisas, que são elementos constitutivos de uma totalidade, por sua vez copiam números eidéticos. E é fácil daí concluir-se que há números que são imutáveis. Assim um triângulo de madeira tem o seu número concreto, o número que está na relação das coisas que o constituem, mas esse triângulo copia a forma (arithmos eidetikos) da triangularidade.
A teoria platônica da participação, exposta em outros termos, tem um conteúdo idêntico à teoria da imitação pitagórica. Pois o participante, ao participar (metexis) imita o participado (mimesis). Há predominância deste pensamento em Platão, que é um dos mais fiéis intérpretes de Pitágoras. Há íntimas relações entre Pitágoras e o orfismo grego. Ao chegar ao Peloponeso, ele encontrou o orfismo numa fase de decadência, mas não destruído em sua totalidade; restava um foco órfico que permanecia imune à decadência que se processava na Grécia. Contam-nos os biógrafos de Pitágoras uma passagem em que ele teve contato com a sacerdotisa Teocleia, e foi recebido pelos sacerdotes órficos como um grande iniciado e mestre. Sabe-se ademais que Pitágoras nunca se afastou das raízes mais profundas do orfismo, e esse hino foi considerado indispensável nos rituais pitagóricos. Ele se incorpora de modo indubitável à estrutura do pensamento pitagórico e dele podemos partir para, dialeticamente, deduzir consequências que são coerentes com o seu genuíno pensamento.
Do Um (mônada) até alcançar-se o número sagrado da tétrada... mostra-nos que o Um antecede ontologicamente à tétrada, ou seja, o Um antecede a todos os arithmói. Esta antecedência é ontológica e não cronológica, e o dizemos porque é a tétrada a década pura (as dez leis fundamentais que envolvem tudo). Dela surge a mãe fecunda de todas as coisas, aquela que gesta todas as coisas e que envolve todas as coisas, inabalável, sem sofrer mutações, eviterna. É dela que surgiram os deuses imortais e os homens, isto é, simbolicamente, a máxima espiritualidade e a mínima. Ela gesta todas as coisas; é a pura década, esboçada nas dez leis do pitagorismo.
Este pensamento nos demonstra que o Um, como fonte e princípio de todas as coisas transcende a própria década que decorre dele ontologicamente. Este Um é ser, pois se não o fosse seria nada, e afirmar-se-ia o absurdo de que todas as coisas teriam surgido do nada, e que o nada poderia ter criado as coisas, o que o afirmaria, automaticamente, como ser, emprestando-lhe eficiência.
Definia Aristóteles o número como a multiplicidade medida pela unidade. Mas, neste sentido, logo se nota que o conceito aristotélico é meramente o quantitativo. No sentido pitagórico de grau de teleiotes, grau da perfeição para os iniciados, o número não é apenas a medida do quantitativo pela unidade, mas é também a forma, como proporcionalidade intrínseca das coisas, e pode ser tomado, como realmente o é, sob diversas modalidades.
Sintetizando: como o número, comumente não é mais do que uma expressão abstrata da quantidade, julgaram alguns que dentro dessa concepção, estivesse também a de Pitágoras. Mas se ele via também assim o número, não o via apenas assim.
A palavra número vem do gr. nomos, regra, lei, ordem. Pitágoras usava porém a palavra arithmos, como número em sentido genérico. A ordem é a relação entre um todo e as suas partes, e se considerarmos que onde há esta relação entre o todo e as partes há uma certa coerência, vemos que a ideia de ordem se torna enriquecida. Para o Mestre, o número é também esta ordem, esta coerência, que dá a fisionomia da tensão de um todo.
Na matemática vemos que o número não é apenas quantidade, mas também relação, e também relação de relação, ou seja, função. Para Pitágoras ele encerra sempre o numeroso, porque exige uma relação, e em toda relação há exigência de mais de um., O Um não é número. O Um é o todo. O Absoluto é o Um. Não se deve confundir com o um aritmético.
"A unidade é a oposição entre o limite e o ilimitado; a unidade serve de momento de tensão e de aproximação de dois gêneros de realidade". É um postulado pitagórico.
Podemos formar qualquer acepção sobre a essência, mas em todas elas uma nota é indispensável: na essência está sempre o imprescindível para que uma coisa seja o que ela é. Para uma coisa ser o que ela é, há de ter uma ordem; ou melhor, uma relação das partes com o todo, uma certa coerência, diferente das outras, para que ela possa ser o que ela é, e não o que as outras coisas são. Não é essa ordem número? Podemos dizer: todas as coisas têm o seu número (arithmos) ou a sua ordem, a sua essência, por isso todo conceito é número.
Para termos a vivência do pensamento pitagórico precisamos despojar-nos dessa concepção superficial de que o número seja apenas aquilo que nos aponta o quantitativo. Não; ele nos aponta, além do quantitativo, o qualitativo, o relacional, a modalidade, valores e outras categorias. Assim arithmos (o número) é quantidade, relação, função, tensão, lei, ordem, regra.
"Todas as coisas conhecidas têm um número, porque sem ele não seria possível que nada fosse conhecido nem compreendido". (Filolau, frag. 4).
Se atentarmos para os fatos que constituem o nosso mundo, e nesse conceito devemos incluir todos os corpos e os fatos psíquicos, vemos que eles não constituem, todos, uma coerência, ou para usarmos da nossa linguagem, tensões estáticas, paradas, inertes, mas constituem tensões dinâmicas que se processam, que passam de um estado para outro, que tomam uma direção. O número é por isso também processo, ritmo, vetor, fluxo.
Os fatos que constituem o mundo apresentam-se ora semelhantes entre si, ora diferentes, como também nos mostram que ora se completam, sem se repelirem, ora não. Quando dois fatos opostos se colocam um em face do outro e formam uma relação, uma concordância, um ajustamento, como se constituíssem algo novo eles se harmonizam. Todos temos, através da música, uma experiência da harmonia. Via Pitágoras como o ponto ideal, já revelado pela própria natureza para todos os fatos inclusive os do homem, a harmonia, que é uma resultante do ajustamento de aspectos opostos e só pode dar-se onde há oposições qualitativas. Dois seres iguais não se harmonizam, apenas se "simetrizam". Para dar-se a harmonia é necessário que existam outras diferenças, distinções que não apenas a numérica. O nosso universo compõe-se de unidades diferentes e, quando elas se ajustam entre si, realizam a harmonia.
Na estética não devíamos procurar apenas a harmonia da simetria, mas a harmonia dos opostos, em movimento (khiasma). E foi através deste pensamento que a arte grega, ao realizá-lo, conseguiu criar algo de novo no campo da estética, o que veio colaborar, eficientemente, para a eclosão do chamado "milagre grego". Observou Pitágoras, estudando a harmonia, que obedecidas certas relações, ela se verificava. Essas relações constituem os chamados "números de ouro", de um papel importante em todas as artes e em seus períodos. Dessa forma é a harmonia o ideal máximo dos pitagóricos, a qual consiste em ajustar os elementos diversos da natureza. O arithmos é também harmonia.
