verdade do seer

As “contribuições” perguntam em uma via que é inicialmente aberta pela transição ao outro início, para o interior do qual o pensamento ocidental agora se volta. Essa via lança a transição no espaço aberto da história e a fundamenta como uma estada talvez muito longa, em cuja realização o outro início do pensamento permanece sempre apenas o pressentido, mas já de qualquer modo decidido. Com isto, apesar de já falarem e mesmo de só falarem da essência do seer, isto é, do “acontecimento apropriador”, as “Contribuições” ainda não conseguem juntar a junção livre e fugidia da VERDADE DO SEER a partir dele mesmo. Se isso algum dia tiver lugar, então essa essência do seer determinará em seu estremecimento o conjunto articulado da obra pensante ela mesma. Esse estremecimento se fortalece, então, em nome do poder da ternura liberada característica de uma intimidade daquela deização do deus dos deuses, a partir da qual acontece apropriadoramente a destinação do ser-aí para o seer, como para a fundação da verdade que é concernente ao seer. (tr. Casanova; GA65: 1)

O tempo dos “sistemas” passou. O tempo da construção da figura essencial do ente a partir da VERDADE DO SEER ainda não chegou. Entrementes, a filosofia precisa ter empreendido algo essencial em meio à transição para o outro início: o projeto, isto é, a abertura fundante do campo de jogo tempo-espacial da VERDADE DO SEER. Como podemos realizar essa tarefa única? Permanecemos aqui sem precursores e sem uma base de sustentação. Meras variações do que se teve até aqui, por mais que aconteçam com a ajuda das maiores misturas possíveis de modos de pensar historicamente conhecidos, não nos fazem sair do lugar. E todo e qualquer tipo de escolástica de visões de mundo se encontra completamente fora da filosofia porque só podem persistir sobre a base da negação da dignidade de questão do seer. A filosofia tem a sua própria dignidade não dedutível e incalculável na dignificação do que é digno de questão. Todas as decisões sobre seu agir são tomadas a partir da preservação dessa dignidade e enquanto preservações dessa dignidade. No entanto, no reino do que há de mais digno de questão, o agir só pode ser um questionar único. Se em algum de seus tempos encobertos a filosofia tem de se decidir, com a clareza de seu saber, por sua essência, então isso tem de se dar na transição para o outro início. (tr. Casanova; GA65: 1)

O outro início do pensamento é assim denominado não porque possua uma forma diversa da que possuia qualquer outra filosofia até aqui, mas porque precisa ser o unicamente outro a partir da ligação com o início unicamente uno e primeiro. A partir dessa articulação mútua de um início com o outro já está também determinado o modo da meditação pensante característico da transição. O pensamento inserido na transição empreende o projeto fundante da VERDADE DO SEER como uma meditação histórica. A história não é aí o objeto e a circunscrição de uma consideração, mas aquilo que o questionar pensante primeiramente desperta e obtém como o sítio de suas decisões. O pensamento no interior da transição coloca o primeiro movimento de essenciação do seer da verdade e o porvir mais extremo da VERDADE DO SEER em discussão e dá voz, em meio a essa discussão, à essência até aqui inquestionada do seer. No saber do pensamento inserido na transição, o primeiro início permanece decisivo como primeiro e é, entretanto, superado como início. Para esse pensamento, a reverência mais clara em relação ao primeiro início, que abre, além disso, pela primeira vez, o seu caráter único, precisa caminhar lado a lado com a ausência de um olhar para trás – uma ausência inerente à virada de outro questionar e dizer. (tr. Casanova; GA65: 1)

A questão do ser é a pergunta sobre a VERDADE DO SEER. A pergunta até aqui da filosofia sobre o ente (a questão diretriz), ao ser levada a termo e concebida historicamente, se torna a questão fundamental. (tr. Casanova; GA65: 2)

A pergunta sobre a VERDADE DO SEER aponta certamente para a inserção violenta em algo resguardado; pois a VERDADE DO SEER – como verdade pensante ela é o saber insistente sobre como o seer se essencia – talvez não caiba nem mesmo aos deuses, mas pertença unicamente ao abismal daquela junção destinatória à qual mesmo os deuses estão submetidos. E, no entanto: se o ente é, o seer precisa se essenciar. Mas como se essencia o seer? Mas é um ente? A partir de que outra instância decide aqui o pensar, se não a partir da VERDADE DO SEER. Com isto, o seer não pode mais ser pensado a partir do ente: ele precisa ser descoberto pelo pensamento a partir dele mesmo. (tr. Casanova; GA65: 2)

Por vezes, aqueles fundadores do abismo precisam ser consumidos no fogo do que se guarda, para que o ser-aí venha a ser possível para o homem e, assim, seja salva a constância em meio ao ente, para que o ente mesmo experimente a restauração no aberto da contenda entre terra e mundo. Consequentemente, o ente é voltado para o interior de sua constância por meio do ocaso dos fundadores da VERDADE DO SEER. Tal movimento é exigido pelo próprio seer mesmo. Ele precisa dos que experimentam o ocaso; e, onde quer que um ente apareça, o seer já sempre se a-propriou desses fundadores que perecem em meio ao acontecimento, já sempre os atribuiu a si mesmo. Essa é a essenciação do seer mesmo: nós a denominamos o acontecimento apropriador. A riqueza da ligação volteante do seer com o ser-aí que lhe é entregue apropriadoramente é imensurável. A plenitude do acontecimento da apropriação é incalculável. E somente algo muito diminuto pode ser dito aqui “sobre o acontecimento apropriador” nesse pensar inicial. O que é dito é questionado e pensado em uma “conexão de jogo” do primeiro e do outro início a partir da “ressonância” do seer; ele é questionado e pensado em meio à indigência do abandono do ser para o “salto” em direção ao interior do seer. Esse “salto” tem por fim promover a “fundação” da VERDADE DO SEER como a preparação dos “que estão por vir” e “do último deus”. Esse dizer pensante é uma diretiva. Essa diretiva indica o livre abrigo da VERDADE DO SEER em meio ao ente como algo necessário, sem ser, contudo, uma ordem. Tal pensamento jamais pode ser transformado em uma doutrina: ele se subtrai completamente ao acaso da opinião. Além do mais, ele só dá uma diretiva aos poucos e ao seu saber, quando o que importa é o resgate dos homens da barafunda do não-ente, lançando-os para o interior da maleabilidade à junção característica de uma criação reservada dos sítios que são determinados para o passar ao largo do último deus. Mas se o acontecimento apropriador perfaz a essenciação do seer, o quão perto está, então, o perigo de que ele recuse e precise recusar o acontecimento da apropriação porque o homem perdeu a força para o ser-aí, uma vez que a violência desencadeada do desvario em meio ao gigantesco o dominou sob a aparência da “magnitude”. No entanto, se o acontecimento apropriador se tornar recusa e denegação, isso significa apenas a retração do seer e o abandono do ente ao não-ente? Ou será que a denegação (o caráter de não do seer) pode se tornar no mais extremo o mais distante acontecimento da apropriação, posto que o homem conceba esse acontecimento apropriador e o horror do pudor o recoloque na tonalidade afetiva fundamental da retenção e, com isto, já o exponha para o ser-aí? (tr. Casanova; GA65: 2)

Ninguém compreende o que “eu” penso aqui: deixar o ser-aí eclodir a partir da VERDADE DO SEER (e isso significa a partir da essenciação da verdade), para fundar aí o ente na totalidade e enquanto tal; e, em meio à sua fundação, o homem. (tr. Casanova; GA65: 2)

A partir de um simples toque do pensar essencial, o acontecimento da VERDADE DO SEER precisa ser transposto do primeiro para o outro início, para que, em consonância, ressoe a canção totalmente diversa do seer. E é por isto que a história está aqui realmente por toda parte: a história que se recusa ao historiológico, porque não deixa emergir o passado, mas se mostra em tudo o arrojar-se para além no que está por vir. (tr. Casanova; GA65: 2)

A ressonância do seer como a ressonância da recusa. A conexão de jogo da pergunta sobre o seer. A conexão de jogo é inicialmente conexão de jogo do primeiro início, para que este coloque em jogo o outro início e cresça a partir dessa alternância no jogo a preparação do salto. O salto no seer. O salto projeta o abismo do esfacelamento e assim pela primeira vez a necessidade da fundação do ser-aí destinado a partir do seer. A fundação da verdade como a fundação da VERDADE DO SEER (o ser-aí). (tr. Casanova; GA65: 3)

Tudo se coloca aqui em função da única pergunta acerca VERDADE DO SEER: em função do perguntar. Para que esta tentativa se transforme em um impulso, o espantoso do perguntar precisa ser experimentado em meio à sua realização e se tornar efetivo para o despertar e para o fortalecimento do poder de questão. (tr. Casanova; GA65: 4)

O perguntar sobre a VERDADE DO SEER não se deixa contabilizar a partir do que se deu até aqui. E se ele deve preparar o início de outra história, a execução precisa ser originária. Por mais inacessível que permaneça a confrontação com o primeiro início da história do pensamento, é certo que o perguntar mesmo só precisa considerar a sua indigência e esquecer de tudo à sua volta. A história só emerge no salto imediato por sobre o “historiológico”. (tr. Casanova; GA65: 4)

A pergunta sobre o “sentido”, ou seja, segundo a explicitação presente em Ser e tempo, a pergunta sobre a fundação do âmbito do projeto, em suma, a pergunta sobre a VERDADE DO SEER é e continua sendo minha pergunta e é minha única pergunta, pois ela concerne ao maximamente único. Na era da completa falta de questionamento em relação a todas as coisas é suficiente questionar ao menos uma vez a pergunta de todas as perguntas. (tr. Casanova; GA65: 4)

Na era do carecimento infinito que se origina a partir da indigência velada da falta de penúria, essa pergunta precisa necessariamente parecer como o falatório mais inútil – um falatório para além do qual as pessoas já se lançaram em boa hora. Todavia, resta a tarefa: a restauração do ente a partir da VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 4)

As recaídas em modos de pensar encalhados e em pretensões da metafísica ainda nos perturbarão por um longo tempo e impedirão a clareza do caminho e a determinação do dizer. Não obstante, o instante histórico da transição precisa ser levado a cabo a partir do saber de que toda metafísica (fundada na pergunta diretriz: “o que é o ente?) permanece sem condições de voltar o homem para as ligações fundamentais com o ente. Como é que ela poderia conseguir alcançar algo assim? Já a vontade para tanto não encontra nenhuma escuta, enquanto a VERDADE DO SEER e sua unicidade não se tornarem necessidade. Como é que o pensamento pode ter sucesso naquilo que anteriormente permaneceu vedado ao poeta (Hölderlin)? Ou será que precisamos apenas arrancar sua via e sua obra do soterramento na direção da VERDADE DO SEER? Estamos equipados para tanto? (tr. Casanova; GA65: 5)

A VERDADE DO SEER só se torna necessidade por meio daqueles que perguntam. Eles são os crentes propriamente ditos, porque eles se mantêm – abrindo a essência da verdade – sobre o solo. Os que perguntam – solitários e sem os artifícios de um encantamento – estabelecem a nova e suprema posição hierárquica da insistência no meio do seer, na essenciação do ser (acontecimento apropriador) como o meio. Os que questionam rejeitaram toda curiosidade, toda avidez pelo novo; sua busca ama o abismo, no qual eles sabem o mais antigo fundamento. (tr. Casanova; GA65: 5)

No conhecimento filosófico, em contrapartida, com o primeiro passo começa uma transformação do homem que compreende, e, em verdade, não no sentido moral-“existenciário”, mas de acordo com o modo de ser do ser-aí. Isto quer dizer: a ligação com o seer e, antes disso sempre, com a VERDADE DO SEER transforma-se ao modo da transposição para o próprio ser-aí. Como no conhecimento filosófico tudo é a cada vez e ao mesmo tempo transposto extasiadamente – o ser<ser humano em seu estar aprumado na verdade, essa verdade mesma e, com isto, a ligação com o seer – e como uma representação imediata de algo presente nunca é possível, o pensar da filosofia permanece estranho. (tr. Casanova; GA65: 5)

Sobretudo no outro início é preciso que – em consequência da pergunta acerca da VERDADE DO SEER – seja logo levado a termo o salto para o interior do “entre”. O “entre” do ser-aí supera o chorismos; não na medida em que ele constrói uma ponte entre o seer (a entidade) e o ente como margens por assim dizer presentes, mas na medida em que ele transforma o seer e o ente ao mesmo tempo em sua coetaneidade. O salto no entre conquista pela primeira vez por meio do salto o ser-aí e não ocupa um suporte já pronto. (tr. Casanova; GA65: 5)

A tonalidade afetiva fundamental do pensar no outro início oscila nas tonalidades afetivas, que à distância só se deixam nomear como o espanto – a retenção – o pressentimento – o pudor. A ligação interna entre elas só é experimentada em meio ao pensar integral das junções particulares, nas quais a fundação da VERDADE DO SEER e da essenciação da verdade precisa juntar. Para a unidade dessas tonalidades afetivas falta a palavra, e, contudo, seria necessário encontrar a palavra, a fim de evitar a fácil incompreensão em jogo em se supor que tudo estivesse colocado aqui em função de uma fraqueza covarde. É assim que o “heroísmo” barulhento deve julgar. (tr. Casanova; GA65: 5)

O pudor é o modo do aproximar-se e do permanecer perto do que há de mais distante enquanto tal, que, contudo, em seu aceno – quando ele é mantido no pudor – se transforma no que há de mais próximo e reúne todas as referências do seer em si. Todavia, quem consegue afinar essa tonalidade afetiva fundamental da retenção espantada e marcada pelo pudor no homem essencial? E quantos ainda mensurarão o fato de essa afinação não fundar nenhum desvio diante do ente, mas o contrário: a abertura de sua simplicidade e grandeza e a necessidade originariamente coagida de abrigar no ente a VERDADE DO SEER, a fim de dar assim ao homem histórico ainda uma vez uma finalidade: tornar-se fundador e o guardião da VERDADE DO SEER, ser o aí como o fundamento usado pela própria essência do seer: o cuidado, não como pequena preocupação em torno de algo qualquer e não como denegação do júbilo e da força, mas mais originário do que tudo isso, porque unicamente “em virtude do seer”, não do seer do homem, mas do seer do ente na totalidade. (tr. Casanova; GA65: 5)

No pensamento inicial sobretudo, regiões da VERDADE DO SEER precisam ser atravessadas, para que, então, quando o ente brilhar, elas possam se retrair uma vez mais no velamento. Essa divergência pertence essencialmente à comunicabilidade do “efeito” de toda filosofia. (tr. Casanova; GA65: 5)

A retenção, o meio afinador do espantar-se e do pudor, o traço fundamental da tonalidade afetiva fundamental, nela afina-se o ser-aí com vistas ao silêncio do passar ao largo do último deus. De maneira criadora nessa tonalidade afetiva fundamental do ser-aí, o homem torna-se o guardião desse silêncio. Assim, a meditação inicial do pensar torna-se necessariamente um pensar autêntico, quer dizer, um pensar que estabelece a meta. Não uma meta qualquer e não a meta em geral, mas a meta única e, assim, particular de nossa história: é essa meta que é estabelecida. Essa meta é a própria busca, a busca do seer. Ele acontece e é mesmo a mais profunda descoberta, quando o homem se torna aquele que vela pela VERDADE DO SEER, o guardião daquele silêncio e é decidido nessa direção. (tr. Casanova; GA65: 5)

As pessoas se reportam às rasas poças d’água das “vivências”, incapazes de mensurar a ampla estrutura do espaço pensante e de pensar em tal abertura a profundidade e a altitude do seer. E onde se acredita superior “à vivência”, isto acontece como um reportar-se a uma perspicácia vazia. De onde, porém, deve chegar a educação para o pensar essencial? A partir de um pensar prévio e de um seguir as sendas decisivas. Quem, por exemplo, acompanha a longa senda da fundação da VERDADE DO SEER? Quem pressente algo da necessidade do pensar e do questionar, daquela necessidade, que não carece das muletas do por quê e nem dos apoios do para quê? Quanto mais necessário o dizer pensante do seer, tanto mais incontornável se torna o silenciamento da VERDADE DO SEER por meio do curso do questionamento. Mais fácil do que outros, o poeta encobre a verdade na imagem e a doa assim à visão para a conservação. Como é, porém, que o pensar abriga a VERDADE DO SEER, se não na pesada lentidão do curso de seu passo questionador e de sua consequência vinculada? Inaparente como em um campo solitário sob o grande céu, com seu passo pesado, hesitante, que para a cada instante, o semeador abre os fulcros na terra e mede e configura ao jogar o braço o espaço velado de todo crescimento e amadurecimento. Quem ainda consegue levar a termo algo assim no pensamento como o que há de mais inicial de sua força e como o seu futuro supremo? (tr. Casanova; GA65: 5)

A questão pensante acerca da VERDADE DO SEER é o instante, que sustenta a transição. Esse instante não é nunca efetivamente fixável, nem tampouco tem como ser contabilizado. Ele estabelece pela primeira vez o tempo do acontecimento apropriador. A simplicidade única dessa transição nunca é concebível historiologicamente, porque a “história” historiológica pública passou há muito tempo ao largo dessa transição, mesmo que ela possa ser mostrada mediatamente para essa “história”. Assim, fica reservado para esse instante um longo caráter de futuro, contanto que deva ser quebrado ainda uma vez o esquecimento do ser<ser do ente. (tr. Casanova; GA65: 5)

A questão é que a tonalidade afetiva fundamental afina o ser-aí e, com isto, o pensar como projeto da VERDADE DO SEER na palavra e no conceito. A tonalidade afetiva é a pulverização do estremecimento do seer como acontecimento apropriador no ser-aí. Pulverização: não como um mero desaparecimento e extinção, mas, ao contrário: como guarda da chama no sentido da clareira do aí de acordo com a plena abertura do fosso abismal do seer. A tonalidade afetiva fundamental do outro início quase não tem como ser jamais nomeada por meio de um nome; e isto se mantém até mesmo na transição para ele. A pluralidade de nomes, porém, não nega a simplicidade dessa tonalidade afetiva fundamental e só mostra em meio ao inconcebível todo o seu caráter simples. A tonalidade afetiva fundamental se chama para nós: o espanto, a retenção, o pudor, o pressentimento, o abrir-se para o pressentimento. (tr. Casanova; GA65: 6)

Toda e qualquer denominação da tonalidade afetiva fundamental por meio de uma única palavra fixa-se sobre uma opiniáo equivocada. Toda e qualquer palavra é sempre retirada do que é legado pela tradição. O fato de a tonalidade afetiva fundamental do outro início precisar ser dotada de muitos nomes não contesta sua simplicidade, mas confirma sua riqueza e sua estranheza. Toda e qualquer meditação sobre essa tonalidade afetiva fundamental é constantemente apenas uma lenta equipagem com vistas ao insight afinador da tonalidade afetiva fundamental, que precisa permanecer fundamentalmente um a-caso. A equipagem com vistas a tal a-caso só consiste naturalmente, de acordo com a essência da tonalidade afetiva, na ação pensante transitória; e essa ação precisa crescer a partir do saber propriamente dito (do resguardo da VERDADE DO SEER). Mas se o seer se essencia como a recusa e se essa recusa mesma deve vigorar em sua clareira e ser conservada como recusa, então a prontidão para a recusa só pode subsistir como abdicação. A abdicação não é aqui, contudo, o mero não querer ter e o deixar de lado, mas ela acontece como a forma mais elevada da posse, cuja elevação encontra a decisão na franqueza do entusiasmo pela doação do insondável pelo pensar, isto é, pela doação da recusa. Nessa decisão, o aberto da transição é retido e fundado – o em-meio-a abissal do entre em relação ao não-mais do primeiro início e de sua história e ao ainda-não do preenchimento do outro início. Nessa decisão, toda guarda do ser-aí precisa fincar pé, na medida em que o homem como fundador do ser-aí precisa se tornar o guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Essa decisão, porém, enquanto pressentindo, é apenas a sobriedade da força de sofrimento do criador, aqui daquele que projeta a VERDADE DO SEER, que abre o silêncio para a violência essencial do ente, a partir da qual o seer (como acontecimento apropriador) torna-se apreensível. (tr. Casanova; GA65: 6)

Até que ponto o deus se encontra afastado de nós, aquele que nos nomeia fundadores e criadores, porque sua essência precisa de tais homens? Ele está tão afastado que nós não conseguimos decidir, se ele se movimenta em nossa direção ou se ele está se distanciando de nós. E repensar plenamente essa distância mesma em sua essenciação como o tempo-espaço da suprema decisão significa questionar acerca da VERDADE DO SEER, acerca do próprio acontecimento apropriador, do qual toda história futura provém, se é que ainda haverá história. Essa distância da indecidibilidade do mais externo e do primeiro é o iluminado para o encobrir-se, é a essenciação da própria verdade como a VERDADE DO SEER. Pois o que se encobre dessa clareira, a distância da indecidibilidade, não é nenhum mero vazio presente à vista e indiferente, mas a essenciação mesma do acontecimento apropriador como essência do acontecimento apropriador, como essência da renúncia hesitante, que se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento como já copertinente, o deter-se do instante e dos sítios da primeira decisão. (tr. Casanova; GA65: 7)

Na essência da verdade do acontecimento apropriador decide-se e funda-se ao mesmo tempo todo verdadeiro, o ente se faz ente, o não ente desliza para o interior da aparência do seer. Essa distância é, sobretudo: a mais ampla e para nós primeira proximidade com deus, mas também a indigência do abandono do ser, encoberto pela ausência de indigência, que se atesta por meio do desvio em relação à meditação. Na essenciação da VERDADE DO SEER, no acontecimento apropriador e como acontecimento apropriador, encobre-se o último deus. (tr. Casanova; GA65: 7)

Se o homem, por meio desse tresloucamento, chegar a se aprumar no acontecimento apropriador e se ele continuar insistentemente na VERDADE DO SEER, então ele continuará se encontrando sempre a princípio no salto para a experiência decidida quanto a se, no acontecimento apropriador, se decide em nome dele ou contra ele o ficar de fora ou a entrada em cena do deus. (tr. Casanova; GA65: 7)

O acontecimento apropriador se sobrepõe apropriadoramente ao deus no homem, na medida em que ele se apropria do homem para o deus. Essa apropriação sobre-apropriada em meio ao acontecimento é o acontecimento apropriador, no qual a VERDADE DO SEER é fundada como ser-aí (o homem transformado, voltado para a decisão do ser-aí e ser-se-ausentando) e a história toma o seu outro início a partir do seer. A VERDADE DO SEER, porém, como abertura do encobrir-se é ao mesmo tempo voltada para a decisão quanto à distância e à proximidade dos deuses e, assim, a prontidão para o passar ao largo do último deus. (tr. Casanova; GA65: 7)

O acontecimento apropriador é o entre no que concerne ao passar ao largo do deus e à história do homem. Mas não o campo intermediário indiferente. Ao contrário, a referência ao passar ao largo é a abertura usada por deus do dilaceramento em meio a um fosso abissal; por outro lado, a referência ao homem é o deixar emergir que se apropria em meio ao acontecimento da fundação do ser-aí e, com isto, da necessidade do abrigo da VERDADE DO SEER no ente como de uma restituição do ente. (tr. Casanova; GA65: 7)

A fuga dos deuses precisa ser experimentada e suportada. Essa constância funda a proximidade mais distante possível do acontecimento apropriador. Esse acontecimento apropriador é a VERDADE DO SEER. Nessa verdade abre-se pela primeira vez a indigência do abandono do ser. A partir dessa indigência, a fundação da verdade do ser e a fundação do ser-aí se tornam necessárias. Essa necessidade realiza-se na decisão constante, que atravessa de maneira dominante todo ser humano histórico: quer o homem seja futuramente alguém pertencente à verdade do ser e, assim, alguém que abriga a partir dessa copertinência e para ela a verdade como verdadeiro no ente, ou quer o começo do último homem expulse o homem para o interior da animalidade dissimulada e permaneça recusado para o homem histórico o último deus. O que acontecerá se a luta pelos critérios de medida tiver se extinguido, se o mesmo querer não quiser mais nenhuma grandeza, isto é, não apresentar mais nenhuma vontade da maior diversidade dos caminhos? (tr. Casanova; GA65: 8)