Certas combinações, obedientes a certos números e em determinadas circunstâncias são mais valiosas do que outras. Desta forma os números são também valores, porque nos revelam valores, por possuírem eles, quando realizados, um poder capaz de efetuar algo benéfico ou maléfico. Como os valores tanto podem ser positivos como opositivos, e como através dos números realizamos e atualizamos poderes, os números são também mágicos. A palavra magia encerra sempre a ideia de um poder maior que se pode despertar.
O Um (Hen) que é só (Holos, em gr., só) é a fonte emanadora de tudo. Os arithmoi arkhai (de arkhé, supremo) são os princípios supremos que advêm do Um. Da cooperação desses arithmoi arkhai só cognoscíveis pelos iniciados e que são os poderes supremos, surge a organização do Kosmos ( que significa ordem universal). (Note-se a influência dos arithmoi arkhai nas formas (eide) platônicas, que nada mais são que símbolos dos arkhai pitagóricos exotericamente expostos por Platão).
O Um, como fonte suprema emanadora dos arithmoi arkhai, gerou o Um. O Um é ato, eficácia pura, simplicidade absoluta, portanto ato puro. Sua atividade (verbum no latim) é de sua própria essência, mas representa um apelo porque na atividade é sempre ele mesmo (ipsum esse dos escolásticos), embora represente um outro papel (persona = hypostasis) o entendimento, mas é a mesma substância do Um supremo, ao qual está unido, fusionado pelo amor, que une o Um ao Um, o que forma a primeira tríada pitagórica, que bem estudada, em pouco difere da trindade cristã exposta por Tomás de Aquino. O Um mais o Um gerado por ele e o amor que os une formam a tríada pitagórica, simbolizada pelo triângulo sagrado de lados iguais.
Na emanação (processão ad extra, pois a anterior entre o Um e o Um e o amor, a processão é as intra), surge o Dois, a Dyada. O ser toma os modos extremos de ser que, sendo inversos, são identificados no ser. Surgindo o dois que se heterogeneiza, todas as combinações numéricas (arithmetiki) são possíveis.
O arithmos é também conceito; pois o conceito é um arithmos de notas (skhema por aphairesis, isto é, esquema por abstração).
O Um gera o Um, na processão in intra da trindade pitagórica, muito semelhante à cristã. Na processão ad extra, que é criação, ele gera o um (substância universal) que é díada - dois - no seu funcionar:
é quantidade (arithmos posótes);
é qualidade (arithmos timós);
é relação (arithmos poiá skesin);
é função (arithmos skesis);
é lei, ordem, regra (arithmos nómos);
é processo (arithmos proodos ou kéthados) cujo movimento inverso é conversão (episthrophe), que realiza o retorno efetivo (ánados). Estes arithmoi surgem dos arithmoi arkhai e são produzidos pela emanação do Um e retornam a ele depois de se combinarem com outros arithmoi.
Fluxões (arithmos khyma) pelos quais matematizavam os pitagóricos os estudos sobre as emanações e os fluxos de qualquer espécie (da luz, por exemplo). O número ritmo (arithmos rythmós), número periódico; os conjuntos são números (arithmos plethos); e quando se tornam tensões são arithmoi tónoi.
Pitágoras preocupava-se com a conjunção de números que produzem aspectos qualitativos passageiros, diferentes dos elementos componentes, como a percussão de notas diferentes formando um novo aspecto qualitativo. Daí os número sinfônicos ( arithmoi symphónikoi), que por sua vez formam os números da harmonia (harmonikoi arithmoi). As proporções de toda espécie levavam a construir o número analógico (analogikós arithmos).
Ainda outros números pertenciam à matemática pitagórica. Temos os números de crescimento punctual que nada mais são que os números segmentos de Dedekin, os chamados dynamei symetroi ( números comensuráveis em potência) e outros como os sympathetikoi arithmoi e antipathetikoi arithmoi, que são totalmente diferentes do epistemikós arithmos, o número científico da matemática profana.
Só colocado nesse verdadeiro sentido pitagórico pode-se compreender a sua simbólica, o que aliás é matéria da aritmosofia, que estuda a sua significabilidade. Não se pode esquecer porém, que nos diversos mitos religiosos, ele tomado neste sentido pode parecer à primeira vista como tendo um valor em si mesmo, quando na verdade de per si não é um poder, mas apenas um apontar do poder, que se refere aos chamados arithmoi arkhai, os números arquetípicos.
Os fenômenos naturais e suas leis nos levam a coeficientes que são números e todas as coisas do mundo cósmico são aritmonômicamente realidades que imitam certos números. Os cristais, plantas, homens, estrelas, sons, spectra químicos revelam números e uma lei numérica que é a mesma. A matemática mostra-nos como o número é um instrumento extraordinário para o nosso conhecimento, a ponto de quando não podemos reduzir a números um fenômeno, sentirmo-nos como no vácuo.
Segundo Pascal "há propriedades comuns a todas as coisas, cujo conhecimento abre ao espírito as maiores maravilhas da Natureza". E são tais "propriedades comuns" que analogam os fatos uns aos outros e permitem captar as referências aos números, indicando-nos a simbólica que surge através dos tempos.
Reconhecia Leibniz que a "linguagem matemática" poderia nos comunicar muitos dos segredos da natureza, e não foram poucas as vezes que se repetiu na filosofia que a matemática é a linguagem de Deus, e que a divindade construiu o universo como um perfeito matemático, cuja simbolização vemos em muitas manifestações artísticas religiosas, inclusive no cristianismo.
O números foram estudados desde os tempos mais remotos, e há referência entre os vedas, egípcios, caldeus, babilônios, gregos e os primeiros padres da Igreja. Em geral para os pitagóricos eles eram entidades intermédias entre o Ser Supremo, o Um, que não é número e os outros seres, nos quais por serem criados e consequentemente finitos, o número é, em parte, um limite negativo, pois indica onde este ente é o que é, como também positivamente o que é, seu quid, pois a forma como morphê, ou eidos ou skhema, no sentido aristotélico é número, o que Aristóteles em parte compreendeu. A forma aristotélica corresponde à forma pitagórica, que é a lei de proporcionalidade intrínseca dos seres, pois se este é isto e não aquilo, o é por ter uma certa proporcionalidade intrínseca que é o seu arithmos.
Salientava Santo Agostinho que "a ininteligibilidade dos números impedia de entender-se muitas passagens figuradas e místicas das Escrituras".
Para o genuíno pitagorismo podemos considerar o conjunto dos seres criados segundo duas tríadas, a inferior e a superior, que nos oferecem uma visão clara da realidade. Se partimos das coisas sensíveis, como os seres mais diretamente em contato com os nossos sentidos, é fácil desde logo perceber que eles são constituídos de uma estrutura geométrica, revelada pelas suas dimensões. Essas estruturas geométricas podem ser reduzidas a números matemáticos (arithmói mathematikoi), como o realiza, por exemplo, a álgebra, a geometria algébrica, etc. Dessa forma a tríada inferior é formada de : números matemáticos, estruturas geométricas, coisas sensíveis, os quais podem ser esquematizados pela matemática, como realmente se faz. Mas absolutamente não se esgotam as possibilidades esquemáticas de conhecimento das coisas, se as consideramos apenas dentro dessa tríada. E tal logo transparece porque as coisas revelam uma proporcionalidade intrínseca, um esquema que as faz ser o que são e não outra coisa, em suma: a sua forma. Essas formas (comumente chamadas de ideias platônicas) constituem o ponto de ligação com a tríada inferior. As formas já não são objetos do conhecimento sensível, mas de um conhecimento intelectual, pois exigem uma atividade abstratora do espírito que separa do fantasma (phántasma, do que aparece, surge, vê-se; phaos, luz) o esquema eidético (eidos, morphê) da coisa, aquilo pelo qual (quo) a coisa é o que ela é e não outra, essa proporcionalidade intrínseca, esse arithmos plethos (esse número de conjunto proporcional), que revela um arithmos tonós (uma tensão, uma coerência das suas partes com o todo).
Não importa o plano em que é considerada. E é fácil compreender-se: aquele quadro é um retrato, uma figura humana de um colorido harmônico. Se visto num microscópio representaria apenas grânulos de cores diversas sobre o pano, e se não permitisse, nesse estado, a mesma visão de conjunto, a captação do seu arithmos plethós, tal não impediria que o espectador, neste conjunto de coordenadas, o veja como um retrato de tal ou qual pessoa. A sua forma, nesta relação, é esta e, noutra, apresentará uma heterogeneidade de forma. Se aqui o vemos como um todo (plethós), noutra posição vê-lo-íamos como um ser heterogêneo de outras totalidades, sem que tal exclua que, neste conjunto de coordenadas, constitua um todo coerente, uma tensão diferente das tensões dos elementos que o compõem, os quais, por sua vez, podem formar outras tensões com elementos heterogêneos e assim sucessivamente. Este ponto nos revela que as formas substanciais, sobretudo, são o arithmos da tensão que, por sua vez, é um esquema coerente que implica o heterogêneo pois, como tensão (tonos) é um e homogêneo, mas heterogêneo nas partes que são transcendidas pelo todo, que forma uma unidade qualitativamente diferente das partes componentes, as quais, na totalidade, podem ser consideradas apenas quantitativamente. Desse modo, a forma não é um ser sensível, não é uma coisa subsistente de per si, mas que se dá na coisa, pois a coisa é o que é pela forma que tem; isto é, pela esquemática que apresenta a proporcionalidade intrínseca de suas partes. Até aí alcançou Platão nos diálogos, porque é o campo exotérico do pensamento pitagórico.
Essas formas são imitadas pelas coisas, pois são estas de isto ou daquilo. Assim, num triângulo de madeira ou de ferro, a triangularidade, por exemplo, é o esquema das proporções intrínsecas deste triângulo de madeira, que é triângulo, não por ser de madeira, mas por participar da proporcionalidade dos ângulos que constituem a sua essência. Desse modo o esquema eidético do triângulo é a lei de proporcionalidade intrínseca da triangularidade, imitada (em sentido pitagórico) por este ou aquele objeto, ou participada (no sentido platônico) pelo mesmo. Mas este ou aquele objeto não são a triangularidade, mas apenas triângulos porque participam da triangularidade. Esta não é um ser subsistente de per si, como algo que ocupasse uma estância. A triangularidade não tem um onde nem um quando. Ela não acontece aqui ou ali. Ela é e subsiste no ser, na ordem do ser; melhor ainda, no poder infinito do ser. É um poder-ser a triangularidade que as coisas sensíveis aqui ou ali imitam, triangularizando-se pela proporcionalidade intrínseca que tem, E deste modo o esquema noético-eidético que construímos no espírito é a enunciação dessa lei da proporcionalidade do triângulo, em termos intencionais, em termos noéticos, segundo o nosso espírito e sua capacidade de assimilação e de construção de esquemas, que capta nos fatos a triangularidade. Portanto para o platonismo como para o pitagorismo o esquema eidético da coisa pertence à onipotência do ser; é, portanto, ante rem. Na coisa temos o esquema concreto por imitação (mimesis); ou seja, in re e, na mente humana temos o esquema noético-eidético post rem (depois da coisa). Por essas razões, por não ter um aqui nem um onde, os eide não tem figura (determinação qualitativa da quantidade) nem determinações limitativas de nenhuma espécie. Não podemos por isso para bem entendê-los, reduzi-los à esquemática de nossas intuições sensíveis (phantasmata), como pretendem aqueles que não entenderam bem essa doutrina.
Não é possível entender-se devidamente nem o pensamento platônico nem o pitagórico se não os colocarmos nos termos que acabamos de expor. Temos com as formas o primeiro elemento da tríada superior. Mas elas revelam uma estrutura ontológica que corresponde, no campo eidético, às estruturas geométricas no campo da tríada inferior, no das coisas sensíveis. A proporcionalidade intrínseca das coisas, o arithmos eidétikós, apresenta uma estrutura ontológica, enquanto as coisas sensíveis apresentam uma estrutura ôntica, singular. Essa estrutura ontológica revela os arithmoi arkhai, os números arquetípicos que são imediatamente inferiores ao Um, o Ser Supremo, a Divindade, que não é número, porque ele pertence à multiplicidade, ao que é dual, à díada, como se vê no pensamento esotérico do pitagorismo.
Dessa modo teríamos as duas tríadas dispostas da seguinte maneira:
Tríada superior
arithmoi arkhai (números arquetípicos)
Estruturas ontológicas
formas (arithmói eidetikói)
Tríada inferior
números matemáticos (arithmoi mathematikoi)
estruturas geométricas
coisas sensíveis
No campo da simbologia poderíamos portanto dizer que as coisas sensíveis participam das estruturas geométricas, das figuras, dos números matemáticos, das formas, etc. Deste modo, as coisas podem simbolizar o mais alto até alcançarem os arithmoi arkhai.