O seer como acontecimento apropriador – renúncia hesitante como (recusa). Maturidade: fruto e doação. O elemento nulo no seer e o impulso contrário; querelante (seer ou não-ser). O seer se essencia na verdade; clareira para o encobrir-se. A verdade como essência do fundamento: fundamento – o em que fundado (não o de onde enquanto causa). O fundamento funda como a-bismo: a indigência como o aberto do encobrir-se (não o “vazio”, mas inesgotabilidade a-bissal). O a-bismo como o tempo-espaço. O tempo-espaço é o sítio instantâneo da contenda (seer ou não-ser). A contenda como a contenda de terra e mundo, porque a VERDADE DO SEER só é no abrigo e essa como o “entre” fundante no ente. Um contra o outro de terra e mundo. As vias e os modos do abrigo – o ente. (tr. Casanova; GA65: 9)

O seer se essencia como acontecimento apropriador. A essenciação tem o meio e a amplitude na viragem. A exportação resolutora de contenda e réplica. A essenciação é garantida e abrigada na verdade. A verdade acontece como o encobrimento clareador. A estrutura fundamental desse acontecimento é o tempo-espaço que emerge dele. O tempo-espaço é o que desponta para as mensurações da abertura do fosso abissal do seer. O tempo-espaço é, enquanto junção da verdade, originariamente o sítio instantâneo do acontecimento apropriador. O sítio instantâneo essencia-se a partir desse acontecimento como a contenda de terra e mundo. A contestação da contenda é o ser-aí. O ser-aí acontece nos modos do abrigo da verdade a partir da garantia do acontecimento apropriador clareado e velado. O abrigo da verdade deixa que o verdadeiro se abra e se dissimule como o ente. O ente se encontra pela primeira vez assim no seer. O ente é. O seer se essencia. O seer (como acontecimento apropriador) precisa do ente, para que ele, o seer, se essencie. O ente pode “ser” ainda no abandono do ser, sob cujo domínio a tangibilidade e a utilidade imediata, assim como a funcionalidade de todo e qualquer tipo (tudo precisa servir ao povo, por exemplo) constituem obviamente o que é sendo e o que não é. A autonomia aparente do ente em face do seer, como se este fosse apenas um suplemento do pensamento “abstrato” representacional, porém, não é nenhum primado, mas apenas o sinal do privilégio em relação à decadência que cega. Esse ente “real e efetivo” é concebido a partir da VERDADE DO SEER como o não-ente sob o domínio da inessência da aparência, cuja origem permanece aí encoberta. O ser-aí como a fundação da contestação da contenda em meio ao que é aberto por ela é cristalizado humanamente e sustentado na insistência que suporta o aí e que pertence ao acontecimento apropriador. O pensar do seer como acontecimento apropriador é o pensar inicial, que prepara como confrontação com o primeiro início o outro início. O primeiro início pensa o seer como presentidade a partir da presentação, que apresenta o primeiro reluzir de uma essenciação do seer. (tr. Casanova; GA65: 10)

1) Acontecimento apropriador: a luz segura da essenciação do seer no campo de visão extremo da mais íntima indigência do homem histórico. 2) O ser-aí: o entre aberto no meio e, assim, velador, entre a chegada e a fuga dos deuses e o homem nele enraizado. 3) O ser-aí tem a origem no acontecimento apropriador e em sua viragem. 4) Por isto, ele só pode ser fundado como a verdade e na VERDADE DO SEER. 5) A fundação – não recriação – é um deixar-ser-fundamento por parte do homem, que chega, com isto, pela primeira vez, uma vez mais a si e reconquista o ser-si-mesmo. 6) O fundamento fundado é ao mesmo tempo abismo para a abertura do fosso abissal do seer e não fundamento para o abandono do ser<ser do ente. 7) A tonalidade afetiva fundamental da fundação é a retenção. 8) A retenção é a referência insigne, instantânea ao acontecimento apropriador no ser chamado por meio de seu conclamar. 9) O ser-aí é o acontecimento fundamental da história por vir. Esse acontecimento emerge do acontecimento apropriador e se torna um sítio instantâneo possível para a decisão sobre o homem – sua história ou não história como sua transição para o ocaso. 10) O acontecimento apropriador e o ser-aí estão em sua essência, isto é, em sua pertinência enquanto fundamento da história, ainda completamente velados e permanecerão por um longo tempo causando estranhamento. Faltam as pontes; os saltos ainda não foram levados a termo. Ainda permanece de fora a profundidade da experiência da verdade que lhes satisfazem e a meditação sobre o seu sentido: a força da decisão elevada. Em contrapartida, numerosas no caminho são apenas as ocasiões e os meios da má interpretação, porque falta mesmo o saber daquilo que aconteceu no primeiro início. (tr. Casanova; GA65: 11)

Será que está determinada para nós futuramente uma história totalmente diversa daquilo que parece ser hoje considerado como história: a turva caçada às ocorrências que devoram a si mesmas e que só se deixam fixar ainda por meio do mais estridente barulho? Se é que uma história, ou seja, um estilo do ser-aí, ainda nos deve ser doado, então isto só pode ser a história velada da grande tranquilidade, na qual e como a qual o domínio do último deus abre e configura o ente. Portanto, a grande tranquilidade precisa primeiramente se abater sobre o mundo para a terra. Essa tranquilidade emerge apenas do silêncio. E esse silenciamento só desponta da retenção. Ela atravessa de maneira afinadora enquanto tonalidade afetiva fundamental a intimidade da contenda entre mundo e terra e, com isto, a contestação do ataque da apropriação em meio ao acontecimento. O ser-aí como contestação dessa contenda tem sua essência no abrigo da VERDADE DO SEER, isto é, do último deus em meio ao ente. (tr. Casanova; GA65: 13)

Filosofia é o saber inútil, apesar de dominante. Filosofia é o questionamento terrível, mas raro acerca da VERDADE DO SEER. Filosofia é a fundação da verdade sob a privação coetânea do verdadeiro. Filosofia é o querer de volta que se lança em direção ao início da história e, assim, o querer para além de si. Por isto, considerada de fora, a filosofia é apenas um adorno, talvez uma peça doutrinária e uma peça de exposição da cultura, talvez ainda uma peça hereditária, cujo fundamento se perdeu. É assim que os muitos precisam considerar a filosofia precisamente lá onde e no momento em que ela se mostra para os poucos como uma necessidade. (tr. Casanova; GA65: 14)

Visão de mundo” é sempre “maquinação” em face do que é legado pela tradição para a sua superação e controle com os meios que lhe são próprios e que são por ela preparados, mas que não chegaram a alcançar um equilíbrio – tudo levado para o cerne da “vivência”. Filosofia tem como fundação da VERDADE DO SEER a origem nela mesma; ela precisa retornar a si mesma naquilo que ela funda e e-dificar unicamente a partir daí. Filosofia e visão de mundo são tão incomparáveis, que não há para a concretização plástica dessa diversidade nenhuma imagem possível. Toda imagem continuaria trazendo as duas para muito próximo uma da outra. (tr. Casanova; GA65: 14)

A questão é que, na medida em que e logo que a filosofia se reencontra em sua essência inicial (no outro início) e a questão acerca da VERDADE DO SEER se torna o meio fundante, desentranha-se o elemento abissal da filosofia, que precisa retornar ao inicial, para trazer ao espaço livre de sua meditação a abertura do fosso abismai e o para-além-de-si, o estranho e constantemente inabitual. (tr. Casanova; GA65: 14)

O povo só se torna povo, quando os seus elementos mais únicos surgem e quando esses começam a pressentir. Assim, o povo só se torna livre para a lei a ser conquistada por meio da luta como a última necessidade de seu instante extremo. A filosofia de um povo é aquilo que torna povo o povo de uma filosofia, que funda o povo historicamente em seu ser-aí e determina para a guarda da VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 15)

A filosofia “de” um povo não se deixa, por isto, computar e receber prescrições a partir de disposições e de capacidades quaisquer, mas, ao contrário, popular é aqui o pensar sobre a filosofia apenas, quando ele concebe que a filosofia tem de saltar por sobre sua origem mesma mais própria e isto nunca pode acontecer senão se a filosofia em geral ainda pertencer ao seu primeiro início essencial. Somente assim ela consegue voltar o “povo” para a VERDADE DO SEER, ao invés de, inversamente, ser cultivada de maneira indigente para a sua inessência por um suposto povo como um povo que é. (tr. Casanova; GA65: 15)

A filosofia é o saber imediatamente inútil, mas, não obstante, um saber dominante a partir da meditação. Meditação é questionamento acerca do sentido, isto é, acerca da VERDADE DO SEER. O questionamento acerca da verdade é o salto para o interior de sua essência e, com isto, para o interior do seer mesmo. A questão é: se, quando e como somos pertencentes ao ser (como acontecimento apropriador). Essa questão precisa ser questionada por causa da essência do ser, que precisa de nós, e, em verdade, não como aqueles que se encontram precisamente ainda presentes, mas de nós, na medida em que nós ratificamos insistentemente suportando o ser-aí e o fundamos como a VERDADE DO SEER. Por isto, a meditaçãosalto para o interior da verdade do ser – é necessariamente auto-meditação. Isto não significa consideração voltada para trás de nós como “dados”, mas fundação da verdade do ser si mesmo a partir da propriedade do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 16)

Toda necessidade enraíza-se em uma uma indigência. A filosofia como a primeira e mais extrema meditação sobre a VERDADE DO SEER e o seer da verdade tem sua necessidade na indigência primeira e mais extrema. Essa indigência é aquilo que impulsiona o homem de um lado para o outro no ente e que o traz pela primeira vez para diante do ente na totalidade e para o meio do ente, levando-o, assim, a si mesmo, e, com isto, deixando iniciar ou perecer respectivamente a história. Esse elemento impulsionador é o caráter de jogado do homem no ente, que o determina como o que joga o ser (a VERDADE DO SEER). (tr. Casanova; GA65: 17)

A indigência como aquele elemento que impele de um lado para o outro aquilo que impõe pela primeira vez a decisão e a cisão do homem como um ente com ente e em meio a si e, uma vez mais, de volta a ele. Essa indigência pertence à VERDADE DO SEER mesmo. Da maneira mais originária, ela é indigência na coerção para a necessidade das possibilidades extremas, por cujos caminhos o homem criando – fundando para além de si, retorna ao fundamento do ente. Onde essa indigência se eleva ao extremo, ela impõe o ser-aí e sua fundação. (tr. Casanova; GA65: 17)

A indigência, aquele elemento que impele de um lado para o outro, essenciante – o que aconteceria se a VERDADE DO SEER mesmo fosse, o que aconteceria se, com a fundação originária da verdade, se tornasse ao mesmo tempo mais essenciante o seer – como acontecimento apropriador? E se as coisas se derem assim e a indigência for mais compelidora, se ela impelir mais de um lado para o outro, mas o impulso for nessa violência apenas aquela contenda, que teria na desmedida da intimidade do ente e do seer seu fundamento que se recusa? (tr. Casanova; GA65: 17)

A impotência do pensar compreendida no sentido habitual tem muitas razões: 1) O fato de, por agora, não ser levado a termo, nem poder ser levado a termo nenhum pensar essencial. 2) O fato de maquinação e vivência pretenderem ser a única coisa efetiva e, com isto, poderosa, não havendo nenhum espaço para o poder autêntico. 3) O fato de nós, supondo que tenha sucesso um pensar essencial, não termos ainda a força para nos abrirmos para a sua verdade, porque pertence a tal força uma posição hierárquica própria da existência. 4) O fato de, em meio ao embotamento crescente em relação à simplicidade de uma meditação essencial e em meio à falta de persistência no questionamento, se desconsiderar todo curso e todo caminho, se ele já não traz consigo no primeiro passo um “resultado”, com o que passa a haver algo para “fazer” e algo para “vivenciar”. Por isto, a “impotência” ainda não é imediatamente uma objeção ao “pensar”, mas apenas aos seus desprezadores. E, por outro lado, o poder autêntico do pensar (como um re-pensar da VERDADE DO SEER) não tolera nenhuma constatação e valoração imediatas, sobretudo porque o pensar precisa se transpor para o interior do seer e, por isto, precisa colocar em jogo toda a estranheza do seer. Assim, ele nunca pode se basear no sucesso de um efeito no ente. (tr. Casanova; GA65: 18)

(Sobre a pergunta: quem somos nós?) Como meditação sobre o seer, a filosofia é uma automeditação necessária. A dita fundamentação desse nexo distingue-se essencialmente de todo e qualquer tipo de asseguramento da certeza de “si mesmo” do “eu” justamente em virtude da “certeza”, não da VERDADE DO SEER. Mas ela também remonta ainda a um âmbito mais originário do que aquele que precisou levar a termo na transição o posicionamento “ontológico-fundamental” do ser-aí em Ser e tempo, posicionamento esse que ainda agora não foi desdobrado de maneira suficiente e elevado ao saber daqueles que questionam. (tr. Casanova; GA65: 19)

Abstraindo-se da questão sobre o quem, quem é que temos em vista com o “nós”?. Nós mesmos, que estamos agora presentes à vista, os homens aqui e agora? Onde é que transcorre o círculo demarcador? Ou temos em vista “o” homem enquanto tal? Mas “o” homem só “é” enquanto histórico e a-histórico. Nós visamos a nós mesmos como o próprio povo? Mas mesmo então, não somos os únicos, mas, enquanto povo, somos com outros povos. E por meio do que se determina a essência de um povo? Ao mesmo tempo fica claro: o modo como na questão é estabelecido o questionado, “nós”, já contém uma decisão sobre o quem. Isto quer dizer: nós não podemos, sem sermos tocados pela pergunta sobre o quem, estabelecer o “nós” e o “nos” por assim dizer como algo presente à vista, para o qual apenas falta ainda a determinação do quem. Mesmo nessa questão reside um reflexo da viragem. Ela não pode ser nem formulada, nem respondida. No entanto, enquanto a essência da filosofia não for concebida como meditação sobre a VERDADE DO SEER, e, com isso, a necessidade da auto-meditação daí emergente não tiver se tornado efetiva, a questão já permanecerá exposta enquanto questão a uma pesada reserva. (tr. Casanova; GA65: 19)

O que é, contudo, o início do pensar – no significado da meditação sobre o ente enquanto tal e sobre a VERDADE DO SEER? (tr. Casanova; GA65: 20)

O repensar da VERDADE DO SEER é essencialmente pro-jeto. À essência de tal projeto pertence o fato de, em performance e no desdobramento de si mesmo, ele precisar se recolocar no que é aberto por meio de si. Assim, é possível que desponte a aparência de que: onde impera o projeto, aí haja arbítrio e um divergir em direção ao infundado. Mas o projeto traz a si mesmo precisamente para o fundamento e muda, assim, pela primeira vez a si mesmo para o interior da necessidade, com a qual ele está ligado de modo fundamental, ainda que ainda se encontre velado diante de sua execução. (tr. Casanova; GA65: 21)

(O pensar inicial) É o repensar da VERDADE DO SEER e, assim, a sondagem do solo do fundamento. No repousar sobre o fundamento, abre-se pela primeira vez a sua força fundante, reunidora e retentora. Como é, porém, que o re-pensar do seer se mostra como um repousar? Na medida em que ele abre o que há de mais digno de questão, ele leva a termo a dignificação e, com isto, a mais elevada transfiguração daquilo em que repousa o questionamento, isto é, daquilo em que ele não cessa. Pois senão ele, o questionamento, não poderia repousar como o que abre. (tr. Casanova; GA65: 22)

O outro início precisa ser provocado completamente a partir do seer como acontecimento apropriador e a partir da essenciação de sua verdade e de sua história. O pensar inicial desloca seu questionamento acerca da VERDADE DO SEER para um ponto muito lá atrás no primeiro início como a origem da filosofia. Com isto, ele cria para si a garantia para chegar em seu outro início vindo de muito longe e para encontrar na herança dominada a sua mais elevada constância futura e, com isto, para retornar a si mesmo em uma necessidade modificada (em face do primeiro início). (tr. Casanova; GA65: 23)

A meditação do pensar inicial é muito mais tão originária que ela pergunta primeiramente como é que o si mesmo precisaria ser fundamentado, o si mesmo em cujo âmbito “nós”, eu e tu, chegamos sempre a cada vez a nós mesmos. Assim, é questionável se encontramos por meio da reflexão sobre “nós” a nós mesmos, se encontramos o nosso si mesmo, e se, por conseguinte, o projeto do ser-aí em geral tem algo em comum com a clarificação da “auto”-consciência. Pois bem, não está de modo algum definido que o “si mesmo” seria determinável algum dia pela via que passa pela representação do eu. Ao contrário, é preciso reconhecer que a ipseidade só emerge da fundação do ser-aí, mas que essa fundação se realiza como acontecimento da apropriação do que pertence à conclamação. Com isto, emerge a abertura e a fundação do si mesmo a partir da e como a VERDADE DO SEER. Não a decomposição diversamente dirigida da essência do homem, não a indicação de outros modos de ser<ser do homem – tudo considerado por si como antropologia aprimorada – é o que produz aqui a auto-meditação, mas é a questão acerca da verdade do ser que prepara o âmbito da ipseidade, na qual, atuando historicamente e agindo, o homem – nós –, assumindo a figura do povo, chega ao seu si mesmo. (tr. Casanova; GA65: 30)

O caráter transitório do pensar inicial traz incontornavelmente consigo essa ambiguidade, como se se tratasse de uma meditação antropologicamente existenciária no sentido corrente. Em verdade, porém, cada passo é suportado pela pergunta acerca da VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 30)

Filosofia: encontrar e trazer à tona as faces simples e as figuras autóctones, nas quais a essenciação do seer é abrigada e elevada ao nível do coração. Quem conseguiria as duas coisas: a visão mais distante da essência velada do seer e o sucesso mais imediato da figura brilhante do ente que abriga. Como é que criamos, saltando de antemão para o interior da essenciação do seer, para o seer a afluência de seu ente, para que a VERDADE DO SEER retenha a força histórica duradoura enquanto impulso? Para o pensar resta apenas o dizer maximamente simples da imagem direta em meio ao mais puro silêncio. O primeiro pensador por vir precisa conseguir isso. (tr. Casanova; GA65: 32)

O acontecimento apropriador é o meio que comunica a si mesmo e se intermedeia, o meio de volta ao qual toda essenciação da VERDADE DO SEER precisa ser de antemão pensada. Esse pensar de volta para lá é o re-pensar do seer. E todos os conceitos do seer precisam ser falados a partir daí. (tr. Casanova; GA65: 34)

(O repensar do seer e a linguagem) Com a linguagem habitual, que hoje é cada vez mais amplamente abusada e desgastada, a VERDADE DO SEER não tem como ser dita. Será que essa verdade pode ser em geral dita de maneira imediata, uma vez que toda linguagem é de qualquer modo linguagem do ente? Ou será que pode ser inventada uma nova linguagem para o seer? Não. E mesmo se tal tentativa tivesse êxito e mesmo sem uma formação vernácula artificial, essa linguagem não seria nenhuma linguagem que diz. Todo dizer precisa emergir concomitantemente do poder ouvir. Os dois precisam ter a mesma origem. Assim, só uma coisa importa: dizer a linguagem mais nobremente amadurecida em sua simplicidade e força essencial, a linguagem do ente enquanto linguagem do seer. Essa transformação da linguagem penetra em âmbitos que ainda se encontram cerrados para nós, porque não sabemos a VERDADE DO SEER. Assim, fala-se da “recusa do perseguimento”, da “clareira do encobrimento”, do “acontecimento apropriador”, do “ser-aí”, não um escolher verdades e retirar essas verdades das palavras, mas a abertura da VERDADE DO SEER em tal dizer transformado. (tr. Casanova; GA65: 36)

O discurso marcado pelo termo estrangeiro “sigética” na correspondência com a “lógica” (onto-logia) só é visado transitória e retrospectivamente e não aponta de maneira alguma para a busca por substituir a “lógica”. Pois uma vez que a questão acerca do seer e acerca da essenciação do seer se encontra presente, o questionamento mesmo ainda é mais originário e, por isso, não pode senão menos ainda ser enclausurado e sufocado em uma disciplina escolar. Nunca podemos dizer imediatamente o seer (acontecimento apropriador), e, desse modo, também não podemos dizê-lo mediatamente no sentido da “lógica” intensificada da dialética. Todo e qualquer dizerfala a partir da VERDADE DO SEER e nunca pode saltar por cima de si mesmo imediatamente e aceder ao seer ele mesmo. O silenciamento tem leis mais elevadas do que toda e qualquer lógica. (tr. Casanova; GA65: 38)

O projeto tem por intuito aquilo que só pode ser querido na tentativa do pensar inicial, que sabe algo ínfimo sobre si mesmo: ser uma junção livre e fugidia desse pensar. Isto quer dizer: 1) No rigor da estrutura armada na construção, nada é deixado para trás, como se o importante fosse – e isto é sempre válido na filosofia – o impossível: conceber a VERDADE DO SEER na profusão plenamente desdobrada de sua essência fundamentada. 2) Aqui só é possível a disposição sobre um caminho, que um singular pode abrir para si, prescindindo de vislumbrar a possibilidade de outros caminhos, talvez mesmo mais essenciais. 3) A tentativa precisa ter clareza quanto ao fato de que as duas, estrutura armada conjunta e disposição, permanecem uma junção livre e fugidia do próprio seer, do aceno e da retração de sua verdade, algo não passível de ser imposto. (tr. Casanova; GA65: 39)

Isto condiciona um procedimento que, em certos limites, sempre vai de encontro, em um primeiro momento, ao visar habitual e que precisa seguir durante um certo trecho com ele, a fim de, então, exigir no instante correto a transformação do pensar, ainda que sob o poder da mesma palavra. Por exemplo, “decisão” pode e deve ser visada de início, por mais que não moralmente, de acordo com o movimento de levá-la a cabo, como ato do homem, até que, repentinamente, ela vise à essência do próprio seer, o que não significa agora que o seer seria interpretado “antropologicamente”, mas o contrário: que o homem é recolocado na essência do seer e é arrancado das correntes da “antropologia”. Do mesmo modo: “maquinação” – uma espécie de comportamento do homem e, repentina e propriamente, o inverso: a essência (in-essência) do seer, na qual se enraiza pela primeira vez o fundamento da possibilidade dos “funcionamentos”. Esse “o contrário”, contudo, não é simplesmente um truque “formal” da conversão significativa em meras palavras, mas a transformação do próprio homem. Com certeza, o conceber correto dessa transformação e, antes de tudo, de seu espaço de acontecimento, isto é, o fundar do mesmo, está o mais intimamente possível entrelaçado com o saber da VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 41)

A transformação do homem visa aqui ao tornar-se outro de sua essência, na medida em que, na interpretação válida até aqui (animal rationale), essa essência permaneceu, em verdade, psicologicamente escondida e mal interpretada. A ligação com o ente chegou a ser até concomitantemente visada, mas não foi fundada e desdobrada como o fundamento da essência. Pois isto inclui formular de maneira questionadora a pergunta acerca da VERDADE DO SEER e “a metafísica”. No pensar da história do ser ganha pela primeira vez o espaço livre o poder essencial da niilidade e da inversão. (tr. Casanova; GA65: 41)

O domínio histórico da história do pensar ocidental se torna cada vez mais essencial, e a difusão de uma emdição filosófica “histórica” ou “sistemática” cada vez mais impossível. Pois o que importa é não trazer ao conhecimento nenhuma nova representação do ente, mas fundar o ser homem na VERDADE DO SEER e preparar essa fundação no repensar do seer e do ser-aí. Essa pre-paração não consiste na criação de conhecimentos provisórios, a partir dos quais, então, mais tarde, deveriam ser descerrados os conhecimentos propriamente ditos. Ao contrário, pre-parar significa aqui: abrir o caminho, impor para o caminho – no sentido essencial: afinar. Por outro lado, porém, não como se o pensado e o a se pensar só fossem uma ocasião indiferente para um movimento de pensamento, mas a VERDADE DO SEER, o saber da meditação, é tudo. Todavia, o caminho desse repensar o seer não tem já a inscrição fixa em um mapa. A terra vem a ser pela primeira vez, sim, através do caminho e é em cada posição do caminho desconhecida e não tem como ser calculada. (tr. Casanova; GA65: 42)

Se a “decisão” contra o “sistema” se apruma, então temos aqui a transição da Modernidade para o outro início. Na medida em que o “sistema” contém a caracterização essencial da entidade moderna do ente (a representidade) e em que a decisão, porém, visa ao ser pelo ente, não apenas à entidade a partir do ente, então de certa maneira a de-cisão é “mais sistemática” do que todo e qualquer sistema, isto é, uma determinação originária do ente enquanto tal a partir da essência do seer. Neste caso, não é apenas a “construção de sistemas”, mas também o pensar “sistemático” que se encontra ainda facilmente fundado sobre uma interpretação assegurada do ente em face da tarefa do questionamento acerca da VERDADE DO SEER, do pensar da de-cisão. De início, porém, pensamos a “decisão” como uma ocorrência no interior de um ou-ou. E é aconselhável preparar a interpretação da decisão nos termos da história do ser por meio de uma referência a “decisões”, que emergem daquela de-cisão como necessidades históricas. (tr. Casanova; GA65: 43)