Podemos simbolizar por meio de figuras que são estruturas geométricas um ser sensível; por exemplo, uma expressão cubista de Napoleão. Teríamos uma aparente inversào, pois o participante seria simbolizado pelo participado. Mas não é bem assim, Ao simbolizarmos Napoleão por uma figura cubista, há a associação através da figura do Corso, reduzida a um esquema figurativo. Não se trata aqui de uma simbolização completa, mas de uma cópia, imitação da sua estrutura geométrica. O símbolo inclui mais em sua linguagem, pois dirige-se ao eidético, por exemplo, ao simbolizarmos Napoleão por uma águia.
O símbolo contém algo do imitativo, pois não há assimilação sem uma correspondente acomodação, o que implica imitação. Mas se a imitação é um co-princípio do símbolo, não é de per si bastante para indicar-lhe a essência, porque do contrário teríamos de incluir, na espécie do símbolo, todas as imitações.
Se o figurativo pode simbolizar, como a forma cilíndrica simboliza o phallos, propriamente não há aqui a revelação do oculto, que é também característica do símbolo que o aponta. Tal não implica que o figurativo não possa simbolizar, mas apenas o faz parcialmente, porque aponta a figura do simbolizado imediato. Simboliza ao apontar o simbolizado e, ao tornar presente uma nota ou notas do mesmo, não contida no símbolo, que estão ocultas, porque são do simbolizado. O símbolo aponta, elo imitativo, o simbolizado, mas não pretende apenas isto, mas o que é do simbolizado não contido no símbolo. O símbolo é assim sempre menos que o simbolizado, tomado hierarquicamente, porque ele participa de algo do simbolizado que é o participado, e participa em grau menor do que o outro tem em plenitude. O símbolo é um meio de tornar presente o que está ausente. Portando não é apenas o imitativo que deve ser considerado, mas o que é mais no simbolizado.
Essa igualdade há, mas implica a presença do que os diferencia. O prazer estético que provoca a simbólica na arte está nesse seu aspecto. De per si a obra de arte diz o que ela é no seu aspecto figurativo, mas como aponta além e faz gozar de uma plenitude, oferece o gozo estético, que vai além da mera captação sensível, pois do contrário consideraríamos a arte apenas do ângulo da estesia, do ângulo dos sentidos, sem considerá-la do ângulo do espírito, o que é importante. A emoção estética é complexa não só da intuição imediata do que ela expressa exteriormente, mas da intuição apofântica, portanto mística, que permite uma penetração no intrínseco da obra de arte que é vivida em graus diferentes segundo a capacidade do espectador. Esta é a razão porque a arte nunca pode ser exclusivamente realista, no sentido abstratista que toma este termo, como cópia da realidade. De qualquer forma, essa mesma realidade fala uma linguagem simbólica e essa é a razão porque os realistas são "realistas impossíveis", pois quer queiram quer não, vão além de suas intenções conscientes. Toda arte é assim, em seus meios de expressão, realista, mas é simbolicamente transcendente, apesar da intencionalidade do artista; por isso permite uma interpretação simbólica, muitas vezes em desacordo com as "primeiras intenções" do artista, que não deixam de denunciar as "segundas intenções" que nem sempre é capaz de perceber.
Podemos classificar os números (aithmói) dentro das ciências que os incluem como objeto material:
(arithmói) números
puros = arithmologia
científicos = arithmos epistemikós
sensíveis = arithmos logistikós (número de cálculo)
Números científicos segundo Nicômaco de Gerasa:
1) Multidão limitada (posótes). É o número quantitativo, abstração da quantidade.
2) Composição de mônadas (plethos, tonós). Classes de classes.
3) Fluxo (khyma).
Dava Nicômaco a seguinte definição da segunda espécie: "Os pitagóricos consideravam todos os termos de uma série natural dos números como princípios, de maneira que três (a tríada) é o princípio do três entre os objetos sensíveis, e quatro (a tétrada) o princípio de todos os quatro, etc. ".
É semelhante esta definição à que oferecem alguns logísticos modernos dos números como "classes de classes".
Os números puros, que constituem a matéria da Aritmologia, são assim definidos por Nicômaco: "Os princípios (arkhai) no sentido de origens do Número e de tudo e de todas as coisas, são o ‘Mesmo e o Outro’, ou a qualidade de ser a mesma coisa ou de ser outra coisa".
A relação entre dois objetos ou grandezas é o arithmos skesis. E a harmonia, segundo Filolau, é "a unificação do diverso e a colocação em concordância do discordante". Assim, as essências das coisas, as Formas, são também números. Há os que identificam a forma com a essência e estas com o número, Mas apesar de tudo há necessidade de distinguir. A forma eidética, como exemplar na ordem do Ser Supremo, é ante rem. As formas, nas coisas, as formas concretas, in re, são as leis de proporcionalidade intrínseca, que constituem a estrutura formal das coisas sensíveis, os eidola (formazinhas) de Platão. As formas eidéticas noéticas que cabem na definição lógica são in intellectu post rem; são construídas segundo a intencionalidade humana, as quais nada mais são que os conceitos. Estes podem ser concebidos logicamente quando esvaziados de todo conteúdo pragmático, tomados apenas em sua estrutura lógica, seguindo as normas aristotélicas que cabem na definição, que é igual ao gênero próximo e à diferença específica, e o conceito histórico-social, forma noética, na qual há a contribuição das experiências humanas, cuja reação é imensa e cabe à esquematologia estudar.
Colocado o número (arithmos) nesse genuíno sentido pitagórico, desde logo se desfazem as inúmeras interpretações falsas; clareia-se, de modo definitivo, o verdadeiro pensamento do mestre de Samos. Compreende-se que a matemática, no sentido de Pitágoras, não é a matemática comum. Esta está incluída naquela, mas não abrange a totalidade do pensamento matemático. A fim de se evitarem as confusões tão comuns, preferimos chamar de metamatemática a esse teorizar pitagórico, já que o termo matemática está definitivamente comprometido.
Os erros de que está cheia a análise aristotélica e que decorrem do desconhecimento do legítimo pitagorismo por parte do grande Estagirita (o que é aliás aceitável) desde que compreendamos que o pensamento pitagórico era em sua época e ainda é um pensamento proibido, que permanece desfigurado, desvirtuado e falsificado. Não é de admirar pois que muitos sejam pitagóricos sem o saber. E é essa a razão que nos leva a afirmar que Pitágoras fecundou mais, que qualquer outro, o pensamento ocidental!
Os fundamentos da dialética socrático-platônica têm suas bases na relação aritmética, examinada pelos pitagóricos, que aritmética se revela:
Pela percepção de uma relação funcional ou de uma hierarquia de valores entre dois objetos do conhecimento; a
Discernimento ou comparação de valores, qualitativo ou quantitativo a / b.
Forma de fração com propriedades de fração, o que equivale ao quociente de a por b; isto é, número.
Para Euclides a proporção é "a equivalência de duas relações". Na analogia exigem-se (analogia de proporção) três termos pelo menos: a / b :: b / c
E é no logos de b que se processa a analogia, pois é ele que analoga, já a está para b na proporção em que b está para c.
Platão dizia no Timeu que é "impossível combinar bem duas coisas sem uma terceira; é preciso entre elas um laço que as reuna". Esse laço é o logos. E sempre que há uma analogia de proporção é possível, entre dois termos, tirar uma resultante para a dialética socrático-platônica. Entre duas premissas particulares analogadas, Sócrates induz o logos analogante (pois a dialética socrático-platônica é predominantemente indutiva ao invés da aristotélica).
Vejamos este exemplo clássico: "O leão é o rei do deserto. D. Manuel é o rei de Portugal". Dessas duas premissas particulares nada se pode deduzir dentro dos cânones aristotélicos. Mas dentro dos cânones socráticos é possível induzir, desde que encontremos os logos analogante. Tinha razão Aristóteles ao dizer na Metafísica que Sócrates era o criador das razões indutivas, dos logoi indutivos.
Essas duas premissas podem ser reduzidas a uma proporção (analogia). Como o rei domina o seu reino, o leão domina o deserto. Mas se há semelhança entre ambos, podemos ainda salientar as diferenças, pois o reinar do rei é diferente do reinar do leão, mas afinal através das induções socráticas alcançamos a um logos analogante que é este: o relativamente mais poderoso domina sempre no campo respectivo de suas atividades. Ora, o leão é o relativamente mais poderoso no deserto, dominando assim no campo respectivo de suas atividades como o rei domina no reino. Ora, esse logos analogante pode ser reduzido genericamente ao de que o "agente atua proporcionadamente à sua natureza e proporcionadamente ao campo de sua atividade". Essa proporcionalidade, por sua vez, reduz-se genericamente ao logos de que "o agente atua e o paciente sofre proporcionadamente às suas naturezas". Por sua vez tal se dá pela lei do Ser, já induzidas pelas teses examinadas, pois se o agente atuasse além da sua natureza, o suprimento viria dele ou de outro ou do nada. Se dele, então ele já o conteria, já era poderoso e, portanto, sua ação seria proporcionada à sua natureza; se de outro, ela seria proporcionada ainda à sua natureza e ao suprimento por outro, que seria então o agente. Do nada, é absurdo. Portanto, o consentâneo e o congruente é que o agente atue proporcionadamente à sua natureza ou seja: a atuação é analogada à sua natureza, a ele mesmo.
Segundo Stobeu (cit. Por Aristóxeno) a primeira noção que Pitágoras ensinava aos discípulos é a do par e do impar, antes de entrar no exame do número. Os atuais estudos sobre a noogênese infantil e sobre os primitivos modernos nos revelam que o par e o ímpar antecedem, de certo modo, a formação das ideias de números. E é compreensível que a ideia de paridade e de imparidade presida sempre toda atuação humana e esteja presente sobretudo, pois processa-se através da com-par-ação dos estímulos do mundo exterior, uns com os outros, vem como através da assimilação psicológica, que se realiza através da acomodação-assimilação psicológica; ou seja, da acomodação dos esquemas aos fatos e a assimilação deste aos esquemas. A paridade preside sempre toda atuação humana e está presente, sobretudo, na formação do Eu ao distinguir-se cada vez mais o homem ante a sua consciência de o mundo exterior. A imparidade surge do imprevisto, do inaudito, do jamais visto, do que não permite com-parar de imediato com algo, que lhe é de certo modo igual.
A imparidade ou também a disparidade é a ausência da paridade e se revela no que não tem correspondência, simetria, igualdade com outro ou semelhança até.
Dizia Pitágoras que o par é o ápeiron, o ilimitado, porque entre suas duas partes resta o nada, enquanto o impar é peras, limitado, porque ao dividi-lo em duas partes iguais subsiste sempre entre elas uma unidade indivisível que é o par-impar.
O número é para Pitágoras uma combinação, uma harmonia do par e do impar, da paridade e da imparidade. Sendo o número o "esquema da participação" neste há a paridade entre participante e participado, e a imparidade da participação, pois esta não se dá por composição física, mas apenas formal, como já demonstramos ser o fundamento da mimesis pitagórica, pois o imitante não se compõe fisicamente com o imitado, mas apenas o reproduz formalmente, proporcionalmente à natureza do imitante. Neste caso o esquema da participação é uma combinação de par e ímpar para permanecer numa linguagem aritmológica.
(Combinar vem de cum e bini, e este de bis, do arcaico dois e do dis, gr., que significa duas vezes, uma-e-outra-vez. Combinar é unir, é ordenar duas coisas). O número (arithmos) enquanto tal é a ordenação harmônica do par e do ímpar, do ilimitado e do limitado, do infinito e do finito). É o número uma harmonização do ilimitado com o limitado. São os dez primeiros números realmente os fundamentais, pois os outros são apenas repetições daqueles. Deste modo a década compreende todos os números com suas propriedades.
Segundo Filolau, grande e toda poderosa, a fonte de tudo, começo e modelo de todas as coisas. É o número do universo. Sem a década tudo é misterioso, confuso, obscuro. Tal simboliza o perfeito e encerra em si a essência de todos os números. Tem um número igual de pares e de ímpares, e o Um, que é par-ímpar, o primeiro par, o primeiro ímpar e o primeiro quadrado, o quatro. É constituída da soma dos quatro primeiros: 1+2+3+4=10.
A década é a tetractys das 10 leis (logoi) universais, que são a revelação dos princípios que regem todo o Universo, princípios de todas as coisas. Segundo Chaignet: "Os dez primeiros números, cuja década é o limita, no dizer dos pitagóricos, explicam a infinita variedade das coisas, desde a simples erva até o sol, desde a realidade mais material até os atributos, os modos, as propriedades das coisas, até os próprios deuses".
A aritmética pitagórica é geométrica e, inversamente, sua geometria é aritmética, pois os números são distinguidos por seus caracteres geométricos. Mas essa distinção se fundava apenas na visão de 1o grau da matemática, que era a do iniciado no grau de paraskeie, grau do aprendiz. Assim os números eram representados por pontos e linhas tendentes a formar figuras, como se vê nos manuais de filosofia.
Aristóteles afirmava na Metafísica que os pitagóricos consideravam os números como : a) princípio de todas as coisas; b) substância de todas as coisas. Mas afirmava que eram, para eles, extensos, pois a própria Mónada era extensa. O número seria, assim, duplicemente matéria e forma das coisas, ou melhor: a forma e a matéria das coisas eram números. E assim como há a oposição de forma e matéria, pois ambas são positividades colocadas uma ob à outra, os números são também opostos. Par e Ímpar, um limitado e outro ilimitado, etc. E afirmava ainda Aristóteles que para os pitagóricos o Um procederia do conjunto de dois números, pois era simultaneamente par e ímpar. Mas o número procede do Um, e é de números que é constituído todo o Universo (in Metafísica, 986 a 19-21).