(As decisões) Sobre se o homem quer permanecer “sujeito” ou se ele funda o ser-aí – Sobre se com o sujeito o “animal” enquanto a “substância” e o “racional” enquanto a “cultura” devem permanecer duradouramente ou se a VERDADE DO SEER (ver abaixo) encontra no ser-aí um sítio deveniente – Sobre se o ente toma o ser como o seu “elemento maximamente genérico” e, com isso, o entrega à e soterra na ontologia ou se o seer em sua unicidade ganha voz e atravessa de maneira afinadora o ente enquanto algo singular. Sobre se a verdade como correção se degenera na certeza da re-presentação e na segurança do cálculo e da vivência ou se a essência inicialmente infundada da aletheia encontra um fundamento como a clareira do encobrir-se – Sobre se o ente enquanto o que há de mais óbvio solidifica tudo o que é médio, pequeno e mediano em meio à sua transformação em algo racional ou se o que há de mais questionável constitui a solidez integral do seer – Sobre se a arte é uma instituição vivencial ou se ela é o pôr em obra da verdade. Sobre se a história é degradada e transformada em arsenal das confirmações e das antecipações ou se ela desponta como a cordilheira das montanhas estranhas e inescaláveis – Sobre se a natureza é rebaixada a uma região de espoliação pelo cálculo e pelo erigir e se transforma, assim, em ocasião de “vivência” ou se ela suporta como a terra que se cerra o aberto do mundo sem imagem. Sobre se a desdeização do ente na cristianização da cultura festeja seus triunfos ou se a indigência da indecidibilidade sobre a proximidade e a distância dos deuses prepara um espaço de decisão – Sobre se o homem ousa o seer e, com isso, o ocaso ou se ele se satisfaz com o ente – Sobre se o homem em geral ainda ousa a decisão ou se ele se entrega a ausência de toda decisão, que sugere a época como estado da “mais elevada” “atividade”. Todas essas decisões, que são ao que parece muitas e diversas, se reúnem em uma e única: saber se o seer se retrai definitivamente ou se essa retração se torna enquanto recusa a primeira verdade e o outro início da história. (tr. Casanova; GA65: 44)

O que significa aqui decisão? Ela determina sua essência a partir da essência da transição da Modernidade para o seu outro. Ela determina por meio daí a sua essência ou a transição é apenas o aceno para o interior de sua essência? As “decisões” surgem porque um outro início precisa ser? E esse outro início precisa ser, porque a essência do próprio seer é de-cisão e doa pela primeira vez nesse desdobramento essencial a sua verdade na história do homem? É necessário aqui talvez dizer até mesmo de maneira pormenorizada aquilo que não se tem em vista com a expressão acerca da VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 44)

A expressão também não significa, porém, o seerverdadeiro”, por exemplo, mesmo no significado obscuro, que visa ao enteverdadeiro”, veraz, efetivo. Pois já se pressupõe aqui uma vez mais um conceito de “realidade efetiva” e já se subsume esse conceito ao seer como critério de medida, enquanto o seer não empresta apenas, contudo, ao ente o que ele é, mas desdobra antes de tudo para si mesmo a partir de sua essência a verdade que lhe é apropriada. Essa VERDADE DO SEER não é de modo algum algo diverso do seer, mas a sua essência mais própria, e, por isso, cabe à história do seer saber se ele doa ou recusa essa verdade e a si mesmo e, assim, traz pela primeira vez para a sua história o elemento abissal. O aceno para o fato de que os conceitos correntes de “verdade” e a não diferenciação corrente entre “ser” e “ente” conduzem a uma interpretação falsa da VERDADE DO SEER e, antes de tudo, já sempre pressupõem essa interpretação, pode se desfigurar, no entanto, ele mesmo, induzindo-nos em erro, se ele puder admitir a conclusão: o que se precisaria fazer, então, seria apenas enunciar os “pressupostos” inexpressos, como se pressupostos fossem apreensíveis, sem que o posicionado enquanto tal fosse concebido. O retorno a “pressupostos” e “condições” tem no interior do ente e da interpretação do ente com vistas à sua entidade no sentido da representidade (e já da idea) um sentido e um direito, e ele se tornou, por isto, em múltiplas modulações, a forma fundamental do pensamento “metafísico”; e isto a tal ponto que mesmo a superação da “metafísica” não pôde escapar de um entendimento inicial desse modo de pensar. (tr. Casanova; GA65: 44)

A história ocidental da metafísica ocidental é a “prova” de que a VERDADE DO SEER não pôde se tornar questão, e o aceno para os motivos dessa impossibilidade. O mais tosco desconhecimento da VERDADE DO SEER, contudo, residiria em uma “lógica” da filosofia. Pois essa é uma retransposição consciente ou inconsciente da “teoria do conhecimento” para si mesma. A “teoria do conhecimento”, porém, é apenas a forma da perplexidade da metafísica moderna diante de si mesma. A confusão chega ao seu ápice, quando, então, essa “teoria do conhecimento” se arroga ainda uma vez como “metafísica do conhecimento”; o cálculo na calculadora da “aporética” e a “discussão aporética” “em si” de “direções” e de “fronts de problemas” presentes à vista se tomam, e, em verdade, com plena razão, o método da erudição filosófica mais moderna. Esses são apenas os últimos prolongamentos do processo, por meio do qual a filosofia perde a sua essência e se degenera na mais tosca ambiguidade, porque o que parece ser filosofia inequivocamente não pode ser mais uma tal para aquele que sabe. E, por isto, todas as tentativas de dizer o que não é a VERDADE DO SEER também precisam se haver com o fato de que elas no máximo fornecem um novo alimento para a obtusidade ignorante das más interpretações ulteriores, caso tais elucidações sejam elucidações da crença de que a não filosofia poderia ser transformada pela instrução em filosofia. Com certeza, a meditação sobre aquilo que a VERDADE DO SEER não é, porém, é essencial como uma meditação histórica, na medida em que ela pode auxiliar a tornar os movimentos fundamentais nas posições metafísicas fundamentais do pensar ocidental mais transparentes e o velamento da história do ser mais penetrante. (tr. Casanova; GA65: 44)

autêntico da palavra só possui a sua necessidade se ela tiver reconhecido que a meditação sobre a VERDADE DO SEER inclui uma mutação da postura que pensa para a postura pensante, mudança essa que, naturalmente, não pode ser efetuada por meio de indicações morais, mas precisa ser previamente transformada e, em verdade, na publicidade do invisível e do que está isento de barulho. (tr. Casanova; GA65: 44)

Por que a VERDADE DO SEER não é nenhum suplemento e nenhum quadro para o seer e mesmo nenhum pressuposto, mas a essência mais íntima do seer mesmo? (tr. Casanova; GA65: 44)

Porque a essência do seer se essência no acontecimento da apropriação da de-cisão. Todavia, de onde sabemos isso? Nós não o sabemos, mas o inquirimos e abrimos em tais questões para o seer os sítios e talvez um sítio exigido por ele, caso a essência do seer precise se mostrar como a recusa, para a qual o questionamento insuficiente permanece a única proximidade adequada. E, assim, só um criar que funda todo ser-aí com vistas a um longo prazo (e só esse criar, não o empreendimento cotidiano fixo da instituição do ente) precisa despertar a VERDADE DO SEER como questão e como indigência através da senda mais decisiva e em impulsos iniciais cheios de alternância, aparentemente desprovidos de conexão e desconhecidos para si, tornar pronto para a tranquilidade do seer; ao mesmo tempo, porém, também decididamente contra toda e qualquer tentativa de confundir e enfraquecer, no mero querer para trás, mesmo que esse querer esteja em relação com as tradições “mais valorosas”, a coação impiedosa na indigência da meditação. (tr. Casanova; GA65: 44)

A VERDADE DO SEER é o seer da verdade – dito assim, isso soa como uma inversão artificial e forçada e, quando isso vem à tona, como um desencaminhamento em meio a um jogo dialético. Por outro lado, porém, essa inversão não é senão um sinal fugidio e externo da viragem, que se essencia no seer ele mesmo e lança uma luz sobre aquilo que aqui poderia ser denominado decisão. (tr. Casanova; GA65: 44)

A decisão já há muito tempo irrompida no velado e no dissimulado é a decisão pela história ou pela perda da história. História, porém, concebida como a contestação da contenda de terra e mundo, assumida e realizada a partir do pertencimento ao clamor do acontecimento apropriador como a essenciação da VERDADE DO SEER na figura do último deus. (tr. Casanova; GA65: 45)

Será que a decisão é capaz de trazer consigo mais uma vez a fundação dos sítios instantâneos para a fundação da VERDADE DO SEER ou será que tudo se desdobrará ainda como “luta” em torno das puras condições do prosseguimento da vida e do esgotamento da vida em dimensões gigantescas, de tal modo que a “visão de mundo” e a “cultura” não se mostrarão mais senão como apoios e como meios de luta desse “combate”? O que se prepara, então, por meio daí? A transição para o animal tecnicizado, que começa a substituir os instintos que já se tornaram mais fracos e mais toscos pelo gigantismo da técnica. Nessa direção de decisão, não é característica a tecnicização da “cultura” e a imposição da “visão de mundo”, mas sim o fato de a “cultura” e de a “visão de mundo” se tornarem meios da técnica de luta para uma vontade, que não quer mais nenhuma meta; pois conservação do povo não é nunca uma meta possível, mas apenas condição do estabelecimento de uma meta. Se a condição, porém, se transforma em algo incondicionado, então ganha o poder o não querer da meta, o seccionamento de toda meditação que venha a emergir da origem. Desaparece, então, completamente a possibilidade do conhecimento de que “cultura” e “visão de mundo” são já estacas de uma ordem do mundo, que deve ser supostamente superada. “Cultura” e “visão de mundo” não perdem o seu caráter por meio do fato de elas serem colocadas a serviço da política; quer elas sejam consideradas como valoresem si” ou como valores “para” o povo, a cada vez a meditação, se é que ela é efetivamente uma tal meditação, está firmemente encravada no não querer as metas originárias, isto é, a VERDADE DO SEER, na qual se decide pela primeira vez sobre a possibilidade e a necessidade de “cultura” e “visão de mundo”. (tr. Casanova; GA65: 45)

Somente a decisão mais extrema a partir da e sobre a VERDADE DO SEER traz ainda uma clareza. De resto, impera o crepúsculo em meio a renovações e dissimulações ou mesmo a completa queda. (tr. Casanova; GA65: 45)

Abandono do ser: o fato de o seer abandonar o ente, entregando-o a si mesmo e deixando-o se transformar no objeto da maquinação. Tudo isso não é simplesmente “decadência”, mas é a primeira história do próprio seer, a história do primeiro início e do que é dele derivado e do que fica assim necessariamente para trás. Mas mesmo esse ficar para trás não é nenhum mero “negativo”. Ao contrário, ele traz à tona em seu fim pela primeira vez o abandono do ser, contanto que seja formulada a partir do outro início a pergunta acerca da VERDADE DO SEER e, assim, se inicie o ir ao encontro do primeiro início. Nesse caso se mostra: que o ser abandona o ente; ou seja: o seer se encobre na manifestabilidade do ente. E o seer é ele mesmo essencialmente determinado enquanto esse encobrimento que se retrai. (tr. Casanova; GA65: 52)

A ressonância da VERDADE DO SEER e de sua essenciação mesma a partir da indigência do esquecimento do ser. O alçar essa indigência a partir de sua profundidade enquanto ausência de indigência. O esquecimento do ser não sabe nada sobre ela, ele pensa estar junto ao “ente”, junto ao “efetivamente real”, próximo da “vida” e seguro do “vivenciar”. Pois ele conhece apenas o ente. Todavia, desse modo, em tal presentação do ente, esse ente é abandonado pelo seer. O abandono do ser, porém, é o fundamento do esquecimento do ser. No entanto, o abandono do ser<ser do ente traz para o ente a aparência de que esse ente mesmo seria, então, sem qualquer necessidade de um outro, apto para ser pego e utilizado. O abandono do seer, contudo, é o ser exposto e a proibição do acontecimento apropriador. É a partir do abandono do ser que a ressonância precisa soar e ter início com o desdobramento do esquecimento do ser, no qual o outro início ressoa e, assim, o seer. (tr. Casanova; GA65: 55)

Abandono do ser. O que Nietzsche reconheceu pela primeira vez e, com efeito, na orientação pelo platonismo como niilismo é, em verdade, visto a partir da questão fundamental que lhe é estranha, apenas o primeiro plano do acontecimento muito mais profundo do esquecimento do ser, que vem cada vez mais à tona precisamente na perseguição a encontrar a resposta para a questão diretriz. Mas mesmo o esquecimento do ser (sempre de acordo com a sua determinação) não é o envio destinamental mais originário do primeiro início, mas o abandono do ser, que talvez tenha sido o mais encoberto e o mais negado por meio do Cristianismo e de seus sucessores secularizados. Quanto ao fato de o ente enquanto tal ainda poder aparecer e de, contudo, a VERDADE DO SEER o ter abandonado, cf a despotencialização da physis e do ón como idea. Em que direção o ente enquanto tal é usado e abusado em tal aparição abandonada pelo ser (objeto e “em si”)? Atenta para a obviedade e nivelamento e para a própria incognoscibilidade do seer na compreensão de ser dominante. (tr. Casanova; GA65: 55)

O fundamento mais íntimo do desenraizamento histórico é um fundamento essencial, que se funda na essência do seer: o fato de o seer se subtrair ao ente e, aí, deixá-lo aparecer como “sendo” e, até mesmo, como “sendo mais”. Como essa decadência da VERDADE DO SEER é levada a termo antes de tudo sob a figura mais palpável possível da mediação da verdade, no conhecimento e no saber, é preciso inversamente, caso o desenraizamento deva ser superado, ganhar o domínio a partir de um novo enraizamento, aqui o saber autêntico e, em verdade, o saber do próprio seer. E nesse caso, por sua vez, é preciso conhecer fundamentalmente, isto é, inquirir de início o elemento primeiro, justamente aquela essência do seer, o abandono do seer. (tr. Casanova; GA65: 56)

No que o abandono do ser se anuncia: 1) A completa insensibilidade em relação ao múltiplo naquilo que é considerado essencial; plurissignificância provoca a perda de força e a má vontade em relação à decisão real e efetiva. Por exemplo, tudo o que significa a palavrapovo”: o elemento comunitário, o elemento racial, o baixo e o inferior, o nacional, o permanente; por exemplo, tudo aquilo que é chamado de “divino”. 2) O não saber mais o que é condição e o que é condicionado e incondicionado. Idolatria em relação às condições do seer histórico, do elemento populista, por exemplo, com toda a sua plurissignificância, transformando-o em algo incondicionado. 3) O permanecer preso no pensar e no estabelecimento de “valores” e “ideias”; sem qualquer questão séria, vê-se aí, como que em algo inalterável, a forma estrutural do ser-aí histórico; e a isso corresponde o pensar em termos de “visões de mundo”. 4) De acordo com isso, tudo é inserido em uma engrenagem “cultural”, as grandes decisões, o Cristianismo, não são expostos a partir da raiz, mas contornados. 5) A arte é submetida a uma utilidade cultural e desconhecida em sua essência; a cegueira em relação ao seu cerne essencial, o modo da fundação da verdade. 6) Em geral característico é o erro de avaliação em relação ao que é repulsivo e negador; ele é simplesmente alijado como o “mal”, equivocadamente interpretado e, com isso, apequenado e tanto mais propriamente ampliado em seu perigo. 7) Nisso se mostra – completamente à distância – o não saber em torno do pertencimento do não, da nulidade ao seer mesmo, a falta de qualquer ideia em face da finitude e da unicidade do seer. 8) Isso é acompanhado pelo não saber da essência da verdade; o fato de antes de tudo o que é verdadeiro a verdade e a sua fundação precisarem ser decididas; a busca cega pelo “verdadeiro” na aparência do querer maximamente sério. 9) Por isto, a recusa do saber autêntico e o medo diante da questão; o esquivar-se da meditação; a fuga em direção ao ceme dos dados e das maquinações. 10) Toda tranquilidade e toda retenção aparecem como inatividade, como um deixar passar e como renúncia e talvez sejam a mais ampla reconexão com o deixar ser do ser como acontecimento apropriador. 11) A segurança de si do que não se deixa mais conclamar; a calcificação contra todos os acenos; a impotência da expectativa; só ainda calcular. 12) Tudo isso são apenas irradiações de um encobrimento confuso e calcificado da essência do seer, sobretudo da abertura de seu fosso abissal: o fato de unicidade, raridade, instantaneidade, acaso e acometimento, retenção e liberdade, resguardo e necessidade pertencerem ao seer; o fato de esse seer não se mostrar como o que há de mais vazio e mais comum, mas como o que há de mais rico e mais elevado e só se essenciar no acontecimento da apropriação, acontecimento esse graças ao qual o ser-aí chega à fundação da verdade do ser no abrigo por meio do ente. 13) A elucidação particular do abandono do ser como decadência do Ocidente; a fuga dos deuses; a morte do Deus moral cristão; sua reinterpretação. O velamento desse desenraizamento por meio do encontrar a si mesmo que se inicia de maneira supostamente nova do homem (Modernidade); esse encobrimento banhado no brilho do e intensificado pelo progresso: descobertas, invenções, indústria, máquina; ao mesmo tempo a massificação, a negligência, a desertificação, tudo como desatrelamento do fundamento e das ordens; o desenraizamento, porém, como o mais profundo velamento da indigência, a falta de força para a meditação, a impotência da verdade; o pro-gresso em direção ao não ente como abandono crescente do seer. 14) O abandono do ser é o fundamento mais íntimo para a indigência da falta de indigência. Como é que essa indigência pode ser efetuada como indigência? Alguém não precisa deixar a VERDADE DO SEER brilhar – mas para quê? Quem dos desprovidos de indigência consegue ver? Haverá algum dia uma saída para tal indigência, que se nega constantemente como indigência? Falta o querer sair. Será que a lembrança das possibilidades do passado essencial (o sido) do ser-aí pode conduzir à meditação? Ou será que algo in-habitual, não ideável se choca com essa indigência? 15) O abandono do ser, aproximado por meio de uma meditação sobre a desertificação do mundo e sobre a destruição da terra no sentido da rapidez, do cálculo, da pretensão do massificado. 16) O “domínio” coetâneo da impotência da mera mentalidade e da violência da instituição. (tr. Casanova; GA65: 56)

O abandono do ser determina uma era única na história da VERDADE DO SEER. Trata-se do longo tempo, no qual a verdade hesita entregar a sua essência à claridade. O tempo do perigo do passar ao largo de toda decisão essencial, o tempo da recusa à luta pelos critérios de medida. (tr. Casanova; GA65: 57)

A copertinência das duas só é concebida a partir do retorno à sua mais ampla dissincronia e a partir da dissolução da aparência de sua mais extrema oposicionalidade. Se a meditação pensante (como questão acerca da VERDADE DO SEER e apenas como essa questão) alcança o saber acerca dessa copertinência, então o traço fundamental da história do primeiro início (a história da metafísica ocidental) já é concebido a partir do saber do outro início. Maquinação e vivência apontam formalmente para a concepção mais originária da fórmula para a questão diretriz do pensamento metafísico: entidade (ser) e pensamento (como con-ceber re-presentativo). (tr. Casanova; GA65: 61)

O modo como a maquinação e a vivência (de início veladas por um longo tempo, sim, veladas até agora enquanto tais) se impelem mutuamente até o extremo e, com isso, desdobram os deslocamentos da entidade e do homem em sua referência ao ente, desenvolvendo a si mesmas segundo o seu mais extremo abandono, compelindo-se agora reciprocamente nesses deslocamentos e criando uma unidade, que com maior razão encobre aquilo que acontece apropriadoramente nela: o abandono do ente por toda VERDADE DO SEER e completamente até mesmo pelo seer mesmo. Mas esse acontecimento apropriador do abandono do ser seria mal interpretado, caso se quisesse ver aí um processo de decadência, ao invés de refletir que ele atravessa os modos próprios e únicos da descoberta do ente e de sua “pura” objetivação em um determinado fenômeno, aparentemente desprovido de pano de fundo e em geral sem fundamento. A emergência do “natural”, a aparição das coisas mesmas, à qual pertence efetivamente aquela aparência do sem fundamento. Esse elemento “natural” claramente não possui mais nenhuma referência imediata à physis, mas está colocado completamente sobre o maquinal, sendo contra tal referência com certeza preparado pelo predomínio outrora vigente do sobrenatural. Essa descoberta do “natural” (por fim, do factível, do dominável e do vivenciável) precisa se esgotar um dia em suas próprias riquezas e se solidificar em uma mistura cada vez mais desértica das possibilidades até aqui, de tal modo, em verdade, que esse apenas-continuar-fazendo-como-se-fazia-até-então não sabe e não pode saber senão cada vez menos sobre si no que ele é, e aparece tanto mais criativamente para si mesmo, quanto mais ele empreende o seu fim. (tr. Casanova; GA65: 68)

O encontrar o caminho que leva de uma à outra entre maquinação e vivência encerra em si um acontecimento apropriador único no interior da história velada do seer. Mas ainda não há em parte alguma um sinal para o fato de que algo sobre isso ganharia de algum modo o espaço do saber nessa era. Ou será que isso precisa permanecer vedado a ela e só se revelar àqueles que se encontram já na transição para a verdade, para a ressonância da VERDADE DO SEER? (tr. Casanova; GA65: 68)

O niilismo no sentido de Nietzsche significa: que todas as metas desapareceram. Nietzsche tem em vista aqui as metas que crescem em si e que transformam o homem (para onde?). O pensar em “metas” (o há muito tempo mal interpretado telos dos gregos) pressupõe a idea e o “idealismo”. Por isto, apesar de sua essencialidade, essa interpretação “idealista” e moral do niilismo permanece provisória. Se tivermos em vista o outro início, o niilismo precisa ser concebido de maneira mais fundamental como a consequência essencial do abandono do ser. Como é, porém, que esse abandono do seer pode chegar a ganhar o espaço do conhecimento e a se decidir, se já aquilo que Nietzsche experimentou e pensou integralmente pela primeira vez como niilismo permaneceu até agora inconcebido e, antes de tudo, não nos coagiu à meditação? Tomou-se conhecimento da “teoria” nietzschiana sobre o “niilismo” como uma psicologia da cultura interessante, mas antes disso as pessoas fizeram o sinal da cruz diante de sua verdade, isto é, elas mantiveram aberta ou tacitamente essa verdade afastada do corpo como algo diabólico. Pois é assim que se encontra formulada a reflexão elucidativa: aonde é que chegaríamos se isso fosse verdadeiro e viesse a se tornar verdadeiro? E não se pressente que justamente essa reflexão ou a atitude que a sustenta e o comportamento em relação ao ente é que constituem o niilismo propriamente dito: não se quer admitir a ausência de metas. E, por isso, se tem uma vez mais “metas”, ainda que essas metas não apontem senão para o fato de que o que pode ser em todo caso um meio para o estabelecimento de metas e para a sua persecução é alçado à categoria de uma meta: o povo, por exemplo. E, por isso, justamente lá onde se acredita ter uma vez mais metas, lá onde se é uma vez mais “feliz”, lá onde se passa a tornar uniformemente acessível a todo o “povo” os “bens culturais” até aqui vedados à “maioria” (cinemas e viagens para banhos de mar), precisamente aí, nessa embriaguês “vivencial” barulhenta, é que está o maior de todos os niilismos, o fechar os olhos organizado ante a ausência de metas do homem, o desviar “sempre pronto a entrar em ação” diante de toda decisão que estabeleça uma meta, o medo diante de toda e qualquer região de decisão e de sua abertura. O medo diante do seer nunca foi tão grande quanto hoje. Prova: a instituição gigantesca para que o grito ofusque esse temor. A característica essencial do “niilismo” não depende de se igrejas e monastérios são destruídos e se homens são mortos aí ou se isso é reprimido e o “cristianismo” pode seguir o seu caminho, mas o decisivo é: se se sabe e se quer saber que precisamente essa tolerância do Cristianismo e o Cristianismo mesmo, que o discurso geral sobre a “providência” e o “senhor Deus”, por mais sincero que ele possa vir a ser para o particular, são apenas desvios e impasses no âmbito que não se quer reconhecer como o âmbito de decisão sobre o seer e o não seer e se deixar assim fazer valer. O niilismo de todos o mais fatídico consiste no fato de que podemos nos fazer passar por protetores do Cristianismo e até mesmo requisitar para nós com base em realizações sociais o caráter cristão de todos o mais cristão. Esse niilismo tem toda a sua periculosidade no fato de que ele se esconde completamente e se destaca agudamente e com razão daquilo que se poderia chamar o niilismo tosco (o bolchevismo). A questão é que a essência do niilismo é justamente tão abissal (porque ele desce e alcança a VERDADE DO SEER e a decisão sobre ela), que precisamente essas formas de todas as mais opostas podem e precisam lhe pertencer. E, por isso, pode parecer que, computado no todo e de maneira minuciosa, o niilismo seria insuperável. Se as duas formas opostas mais extremas do niilismo se combatem, em verdade, de maneira necessária do modo mais intenso possível, então essa luta conduz de um modo ou de outro para a vitória do niilismo, isto é, para uma solidificação renovada; e isso supostamente sob a figura, segundo a qual as pessoas proíbem a si mesmas de algum dia ainda achar que o niilismo ainda estaria em obra. (tr. Casanova; GA65: 72)