Depois de colocadas essas teses, era-lhe fácil mostrar como estava eivado de absurdos o pitagorismo. Mas, na verdade, Aristóteles conhecia pouco o pitagorismo; talvez a obra de alguns pitagóricos maiores, mas fragmentariamente, ou de simpatizantes menores que eram seus contemporâneos. Sabe-se que o pitagorismo na Grécia esteve "fora da lei". Não se conclua daí que tudo quanto Aristóteles tenha escrito sobre o pitagorismo seja falso. Há contribuições valiosas e assim o número, a partir da unidade, procede de duas maneiras. Por adição da unidade com ela mesma, passando-se do um para o dois, do dois para o três, pela adição de uma nova unidade ou, então, pela multiplicação da unidade. Ora, tais operações não pode sofrer o número se ele não participa, simultaneamente, da Unidade e da Multiplicidade. Os números são compostos de mônadas; é uma multiplicidade de mônadas. E formalmente é uma mónada singular, um ente unificado. É uma unidade numerada ao fazer parte de um número (matéria), e uma unidade numerante, ao unificar formalmente o número. E daí afirmar Aristóteles que os números participam do Um, que é o seu princípio formal, e da Díada indeterminada (a multiplicidade) que é o seu princípio material. E se assim é, o Um e a Díada terminam por transcender a todos os números, pois estes deles participariam.
Se há aí muitos erros quanto ao pitagorismo genuíno, há contudo muita verdade. Mas o que há de verdade é o que há de platonismo em Aristóteles. Propriamente os números não surgem do Um numa criação ininterrupta. Eles são ab-aeterno no Um Supremo e potencialmente in infinitum.
A multiplicidade implica a antecedência ontológica do Um, pois os entes finitos implicam a antecedência ontológica do Ser. O dois que nasce de uma adição é o dois da aritmética, não o dois como arithmos eidético. Todos os números já estão dados na ordem do ser e, por isso, são eles, de certo modo, infinitos e jamais a mente humana poderia limitá-los, porque os pensamentos do Ser Supremo são, de certo modo, infinitos, porque infinito é o seu poder.
O genuíno pitagorismo, em grau iniciático mais elevado, não diz outra coisa. assim como o mostramos em O Um e o Múltiplo em Platão, que as formas são infinitas, porque são ante rem os pensamentos do Ser Supremo, os seus poderes que não conhecem limites, os números também o são. E a aprova apodítica dessa tese apresentamo-la em Filosofia Concreta.
Aristóteles como empirista não podia compreender o número infinito senão como potencialmente infinito. Mas sendo o poder do Ser Supremo uma potência ativa infinita, porque pode tudo quanto pode ser e como o poder-ser só poderia ser imitado pelo nada absoluto, que é absurdo, e está total e definitivamente eliminado pelas provas que fizemos naquela obra, o seu poder é potencialmente infinito. Mas o poder infinito do Ser Supremo, nele é ato e como possíveis de se realizarem nas criaturas, os números são, nele, de certo modo, atualmente infinitos porque são da infinitude da sua atualidade.
Como forma o número não é um conjunto unificado, porque a forma, tomada em si mesma, não é uma multiplicidade, mas uma unidade. Se podemos para permanecer no aristotelismo considerar o homem como animalidade e racionalidade, a forma humana não é uma unidade composta do múltiplo animalidade mais racionalidade, um ser composto no sentido físico. As estruturas, aqui, são ontológicas e não físicas. Animalidade e racionalidade distinguem-se no homem, mas apenas ontologicamente. Na realidade, a racionalidade humana já inclui a animalidade. É apenas um grau de perfeição que inclui a anterior. Assim a triangularidade, enquanto tal, não é produto de uma soma de lados, como o é este triângulo, mas é uma estrutura formal de per si, pois do contrário o quadrado seria um triângulo ao qual se acrescentou um lado a mais. Se este quadrado pode ter facticamente surgido ele não surge de uma modificação sofrida pela triangularidade pois esta continua sendo tal, embora este triângulo de madeira vá compor, agora, incluindo-lhe outro lado, um quadrado. Estamos em pleno platonismo, mas também em pleno pitagorismo, o pensamento do mestre de Aristóteles é fundamentalmente pitagórico, no sentido que se deve dar a essa doutrina. Se as coisas materiais são números, não quer dizer que número seja a matéria, no sentido que se costuma dar a esse termo, o físico. A díada indeterminada do Pequeno (dyas aóristos) de a aptidão ao máximo e ao mínimo, ao mais e ao menos, à adição e à diminuição. Aristóteles acaba por concluir que o Um é, como princípio material, anterior à Díada, mas como princípio formal lhe é posterior. Julga-se que as especulações em torno do Um-Díada-indeterminado surgem no pitagorismo talvez desde os primórdios. Esse é o pensamento de Aristóteles.
Nas Memórias Pitagóricas, Polyhistor refere-se que: "O princípio (arkhê) de todas as coisas é a Mônada. É dela que a Díada indeterminada tira a sua existência, a título de matéria para a Mônada que é causa; da Mônada e da Díada indeterminada os números obtém a sua existência". (Aóristos é empregado pelos pitagóricos também no sentido limitativo. Deste modo a determinação é também algumas vezes limitativa).
Ora, se o dois é ontologicamente posterior ao um, não o é cronologicamente. Os números já estavam contidos, desde toda a eternidade, no poder infinito do Um, o Ser Supremo, a Mônada Suprema. Dizer-se, como o disse Eudoro, que quando havia o Um não havia o dois, que só posteriormente surgiu, é confundir a coisa que é duas, com o dois como forma. É confundir o dois como forma (eidos) com o dois como plethos, como forma concreta da coisa que, sendo uma, é constituída de dois princípios. A díada indeterminada é fundamentalmente uma, mas é indeterminadamente duas.
Se o Ser Supremo pode tudo quando pode ser, pode o mais e pode o menos. O poder mais e o poder menos são indeterminados, pois do contrário seriam determinados por um outro ser que os limitaria, deixando aquele, portanto, de ser primeiro e infinito porque um ser infinito pode ser um e um só, como provamos em Filosofia Concreta onde o dualismo foi total e absolutamente refutado. Ou então seria limitado pelo nada, o que é absurdo. Se o Ser Supremo pode realizar, pode realizar o máximo e o mínimo de ser. E realizar implica o que é realizado, pois ao infinito poder ativo do Ser Supremo tem de corresponder uma potência ilimitada de poder-ser-feito, pois fazer é simultaneamente ser algo feito, fazer implica o ser feito, como o ser feito implica o fazer. Contudo note-se que o realizado será sempre limitado, o que implica que o poder-vir-a-ser não inclui a infinitude. Ou melhor, não é possível um ser realizado que tenha a infinitude em sentido absoluto.