Nisso reside ao mesmo tempo: a meditação assim configurada sobre a ciência ainda é a única meditação filosoficamente possível, contanto que a filosofia já se movimente na transição para o outro início. Todo e qualquer tipo de fundamentação científico-teórica (transcendental) se tornou tão impossível quanto uma “dotação de sentido”, que atribui à ciência presente à vista e, com isso, não alterável em sua consistência essencial, tanto quanto ao seu funcionamento, o estabelecimento de uma meta populista e política ou de alguma outra meta antropológica. Essas “fundamentações” se tornaram impossíveis, porque elas pressupõem necessariamente “a ciência” e, então, só são dotadas com um “fundamento” (que não é fundamento algum) e um sentido (para o qual falta a meditação). Por meio daí, “a ciência” e, com isso, a solidificação do abandono do ser empreendida por ela se tornaram, com maior razão, definitivas. Assim, toda e qualquer questão acerca da VERDADE DO SEER (toda filosofia) é alijada do âmbito do agir como desnecessária e como realizada sem necessidade. Mas precisamente esse alijamento da possibilidade (da possibilidade interna) de toda e qualquer meditação sobre o pensar enquanto pensar do seer, porque ele não possui a menor ideia do que ele mesmo faz, é impelido a mexer com maior razão com as formas de pensamento, os meios de pensamento e as regiões de pensamento da metafísica até aqui pegos sem escolha com vistas à produção de uma bebida “ligada à visão de mundo”, e a aprimorar a filosofia passada e a se comportar em tudo isso “de maneira revolvida”; revolvimento esse que (equivalendo a uma instituição de todos os lugares comuns possíveis) merece ser chamado simplesmente de “revolucionário” em comparação com a ausência de veneração insuperável em relação aos grandes pensadores. Veneração é naturalmente algo diferente de elogio e de deixar viger por “seu” tempo, caso alguém quisesse se reportar a algo desse gênero. (tr. Casanova; GA65: 73)

Um deles concebe a ciência não como a instituição agora presente, mas como uma possibilidade determinada do desdobramento e da construção de um saber, cuja essência mesma só se vê enraizada em uma fundamentação mais originária da VERDADE DO SEER. Essa fundamentação realiza-se como primeira confrontação com o início do pensamento ocidental e vem a ser, ao mesmo tempo, o outro início da história ocidental. A meditação assim dirigida sobre a ciência retorna de maneira igualmente decidida para o sido, assim como ela antecipa de maneira ousada um porvir. Ela não se movimenta em parte alguma na discussão de algo presente e de sua fabricação imediata. Calculada a partir do presente, essa meditação sobre a ciência se perde no efetivamente irreal, o que de imediato significa também para todo o cálculo o impossível. (tr. Casanova; GA65: 75)

A metafísica acha que o pensar poderia ser encontrado junto ao ente, e isso de tal modo que o pensar segue para além do ente. Quanto mais exclusivamente o pensar se volta para o ente e busca para si mesmo um fundamento maximamente essente, tanto mais decididamente a filosofia se distancia da VERDADE DO SEER. Como é, porém, que é possível a recusa metafísica ao ente, isto é, a recusa à metafísica, sem se ver presa ao “nada”? O ser-aí é a fundação da VERDADE DO SEER. Quanto mais não ente o homem é, quanto menos ele se depara previamente com o ente como o qual ele é, se cristalizando aí, tanto mais próximo ele chega do ser. (Nenhum budismo! O contrário). (tr. Casanova; GA65: 83)

Cada vez mais encoberta se torna a VERDADE DO SEER, cada vez mais rara a possibilidade de que essa verdade enquanto tal se torne o poder fundante e seja pela primeira vez em geral reconhecida. (tr. Casanova; GA65: 84)

A apropriação originária do primeiro início (isto é, de sua história) significa o tomar pé no outro início. Esse tomar pé realiza-se na transição da questão diretriz (o que é o ente?, questão acerca da entidade, do ser) para a questão fundamental: o que é a VERDADE DO SEER? (ser e seer são o mesmo e, contudo, fundamentalmente diversos). Essa transição é historicamente concebida como a superação e, em verdade, como a primeira e pela primeira vez possível superação de toda “metafísica”. A “metafísica” se torna agora pela primeira vez cognoscível em sua essência, e, no pensar transitório, todo o discurso acerca da “metafísica” se torna ambíguo. A questão “o que é metafísica?”, formulada no âmbito da transição para o outro início, questiona a essência da “metafísica” já no sentido de uma primeira conquista da posição do campo prévio para a transição em direção ao cerne do outro início. Em outras palavras, ela questiona já a partir desse outro início. O que ela torna visível como determinação da “metafísica” já não é mais a metafísica, mas a sua superação. O que essa questão procura alcançar não é o esclarecimento, isto é, a manutenção fixa da representação até aqui para tanto necessária da “metafísica”, mas o impulso para a transição e, com isso, para o saber de que todo tipo de metafísica chegou ao fim e precisa ter chegado ao fim, se a filosofia deve conquistar o seu outro início. (tr. Casanova; GA65: 85)

Se a “metafísica” se torna visível como o acontecimento que pertence ao ser-aí enquanto tal, então isso não deve ser considerado como uma ancoragem “antropológica” muito módica da disciplina da metafísica no homem, mas, juntamente com o ser-aí, conquista-se aquela base, na qual a VERDADE DO SEER se funda, de tal modo que, agora, o seer mesmo passou a se mostrar como originariamente dominante e um posicionamento da excedência do ente, o que significa, porém, do sair do ente e, em verdade, como ente presente à vista e como objeto, se tornou impossível. Assim, vem à tona pela primeira vez o que era a metafísica, justamente essa excedência do ente em direção à entidade (ideia). Inevitavelmente ambíguo, contudo, permanece essa determinação da “metafísica”, na medida em que as coisas se mostram de tal modo, como se a metafísica fosse apenas uma outra concepção atual do conceito até aqui, uma concepção que não tocaria em nada na coisa mesma. Ela só é uma tal concepção, porém, na medida em que a concepção da essência da “metafísica” se torna de antemão inteiramente uma fundação do ser-aí, vedando à “metafísica” todo e qualquer caminho para uma outra possibilidade. Conceber de maneira transitoriamente pensante significa: transpor o concebido para o interior de sua impossibilidade. Será que ainda é necessário proteger expressamente essa defesa da “metafísica” diante da mistura com a tendência “antimetafísica” do “positivismo” (e de suas variantes)? Muito pouco de fato, logo que levamos em conta o fato de que o “positivismo” apresenta, sim, o mais tosco de todos os modos “metafísicos” de pensamento, na medida em que ele contém por um lado uma decisão completamente determinada sobre a entidade do ente (sensibilidade) e, por outro lado, ultrapassa de maneira constante justamente esse ente por meio do estabelecimento principial de uma “causalidade” do mesmo tipo. Para o pensar transitório, porém, não se trata de uma “hostilidade” em relação à “metafísica”, hostilidade essa por meio da qual ela seria colocada de novo precisamente em posição, mas de uma superação da metafísica a partir de seu fundamento. A metafísica chegou ao fim. Não porque ela questionou demais, de maneira não crítica demais, de modo extravagante demais a entidade do ente, mas porque, de acordo com a queda do primeiro início, o seer no fundo buscado nunca teve como ser questionado com essa questão e, por fim, decaiu, em meio ao impasse dessa impotência, na “renovação” da “ontologia”. (tr. Casanova; GA65: 85)

A metafísica enquanto o saber do “ser” do ente precisou chegar ao fim (ver Nietzsche), porque ela ainda não tinha jamais ousado perguntar sobre a verdade do próprio seer e, por isso, também tinha precisado permanecer em sua própria história em uma confusão e incerteza quanto ao seu fio condutor (do pensar). Justamente por isso, porém, o pensamento transitório não precisa cair na tentação de deixar aquilo que ele concebeu como fim e no fim simplesmente para trás, ao invés de trazer consigo esse atrás de si, ou seja, ao invés de concebê-lo agora pela primeira vez em sua essência e deixá-lo, transformado, se imiscuir no jogo da VERDADE DO SEER. O discurso acerca do fim da metafísica não pode nos induzir erroneamente a achar que a filosofia não teria mais nada a fazer com a “metafísica”. Ao contrário: a metafísica em sua impossibilidade essencial precisa entrar agora pela primeira vez em uma conexão de jogo com a filosofia e a filosofia mesma precisa ser assim jogada para além de si, em direção ao seu outro início. (tr. Casanova; GA65: 85)

1) a entidade é presentidade. 2) o seer é um encobrir-se. 3) o ente tem o primado. 4) a entidade é o suplemento e, por isso, o “a priori”. Não conseguimos conceber o que se encontra aí resolvido, enquanto a VERDADE DO SEER não se transformar para nós na questão necessária, enquanto não fundarmos o campo de jogo temporal, em cujas extensões se pode mensurar pela primeira vez o que aconteceu apropriadoramente na história da metafísica: a preliminar do acontecimento apropriador ele mesmo como a essenciação do seer. Somente se tivermos sucesso em projetar a história da metafísica naquelas extensões (1-4), é que nós a conceberemos em seu fundamento não elevado. Todavia, enquanto continuarmos haurindo as perspectivas a partir daquilo que podia e precisava se tornar expressamente um saber da metafísica (doutrina das ideias e sua modulação), nós seremos impelidos para o elemento historiológico, a não ser que concebamos idea já a partir do 1-4. (tr. Casanova; GA65: 86)

Esses são alguns caminhos, em si independentes e, entretanto, copertinentes, para jogar no saber sempre apenas uma única coisa: o fato de que a essenciação do seer carece da fundação da VERDADE DO SEER e de que essa fundação precisa se realizar como ser-aí, algo por meio do que todo idealismo e, com isso, a metafísica até aqui e a metafísica em geral são superadas como um desdobramento necessário do primeiro início, que ganha assim pela primeira vez de maneira nova a obscuridade, a fim de só ser concebido a partir do outro início enquanto tal. (tr. Casanova; GA65: 88)

Nietzsche, concebido como o fim da metafísica ocidental, não aponta para nenhuma constatação historiológica daquilo que se encontra atrás de nós, mas se mostra como o ponto de partida histórico do futuro do pensar ocidental. A questão acerca do ente precisa ser trazida para o seu fundamento próprio, para a questão acerca da VERDADE DO SEER. E o que constituiu até aqui o fio condutor e a formação do horizonte de toda interpretação do ente, o pensar (re-presentar), é retomado na fundação da VERDADE DO SEER, no ser-aí. A “lógica” enquanto doutrina do pensar correto transforma-se em meditação sobre a essência da linguagem como a denominação instituidora da VERDADE DO SEER. O seer, contudo, até aqui, sob a figura da entidade, o que havia de mais universal e corrente, se torna enquanto acontecimento apropriador o que há de mais único e estranho. (tr. Casanova; GA65: 89)

A transição para o outro início está decidida e, contudo, não sabemos para onde estamos indo, quando a VERDADE DO SEER se tornará o verdadeiro e a partir de onde a história enquanto história do seer tomará a sua via mais íngreme e mais curta. Como transitórios dessa transição, nós precisamos atravessar uma meditação essencial na própria filosofia, para que ela conquiste o início, a partir do qual ela, sem necessidade de nenhum apoio, poderá ser uma vez mais completamente ela mesma. (tr. Casanova; GA65: 89)

O primeiro início experimenta e estabelece a VERDADE DO SEER, sem questionar acerca da verdade enquanto tal, porque o que nessa verdade se encontra velado, o ente enquanto ente, necessariamente prepondera sobre tudo, porque ele também engole o nada e, enquanto “não” e contra, o vincula a si ou completamente o aniquila. (tr. Casanova; GA65: 91)

O outro início experimenta a VERDADE DO SEER e pergunta sobre o seer da verdade, a fim de, assim, fundar pela primeira vez a essenciação do seer e deixar o ente eclodir como o verdadeiro daquela verdade originária. (tr. Casanova; GA65: 91)

A fixação significa: perguntar sobre o ser<ser do ente. A superação, porém: perguntar antes de tudo sobre a VERDADE DO SEER, sobre aquilo que nunca se tornou questão e nunca pode se tornar questão na metafísica. Esse duplo caráter transitório, que toma a “metafísica” ao mesmo tempo de maneira mais originária e, com isso, a supera, é inteiramente a caracterização da “ontologia fundamental”, isto é, de Ser e tempo. Esse título é estabelecido a partir de um claro saber em torno da tarefa: não mais ente e entidade, mas ser; não mais “pensar”, mas “tempo”; não mais pensar antes de tudo, mas o seer. “Tempo” como a denominação da “verdade” do ser e tudo isso como tarefa, como “a caminho”; não como doutrina e dogmática. Agora, a posição fundamental diretriz da metafísica ocidental, entidade e pensamento, o “pensar” – ratio – razão como fio condutor e como antecipação da interpretação da entidade, é colocada em questão; mas de modo algum apenas de tal modo que o pensar seria substituído pelo “tempo” e tudo não seria visado senão “de maneira mais temporal” e existencial, e, com isso, permaneceria tudo como era. Ao contrário, o que se tornou questão foi aquilo que não podia se tornar questão no primeiro início, a verdade ela mesma. Agora, tudo é e tudo se torna diferente. A metafísica se tornou impossível. Pois a VERDADE DO SEER e a essenciação do seer são o primeiro, não aquilo em direção ao que a ultrapassagem deve acontecer. Agora, contudo, o que importa também não é apenas a inversão da metafísica até aqui, mas, com a essenciação mais originária da VERDADE DO SEER enquanto acontecimento apropriador, a ligação com o ente se tornou uma ligação diversa (não mais a ligação da hypothesis e da “condição de possibilidade” – do koinon e hypokeimenon) O seer se essencia como acontecimento apropriador da fundação do aí e determina ele mesmo a verdade da essência a partir da essenciação da verdade. (tr. Casanova; GA65: 91)

O outro início é o salto que transforma o seer em meio à sua verdade mais originária. O pensar ocidental na questão diretriz estabelece, de acordo com o seu início, o primado do ente ante o ser; o “a priori” é apenas o velamento do caráter ulterior do seer, velamento que precisa vigorar, na medida em que, no acesso imediatamente primeiro, acolhedor e reunidor ao ente, é aberto o seer. Assim, não pode causar espanto, mas precisa ser concebido expressamente como consequência o modo como, então, o ente mesmo se torna normativo para a entidade em uma determinada interpretação. Apesar de, sim, com base no primado da physis e do physei ón, porém, precisamente o thesei ón e o poioumenon se tornam aquilo que fornece agora para a interpretação apreendedora o elemento compreensível, determinando a compreensibilidade da própria entidade (como hyle – morphe). Por isto, encontra-se no pano de fundo e logo se impondo em Platão de maneira particular no primeiro plano a techne como caráter fundamental do conhecimento, isto é, da ligação fundamental com o ente enquanto tal. Tudo isso não aponta para o fato de que, porém, mesmo a physis precisa ser interpretada a partir da correspondência com o poioumenon da poiesis, de que a physis não é suficientemente capaz de exigir a sua verdade para além da parousia e aletheia mesmas, levando-a ao seu desdobramento? Isso, porém, é aquilo que o outro início quer realizar e precisa realizar: o salto para o interior da VERDADE DO SEER, de tal forma que esse seer mesmo funda o ser<ser do homem e, em verdade, nem mesmo imediatamente, mas o ser<ser do homem só como uma consequência do e como o estar-referido ao ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 91)

O primeiro início não é controlado, a VERDADE DO SEER, apesar de sua reluzência essencial, não é expressamente fundada, e isso significa: uma antecipação humana (do enunciado, da techne, da certeza) torna-se normativa para a interpretação da entidade do seer. Agora, porém, faz-se necessária a grande inversão, que está além de toda “transvaloração de todos os valores”, daquela inversão, na qual o ente não é fundado a partir do homem, mas o ser<ser do homem a partir do seer. Isso, porém, carece de uma força superior do criar e questionar, e ao mesmo tempo da prontidão mais profunda para o sofrimento e para a resolução na totalidade de uma mudança completa das relações com o ente e com o seer. Agora, a ligação com o seer não pode mais permanecer em uma repetição que emerge de uma ligação com o ente (dianoein – noein – kategorein). Como, porém, aquela antecipação inicial lança o homem para fora e para dentro do ente a partir do comportamento da apreensão (noûs – ratio), de tal modo que graças a ela um ente supremo é pensado como arche – aitia – causa – como algo incondicionado, as coisas se mostram como se não se tratasse de uma degradação do ser em meio à essência do homem. Aquela antecipação característica do primeiro início do pensar como fio condutor da interpretação do ente pode necessariamente ser concebida a partir do outro início como uma espécie de não dominação do ser-aí ainda não experimentável. (tr. Casanova; GA65: 91)

No outro início, a verdade é reconhecida e fundada como VERDADE DO SEER e o seer mesmo enquanto seer da verdade, isto é, enquanto o acontecimento apropriador que retorna a si, ao qual pertence o fato de a abertura do fosso abissal ser alijada e, com isso, o a-bismo. (tr. Casanova; GA65: 91)

Para além das forças contrárias, dos impulsos contrários e das instituições contrárias precisa ter início algo completamente diverso. Para a mudança e para a salvação da história ocidentalmente determinada, isso significa: as decisões futuras não são tomadas nos âmbitos até aqui, que ainda são mantidos pelos contramovimentos (“cultura” – “visão de mundo”), mas o lugar da decisão precisa ser primeiro fundado e, em verdade, por meio da abertura da VERDADE DO SEER em sua unicidade, que reside antes de todas as oposições à “metafísica” até aqui. (tr. Casanova; GA65: 92)

Que, para a meditação marcada pela dinâmica da retomada, o tempo enquanto verdade do ser brilhe de saída para nós a partir do primeiro início não significa dizer que a plena verdade originária do seer só possa ser fundada no tempo. Em verdade, é preciso tentar antes de qualquer coisa pensar a essência do tempo de maneira tão originária (em sua “extática”), que ela seja concebível enquanto verdade possível para o seer enquanto tal. Mas já esse pensar integralmente o tempo acaba por colocá-lo em uma ligação com o aí do ser-aí, com a espacialidade do ser-aí e, com isso, com o espaço na ligação essencial. Mas tempo e espaço são aqui, medidos pela representação habitual deles, de maneira mais originária e completamente o tempo-espaço, que não se mostra como nenhuma cópula, mas como o mais originário dessa copertinência. Isso, porém, aponta para a essência da verdade como velamento clareante. A VERDADE DO SEER não é nada menos do que a essência da verdade, concebida e fundada enquanto velamento clareante, o acontecimento do ser-aí, do ponto de virada na viragem enquanto o meio que se abre. (tr. Casanova; GA65: 95)

O fato de a VERDADE DO SEER permanecer velada, apesar de a entidade ser colocada nela (o “tempo”), precisa estar fundado na essência do primeiro início. Será que esse encobrimento do fundamento da verdade do ser não significa ao mesmo tempo que a história do ser-aí grego determinado por essa verdade foi colocada sobre a via mais breve e o presente foi levado a termo em um grande e único instante da criação? (tr. Casanova; GA65: 100)

Desde cedo precisa claramente se encontrar em uma luz segura a grande simplicidade do primeiro início do pensar da VERDADE DO SEER (o que significa e o que funda o fato de que o einai é voltado para o interior da aletheia do logos e do noein como physis). (tr. Casanova; GA65: 101)

O saber absoluto, o pensar incondicionado, é, agora, o ente normativo e, ao mesmo tempo, aquele que fundamenta tudo pura e simplesmente. Agora se mostra pela primeira vez: o fio condutor não é um expediente do procedimento na realização do pensar, mas é a doação de horizonte que se encontra à base, mas que se vela enquanto tal, para a interpretação da entidade. Essa doação de horizonte só pode, provindo da aletheia infundada, se desdobrar no início mesmo, na medida em que ela forma para si o terreno da correção (a ligação sujeito-objeto) a partir de si mesma com as suas próprias possibilidades(do saber-se – reflexão); e isso até o cerne do incondicionado da identidade enquanto tal. Assim se mostra ao mesmo tempo como é que, no saber absoluto, a “correção” é elevada ao extremo, de tal modo que ela precisa retornar enquanto presente do presente em certa medida e em um outro nível para a aletheia; e isso naturalmente de tal modo que, então, de maneira ainda mais definitiva, toda e qualquer ligação expressa com ela se volta para o saber e é até mesmo colocada em questão. O quão pouco isso tem sucesso é algo que nos mostra a concepção de verdade de Nietzsche, para o qual a verdade é degradada e se transforma na aparência necessária, na fixação incontornável, vinculada ao próprio ente, que é determinado enquanto “vontade de poder”. Assim, em seu fim, a metafísica ocidental se encontra o mais distante possível da pergunta acerca da VERDADE DO SEER e, contudo, o mais próximo dela também, na medida em que, enquanto fim, ela preparou a transição para aí. (tr. Casanova; GA65: 102)

Aqui a verdade se transforma na certeza que se desdobra em meio a uma confiança incondicionada no espírito e, assim, pela primeira vez, enquanto espírito em sua absolutidade. O ente é completamente transposto para o interior da objetualidade, que, não obstante, é ao mesmo tempo superada por meio do fato de que ela é “suspensa”; em contrapartida, a objetualidade se expande em direção ao eu que representa e em direção à ligação do representar do que se contrapõe e do representar da representação. A maquinação como o caráter fundamental da entidade ganha agora a figura da dialética sujeito-objeto, que coloca em jogo e coordena enquanto dialética absoluta todas as possibilidades de todos os âmbitos conhecidos do ente. Aqui, uma vez mais, o asseguramento integral em relação a toda a incerteza é buscado, o tomar pé definitivo na correção da certeza absoluta, e, sem saber, o arrefecer diante da VERDADE DO SEER. Nenhuma ponte conduz daqui para o outro início. Mas nós precisamos saber precisamente esse pensar do idealismo alemão, porque ele leva ao desdobramento extremo e incondicional o poder maquinacional da entidade (a condicionalidade do ego cogito é elevada ao incondicionado) e o fim é preparado. (tr. Casanova; GA65: 104)

18) Essa história é essencialmente complementada pela exposição da história da aletheia, de sua queda repentina, de sua reconfiguração em meio à homoiosis e à adaequatio, e, a partir daí, chegando até a certeza. Essa história conduz, então, para o desconhecimento correspondente da questão da verdade; por fim, em Nietzsche, a questão da verdade só permanece como a questão acerca do valor da verdade, uma questão autenticamente platonizante (!). Tudo completamente distante da tarefa de colocar em questão a essência da verdade enquanto tal na mais íntima ligação com a VERDADE DO SEER e, assim, com o seer mesmo. (tr. Casanova; GA65: 110)