A díada indeterminada é, assim, um; é o Um-Múltiplo, para empregarmos a linguagem platônica; é o segundo Um, que é gerado pelo primeiro um, é o criador do que Pitágoras chamava de substância universal ,primeira categoria dos seres. Esse ser gerado pelo Ser Supremo é Um e é Díada indeterminada (Hen-dyos-aóristos). Portanto a substância universal surge da determinação da determinabilidade, em mais ou em menos, no máximo e no mínimo de ser isto ou aquilo.
Para o conceito aristotélico da matéria, a matéria primeira e, enquanto tal, diadicamente indeterminada, pois pode ser informada no máximo e no mínimo, receber a máxima determinação e a mínima. E é isso que é genuinamente o pitagorismo. É esta mônada segunda que dá origem ao número, como decorre do pensamento de Pitágoras: o Um gera o Um, e este o dois (a dyada indeterminada), e assim sucessivamente. Não sabemos se Pitágoras empregou o termo gerar no sentido que damos ao de geração, segundo o conteúdo da nossa esquemática ou empregou-o analogicamente. Poder-se-ia traduzir tal passagem, se desejamos maior rigor ontológico aos termos, dizendo que o Um gera o Um, e este cria a substância universal, que é a Díada indeterminada, categoria de oposição, que é a Segunda categoria pitagórica, e desta surge a relação, que se dá entre os opostos.
A limitação distingue-se da determinação, pois aquela dá limites físicos à coisa, enquanto a segunda dá apenas um perfil formal. Por isso chamamos de determinação limitativa aquela que constitui uma forma em algo limitado, como o escultor ao dar ao mármore a forma de Apolo (figura, aqui). E tal se dá, porque o que recebe uma determinação limitativa é o que é, e não o que não é. Mas o determinar limitativamente algo é separar algo de algo, pois para que um ser sofra uma determinação dessa espécie, algo deve estar fora dele, ser outro que ele. E o que lhe fica fora é algo que é (pois ausência de nada não é ausência e não haveria então tal determinação).
A díada indeterminada antecede ontologicamente à determinação, e o que é determinável corresponde à potência aristotélica. E a potência, ao ser determinada pela forma, é isto e não aquilo. Ela não é, porém, um referente a um ser, porque do contrário permaneceria ainda indeterminada. As criaturas surgem da determinação da díada indeterminada e surgem por exclusão do que pode ser, pois sendo agora o que são, está excluído o que não são, mas que poderiam ser, pois do contrário o que lhes falta seria mero nada e não haveria qualquer determinação limitativa também. O Um é pois transcendente ao segundo Um. Há uma Mônada transcendente à Segunda Mônada, que é Hen-dyas aóristos (Um-Díada indeterminada). A primeira é idêntica ao Deus da escolástica e não é número porque não é numerosa, pois é absolutamente simples.
Eudoro comprova a nossa assertiva ao mostrar que há para o pitagorismo dois planos: o plano supremo, onde ele coloca o Um, princípio universal de todas as coisas, e o plano secundário onde está o Um-díada indeterminada. E a razão está em que, para os pitagóricos, o Um segundo e a Díada comandam apenas uma série paralela do real, e não são eles princípios universais. A dupla Hen-dyas exige, ontologicamente, um princípio Um, pois do contrário cairíamos nas aporias do dualismo. E Proclo corrobora nossas asserções ao dizer: "Não vamos pensar que, por esta razão, se deva olhar os princípios das coisas como termos opostos (diereménas, ao pé da letra, divididos). De fato, dizemos que essas duas séries paralelas classificam-se num gênero comum, pois acima de toda oposição há o Um, como o declaram também os pitagóricos. Pois bem, na verdade, após a Causa Primeira, a Díada apareceu do número dos princípios, e que entre os Princípios, a Mônada ultrapassa a Díada, ou se queres falar como Orfeu, ‘o éter ultrapassa o caos (antecede) e é da mesma maneira que se realizam as oposições (divisões) " (in Tim. P. 176.6 D).
Dessas especulações, tema de estudos para os platônicos, peripatéticos, estoicos, gnósticos e neopitagóricos, posteriormente, conclui- se que há três um. O Um Supremo, a primeira Mônada, o Um-múltiplo (Hen-dyas aoristos), e o Um-e-Múltiplo, o um (plethos) das coisas compostas. E não é tal fato mais uma prova em favor da predominância que o pensamento pitagórico exerceu sobre ele?
Mas há ainda outras provas. Pela leitura da obra platônica pode-se concluir (mas precipitadamente), que o criador (poietén) ordenou a massa agitada de movimentos sem medida e sem ordem, a matéria não ordenada (akósmetos hylé). Mas Porfírio e Jâmblico nos demonstraram que tais afirmativas são apenas didáticas, pois o mundo para ele sempre existiu (utou mèn ontos aei tou kosmou), e não teve começo no tempo (agenetos). O intuito de Platão não foi senão o de mostrar o valor que tem a ordem junto à matéria. Se tal se admitisse, negar-se-ia ao Ser Supremo a sua vontade bondosa e a sua potência criadora. Sabemos que Tomás de Aquino também admite a possibilidade de uma criação ab aeterno e não a considera contrária aos princípios da Igreja.
A criação da matéria, nesse sentido que estamos tomando é, no pitagorismo, tema de controvérsias. Comentando essas polêmicas escreve Proclo: "Aristóteles demonstrou por outros argumentos (De Caelo A. 3.270 a 24 ss) que a matéria é inengendrada, porque ela não é composta; que ela não é tirada de uma outra matéria e não se reduz, por sua vez, a outra matéria". Mas a presente discussão, ao reconhecer que a matéria é eterna, implica a pergunta se é ela inengendrada independentemente de toda causa, e se é mister, segundo Platão, colocar esses dois princípios do Universo, a matéria e Deus, nem Deus criando a matéria nem a matéria Deus, de maneira que a matéria seja absolutamente independente da matéria, e simples.