20) Por “transcendência” concebem-se muitas coisas, que se unem, então, ao mesmo tempo uma vez mais. a) a transcendência “ôntica”: o ente diverso que ultrapassa ainda o ente, em termos cristãos: aquele que cria e que já ascendeu a uma posição para além do ente criado, o criador, na aplicação completamente confusa do termo “transcendência”, a “transcendência” (assim como Sua Magnificência!) = ao próprio Deus, o ente acima do resto dos entes; o abrangente e, assim, universal, denominado de maneira supérflua e para a superelevação da confusão ao mesmo tempo ainda, então, como o “ser”! b) a transcendênciaontológica”: o que se tem em vista é a superelevação, que reside no koinon enquanto tal, a entidade enquanto o geral (gene – categorias – “além” e “antes” do ente, a priori). Aqui, a ligação e o modo do diverso permanecem completamente obscuros; as pessoas se satisfazem com a constatação do koinon e de suas consequências. c) A transcendênciaontológico-fundamental” em Ser e tempo. Aqui, devolve-se à “transcendência” o seu sentido originário: a ultrapassagem enquanto tal, e ela é concebida como distinção do ser-aí, para indicar, com isso, o fato de que esse ente já sempre se encontra no aberto do ente. Com isso, une-se e determina-se ao mesmo tempo de maneira mais próxima a “transcendênciaontológica, na medida em que a transcendência consonante com o ser-aí é concebida de modo precisamente originário enquanto compreensão de ser. Mas uma vez que, então, o conceber é tomado ao mesmo tempo como projeto jogado, transcendência significa: encontrar-se na VERDADE DO SEER, naturalmente sem saber disso e sem inquiri-lo de início. Uma vez que, então, porém, o ser-aí suporta de saída originariamente o aberto do encobrimento, não se pode falar, considerado rigorosamente, de uma transcendência do ser-aí; na esfera desse ponto de partida, a representação da “transcendência” precisa desaparecerem todo e qualquer sentido. d) Essa representação ainda encontra um emprego frequente na consideração da “teoria do conhecimento” que, se iniciando com Descartes, impede de início ao “sujeito” a saída e a ultrapassagem em direção ao “objeto” ou torna essa ligação duvidosa. Mesmo esse tipo de “transcendência” é superada com o estabelecimento do ser-aí, na medida em que ela é de antemão ultrapassada. e) “Transcendência” abrange por toda parte a saída do “ente” tomado como conhecido e familiar para um ir além disso, de algum modo dirigido. Visto a partir da pergunta fundamental pela VERDADE DO SEER, reside aí um atolar-se no modo de questionamento da questão diretriz, isto é, na metaflsica. Com a transição para a questão fundamental, porém, toda metafísica é superada. Essa transição, contudo, precisa meditar, por isso, tanto mais claramente sobre as formas do platonismo que ainda a envolvem e que são inevitáveis, ainda que essas formas só continuem determinando-a na defensiva. (tr. Casanova; GA65: 110)

21) Os últimos prolongamentos e consequências do platonismo no presente: a) Tudo o que se denomina “ontologia” e quer ou não quer ser tal “ontologia”; mesmo a adversariedade, por exemplo, a adversariedade sobre a base de um kantismo, permanece no mesmo âmbito das condições para “ontologias”. b) Toda metafísica cristã e a-cristã. c) Todas as doutrinas, que têm por meta “valores”, “sentido”, “ideias” e ideais; e, de maneira correspondente, as doutrinas que negam isso, o positivismo e o biologismo. d) Todos os tipos de “filosofia da vida”, para as quais a questão do ser permanece alheia até mesmo sob a forma autêntica da questão diretriz até aqui (Dilthey). e) Por completo aquelas direções, que misturam tudo o que foi previamente citado, que ensinam ideias e valores e, ao mesmo tempo, acentuam a “existência” em termos de uma filosofia da “vida”. Aqui, a mais extrema confusão é elevada ao nível do princípio e se abandona todo pensar e questionar autênticos. f) Por fim, a filosofia de Nietzsche que, precisamente porque se concebe como inversão do platonismo, recai nesse platonismo pela porta dos fundos. Mesmo onde Nietzsche é voltado por fim para fora do platonismo e de sua inversão, não se chega a uma formulação originariamente superadora da questão acerca da VERDADE DO SEER e acerca da essência da verdade. (tr. Casanova; GA65: 110)

O que é estabelecido em Ser e tempo como “compreensão de ser” parecia ser apenas a ampliação dessa representação anterior, e, no entanto, (compreender como pro-jeto – ser-aí) é algo completamente diverso; como transição, porém, ele remete para a metafísica. A VERDADE DO SEER e a essenciação do seer não são nem o que há de mais primevo nem o que há de mais tardio. (tr. Casanova; GA65: 112)

Por mais certamente que a história do fim prossiga e, medida a partir dos dados presentes, por mais que ela se mostre mais “viva” e “mais rápida” e confusa do que nunca, a própria transição permanecerá o que há de mais questionável e antes de tudo o que há de mais desconhecido. O homem, em pequeno número e sem conhecer a si mesmo, se preparará em meio ao campo de jogo temporal do ser-aí e se reunirá em uma proximidade com o seer, proximidade essa que precisa permanecer estranha para todos aqueles que se encontram “próximos da vida”. A história do seer conhece em longos espaços de tempo, que são para ela apenas instantes, acontecimentos apropriadores raros. Os acontecimentos apropriadores enquanto tais: o remetimento da verdade ao seer, a precipitação da verdade, a solidificação de sua inessência (da correção), o abandono do ser<ser do ente, a entrada do seer em sua verdade, o atiçar do fogo da lareira (da VERDADE DO SEER) como o sítio solitário do passar ao largo do último deus, o reluzir da unicidade única do seer. Enquanto a destruição do mundo até aqui enquanto autodestruição alardeia em meio ao vazio o seu triunfo, a essência do seer se reúne em sua mais elevada vocação: enquanto acontecimento da apropriação do âmbito de decisão sobre a divindade dos deuses, apropriar-se do fundamento e do campo de jogo temporal, isto é, do ser-aí, na unicidade de sua história. (tr. Casanova; GA65: 116)

A entrada do homem na história do ser é incalculável e independente de todo progresso ou derrota da “cultura”, uma vez que a própria “cultura” significa a fixação do abandono do ser<ser do ente e uma vez que o crescente enredamento da essência humana em seu “antropologismo” impele ou mesmo pressiona o homem ainda uma vez de volta para o desconhecimento cristão de toda VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 116)

No outro inicio, a VERDADE DO SEER precisa ser ousada como fundação, como o repensar do ser-aí. Somente no ser-aí, aquela verdade é fundada para o seer, a verdade na qual todo ente é apenas em virtude do seer, que reluz como rastro do caminho do último deus. Por meio da fundação do ser-aí transforma-se o homem (o que procura, o que guarda, o guardião). Essa transformação cria o espaço das outras necessidades da decisão sobre proximidade e distância dos deuses. (tr. Casanova; GA65: 117)

Nunca podemos conceber o ente por meio de uma explicação e de uma derivação a partir de um outro ente. Ele só pode ser sabido a partir de sua fundação na VERDADE DO SEER. Mas o quão raramente o homem avança em direção ao cerne dessa verdade; o quão fácil e rapidamente ele se satisfaz com o ente e permanece, assim, desapropriado do ser. O quão impositiva parece a possibilidade de se prescindir da verdade do ser. (tr. Casanova; GA65: 118)

1) O primeiro início e seu fim abarcam toda a história da questão diretriz de Anaximandro até Nietzsche. 2) A questão diretriz não é questionada inicialmente na apreensão expressa da questão, mas captada por isso mesmo de maneira tanto mais originária e respondida de modo normativo; a irrupção do ente, a pre-sentação do ente enquanto tal em sua verdade; essa fundada no logos (reunião) e no noein (a-preensão). 3) O caminho daqui até a primeira versão, desde então diretriz, da questão em Aristóteles; a preparação essencial por meio de Platão; a confrontação aristotélica com o primeiro início, que ganha ao mesmo tempo por meio daí o cerne de uma interpretação fixamente estabelecida para o que vem depois. 4) A repercussão do modo de formulação da questão que agora retrocede uma vez mais, mas que, porém, a tudo ainda domina no resultado e nos caminhos (doutrina das categorias; teo-logia); a reestruturação do todo por meio da teologia cristã; sob essa figura, o primeiro início permanece, então, apenas histórico, até mesmo ainda em Nietzsche, apesar de sua descoberta dos pensadores iniciais como homens de um nível hierárquico elevado. 5) De Descartes até Hegel uma transformação renovada, mas não uma mudança essencial; a retomada na consciência e a certeza absoluta; em Hegel, realiza-se pela primeira vez uma tentativa filosófica de uma história da questão acerca do ente a partir da posição fundamental conquistada do saber absoluto. 6) O que reside entre Hegel e Nietzsche possui muitas figuras, em parte alguma originariamente no metafísico, nem mesmo em Kierkegaard. Diferentemente da questão diretriz, a questão fundamental desponta enquanto questão concebida com a própria formulação da questão, a fim de saltar a partir dela de volta para o interior da experiência fundamental originária do pensamento da VERDADE DO SEER. Mas a questão fundamental também tem enquanto questão concebida um caráter completamente diverso. Ela não é o prosseguimento da formulação da questão que tinha sido empreendida na questão diretriz por Aristóteles. Pois ela emerge por um salto imediatamente de uma necessidade da indigência do abandono do ser, daquele acontecimento, que é essencialmente co-condicionado pela história da questão diretriz e por seu desconhecimento. (tr. Casanova; GA65: 119)

A transposição para a essência do seer e, com isso, o questionamento da questão prévia (essência da verdade) são diversas de todas as objetivações do ente e de todo acesso imediato a esse ente; nesse caso, ou bem o homem é em geral esquecido, ou bem o ente é atribuído como certo ao “eu” e à consciência. Em contrapartida: a VERDADE DO SEER e, com isso, a essência da verdade se es-senciam somente na insistência no ser-aí, na experiência do caráter de jogado no aí a partir do pertencimento ao clamor do acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 119)

Para que, porém, esse questionar completamente outro enquanto consistência do ser-aí em geral possa ascender a uma possibilidade decidível, é preciso que se tente de saída, a partir da questão diretriz, criar por meio de seu desdobramento completo uma transição para o salto na questão fundamental; nunca uma transição imediata para essa questão. É preciso que se torne visível que e por que na questão diretriz a questão acerca da verdade (sentido) do seer permanece sem ser questionada. Essa questão não questionada é a questão fundamental, vista no campo de visão do caminho da questão diretriz, ou seja, só indicativamente vista; o tempo como VERDADE DO SEER; esse experimentado a princípio inicialmente como presentação nas diversas figuras. (tr. Casanova; GA65: 119)

O “tempo” como temporialidade, o que se tem em vista é a unidade originária do arrebatamento extasiante marcado por clareira e por encobrimento, oferece o fundamento mais próximo para a fundação do ser-aí. Com esse estabelecimento, a forma até aqui de resposta não deve ser, por exemplo, mantida, sim, nem mesmo substituída, ou seja, ao invés das “ideias” ou de sua desaprovação no século 19, ao invés dos “valores” não devem ser posicionados outros “valores” ou não deve ser posicionado valor nenhum. Ao contrário, o “tempo” aqui e, de maneira correspondente, tudo aquilo que é concebido sob o título “existência”, possui um significado completamente diverso, a saber, o significado da fundação dos sítios abertos da instantaneidade para um ser histórico do homem. Como todas as decisões até aqui não se mostram mais no âmbito das “ideias” ou do “ideal” (“visões de mundo”, ideias de cultura e coisas do gênero) como decisões, porque elas não colocam mais de maneira alguma em questão o seu espaço de decisão e ainda menos a verdade mesma enquanto VERDADE DO SEER, é preciso antes de tudo dirigir a meditação para a fundação de um espaço de decisão, isto é, a indigência da falta de indigência precisa ser primeiro experimentada, o abandono do ser. No entanto, onde quer que, no sentido até aqui, ainda que com tomadas de empréstimo externas junto à “filosofia da existência”, tudo permanece no âmbito da “cultura”, da “ideia”, do “valor” e do “sentido”, aí, visto em termos da história do ser e a partir do pensamento inicial, o abandono do ser é uma vez mais solidificado e a falta de indigência é por assim dizer elevada ao nível de princípio fundamental. (tr. Casanova; GA65: 119)

São sempre poucos aqueles chegam ao salto e esses chegam sempre por sendas diversas. Trata-se sempre das sendas da fundação criadora e sacrificial do ser-aí, em cujo tempo-espaço o ente é preservado como ente e, com isso, a VERDADE DO SEER é abrigada. Isso, porém, acontece sempre no mais extremo encobrimento, o arrebatamento extasiante para o interior do in-calculável e único, na cumeada mais aguda e mais elevada, que constitui o seguir ao longo do a-bismo do nada e funda ele mesmo o abismo. (tr. Casanova; GA65: 120)

Se tu colocares em um prato todas as coisas e o que se faz presente à vista, acrescentando aí as maquinações, nas quais o elemento cristalizado dessas coisas se acha solidificado, e se tu colocares em outro prato o projeto do seer, acrescentando aí o peso do caráter de jogado do projeto, para onde a balança se inclinará? Para o lado do que se acha presente à vista, a fim de muito rapidamente deixar que a impotência do projeto caia no interior do espaço do ineficaz. Todavia, quem é aquele que pesa nessa balança e o que é o que se encontra presente à vista e o que brama nas maquinações? Tudo isso nunca alcança a VERDADE DO SEER, mas dá apenas a aparência do fundamento e do incontornável, na medida em que se subtrai à verdade e gostaria de negar o seu elemento primeiro, a presença à vista, como algo nulo. (tr. Casanova; GA65: 121)

Ora, mas onde está o espaço para provocar isso? O que pode ser pesado não precisa ser, para que a VERDADE DO SEER se essencie? O impesável não precisa ser pesado de qualquer modo e sozinho na balança? (tr. Casanova; GA65: 121)

O salto é a realização do projeto da VERDADE DO SEER no sentido da inserção no aberto, de tal modo que aquele que joga o projeto se experimenta como jogado, isto é, como apropriado pelo acontecimento por meio do seer. A abertura por meio do projeto é apenas tal abertura, se ela acontecer como experiência do caráter de jogado e, com isso, do pertencimento ao seer. Essa é a diferença essencial em face de todos os tipos de conhecimento apenas transcendentais no que concerne às condições de possibilidade. (tr. Casanova; GA65: 122)

O seer precisa ser pensado a partir de uma exposição a esse extremo. Assim, porém, ele se clareia como o que há de mais finito e rico, como o que há de mais abissal de sua própria intimidade. Pois o seer não é jamais uma determinação do próprio deus, mas o seer é aquilo que precisa da deização do deus, a fim de permanecer, contudo, completamente diferente dessa deização. O ser (tal como a entidade da metafísica) não é nem a determinação mais elevada e mais pura do theion, de Deus e do “absoluto”, nem é aquilo que pertence a essa interpretação, a cobertura mais universal e mais vazia para tudo aquilo que não não “é”. No entanto, como recusa, o seer não é o mero recuo e partida, mas, ao contrário: a recusa é intimidade de uma atribuição. O que é a-tribuído no estremecimento é a clareira do aí em sua abissalidade; o aí é atribuído como aquilo que precisa ser fundado, como ser-aí. Assim, por meio da VERDADE DO SEER (pois isso é essa clareira atribuída), o homem é requisitado originariamente e de outro modo. O homem é nomeado por meio dessa requisição do próprio seer como o guardião da VERDADE DO SEER (ser homem como “cuidado”, fundado no ser-aí). (tr. Casanova; GA65: 123)

A guarda do homem, contudo, é o fundamento de uma outra história. Pois ela não se realiza como mero manter-em-vista algo presente. Essa guarda é antes uma guarda fundante. Ela precisa erigir a VERDADE DO SEER e abrigá-la no “entemesmo, que, assim, desdobra pela primeira vez novamente – inserindo no seer e em seu estranhamento – a simplicidade encantadora de sua essência, ultrapassa toda maquinação e se subtrai à vivência em meio ao erigir de um outro domínio, isto é, de seu âmbito, do qual o último deus se apropriou em meio ao acontecimento. É somente por meio da queda e da reviravolta do ente que o ente bifurcado em maquinação e vivência e já calcificado no que não é chega a ceder diante do seer e, com isso, alcança a sua verdade. (tr. Casanova; GA65: 123)

Toda mediação e salvação tíbias não fazem outra coisa senão aprisionar o ente ainda mais no abandono do ser e transformar o esquecimento do ser na única forma da verdade, a saber, da não VERDADE DO SEER. Como é que o pressentimento poderia ganhar aí ainda o menor espaço possível, de tal modo que a recusa se mostrasse como o primeiro envio mais elevado do seer, sim, como a sua própria essenciação inicial. Esse envio acontece apropriadoramente como a retração, que vincula ao silêncio, no qual a verdade segundo sua essência chega novamente à decisão sobre se ela pode ser fundada como a clareira para o encobrir-se. Esse encobrir-se é o desencobrimento da recusa, o deixar pertencer ao elemento estranho de um outro início. (tr. Casanova; GA65: 123)

O “tempo” deveria se tornar experimentável como o campo de jogoekstático” da VERDADE DO SEER. O arrebatamento extasiante em meio ao clareado deveria fundar a própria clareira como o aberto, no qual o seer se reúne em sua essência. Tal essência não pode ser comprovada como algo presente à vista, sua essenciação precisa ser esperada como um choque. O primeiro e longo permanece: poder esperar nessa clareira até que os acenos venham. Pois o pensar não tem mais o favor do “sistema”, ele é histórico no sentido único de que o seer mesmo suporta pela primeira vez como acontecimento apropriador toda história e, por isso, nunca pode ser alcançado pelo cálculo. (tr. Casanova; GA65: 125)

No lugar da sistemática e da dedução entra em cena a prontidão histórica para a VERDADE DO SEER. E isso exige anteriormente que essa verdade mesma crie já a partir de seu saber que quase não ressoa os traços fundamentais de seus sítios (o ser-aí), em cujos edificadores e guardiões o sujeito do homem precisa se transformar. (tr. Casanova; GA65: 125)

Em um primeiro momento, contudo, é preciso fundar a VERDADE DO SEER. Só então retiraremos da palavra fatídica “nada” o elemento nulo e lhe emprestaremos a força do aceno para a a-bissalidade do seer. (tr. Casanova; GA65: 128)

No outro início, não pode mais se tornar normativo para o seer um ente, um âmbito e uma região determinados, assim como o ente enquanto tal. Aqui, é preciso lançar o pensamento tão para fora, ou melhor, tão para o interior do aí, que a VERDADE DO SEER reluza originariamente. (tr. Casanova; GA65: 130)

(seer e ente) Essa diferenciação foi concebida desde Ser e tempo como “diferença ontológica”, e isso com o intuito de assegurar a questão acerca da VERDADE DO SEER contra toda mistura. Ao mesmo tempo, porém, essa diferenciação é impelida para a via, da qual ela provém. Pois aqui se faz valer a entidade como ousia, idea, e, subsequentemente, a objetualidade como condição de possibilidade do objeto. Por isso, na tentativa de superação do primeiro ponto de partida da questão do ser em Ser e tempo e em suas irradiações (“Da essência do fundamento” e o livro sobre Kant), foi preciso levar a termo a tentativa alternante de se assenhorear da “diferença ontológica”, concebendo sua própria origem, isto é, sua unidade autêntica. Por isso, careceu-se do empenho por se libertar da “condição de possibilidade” como um caminho de volta apenas “matemático” e por conceber a VERDADE DO SEER a partir de sua própria essência (acontecimento apropriador). Por isso, o elemento aflitivo e ambíguo dessa diferenciação. Pois assim como ela é necessária, pensada a partir do campo tradicional, para criar em geral um primeiro círculo de visão para a questão do seer, essa diferenciação permanece de qualquer modo fatídica. Pois essa diferenciação emerge, sim, precisamente de uma questão acerca do ente enquanto tal (acerca da entidade). Por essa via, porém, nunca se chega imediatamente à questão do seer. Em outras palavras, essa diferenciação transforma-se precisamente em uma barreira propriamente dita, que impede um questionamento da questão do seer, na medida em que o que se tenta é continuar questionando a sua unidade sob o pressuposto da diferença em relação ao seer. Essa unidade, contudo, nunca pode permanecer senão a imagem refletida da diferença e jamais tem como conduzir à origem, a partir da qual essa diferenciação pode ser vislumbrada como não sendo mais a diferenciação originária. Por isto, o importante é não ultrapassar o ente (transcendência), mas saltar por sobre essa diferença e, com isso, sobre a transcendência, questionando inicialmente a partir do seer e da verdade. (tr. Casanova; GA65: 132)

No pensamento transitório, no entanto, nós precisamos suportar esse elemento ambíguo: por um lado, tomar essa diferenciação como ponto de partida para a primeira clarificação e, então, porém, saltar precisamente por sobre essa diferenciação. Esse saltar por sobre, entretanto, acontece concomitantemente por meio do salto como a sondagem do fundamento da VERDADE DO SEER, por meio do salto para o interior do acontecimento apropriador do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 132)

Apesar disso, tal como já acontecia com os gregos, o pensar (logos – formas do juízo – categoriasrazão) mantém junto a ele a primazia na fixação do círculo de visão da interpretação do ente enquanto tal. Além disso, de acordo com o processo cartesiano, o pensar enquanto “pensar” chega a alcançar o domínio, e o ente mesmo se torna, em consonância com o mesmo fundamento histórico, o perceptum (representado), o objeto. Por isso, não há como chegar a uma fundação do ser-aí, isto é, a questão acerca da VERDADE DO SEER é aqui inquestionável. (tr. Casanova; GA65: 134)

Seer – a estranha crença equivocada em que o seer precisaria sempre “ser” e em que quanto mais constantemente e duradouramente ele fosse, tanto mais “essente” ele seria. Mas em primeiro lugar, o seer em geral não “é”, mas se essencia. E, em segundo lugar, o seer é o que há de mais raro e mais único, e ninguém tem como avaliar os pontos instantes, nos quais ele funda para si um sítio e se essencia. Como é que se chega ao fato de que o homem se equivoca tanto em relação ao seer? Porque ele precisa se ver exposto ao ente, a fim de experimentar a VERDADE DO SEER. Nessa exposição, o ente é o verdadeiro, o aberto; e isso porque o seer se essencia como o que se encobre. Assim, o homem se mantém no ente e se torna útil ao ente, caindo como uma presa no esquecimento do seer; e, em verdade, tudo isso sob a aparência de realizar o que há de próprio e de permanecer próximo do seer. (tr. Casanova; GA65: 136)

Somente onde o seer se retém como o que se encobre é que o ente pode vir à tona e aparentemente dominar tudo, representando a única barreira contra o nada. E, não obstante, tudo isso se funda na VERDADE DO SEER. Mas, então, porém, a próxima e única consequência é deixar o seer e até mesmo esquecê-lo no velamento. Todavia: deixar o seer no velamento e experimentar o ser como o que se encobre são duas coisas fundamentalmente diversas. A experiência do seer, o suportar a sua verdade, traz, com certeza, o ente de volta para as suas barreiras e retira dele a aparente unicidade de seu primado. No entanto, assim ele não se torna menos essente, mas, ao contrário, mais essente, isto é, mais essencial na essenciação do seer. (tr. Casanova; GA65: 136)

No outro início, porém, o ente nunca é o efetivo no sentido desse ente “atual”. Mesmo lá onde ele vem ao encontro constantemente, para o projeto originário da VERDADE DO SEER, esse ente é o que há de mais fugidio. (tr. Casanova; GA65: 136)

Efetivo, isto é, essente, é o lembrado e é ainda o pronto. Lembrança e preparação abrem o campo de jogo temporal do seer, para o qual o pensar precisa abjurar a “atualidade” como a única e primeira determinação até aqui. (Porque é aqui que reside o campo de decisão imediato sobre a VERDADE DO SEER, o salto para o outro início precisou ser tentado como Ser e tempo). Todavia, se gostaria ainda de deixar a partir da concepção habitual do tempo (desde AristótelesPlatão) o nyn em seu primado, deduzindo apenas a partir de sua modulação o passado e o futuro; e isso sobretudo porquanto a lembrança só pode ser lembrada a partir de e em recurso a algo atual e a algo atual em seu sido, e sobretudo porquanto algo futuro não tem senão a determinação de se tornar algo atual. (tr. Casanova; GA65: 136)

A VERDADE DO SEER, na qual e como a qual sua essenciação se encobre, se abrindo, é o acontecimento apropriador. E isso é ao mesmo tempo a essenciação da verdade enquanto tal. Na viragem do acontecimento apropriador, a essenciação da verdade é sobretudo a verdade da essenciação. E essa contravolta mesma pertence ao seer enquanto tal. A questão: porque a verdade é em geral como encobrimento clareador? pressupõe a verdade do por quê. Os dois, contudo, a verdade e o porquê (clamor da fundação), são o mesmo. Essenciação é a verdade pertinente ao seer, que emerge dele. Somente lá onde, como no primeiro início, a essenciação vem à tona como presentação, chega-se logo à cisão entre o ente e sua “essência”, o que é justamente a essenciação do seer como presentidade. Aqui permanece necessariamente sem poder ser experimentada e colocada a questão acerca do seer enquanto tal e, isso significa, a questão acerca de sua verdade. (tr. Casanova; GA65: 137)

Até que ponto aquilo que se tornou há muito tempo infundado e ainda continua subsistindo, porém, como algo usual pode ser um dia trazido ainda para o interior da prontidão para o acometimento, é algo que só é decidido com o âmbito da irrupção da VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 139)

O seer se essencia como acontecimento apropriador. Essa não é nenhuma proposição, mais o silenciamento inconcebível da essência, que só se abre para a completa realização histórica do pensar inicial. Somente a partir da VERDADE DO SEER emerge historicamente o ente, e a VERDADE DO SEER é abrigada na insistência do ser-aí. Por isto, “o ser”, por mais genérico que o nome possa soar, nunca pode se tornar o comum. E, contudo, ele se essencia, lá onde e quando ele se essencia, de maneira mais próxima e mais íntima do que qualquer ente. Aqui, a partir do ser-aí, é pensada a completa alteridade da ligação com o seer: ela é levada a termo; e isso acontece no tempo-espaço que emerge do arrebatamento extasiante e fascinante da própria verdade. O próprio tempo-espaço é uma região contenciosa querelante. No primeiro início, a partir da tomada de assalto imediata sobre o ente enquanto tal (physis, idea, ousia), o que se tornou concebível disso, se tornando normativo para toda a interpretação do ente, foi apenas a presentação. O tempo, nesse caso, foi concebido como presente e o espaço, isto é, o lugar, como aqui e lá, no interior da presentidade e pertencente a ela. Em verdade, porém, o espaço não possui nenhuma presença, assim como nenhuma ausência. Espacialização temporalizante – temporalização espacializante como a região mais próxima da junção fugidia para a VERDADE DO SEER, mas nenhuma queda nos conceitos comuns formais de espaço e tempo (!), senão retomada da contenda, mundo e terraacontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 139)

A origem da contenda a partir da intimidade do não no seer! Acontecimento apropriador. A intimidade do não no seer: pertencente em primeiro lugar à sua essenciação. Por quê? Ainda se pode perguntar assim? Se não, por que razão não? A intimidade do não e o contencioso no ser: isso não é a negatividade de Hegel? Não, e, porém, Hegel, como já tinha acontecido com O sofista de Platão e, antes dele, com Heráclito, experimentou algo essencial de um modo mais essencial e, contudo, uma vez mais, de forma diversa, algo essencial, mas suspenso no saber absoluto; a negatividade está aí apenas para desaparecer e colocar em curso o movimento da suspensão. Precisamente não a essenciação. Por que não? Porque o ser é determinado como entidade (realidade efetiva) a partir do pensar (saber absoluto). Não isto e isto em primeiro lugar e sozinho é que é válido, o fato de que mesmo a contra-parte “é” e os dois se compertencem, mas se já temos o contrário como contravibração, então isso se dá como acontecimento apropriador. Antes disso, nunca há senão suspensão e reunião (logos). Agora, contudo, temos libertação e abismo e a completa essenciação no tempo-espaço da verdade originária. Agora não o noein, mas a insistência que abriga. A contenda como essenciação do “entre”, não como o também deixar vigorar do adverso. Com efeito, reside na sentença de Heráclito sobre o polemos uma das maiores intelecções da filosofia ocidental, e, contudo, ela não podia ser desdobrada em nome da questão acerca da verdade, assim como também não em nome da questão acerca do ser. De onde, contudo, a intimidade do não no seer? De onde tal essenciação do seer? Sempre uma vez mais, o questionamento se choca com esse ponto; trata-se da questão acerca do fundamento da VERDADE DO SEER. Mas a verdade mesma é o fundamento. E ela? Ela emerge no se-manter-na-verdade! Todavia, como é essa origem? Manter-se na verdade, nossa irrupção e vontade a partir de nossa indigência, porque nós nos entregamos à responsabilidade e nos identificamos – a nós? Quem somos nós mesmos? Portanto, porém, não o nosso, mas o fato de que nós suportamos o si mesmo por meio da abertura, e de que, no si mesmo, se abre veladamente o para si e, com isso, o seer como acontecimento apropriador. E, por conseguinte, não “nós” como o ponto de partida, mas “nós”: como expostos e transpostos, mas no esquecimento dessa transposição. Se, assim, o acontecimento apropriador brilha em meio à determinação da ipseidade, então reside aí a indicação para a intimidade. Quanto mais originariamente nós somos nós mesmos, tanto mais amplamente somos voltados para fora já em meio à essenciação do seer; e, inversamente. Somente se o ponto base da questão for tomado aqui é que o “fundamento” da intimidade será aberto. Esse ponto de base é o decisivo. O seer não é nada “humano” como o seu produto, e, no entanto, a essenciação do seer necessita do ser-aí e, assim, da insistência do homem. (tr. Casanova; GA65: 144)

Em toda a história da metafísica, isto é, em geral no pensamento até aqui, o “ser” é sempre concebido como entidade do ente e, assim, como esse ente mesmo. Ainda hoje, junto a todos os “pensadores”, a equiparação entre ser e ente e, em verdade, com base em uma impotência de diferenciação, antecede por assim dizer a toda filosofia. De maneira correspondente, o nada é sempre concebido como o não-ente e, com isso, como negativo. Caso se estabeleça até mesmo o “nada” nesse sentido como meta, então o “niilismo pessimista” e o desprezo por toda a “filosofia do nada” fraca conquistam o seu direito, e, antes de tudo: se está desonerado de todo e qualquer questionamento, desoneração essa cujo empreendimento distingue o “pensador heroico”. Com todas essas coisas, a minha questão acerca do nada, que emerge da questão acerca da VERDADE DO SEER, não tem o mais mínimo em comum. O nada não é nem negativo, nem é a “meta”, mas o estremecimento essencial do seer mesmo e, por isto, mais essente do que qualquer ente. (tr. Casanova; GA65: 145)

Há em geral, questionado a partir da verdade do ser enquanto acontecimento apropriador, níveis desse tipo ou até mesmo níveis de seer? Se pensássemos a diferenciação entre seer e ente como acontecimento da apropriação do ser-aí e como abrigo do ente e atentássemos para o fato de que aqui tudo é inteiramente histórico, de tal modo que uma sistemática platônico-idealista se tornou impossível, porque insuficiente, então restaria ainda a questão de saber como o vivente, a “natureza” e seu elemento inanimado, tal como utensílio, maquinação, obra, ato, sacrifício e a força de sua verdade (originariedade do abrigo da verdade e, com isso, reessenciação do acontecimento apropriador) precisam ser ordenados. Toda ordem representacional e calculadora é aqui extrínseca, essencial é apenas a necessidade histórica na história da VERDADE DO SEER, cuja era principia. Como as coisas se encontram em relação à “maquinação” (técnica) e como é que se reúne nela todo abrigo ou, antes de tudo, como se fixa nela o extrato do abandono do ser? (tr. Casanova; GA65: 152)

Por que se silencia a terra junto a essa destruição? Porque não lhe é concedida a contenda com um mundo, porque não lhe é concedida a VERDADE DO SEER. Por que não? Porque a coisa gigantesca homem é tanto mais gigantesca quanto menor ela é?! É preciso abandonar a natureza e entregá-la à maquinação? Conseguimos ainda buscar de maneira nova a terra? Quem é capaz de atiçar aquela contenda, na qual ela encontra seu aberto, na qual ela se cerra e é terra? (tr. Casanova; GA65: 155)

As “modalidades” são tais modalidades do ente (da entidade) e ainda não dizem nada sobre a abertura do fosso abissal do seer mesmo. Essa abertura só pode se transformar em questão, se a VERDADE DO SEER reluzir como acontecimento apropriador, a saber, como aquilo de que o deus necessita, na medida em que o homem lhe pertence. As modalidades ficam, com isso, aquém da abertura do fosso abissal tanto quanto a entidade fica aquém da VERDADE DO SEER; e a questão acerca das modalidades permanece presa necessariamente aos quadros da questão diretriz, em comparação com a qual só cabe à questão fundamental o requestionamento da abertura do fosso abissal. (tr. Casanova; GA65: 157)

A unicidade da morte no ser-aí do homem pertence à determinação originária do ser-aí, a saber, ser apropriado em meio ao acontecimento pelo seer mesmo, a fim de fundar sua verdade (abertura do encobrir-se). Na inabitualidade e na unicidade da morte abre-se o que há de mais inabitual em todo ente, o próprio seer, que se essencia como estranhamento. Mas para poder pressentir algo desse contexto maximamente originário em geral a partir do posto habitual e gasto do opinar e do calcular comuns, é preciso que se torne visível previamente com toda a agudeza e unicidade a ligação do ser-aí com a morte mesma, a conexão entre caráter resoluto (abertura) e morte, a ante-cipação. Mas essa ante-cipação da morte, de qualquer modo, não para que o mero “nada” seja alcançado, mas, inversamente, para que a abertura para o seer se abra completamente a partir do que há de mais extremo. Todavia, está completamente em ordem que, se não se pensa aqui de maneira “ontológico-fundamental”, tendo por intuito a fundação da VERDADE DO SEER, as mais terríveis e disparatadas interpretações equivocadas se imiscuem e se propagam e, naturalmente, uma “filosofia da morte” é justificada. (tr. Casanova; GA65: 161)

Que a morte seja projetada no nexo essencial da futuridade originária do ser-aí em sua essência ontológico-fundamental significa, porém, de início, no quadro da tarefa de Ser e tempo, que ela se encontra em uma conexão com o “tempo”, que é estabelecido como âmbito projetivo da própria VERDADE DO SEER. Já isso é um aceno suficientemente claro para aquele que quer participar concomitantemente do questionamento de que aqui a questão acerca da morte se encontra em uma ligação essencial com a VERDADE DO SEER e apenas nessa ligação; de que, por isso, a morte enquanto a negação do seer ou mesmo enquanto o “nada” nunca é tomada aqui como a essência do seer, mas exatamente o contrário: a morte é a testemunha mais elevada e mais extrema do seer. Mas esse testemunho nunca tem como ser sabido senão por aquele que consegue experimentar e fundar concomitantemente o ser-aí na propriedade do ser-si-mesmo, que não é visado em termos morais e pessoais, mas sempre uma vez mais apenas de modo “ontológico-fundamental”. (tr. Casanova; GA65: 161)

O ser para a morte precisa ser concebido como determinação do ser-aí e apenas assim. Aqui se realiza a mensuração mais extrema da temporalidade e, com isso, a referência do espaço da VERDADE DO SEER, a indicação do tempo-espaço. Portanto, não para negar o “seer”, mas sim para instituir o fundamento de sua afirmabilidade plena e essencial. Como é mesquinho e barato, porém, extrair a palavra “ser para a morte”, dispor sobre ela uma “visão de mundo” tosca e, então, colocá-la em Ser e tempo. Aparentemente, esse cálculo irrompe de modo particularmente bom, uma vez que se está falando nesse “livro” de resto do “nada”. Assim, obtemos a conclusão seca: ser para a morte, isto é, ser para o nada e esse ser para o nada como a essência do ser-aí! E isso não deve ser nenhum niilismo. Mas o que importa não é dissolver o ser<ser do homem na morte e declará-lo a mera nulidade, mas, ao contrário: inserir a morte na ligação com o ser-aí, a fim de dominar o ser-aí em sua amplitude abissal e, assim, mensurar completamente o fundamento da possibilidade da VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 162)

A “essência” não é mais o koinon e o genos da ousia e do tode ti (ekaston), mas essenciação como o acontecimento da VERDADE DO SEER e, em verdade, em sua história plena, que abarca respectivamente o abrigo da verdade no ente. Como, porém, a verdade precisa estar fundada no ser-aí, a essenciação do seer só pode ser conquistada na constância, que o aí suporta no saber assim determinado. A essência como essenciação não é nunca apenas re-presentável, mas só é concebida no saber da tempo-espacialidade da verdade e de seu respectivo abrigo. O saber da essência exige e é ele mesmo o salto para o interior do ser-aí. Por isto, ele nunca pode ser conquistado por meio da mera consideração geral do dado e de sua interpretação já firmada. A essenciação não reside “acima” do ente e cindida dele, mas o ente se encontra no seer e tem apenas nele, se encontrando imerso nele e apartado, a sua verdade como o verdadeiro. Juntamente com esse conceito da essenciação, então, também precisa ser estabelecida e concebida a “diferenciação” de seer e ente e tudo aquilo que está fundado nessa diferenciação, na medida em que cai do “lado” da entidade todo “categorial” e “ontológico”. (tr. Casanova; GA65: 165)

A essenciação e a essência concebidas como acontecimento da VERDADE DO SEER. O seer não se deixa retransportar para a essenciação, uma vez que essa essenciação mesma se tornou um ente. A questão acerca do ser da essência só é possível e necessária no interior do estabelecimento da essência como koinon (cf mais tarde a questão dos universais). Como quer que a questão venha a ser respondida, a “essência” mesma é sempre degradada. (tr. Casanova; GA65: 166)

Se perguntarmos sobre a “essência” na direção habitual do questionamento, então vem à tona a questão acerca daquilo que “transforma” um ente naquilo que ele é, e, com isso, acerca daquilo que constitui o seu quid, a questão acerca da entidade do ente. Essência é aqui apenas a outra palavra para ser (compreendido como entidade). E, de acordo com isso, essenciação tem em vista o acontecimento apropriador, na medida em que ele acontece apropriadoramente naquilo que lhe é pertinente, a verdade. Acontecimento da VERDADE DO SEER, isso é essenciação; não e nunca, com isso, um modo de ser que advêm ainda uma vez mais ao seer ou mesmo que subsiste em si acima dele. (tr. Casanova; GA65: 166)

(ser-aí) Não aquilo que simplesmente poderia ser de antemão encontrado junto ao homem presente à vista, mas o fundamento necessitado a partir da experiência fundamental do seer como acontecimento apropriador, o fundamento da VERDADE DO SEER, por meio do qual (tanto quanto por meio de sua fundação) o homem é transformado fundamentalmente. Agora pela primeira vez a queda do animal rationale, no qual nós estamos na iminência de recair uma vez mais de cabeça para baixo; e isso por toda parte onde nem o primeiro início e o seu fim, nem a necessidade do outro início são sabidos. A queda do “homem” até aqui só é possível a partir de uma verdade originária do seer. (tr. Casanova; GA65: 170)

(ser-aí) O fundamento que se essencia na fundação do ser humano por vir. O ser-aí – o cuidado. O homem nesse fundamento do ser-aí: 1) O que busca o seer (acontecimento apropriador); 2) O que guarda a verdade do ser; 3) O guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Silêncio e origem da palavra. De início, porém, a fundação do ser-aí está transitoriamente à busca, cuidado, temporalidade; temporalidade com vistas à temporialidade: como VERDADE DO SEER. O ser-aí está referido à verdade enquanto abertura do encobrir-se, ele é estabelecido pela compreensão de ser. Projetivamente, o aberto para o ser. Ser-aí como projeção da VERDADE DO SEER (“aí”). (tr. Casanova; GA65: 171)

O ser-aí no sentido do outro início, que pergunta sobre a VERDADE DO SEER, nunca tem como ser alcançado como o caráter do ente que vem ao encontro e se mostra como presente à vista; mas também não como o caráter do ente, que deixa tal ente se tornar um objeto e se encontrar em relações com ele; o ser-aí também não é nenhum caráter do homem, como se por assim dizer só o nome que se estendia a todo ente fosse restrito ao papel de designação para o ser presente à vista do homem. Não obstante, o ser-aí e o homem se encontram em uma ligação essencial, na medida em que o ser-aí significa o fundamento da possibilidade do ser humano futuro e o homem é futuramente, na medida em que ele assume ser o aí, contanto que ele se conceba como o guardião da VERDADE DO SEER, guarda essa que está indicada como o “cuidado”. “Fundamento da possibilidade” é ainda dito metafisicamente, mas é pensado a partir do pertencimento insistente e abissal. (tr. Casanova; GA65: 173)

A partir do ser-aí nesse sentido, o ser-aí se torna pela primeira vez “compreensível” como presentidade do ente presente à vista, isto é, a presentidade se revela como uma apropriação determinada da VERDADE DO SEER, junto à qual a atualidade experimentou um privilégio determínadamente interpretado em face do sido e do por vir (fixado no caráter do que se encontra contraposto, objetividade para o sujeito). (tr. Casanova; GA65: 173)

Todos os âmbitos e aspectos da metafísica fracassam aqui e precisam fracassar, se é que o ser-aí deve ser concebido de maneira pensante. Pois a “metafísicapergunta a partir do ente (na interpretação inicial e, isto significa, derradeira da physis) acerca da entidade e deixa a verdade dessa entidade, isto é, a VERDADE DO SEER necessariamente sem ser questionada. A própria aletheia é a primeira entidade do ente, e mesmo essa entidade permanece inconcebida. (tr. Casanova; GA65: 173)

O primeiro aceno para o ser-aí como fundação da VERDADE DO SEER é levado a termo (Ser e tempo) quando se atravessa a questão acerca do homem, na medida em que o homem é concebido como o projetor do ser e, assim, arrancado a toda e qualquer “antropologia”. Esse aceno poderia despertar e fortalecer a opinião equivocada de que o ser-aí só poderia ser compreendido nessa ligação com o homem, se é que ele deve ser concebido de maneira essencial e plena. (tr. Casanova; GA65: 175)

A questão é que já a meditação sobre o aí como a clareira para o encobrir-se (o seer) precisa tornar possível pressentir o quão decisiva é a ligação do ser-aí com o ente na totalidade, porque o aí suporta a VERDADE DO SEER. Pensado nessa direção, o ser-aí, ele mesmo em nenhum lugar acomodável, é voltado para fora da ligação com o homem e se desentranha como o “entre”, que é desdobrado pelo próprio seer como o âmbito aberto do sobressair-se para o ente, âmbito esse no qual esse ente é recolocado sobre si mesmo. O aí é apropriado em meio ao acontecimento pelo próprio seer, e o homem acontece apropriadoramente como o guardião da VERDADE DO SEER na sequência, de tal modo que, assim, ele se revela pertencente ao ser-aí de uma maneira única e insigne. Logo que, porém, uma primeira indicação para o ser-aí tem sucesso, é preciso dar sequência ao essencial, o que se anuncia na seguinte indicação: no fato de que o ser-aí é apropriado em meio ao acontecimento pelo seer e de que o seer como o acontecimento apropriador mesmo forma o meio de todo pensar. (tr. Casanova; GA65: 175)

Em que medida? O que é o ser-aí e o que significa “existir”? Ser-aí é persistência constante da VERDADE DO SEER, e essa persistência e apenas ela “é” esse ser si mesmo ex-sistente que suporta insistentemente a exposição. (tr. Casanova; GA65: 178)

(Existência, SZ:42) De início a partir de um apoio pela antiga existentia: não o quid, mas o fato-de-que e o modo-de-ser. Isso, porém, parousia, presentidade, presença à vista (presente). Aqui, em contrapartida, existência = a plena temporalidade e, com efeito, como ekstático, ex-sistere – estar exposto ao ente. Já há muito não mais usado porque podendo ser interpretado de maneira falsa – “filosofia da existência”. O ser-aí enquanto ex-sistere: ser voltado para o interior de e encontrar-se fora na abertura do seer. A partir daqui pela primeira vez é que se determina o quid, ou seja, o quem e a ipseidade do ser-aí. Ex-sistência – em virtude do ser-aí, isto é, fundação da VERDADE DO SEER. Ex-sistência metafisicamente: pre-sentação, a-parição. Ex-sistência em termos da história do ser: arrebatamento extasiante insistente no aí. (tr. Casanova; GA65: 179)

A compreensão de ser não torna o seersubjetivo”, também não “objetivo”, mas ela supera antes toda “subjetividade” e volta o homem para o interior da abertura do seer, estabelecendo-o como aquele que se acha exposto ao ente (e, antes disso, à VERDADE DO SEER). (tr. Casanova; GA65: 180)

O que se tem em vista é sempre apenas o projeto da VERDADE DO SEER. O próprio jogador, o ser-aí, é jogado, apropriado em meio ao acontecimento pelo seer. (tr. Casanova; GA65: 182)

Diante dessa abertura, o estar ausente e esse até mesmo constantemente. O estar ausente como denegação da exposição à VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 183)

Aqui, a essência do seer não pode ser nem deduzida por meio da leitura de um ente determinado, nem de todos os entes conhecidos juntos. Sim, uma dedução é absolutamente impossível. O que vigora é um projeto originário e um salto, que só pode haurir a sua necessidade da mais profunda história do homem, na medida em que o homem experimentará e alcançará a sua essência como aquele ente que está exposto ao ente (e, antes de tudo, à VERDADE DO SEER), exposição essa (aquele que preserva, que guarda e que busca) que constitui o fundamento de sua essência. Mesmo o estabelecimento da idea não é nenhuma dedução! Saber isso significa superá-la. (tr. Casanova; GA65: 184)

A VERDADE DO SEER: ela precisa ser determinada antes do seer, sem que olhemos para ele, ou ela precisa ser determinada posteriormente, só com um olhar retrospectivo sobre o seer, ou nenhum dos dois, mas juntamente com o seer, porque pertencente à sua essenciação? (tr. Casanova; GA65: 184)

A fundação é ambígua: 1) O fundamento funda, se essencia como fundamento. 2) Este fundamento fundante é alcançado enquanto tal e assumido. Sondagem do solo fundamental: a) Deixar o fundamento se essenciar enquanto fundamento; b) Construir sobre ele enquanto fundamento, trazer algo para o fundamento. O fundar originário do fundamento (1) é a essenciação da VERDADE DO SEER; a verdade é fundamento no sentido originário. A essência do fundamento originariamente a partir da essência da verdade, verdade e tempo-espaço (a-bismo). Sob o título “fundação”, tem-se em vista a princípio, de acordo com o nexo com o “salto”, o significado (2) (a) e (b). Por isto, porém, ele se acha não apenas ligado ao (1), mas também é determinado a partir daí. (tr. Casanova; GA65: 187)

Sondar o solo do fundamento da VERDADE DO SEER e, assim, esse ser mesmo: deixar esse fundamento (acontecimento apropriador) ser o fundamento, por meio da constância do ser-aí. De acordo com isso, a sondagem do solo fundamental se transforma na fundação do ser-aí como a sondagem do solo do fundamento: da VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 188)

Ser-aí é a persistência constante da essenciação da VERDADE DO SEER. Desdobramento da determinação do aí como fundação do ser-aí. O aí se essencia e, se essenciando, precisa ser assumido no ser do ser-aí; o “entre”. (tr. Casanova; GA65: 190)

Tal como se obtém facilmente a partir dessa indicação, a questão acerca da VERDADE DO SEER enquanto questão fundamental precisa ser erigida antes de tudo em uma diferença essencial em relação à questão diretriz. Então, porém, vem à tona pela primeira vez aquele elemento não questionado e indômito, segundo o qual de algum modo o homem e, contudo, uma vez mais, não o homem, e, em verdade, sempre a cada vez em um extrato e em um tresloucamento extasiante, está em jogo na fundação da VERDADE DO SEER. E é justamente esse elemento digno de questão que eu denomino o ser-aí. Com isto, também se acha indicada a origem desse elemento digno de questão: ele não emerge de uma consideração e determinação do homem arbitrariamente estabelecidas, sejam elas filosóficas ou biológicas, sejam elas ainda de algum modo em geral antropológicas. Ao contrário, ele tem sua origem apenas e unicamente da questão acerca da verdade do ser. E, com isto, se alcança um modo de questionamento único e, caso o seer seja o que há de mais único e mais elevado, ao mesmo tempo o modo de questionamento mais profundo acerca do homem. (tr. Casanova; GA65: 193)

Para a resposta da segunda pergunta, porém, (cf acima) é preciso dizer: Se o ser-aí entra em jogo, e ele precisa fazer isso por toda parte em que o ente enquanto tal e, com isso, veladamente, a VERDADE DO SEER são colocados em questão, então precisamos examinar o que, de maneira correspondente à interpretação inicial do ente (como presentidade constante), se torna corrente e é em geral concebido como o fio condutor. Esse fio condutor é o “pensar” como representação de algo em geral e, aqui, da maneira mais universal e, por conseguinte, como o representar extremo. (tr. Casanova; GA65: 193)