Que o demiurgo não é a causa primeira da matéria é evidente, segundo o que Platão dirá adiante ( Tim 52, d3) que na gênese do mundo preexistiam estes três, a extensão (khora), a criação (genesis), o criado como dele brotado, a extensão como mãe. Sem dúvida aparece por este texto que Platão estabelece como uma oposição distintiva entre a matéria e o Demiurgo, segundo as propriedades características da mãe e do pai, e que ele faz surgir o criado do Demiurgo e da matéria. Mas talvez Platão faça existir a matéria em dependência de uma classe de seres mais elevada que o Demiurgo. E escreveu no Filebo (23 c) "Nós dissemos em outro lugar que Deus manifestou nos seres tanto o limite como o ilimitado (to peras e to ápeiron), de onde resulta para os corpos como para todas as coisas a sua composição. Se, pois, os corpos também resultam do limite e do ilimitado, que é neles o limite? Que é o ilimitado? Evidentemente é a matéria que chamaremos "ilimitado", e a forma "limite". Se pois como havíamos dito Deus faz existir tudo ilimitado, faz existir também a matéria que é o ilimitado de último grau. É isso que é a causa absolutamente primeira e inefável da matéria. Por outro lado, já que as propriedades sensíveis estão em relação com suas causas inteligíveis, Platão faz depender, em toda parte, aquelas e estas, por exemplo: o igual daqui com o Igual em si, e igualmente para todos os viventes e plantas daqui, é claro que, segundo o mesmo caminho, ele faz depender também o ilimitado daqui e o Ilimitado primeiro da mesma forma que o limite daqui e o Limite inteligível. Ora, mostrei em outra parte, que esse Ilimitado primeiro, que vem antes dos mixtos, Platão o colocou no cume dos inteligíveis, e dele faz estender-se a iluminação desde o alto até os degraus mais baixos, de maneira que, segundo ele, a matéria procedo do Um e do Ilimitado, que vem antes do ser um, e se o queres, depende também do ser Um, na medida em que ele, o Ilimitado, é um ser em potência. Eis por que a matéria é uma coisa boa de qualquer maneira e indefinida, um ser totalmente obscuro e sem forma, em virtude do que, por essa mesma razão, é ela anterior às formas (das formas visíveis, quer ele dizer) e à sua manifestação".
"Essa mesma doutrina", prossegue Proclo, "é transmitida por Orfeu (fr. 66 Kern). Da mesma forma que Platão fez sair do Um duas causas, o Limite e o Ilimitado, da mesma forma pois o Teólogo fez existir, a partir do Tempo, o Éter e o Caos, sendo em toda parte causa do limite, e o Caos do ilimitado, e é desses dois princípios que ele (Orfeu) engendra os mundos divinos e visíveis... e, em último lugar, o ilimitado de mais baixo grau, que compreende também a matéria".
A matéria é assim o ilimitado sem limites, a obscuridade sem limites de Orfeu. A determinação implica o limite e o ilimitado, o que é, e tudo quanto não é, pois algo sendo algo é o que é, e sendo o que é, não e tudo quanto não é, ilimitadamente, pois o ser não tem limites. A criatura, ao ser criada, é uma composição do limite e do ilimitado. Tudo quanto é criatura depende, pende do Ser Supremo e, como tal, limitada pela dependência, mas como tudo quanto é tem uma forma, tem um limite, por sua vez não é o que é, não sendo o que não é, o ilimitado. A Díada, portanto, é um e díada indeterminada, é limitadamente um pela dependência do Ser Supremo, mas também é ilimitadamente, pela sua determinabilidade, pois pode ser tudo quanto pode ser finito.
Em Hermes Trismegistos, o conceito de matéria é o mesmo, pois a materialidade surge da substancialidade. A substância universal é o Um-díada indeterminada, que pode ser um e múltiplo no que dela surge. E esse é também o pensamento de Platão (como afirma Proclo) que acrescenta que, certamente, o tirou de Hermes.
Se considerarmos como materialidade a aptidão para receber formas determinadas, o Um-díada indeterminada, que é substancialidade, não é matéria. Esta surge dela, como dela surge a corporeidade. Proclo afirma que a matéria surge da Ilimitação Primeira, vindo portando do Um Supremo, mas essa afirmativa padece de base. Há assim para o pitagorismo o Um, que é princípio de todas as coisas, e o Um-díada indeterminada, o Um-Múltiplo, que não deve ser confundido com o Um-e-Múltiplo, Segunda díada, a das coisas finitas, cuja unidade é um arithmos plethós, a unidade da multiplicidade.
A tese da crisis na criação encontramo-la em Moderato de Gades quando diz: "A relação unificante ( o eniaios logos = o Um que tem razão de relação, logos) tendo querido, como diz Platão, constituir a partir de s mesmo a geração dos seres, destacou de si mesmo, por privação, a quantidade, depois de ter privado de todas as relações e formas que lhe são próprias. E a isso ele chamou quantidade sem forma, sem divisão e sem figura, recebendo contudo forma, figura, divisão, qualidade e todas as coisas análogas". Não sabemos em que parte da obra de Platão está essa passagem de citada por Moderato de Gades.
Também qual o valor da ideia do demiurgo em Platão? Procuramos estabelecer seus limites como um símbolo, pois estamos, na verdade, em face de um mito, cuja finalidade é apenas didática e tendentemente exotérica sem que tal significasse que Platão aceitasse a presença desse demiurgo como uma realidade subjetivamente considerada.
Resta-nos saber se, para Pitágoras, a substância primeira, a substância universal é algo destacado do Ser Supremo ou é por este criado. A solução deste ponto será por nós estudado segundo as normas da dialética concreta em nossa Filosofia Concreta. Examinemos alguns aspectos do pensamento pitagórico: a tese comumente aceita é que a materialidade é a substância universal. Admitamos que o seja, enquanto apta a receber determinações formais ( dos eidola, das formazinhas, das formas das coisas sensíveis, como o expunha Platão. A materialidade, portanto, seria uma "parcela cortada", extraída do Ser supremo. Essa tese não é de Pitágoras, embora possamos encontrá-la em alguns pitagóricos.
A matemática era para os egípcios uma ciência divina, portanto religiosa, de essência mística, e os números e as figuras que dela derivam, tinham um valor simbólico e divino, não devendo ser considerados apenas como medidas, nem apenas como instrumentos de cálculo, como eram eles para Tales que, segundo alguns, foi um dos mestres de Pitágoras.
Os números não são apenas princípios formais. São também relações entre as partes, como são as leis, que ordenam as partes de uma totalidade, a lei intrínseca de alguma coisa (sua forma), mas também o processo de ser de alguma coisa no exercício sucessivo de seu ser (em seu dinamismo), como também no que é imutável, no que permanece em si mesmo, sem translação ou sem mutação de um modo de haver-se para outro modo de haver-se. Mas também essa mutação de um modo de haver-se ou de um estado para outro, tem uma expressão numérica e é também um número. As coisas são números, mas também são à imitação dos números, porque o que é finitamente é um número ônticamente considerado em sua singularidade e unicidade, porque o que é em si mesmo tem uma ordem, uma lei (um logos do seu próprio ser), uma essência de si mesmo