O ser-aí, concebido como ser do homem, já se encontra na conceptualidade prévia. A questão relativa à sua verdade continua sendo como o homem, se tornando mais essente, se recoloca no ser-aí, fundando-o, assim, a fim de se expor, com isso, à VERDADE DO SEER. Mas esse colocar-se e sua constância se fundam no acontecimento da apropriação. Por isto, é preciso perguntar: Em que história o homem precisa se encontrar, para que ele se torne pertinente ao acontecimento da apropriação? Ele não precisa ser empurrado de antemão para o interior do aí, cujo acontecimento se torna manifesto para ele como jogado? O caráter de jogado só é experimentado a partir da VERDADE DO SEER. Na primeira indicação prévia (Ser e tempo), ele ainda permanece passível de uma interpretação falsa no sentido de uma ocorrência casual do homem sob o outro ente. Em direção a que poder, terra e corpo são desdobrados a partir daqui. O ser<ser do homem e a “vida”. Onde estaria o impulso para pensar em direção ao ser-aí senão na essência do próprio seer. (tr. Casanova; GA65: 194)

Quem é o homem? Aquele que é usado pelo seer para a suportação da essenciação da VERDADE DO SEER. Usado assim, contudo, o homem só “é” homem, na medida em que ele está fundado no ser-aí, isto é, na medida em que ele mesmo se torna de maneira criativa o fundador do ser-aí. O seer, porém, é concebido aqui ao mesmo tempo como acontecimento apropriador. As duas coisas se com-pertencem: a refundação no ser-aí e a VERDADE DO SEER como acontecimento apropriador. Nós não concebemos nada da direção aqui aberta do questionamento, se colocarmos inopinadamente à base de nossa concepção representações quaisquer do homem e do “ente enquanto tal”, ao invés de colocarmos ao mesmo tempo o “homem” e o seer (não o ser<ser do homem simplesmente) em questão e de nos mantermos nessa questão. (tr. Casanova; GA65: 195)

Ser si mesmo – com isso temos em vista de saída sempre o seguinte: fazer e deixar de fazer por si, dispor de si. Mas o “a partir de si” é um primeiro plano ilusório. A partir de si pode não ser mais do que uma mera “teimosia”, da qual diverge toda atribuição apropriadora e toda sobreapropriação a partir do acontecimento apropriador. A amplitude de vibração do si mesmo se dirige para a originariedade da propriedade e, com isso, para a VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 197)

Nenhum “nós” e “vós” e nenhum “eu” e “tu”, nenhuma comunidade é alcançada, erigindo-se a partir de si mesma, e jamais o si mesmo. Ao contrário, eles sempre o perdem de vista e permanecem excluídos do si mesmo, a não ser que a comunidade funde a si mesma primeiramente em função do ser-aí. Com a fundação do ser-aí, toda relação com o ente é modificada, e a VERDADE DO SEER é anteriormente experimentada. (tr. Casanova; GA65: 198)

O ser-aí como o tempo-espaço, não no sentido dos conceitos usuais de tempo e de espaço, mas como o sítio instantâneo para a fundação da VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 200)

Quando e como é que pela última vez de maneira fundamental e com a postergação de tudo aquilo que foi até aqui corrente e acidental o sítio instantâneo para a VERDADE DO SEER foi inquirido de maneira pensante e a sua fundação foi preparada? (tr. Casanova; GA65: 200)

A tentativa de tal fundação e concepção é a denominação e o desdobramento do ser-aí. Isso só pode acontecer a partir do “homem”, e, nessa medida, os primeiros passos para a fundação do ser-aí “do” homem, do ser-aí “no” homem, do homem no ser-aí são muito ambíguos e desamparados; e isso, sobretudo, se, como aconteceu até aqui, faltar toda e qualquer vontade de conceber o modo de questionamento desdobrado a partir de si e a partir de sua intenção fundamental em relação à VERDADE DO SEER, e se tudo for empregue apenas em reconduzir a e em explicar o decisivo com vistas ao que se tinha até aqui, afastando-o com isso. Por isto, mesmo o caminho da meditação sobre a correção e o fundamento de sua possibilidade é de imediato pouco convincente, porque as pessoas não conseguem se livrar das representações de uma coisa humana (sujeito – pessoa e coisas do gênero) e tudo é padronizado apenas como “vivências” do homem e essas vivências uma vez mais como ocorrências nele. (tr. Casanova; GA65: 214)

Uma questão decisiva: a essenciação da verdade é fundada no ser-aí como clareira para o encobrir-se ou é a essenciação da verdade mesma o fundamento para o ser-aí ou as duas coisas são válidas? E o que significa aí a cada vez “fundamento”? Essas questões só podem ser decididas, se a verdade for concebida na essência indicada como VERDADE DO SEER e, com isso, a partir do acontecimento apropriador. O que significa isso: estar constantemente colocado em seu aberto diante do encobrir-se, da re-núncia, da hesitação? Retenção e, por isso, tonalidade afetiva fundamental: horror, retenção, pudor. Tal experiência “doada” apenas ao homem e quando e como. (tr. Casanova; GA65: 215)

A verdade nunca “é”, mas se essencia. Pois ela é VERDADE DO SEER, que “só” se essencia. Por isto, tudo aquilo que pertence à verdade também se essencia, o tempo-espaço e, por conseguinte, o “espaço” e o “tempo”. (tr. Casanova; GA65: 217)

O “aí” se essencia e, enquanto algo que se essencia, ele precisa ser assumido juntamente com um ser: ser-aí. Por isto, o suportar jurisdicional da essenciação da VERDADE DO SEER. Essa ambiguidade é o enigma. Por isto, o ser-aí é o entre que se encontra entre o seer e o ente. (tr. Casanova; GA65: 217)

O verdadeiro: o que se encontra na verdade e que, assim, se torna o que é ou o que não é. Verdade: a clareira para o encobrimento (verdade como a não verdade), em si querelante e nula, que se mostra como a intimidade originária, e isso porque. Verdade: VERDADE DO SEER como acontecimento apropriador. O verdadeiro e ser o verdadeiro são ao mesmo tempo em si o não verdadeiro, o dissimulado e suas modulações. A essenciação da verdade. (tr. Casanova; GA65: 220)

A essência da verdade é a clareira para o encobrir-se. Essa essência íntima e querelante da verdade mostra que a verdade é originária e essencialmente a VERDADE DO SEER (acontecimento apropriador). Todavia, resta a questão de saber se experimentamos de maneira suficientemente essencial essa essência da verdade, se assumimos esse encobrir-se em toda e qualquer ligação com o ente, e, com isso, a renúncia hesitante, a cada vez à sua própria maneira como o acontecimento da apropriação, nos sobre-apropriando dela. Sobreapropriar-se apenas de tal modo que alcancemos, produzamos, criemos, protejamos e deixemos atuar o próprio ente respectivo segundo a ordem pertencente a ele, a fim de fundar, assim, a clareira, para que ela não se transforme no vazio, no qual tudo ocorre de maneira igualmente “compreensível” e controlável. (tr. Casanova; GA65: 225)

A verdade, portanto, nunca é apenas clareira, mas ela se essencia como encobrimento de maneira tão originária e íntima quanto a clareira. Os dois, clareira e encobrimento, não são dois, mas a essenciação do uno, da própria verdade. Na medida em que a verdade se essencia, a verdade vem a ser, vem a ser o acontecimento apropriador da verdade. Dizer que o acontecimento apropriador acontece apropriadoramente não significa outra coisa senão: que ele e apenas ele se torna verdade; isso que pertence ao acontecimento apropriador vem a ser, de tal modo que justamente a verdade se mostra essencialmente como VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 225)

As coisas são diversas, porém, no que concerne à clareira para o encobrimento. Aqui nos encontramos na essenciação da verdade, e essa é VERDADE DO SEER. A clareira para o encobrimento é já a oscilação da contraoscilação da viragem do acontecimento apropriador. Mas as tentativas até aqui em Ser e tempo e nos escritos seguintes de impor essa essência da verdade contra a correção do re-presentar e do enunciar como fundamento do próprio ser-aí precisavam permanecer insuficientes, porque elas foram sempre realizadas a partir da repulsae, com isso, porém, tinham sempre o re-pelido como ponto de mira, tornando impossível saber a essência da verdade desde o seu fundamento, desde o fundamento como o qual ela mesma se essencia. Para que se tenha sucesso nesse empreendimento é necessário não reter mais o dizer sobre a essência do seer, seguindo uma vez mais a partir da opinião de que se poderia, apesar da intelecção da necessidade do projeto que salta para frente, abrir por fim de qualquer modo, a partir do que se deu até aqui, gradualmente um caminho para a VERDADE DO SEER. Isso, porém, precisa sempre fracassar. E o novo perigo se torna tão forte, que o acontecimento apropriador se transforma agora ao mesmo tempo apenas em um nome e em um conceito manuseável, a partir do qual algo diverso poderia ser “deduzido”, mas que precisa, porém, ser dito dele; uma vez mais, contudo, não destacado em uma discussão “especulativa”, mas na meditação exigida, mantida pela indigência do abandono do ser. (tr. Casanova; GA65: 226)

A história dessas “representações” é a história da VERDADE DO SEER e só pode ser exposta de maneira filosoficamente frutífera juntamente com a história da questão diretriz. Todo o resto é afetação erudita que apenas seduz ainda mais para a exterioridade da reunião de passagens e da comparação. (tr. Casanova; GA65: 241)

“Permanência de fora” como autorrenúncia (hesitante) do fundamento é essenciação do fundamento como a-bismo. O fundamento necessita do a-bismo. E a clareira, que acontece no renunciar-se, não é nenhum mero fender-se como uma boca bocejante (chaos – contra physis), mas o rejuntar afinador dos tres-loucamentos essenciais justamente desse clareado, que deixa aquele encobrir-se vir a encontrar-se nele. E isso porque a verdade como encobrimento clareador é a VERDADE DO SEER como acontecimento apropriador, a verdade do acontecimento da apropriação que oscila de lá para cá e de cá para lá, acontecimento esse que, se fundando na verdade (na essenciação do aí), conquista nela e apenas nela para si também a clareira para o seu encobrir-se. (tr. Casanova; GA65: 242)

Aqueles estrangeiros dotados de um mesmo coração, igualmente decididos pela doação e recusa que lhes foram reservadas. Os que detêm o bastão da VERDADE DO SEER, verdade essa na qual o ente se constrói em direção ao domínio simples da essência de toda e qualquer coisa e respiração. As testemunhas mais silenciosas da mais silenciosa tranquilidade, na qual um empurrão imperceptível retira a verdade da confusão de todas as correções recalculadas e a gira de volta para a sua essência: manter velado o que há de mais velado, o estremecimento do passar ao largo da decisão dos deuses, a essenciação do seer. (tr. Casanova; GA65: 248)

Nós voltamos para o tempo-espaço da decisão sobre a fuga e a chegada dos deuses. Mas como é que isso se dá? Será que uma coisa ou outra se tornará um acontecimento por vir? Será que uma coisa ou outra precisa determinar a expectativa construtiva? Ou será que a decisão é a abertura de um tempo-espaço completamente diverso para uma verdade, sim, para a verdade pela primeira vez fundada do seer, o acontecimento apropriador? O que aconteceria se aquele âmbito da decisão na totalidade, fuga ou chegada dos deuses, fosse justamente o próprio fim? O que aconteceria se, para além disso, o seer precisasse ser concebido pela primeira vez em sua verdade como o acontecimento da apropriação, acontecimento esse como o qual acontece apropriadoramente aquilo que denominamos a recusa? Isso não é nem fuga nem chegada, nem tampouco tanto fuga quanto chegada, mas algo originário, a plenitude da concessão do seer na recusa. Aqui se funda a origem do estilo por vir, isto é, na retenção na VERDADE DO SEER. A recusa é a nobreza mais elevada da doação e o traço fundamental do encobrir-se, cuja abertura constitui a essência originária da VERDADE DO SEER. Assim apenas o seer se torna o próprio estranhamento, a tranquilidade do passar ao largo do último deus. O ser-aí, porém, é apropriado em meio ao acontecimento no seer como a fundação da guarda dessa tranquilidade. Fuga e chegada dos deuses reúnem agora no sido e são subtraídas ao passado. O porvir, porém, a VERDADE DO SEER como recusa, tem em si a garantia da grandeza, não da eternidade vazia e gigantesca, mas da via mais breve. Mas pertence a essa VERDADE DO SEER, à recusa, o velamento do não ente enquanto tal, o desprendimento e a dissipação do seer. Agora pela primeira vez, o abandono do seer precisa permanecer. O desprendimento, contudo, não se mostra como um arbítrio e uma desordem vazios, mas, ao contrário: tudo é agora inserido na direcionalidade planejada e na exatidão do transcurso seguro e do domínio “sem restos”. A maquinação toma sob sua proteção o não ente sob a aparência do ente, e a desertificação do homem imposta incontornavelmente com isso é compensada por meio da “vivência”. Tudo isso precisa se tornar mais necessário do que antes enquanto inessência porque o que há de mais estranho também precisa disso que há de mais corrente e porque a abertura do fosso abissal do seer não pode ser soterrada pela aparência fictícia do equilíbrio, da “felicidade” e da falsa consumação; pois tudo isso é odiado em primeiro lugar pelo último deus. Mas o último deus não é uma degradação de deus, sim, a blasfêmia pura e simples? O que aconteceria, porém, se o último deus precisasse ser chamado assim porque traz pela última vez a decisão sobre os deuses para um domínio sob e entre os deuses, elevando, com isso, a essência da unicidade do ser de deus ao extremo? O último deus, se pensarmos aqui de maneira calculadora e tomarmos esse “último” apenas como interrupção e fim, ao invés de como decisão extrema e maximamente breve sobre o que há de mais elevado, então naturalmente todo saber sobre ele será impossível. Todavia, como é que se deveria querer calcular no pensamento do ser de deus, ao invés de meditar de maneira radicalmente oposta sobre o perigo de algo estranho e incalculável? (tr. Casanova; GA65: 254)

O que é essa viragem originária no acontecimento apropriador? Apenas o acometimento do ser como acontecimento da apropriação do aí traz o ser-aí para ele mesmo e, assim, para a execução (abrigo) da verdade jurisdicionalmente fundada no ente, que encontra no encobrimento clareado do aí seu sítio. E na viragem: só a fundação do ser-aí, a preparação da prontidão para o arrebatamento extasiante e fascinante em meio à VERDADE DO SEER, traz o que é pertinente e dócil para o aceno do acontecimento da apropriação que acomete. (tr. Casanova; GA65: 255)

A preparação do aparecer do último deus é a ousadia mais extrema da VERDADE DO SEER, graças à qual apenas tem sucesso para o homem o resgate do ente. (tr. Casanova; GA65: 256)

Nós nos encontramos nessa luta em torno do último deus, isto é, em torno da fundação da VERDADE DO SEER como o tempo-espaço da tranquilidade de seu passar ao largo (não é pelo próprio deus que conseguimos lutar); e isso necessariamente no âmbito de poder do seer como o acontecimento da apropriação e, com isso, na amplitude extrema do mais intenso redemoinho da viragem. (tr. Casanova; GA65: 256)

O repensar da VERDADE DO SEER só tem sucesso se, no passar ao largo do deus, o apoderamento do homem para a sua necessidade se tornar manifesto e, assim, o acontecimento da apropriação no excesso da viragem ganhar o aberto entre o pertencimento humano e a necessidade divina, a fim de revelar seu encobrir-se como meio, a fim de se revelar como meio do encobrir-se, obrigando a reoscilação e, com isso, trazendo ao salto a liberdade para o fundamento do seer como fundação do aí. (tr. Casanova; GA65: 256)

O seer como o que há de mais único e raro em contraposição ao nada terá se subtraído do elemento massificado do ente, e toda história só servirá, lá onde ela se estende às profundezas de sua própria essência, a essa subtração do ser em sua plena verdade. Tudo o que é público, porém, se ufanará em seus sucessos e colapsos e caçará a si mesmo, a fim de, ao seu modo, não saber nada daquilo que acontece. Somente entre esse ser massificado e os propriamente sacrificados é que serão buscados e encontrados os poucos e seus laços, a fim de pressentir o fato de que algo velado acontece para eles, aquele passar ao largo, apesar de toda corrosão de todo “acontecimento” em meio à rapidez, ao que é imediatamente manuseável de maneira completa e que precisa ser consumido sem restos. A inversão e a confusão das pretensões e do âmbito de pretensão não serão mais possíveis, porque a verdade do próprio seer trouxe à decisão na mais extensa exclusão da abertura de seu fosso abissal as possibilidades essenciais. Esse instante histórico não é nenhum “estado ideal” porque esse estado contraria a cada vez a essência da história, mas esse instante é o acontecimento da apropriação daquela viragem, na qual a VERDADE DO SEER chega ao seer da verdade, uma vez que o deus precisa do ser e o homem como ser-aí precisa ter fundado o pertencimento ao ser. Nesse caso, então, por esse instante, o seer é, como o entre mais íntimo, igual ao nada; o deus se apodera do homem e o homem ultrapassa o deus, por assim dizer imediatamente e, contudo, os dois somente no acontecimento apropriador, como o qual a VERDADE DO SEER mesmo é. (tr. Casanova; GA65: 256)

Uma história longa, muito reincidente e muito velada, porém, será até esse instante incalculável, que também nunca pode se mostrar como algo de primeiro plano tal como uma “meta”. Somente de hora em hora é que os criadores precisam, na retenção do cuidado, preparar a si mesmos para a guarda no tempo-espaço daquele passar ao largo. E a meditação pensante sobre esse único, a VERDADE DO SEER, só pode ser uma senda, na qual o impensável de antemão é, contudo, pensado, isto é, a transformação da ligação do homem com a VERDADE DO SEER é iniciada. Com a questão do seer, que superou a pergunta acerca do ente e, com isso, toda “metafísica”, acendeu-se a tocha e se ousou o primeiro passo em direção à ampla caminhada. Onde está o corredor, que recebe a tocha e leva para o seu ante-cessor? Os corredores precisam todos, e quanto mais tardios eles forem, tanto mais eles serão fortes ante-cessores, não pro-seguidores, que apenas “aprimoram” e refutam o que é primeiramente tentado, quando ele vem à tona. Os ante-cessores precisam ser cada vez mais originariamente do que os “ante”– (isto é, aqueles que se encontram atrás deles) – cessores os antecessores iniciais, pensando de maneira mais simples, mais rica e incondicionadamente única o um e o mesmo que precisa ser perguntado. O que eles assumem, na medida em que eles lançam mão da tocha, não pode ser o dito como “doutrina” e “sistema” e coisas do gênero, mas o que se precisou, que só se abre àqueles que, eles mesmos, possuindo uma proveniência abissal, pertencem aos que são impostos. (tr. Casanova; GA65: 256)

O elemento impositivo, no entanto, é apenas o incalculável e o improdutível do acontecimento apropriador, a VERDADE DO SEER. Bem aventurado aquele que pode pertencer à desventura da abertura de seu fosso abissal, a fim de ser dócil no diálogo sempre inicial dos solitários, diálogo esse para o qual acena o último deus porque ele é reacenado através dele em seu passar ao largo. (tr. Casanova; GA65: 256)

O fim é apenas lá onde o ente se arranca da VERDADE DO SEER, tendo negado aquela questionabilidade, isto é, toda e qualquer diferenciação, a fim de se portar em possibilidades infinitas do que é assim solto em meio ao tempo sem fim. O fim é o incessante e-assim-por-diante, ao qual se subtraiu o derradeiro desde o início e há muito como o mais inicial. O fim nunca vê a si mesmo, mas se considera como a consumação e se tornará e estará, por isso, o menos possível pronto, de tal modo que ele nem esperará nem experimentará o derradeiro. (tr. Casanova; GA65: 256)

Provindo de uma posição em relação ao ente determinada pela “metafísica”, nós só poderemos saber de modo difícil e lento o outro, segundo o qual o deus ainda não aparece nem na “vivência” “pessoal” nem na “vivência” “massificada”, mas unicamente no “espaço” abissal do próprio seer. Todos os “cultos” e “igrejas” e coisas como essas em geral até aqui não têm como se tornar a preparação essencial do dar-se um com o outro do homem e de deus no meio do seer. Pois a VERDADE DO SEER mesma precisa ser primeiro fundada e, para isso que é entregue, toda criação precisa tomar um outro início. (tr. Casanova; GA65: 256)

O quão pouco sabemos do fato de que o deus espera pela fundação da VERDADE DO SEER e, com isso, pelo salto do homem no ser-aí. Ao invés disso, tudo se dá como se o homem é que precisasse e fosse esperar por deus. E talvez essa seja a forma mais fatídica da mais absoluta falta de deus e o atordoamento da impotência para o sofrimento do acontecimento da apropriação daquele aí enquanto estada temporária do seer, que oferece pela primeira vez ao encontrar-se do ente na verdade um sítio, atribuindo a ele o elemento justo de se achar na mais ampla distância em relação ao passar ao largo do deus, elemento justo, cuja atribuição só acontece como história; na recriação do ente em meio à essencialidade de sua determinação e em meio à libertação do abuso das maquinações, que, invertendo tudo, esgotam o ente no usufruto. (tr. Casanova; GA65: 256)

A concepção agora e futuramente essencial do conceito de filosofia (e, com isso, também a determinação prévia da conceptualidade de seu conceito e de todos os seus conceitos) é a concepção histórica (não uma concepção historiológica). “Histórico” significa aqui: pertencente à essenciação do seer mesmo, inserido na indigência da VERDADE DO SEER e, assim, ligado à necessidade daquela decisão, que dispõe em geral sobre a essência da história e sua essenciação. De acordo com isso, a filosofia é agora pela primeira vez preparação da filosofia sob o modo da edificação dos átrios mais imediatos, em cuja estrutura espacial a palavra de Hölderlin se torna audível, tendo a resposta por meio do ser-aí e em tal resposta tendo sido fundada como a língua do homem por vir. Assim, pela primeira vez, o homem entra na próxima vereda lenta em direção ao seer. A unicidade de Hölderlin em termos da história do seer precisa ser fundada anteriormente e toda comparação marcada por uma historiologia da “literatura” e da poesia, todo julgamento e gozo “estéticos”, toda avaliação “política” precisam ser superados, para que os instantes dos “criadores” conservem seu “tempo” (Cf. Reflexões VI, VII, VIII). (tr. Casanova; GA65: 258)

A questão acerca do ser torna-se agora a questão acerca da VERDADE DO SEER. A essência da verdade é inquirida agora a partir da essenciação do seer, ela é concebida como a clareira do encobrir-se e, com isso, como pertencente à essência do seer mesmo. A questão acerca da verdade “do” seer desentranha-se na questão acerca do seer “da” verdade. (O genitivo é aqui um genitivo originariamente próprio, que nunca tem como ser apreendido por meio do genitivo “gramatical” até aqui). Agora, a questão acerca do seer não pensa mais a partir do ente, mas é requisitada necessariamente como o re-pensar do seer por meio do seer mesmo. O re-pensar do seer emerge desse ser como o entre, em cuja essenciação autoclareadora os deuses e o homem se re-conhecem, isto é, se decidem quanto à sua pertinência. Como esse entre, o seer não “é” nenhum adendo ao ente, mas aquele elemento essenciante, em cuja verdade pela primeira vez o (ente) pode chegar ao resguardo de um ente. Mas esse primado do entre não pode ser mal interpretado idealisticamente no sentido do “a priori”. A questão acerca do ser sob o modo do questionamento acerca da VERDADE DO SEER não chega mais em geral a um plano, no qual uma diferenciação como a entre idealismo e realismo poderia conquistar um fundamento possível. A consideração permanece com certeza aquém da pergunta sobre se, afinal, seria possível algo assim como pensar o seer mesmo em sua essenciação, sem partir do ente; se, afinal, toda e qualquer questão acerca do ser já não precisaria se mostrar inexoravelmente como uma réplica a partir do ente. Aqui se encontra de fato obstruindo o caminho a longa tradição da metafísica e o hábito daí emergente do pensar; sobretudo quando ainda a “lógica”, ela mesma uma descendente da despotencialização inicial do ser e da verdade, permanece sendo considerada como um tribunal absoluto, caído do céu, sobre o pensar. Neste caso, encontra-se definido “lógica” e definitivamente que o ser é conquistado como o universal a partir do ente; e isso mesmo quando se procura assegurar o ser em sua consistência também como um ente. Mas o seer, que precisa ser repensado em sua verdade, não “é” aquele elemento universal e vazio, mas se essencia como aquele elemento único e abissal, no qual se decide algo singular da história. Não se pode ficar naturalmente parado aqui sobre o solo da questão metafísica sobre o ser e exigir a partir desse ponto de vista um saber, que encerre em si, segundo a sua essência, o abandono desse ponto de vista, isto é, espacializar um espaço e temporalizar um tempo, que não foram apenas esquecidos ou não chegaram a ser suficientemente pensados na história da metafísica, mas que, ao contrário, são insuficientes para essa história, além de não serem necessários para ela. (tr. Casanova; GA65: 259)

A história do pensar metafísico e do pensar da história do ser acontece apropriadoramente sobretudo em suas diversas eras segundo potências diversas do primado do ser diante do ente, do ente diante do ser, da confusão dos dois, da extinção de cada primado na era da compreensibilidade calculável de tudo. Nós sabemos o futuro da história do ser, nós sabemos que, se ela quiser permanecer história, o seer mesmo precisará se apropriar do pensar em meio ao acontecimento. Mas ninguém conhece a figura do ente vindouro. Só uma coisa é certa: que todo e qualquer re-pensar do seer e toda criação a partir da VERDADE DO SEER, sem a assistência já protetora do ente, jamais pôde produzir outras forças de questionamento e de dizer, de jogo e de sustentação, diversas das que foram produzidas pela história da metafísica. Pois esses outros precisam inserir ainda em nome do que lhes é mais próprio o diálogo questionador com o primeiro início, que emergiu em uma clara profundidade, e sua história no pensar. Equipando-se com esse diálogo, eles precisam se tornar, juntamente com os mais solitários do primeiro pensar, os ainda mais solitários do abismo, que não apenas suporta no outro início todos os fundamentos, mas também os sopra. Para aqueles que simplesmente vierem depois, o que se mantém objeto de uma erudição e de uma pesquisa historiológicas e que, por fim, se mostra ainda meramente como instrução escolar, a história do pensar metafísico em suas “obras”, precisa se tornar primeiro história, na qual cada coisa é reunida em sua unicidade e irradia como uma visão luminosa do pensar uma VERDADE DO SEER em seu espaço não mensurado próprio. Como uma grandeza do ser-aí pensante é requisitada aí pelo próprio seer, cuja figura nós quase não pressentimos a partir da existência poética de Hölderlin e a partir da viandança horrível de Nietzsche; como no espaço do pensar da história do ser só há ainda essa grandeza, razão pela qual mesmo o discurso sobre a grandeza permanece pequeno demais, a preparação de tal pensar precisa reunir toda inexorabilidade e se movimentar nas mais claras distinções. Pois somente tais distinções garantem a coragem para a insistência no âmbito do impulso do que há de mais questionável, que é usado pelos deuses e esquecido pelo homem, e que nós denominamos o seer. (tr. Casanova; GA65: 259)

A filosofia no outro início pergunta sob o modo do questionamento da VERDADE DO SEER. Olhando a partir da esfera de visão da diferenciação que se tornou expressa entre ser e ente e computando a partir de uma comparação historiológica com a metafísica e seu modo de sair do ente, o questionar no outro início (o pensar da história do seer) poderia aparecer como uma simples inversão, o que significa aqui o mesmo que uma tosca inversão. Mas precisamente o pensar da história do seer sabe em relação à mera inversão que, nela, a mais tenaz e mais fatídica escravidão se faz valer; que ela não supera nada, mas que, na inversão, é apenas o inverso que chega pela primeira vez ao poder, de tal modo que se cria para ele a fixação e a completude até aqui faltantes. (tr. Casanova; GA65: 259)

O gigantesco desdobra-se no elemento calculador e sempre traz, assim, algo “quantitativo” à tona. Todavia, enquanto domínio incondicionado do representar e do produzir, ele mesmo é uma negação, que não se apodera de si mesma e nunca se sabe precisamente na mais elevada certeza de si, da VERDADE DO SEER em favor do “racional” e do “dado”. O gigantesco leva a termo a consumação da posição metafísica fundamental do homem, que volta para o interior da inversão de sua figura e interpreta todas as “metas” e “valores” (“ideais” e “ideias”) como “expressão” e como um aborto da mera “vida” “eterna” em si. Os fenômenos de primeiro plano do gigantesco devem tornar essa “origem” representável na “vida” da maneira o mais penetrante possível, isto é, devem con-statar historiologicamente para a era do gigantismo, e ratificar isso diante dele mesmo em sua “vitalidade”. Se os “valores” e as “metas” são substituídos pela “razão” ou se eles emergem em si a partir do “instinto” da vida “natural” e “saudável”, desdobra-se por toda parte aqui o “subjectum” (homem) em direção ao ponto central do ente; e isso de tal modo, em verdade, que todas as formas culturais e políticas de configuração trazem da mesma maneira e de modo igualmente necessário o gigantesco ao poder, empreendendo o cálculo historiológico com a história e a contabilização da história como encobrimento da ausência de metas e assegurando o desvio em relação às decisões essenciais por toda parte de maneira discreta e inconsciente. (tr. Casanova; GA65: 260)

Ocorrências no ente não conseguem já de modo algum trazer o homem moderno para o âmbito da VERDADE DO SEER. O que, contudo, é mais essencial do que visualizar o estado da história ocidental, no qual nós já nos encontramos, como o estado decisivo, e que nós não apenas obscurecemos, por exemplo, por meio da indecidibilidade daquele visar indiferente, mas que nós também elevemos em meio à gestação da decisão até o ponto em que a meditação ou não meditação já caem sob o domínio da decisão e não se fazem mais valer de maneira alguma como formas de uma observação casual, que se acrescenta aí ou que permanece de fora. (tr. Casanova; GA65: 261)

O salto pensante para o “interior” da VERDADE DO SEER precisa ressaltar ao mesmo tempo a essência da verdade, fixar-se no jogo de um projeto e se tornar insistente. (tr. Casanova; GA65: 262)

Além disso, nós nos movimentamos, então, há muito tempo em um projeto do seer, sem que esse projeto tenha podido algum dia se tornar experimentável enquanto projeto. (A VERDADE DO SEER não era nenhuma pergunta possível.) (tr. Casanova; GA65: 262)

Aqui também reside a razão pela qual nós, mesmo no interior da necessidade de experimentarmos (re-pensarmos) a VERDADE DO SEER, nos movimentamos ainda aparentemente em meio ao elemento re-presentacional. Nós concebemos o “ontológico”, ainda que, em verdade, isso aconteça como condição do “ôntico”, de qualquer modo apenas como um adendo ao “ôntico” e repetimos o “ontológico” (projeto do ente com vistas à entidade) uma vez mais como autoaplicação sobre ele mesmo: projeto da entidade como projeto do seer com vistas à sua verdade. De saída, não há absolutamente nenhum outro caminho para tornar compreensível em geral, provindo do círculo de visão da metafísica, a questão do ser como tarefa. Por meio desse procedimento, o seer mesmo é aparentemente transformado ainda em objeto e se alcança o contrário mais decidido daquilo que o impulso da questão do seer já abriu para si. “Ser e tempo”, porém, busca revelar justamente o “tempo” como o âmbito projetivo para o seer. Com certeza, mas se ele tivesse devido permanecer aí, então a questão do ser teria sido desdobrada enquanto questão e, com isso, enquanto o repensar do que há de mais questionável. Por isso, o importante era superar na passagem decisiva a crise da questão do ser de saída necessariamente estabelecida assim e, antes de tudo, evitar uma objetivação do seer; por um lado por meio da retenção da interpretaçãotemporal” do seer, e, ao mesmo tempo, por meio da tentativa de tornar “visível” a VERDADE DO SEER independentemente disso (Liberdade para o fundamento em “Da essência do fundamento”, mas precisamente na primeira parte desse ensaio se acha inteiramente retido o esquema ôntico-ontológico). A crise não tem como ser controlada por meio de um mero prosseguimento do pensamento na direção estabelecida da questão, mas o salto múltiplo na essência do seer mesmo precisou ser ousado, o que exigiu ao mesmo tempo uma inserção mais originária na história. A referência ao início para a clarificação da aletheia como um caráter essencial da própria entidade, a fundamentação da diferenciação entre ser e ente. O pensar tornou-se cada vez mais histórico, isto é, a diferenciação entre consideração historiológica e sistemática se tornou cada vez mais caduca e inadequada. (tr. Casanova; GA65: 262)

Sob o modo de uma introdução, a compreensão de ser tem em Ser e tempo um caráter transitoriamente ambíguo; de maneira correspondente, o mesmo vale para a caracterização do homem (“ser-aí humano”, o ser-aí no homem). A compreensão de ser é por um lado, olhando retrospectivamente por assim dizer de maneira metafísica, concebida como o fundamento de qualquer modo não fundado do transcendental e em geral da re-presentação da entidade (remontando até a idea). A compreensão de ser é, por outro, (uma vez que a compreensão é concebida como pro-jeto e esse projeto como projeto jogado) a indicação da fundação da essência da verdade (caráter manifesto; clareira do aí; ser-aí). A compreensão de ser pertencente ao ser-aí – esse discurso se torna supérfluo, ele diz duas vezes e até mesmo de maneira atenuada o mesmo. Pois o ser-aí “é” justamente a fundação da VERDADE DO SEER como acontecimento apropriador. A compreensão de ser movimenta-se na diferenciação entre entidade e ente, sem já fazer “valer” a origem da diferenciação a partir da essência da decisão do seer. Compreensão de ser, porém, é por toda parte o contrário, sim, ainda algo essencialmente diverso disso: tornar o seer dependente do visar humano. Onde vigora a destruição do sujeito, como é que o ser ainda pode se transformar em algo “subjetivo”? (tr. Casanova; GA65: 264)

(O repensar do seer) Com isso, deve ser denominado um modo e talvez o modo decisivo na transição, modo esse por meio do qual o homem ocidental por vir assume a essenciação da VERDADE DO SEER e se torna, assim, pela primeira vez histórico: o re-pensar do seer. Tornar-se histórico significa: emergir da essência do seer e permanecer, por isso, pertencente a ele; não tem em vista: ser remetido para o passado e para o historiologicamente constatável. (tr. Casanova; GA65: 265)

Ora, a meditação histórica aponta para a história da metafísica, para o fato de que a realização da questão diretriz tem através de toda a sua história o pensar como fio condutor (entidade e pensamento). Dessa meditação emerge a intelecção de que o predomínio do pensar (de que ele mesmo se tornou fio condutor sob a forma do representar de algo em geral) impeliu cada vez mais a interpretação da entidade do ente na direção, a partir da qual, então, finalmente, precisou surgir a equiparação do ser com a objetualidade do ente (da representacionalidade em geral). E a intelecção nos dá a saber que o pensar e seu predomínio (no tratamento da questão diretriz e na escolha do fio condutor) obstaculizou por fim todo e qualquer caminho para a questão ou para a coerção possível em direção à questão acerca da VERDADE DO SEER. E agora, contudo, o re-pensar deve se tornar o curso em direção à VERDADE DO SEER: não apenas simplesmente o pensar, mas por assim dizer a mais extrema elevação de seu domínio, o re-pensar, no qual se enuncia por assim dizer a completa dependência do seer em relação ao pensar? Assim parece e precisa parecer, caso tenhamos chegado até aqui a partir da meditação histórica sobre a questão diretriz e a partir de seu fio condutor. Mas as coisas apenas parecem ser assim. Para escapar aqui da aparência de que se teria requisitado apenas com maior razão para a questão fundamental o fio condutor da questão diretriz, o que seria um contrassenso de acordo com o que dissemos anteriormente, é preciso que se encontre presente no começo uma diferenciação, cuja desconsideração também acaba por confundir a meditação sobre a história da questão diretriz e da escolha de seu fio condutor. (tr. Casanova; GA65: 265)

Se, então, aqui, na preparação do outro início, a essência da filosofia é retida como questionamento acerca do ser (na ambiguidade: questão acerca do ser do ente e questão acerca da VERDADE DO SEER), tal como ela precisa ser retida, precisamente porque o questionamento do primeiro início acerca do ser chegou, com efeito, ao seu fim e, assim, não ao seu início, a denominação do filosofar enquanto pensar também precisa ser mantida. Isso, porém, ainda não decide de maneira alguma se o fio condutor do pensar (1) também seria agora o pensar (2), se em geral aqui algo do gênero de um fio condutor, tal como no tratamento da questão diretriz, entraria em jogo. Agora, na transição para o outro início, a questão acerca do ser se transforma efetivamente na questão acerca da VERDADE DO SEER, de tal modo que essa verdade enquanto essência da verdade pertence à essenciação do seer. A escolha do fio condutor torna-se supérflua, sim, é desde o início impossível. O ser não é considerado mais agora como a entidade do ente, como o adendo representado a partir do ente, que se expõe ao mesmo tempo como o a priori do ente (do que se presenta). Ao contrário, o seer se essencia agora de antemão em sua verdade. Isso inclui o fato de que, então, o pensar (1) também é determinado exclusivamente e antes de tudo a partir da essência do seer e não, por exemplo, tal como desde Platão, como a representação purificada do ente a partir do ente. A a-preensão do ser não é determinada a partir da concepção da entidade no sentido do koinon e da idea, mas a partir da essenciação do próprio seer. Esse precisa ser ressaltado de maneira originariamente inicial, a fim de decidir por assim dizer por si mesmo qual precisa “ser” a essência do pensar (1) e do pensador. Essa “necessidade” múltipla anuncia uma necessidade originariamente própria de uma indigência, que só pode pertencer ela mesma à essência do seer. (tr. Casanova; GA65: 265)

O fato de a essência do seer nunca se deixar dizer definitivamente não significa nenhuma falha, mas, ao contrário, o saber não definitivo mantém precisamente o abismo e, com isso, a essência do seer. Essa manutenção do abismo pertence à essência do ser-aí como a fundação da VERDADE DO SEER. Manter o abismo é ao mesmo tempo saltar para o interior da essenciação do seer, de tal modo que esse seer mesmo desdobra o poder de sua essência como o acontecimento apropriador, como o entre para a coação do deus e a guarda do homem. (tr. Casanova; GA65: 265)

O re-pensar do seer, a denominação de sua essência, não é outra coisa senão a ousadia de auxiliar o lançar-se para além dos deuses em direção ao seer e deixar pronta para o homem a verdade do verdadeiro. Com essa “definição” do pensar por meio daquilo que ele “pensa” realiza-se a completa saída de toda interpretaçãológica” do pensar. Pois esse é um dos maiores preconceitos da filosofia ocidental: achar que o pensar precisaria ser determinado “logicamente”, isto é, com vistas ao enunciado (a explicação “psicológica” do pensar é de fato apenas um adendo à explicaçãológica” e pressupõe essa explicação; e isso mesmo lá onde ela visa a poder substituir a explicação lógica; a noção do “psicológico” se encontra aqui no lugar de biológico-antropológico). Um reverso daquele preconceito, porém, se dá quando se é acometido em meio à recusa da interpretaçãológica” do pensar (isto é, da ligação com o ser; cf “O que é metafísica?”) pela angústia, ou melhor, pelo temor de que isso colocaria em risco o rigor e a seriedade do pensar e entregaria tudo ao sentimento e ao seu “juízo”. Quem diz, afinal, e quem foi que demonstrou algum dia que o pensar logicamente visado seria o pensar “rigoroso”? Isso só é válido, se é que é em geral válido, sob o pressuposto de que a interpretação lógica do ser poderia ser a única interpretação possível; o que, porém, com maior razão, é um preconceito. Com vistas à essência do seer, precisamente a “lógica” talvez seja o procedimento menos rigoroso e sério para a determinação da essência e apenas uma ilusão, que possui naturalmente uma essência ainda mais profunda do que a “ilusão dialética”, que Kant tornou visível no âmbito da objetivação possível do ente na totalidade. A “lógica” mesma, no que concerne à fundação da essência da VERDADE DO SEER, é uma ilusão, mas a mais necessária ilusão, que a história do seer até agora conheceu. A essência da própria “lógica”, que atingiu sua figura suprema na metafísica de Hegel, só se deixa conceber a partir do outro início do pensar do seer. A abissalidade desse pensamento, porém, também deixa o assim chamado rigor da argúcia lógica (como forma do encontro da verdade, não apenas da expressão do que foi encontrado) vir à tona como uma brincadeira que não se apodera de si mesma, a qual, então, também poderia se degradar e se constituir como uma erudição filosófica, na qual qualquer um, dotado com uma argúcia qualquer, pode se movimentar de um lado para o outro, sem jamais ser tocado pelo seer e sem nunca pressentir o sentido da questão acerca do seer. Mas o repensar do seer também é, então, correspondentemente raro e talvez só nos seja concedido no passo tosco de uma preparação sua, se a ousadia desse salto abissal puder ser chamada de um favor. (tr. Casanova; GA65: 265)

Quem se espantaria se essa indicação do primeiro fato-de-que da história do seer fosse tomada na transição da metafísica para o repensar do seer como completamente arbitrária e incompreensível? Todavia, não adianta praticamente nada, se fôssemos de encontro a isso com esclarecimentos quanto ao fato de que todos os modos de consideração ligados à “historiologia da literatura”, à história da poesia e à “história do espírito” precisam permanecer de fora. Já se exige aqui o salto para o seer e sua verdade, a experiência de que, sob o nome de Hölderlin, acontece apropriadoramente aquele movimento de colocar em decisão – notemos bem: acontece, não aconteceu algo apropriadoramente. Nós podemos tentar destacar historicamente esse “acontecimento apropriador” em sua unicidade, na medida em que o vemos em meio àquilo que ainda se mostra como o que se tinha até aqui em sua mais extrema elevação e em seu mais rico desdobramento: em meio à metafísica do Idealismo alemão e em meio à configuração da imagem de mundo de Goethe, em meio àquilo que permanece separado de Hölderlin por abismos (no “Romantismo”), ainda que ele o tenha “influenciado” historio logicamente, a ele, o portador do nome, mas não o guardião do seer. Mas o que adianta esse alijamento? No máximo, ele alcança apenas uma nova incompreensão, como se, no interior daquela história da metafísica e da arte, Hölderlin fosse algo “próprio”; sendo que o que está em questão não é saber se ele está “dentro”, nem tampouco somente se ele se mostra como o “fora” excepcional, mas antes se abrir para o impulso indedutível do próprio seer, impulso esse que precisa ser capturado em seu mais puro fato-de-que, o fato de que agora e sempre aquela decisão se encontra na história do Ocidente, sem levar em conta se ela é e pode em geral ser apreendida pela era ainda duradoura ou não. Essa decisão posiciona pela primeira vez o tempo-espaço em torno do próprio seer, tempo-espaço esse como o qual o seer se estende a partir desse espaço juntamente com o tempo, que o temporaliza na unidade originária desse campo de jogo temporal. Desde então, todo pensamento que visa à entidade a partir do ente e para além dele permanece fora da história, na qual o seer enquanto acontecimento apropriador se apropria do pensar em meio ao acontecimento sob a figura do que é consonante com o ser-aí e do que lhe pertence. Salvar a unicidade de sua história para o seer é a vocação do pensar e nunca mais a diluição de sua essência nas disciplinas da “universalidade” esmaecida das categorias. Por isso, porém, os sapientes sabem que a preparação dessa história do seer no sentido da fundação da prontidão para o resguardo da VERDADE DO SEER no ente que assim vem a ser será uma preparação muito longa e amplamente desconhecida. Separados por uma longa distância precisam estar ainda os preparadores em relação aos fundadores, ainda que eles sejam tocados mesmo que apenas de longe pelo choque da recusa do seer e, por meio daí, queiram se tornar aqueles que pressentem. Continua sendo uma ousadia o dizer sobre o repensar do seer, a ponto de ele ser chamado de auxílio para a acomodação dos deuses no espaço fora e no estranhamento do homem (cf o seer como acontecimento apropriador). (tr. Casanova; GA65: 265)

(O seer e a “diferença otológica”. A “diferenciação”.) Essa diferenciação suporta a questão diretriz da metafísica: o que é o ente? Mas essa diferenciação não é elevada expressamente enquanto tal ao nível do saber na realização da questão diretriz ou mesmo retida enquanto algo digno de questão. É a diferenciação que suporta a questão diretriz ou será que é essa questão diretriz que leva a termo primeiramente, apesar de isso acontecer de maneira inexpressa, a diferenciação? Manifestamente esse é o caso. Pois ela aparece no campo de visão da questão diretriz e, de saída, também para a meditação clarificadora sobre a questão diretriz como algo derradeiro. Mas ela só pode ser de qualquer modo o elemento de primeiro plano (por quê?), no qual o estabelecimento da questão fundamental (acerca da VERDADE DO SEER) pode ser elucidado de maneira condutora. (tr. Casanova; GA65: 266)

A “diferença ontológica” é uma travessia, que se mostra como incontornável, se é que a necessidade do questionamento da questão fundamental deve se tornar visível a partir da questão diretriz. E a questão diretriz ela mesma? Essa tarefa, porém, não se deixa contornar, enquanto precisar permanecer assegurado ainda em geral um caminho, que dirige ainda de maneira muito precária do pensar metafísico questionador para o interior da questão necessariamente inquestionada da VERDADE DO SEER. Mas essa caracterização da “diferença ontológica” enquanto tal e o seu estabelecimento a partir da intenção de superação da metafísica parece provocar de saída o contrário: agora se obtém com maior razão a fixação na “ontologia”. Toma-se a diferenciação como uma peça doutrinária e como chave de uma consideração ontológica e se esquece do decisivo: o caráter próprio à travessia dessa diferenciação. (tr. Casanova; GA65: 266)

As pessoas se despem, por isso, de antemão de todo e qualquer esforço por levar a termo essa diferenciação em geral não como uma diferenciação re-presentacional, na qual o diferenciado é posto homogeneamente no mesmo plano, apesar de esse plano da diferencialidade ser deixado completamente indeterminado; por outro lado, porém, essa diferenciação considerada e exposta formalmente não pode ser senão um sinal de que a ligação com o ser é uma ligação diversa da com o ente, e de que essa alteridade das ligações pertence ao ligar-se diferenciador com os diferenciados. A ligação com o ser é, como uma ligação fundada, a insistência no ser-aí, o ser imanente à VERDADE DO SEER (como acontecimento apropriador). A ligação com o ente é a conservação criativa da preservação do seer naquilo que se coloca na clareira do aí de acordo com tal preservação enquanto o ente. (tr. Casanova; GA65: 266)

Na transição para o ser-aí no interior do questionamento acerca da VERDADE DO SEER não resta nenhuma outra possibilidade senão mudar de saída a representação até o ponto em que a ligação com o ser como projeto e, por isso, como o caráter da compreensão for fixado (a compreensão de ser do ser-aí). Mas essas determinações, por mais decisivas que elas permaneçam para uma primeira elucidação do questionamento completamente outro da questão do ser, são, porém, vistas a partir da questionabilidade do ser e de sua essenciação, apenas um primeiro passo tateante em uma longa prancha de salto, um passo no qual quase não se pressente a presença de algo da exigência, que é feita no final da prancha para o salto. Todavia, toma-se esse passo não apenas como o primeiro em um longo estar “a caminho”, mas já como o passo derradeiro, a fim de erigir-se no dito como uma “doutrina” e “perspectiva” determinada e de organizar com ela todo tipo de coisas em um aspecto historiológico. Ou, porém, se recusa essa “doutrina” e se imagina que, com ela, se teria decidido algo sobre a questão do ser. (tr. Casanova; GA65: 266)

O ente é; aqui se fala com frequência a partir da posição fundamental na maioria das vezes inexpressa da metafísica, que traz consigo homens que encontram previamente o ente como o mais próximo e partem dele, a fim de retornarem uma vez mais a ele. Por isso, o caráter de enunciado da proposição é aqui um caráter diverso do que no dizer: o seer é. “O ente é” precisa ser levado a termo como e-nunciado, que tem sua correção; dirigido para o ente, a entidade é relatada por ele. O e-nunciar (logos) não é considerado aqui apenas como a expressão linguística ulterior de um re-presentar, mas o e-nunciar (apo-phansis) é aqui ele mesmo a forma fundamental da ligação com o ente como um tal e, com isso, com a entidade. De acordo com o dizer, o dito “o seer é” é completamente diverso. Com efeito, podemos tomar a qualquer momento o dito como uma proposição e como uma proposição enunciativa. Nesse caso, pensado metafisicamente, precisa ser concluído o seguinte: o seer se transforma, assim, no ente e, de maneira consequente, se mostra como o maximamente ente. A questão é que o dizer não fala a partir do seer algo que lhe cabe em geral, algo que se encontra nele presente à vista, mas enuncia o seer mesmo a partir dele mesmo; ele diz que o seer é o único que pode se apoderar de sua essência e, precisamente por isso, o “é” nunca pode ser simplesmente algo a ser atribuído. Nesse dito, o seer é dito a partir do “é” e redito por assim dizer no “é”. Com isso, contudo, se caracteriza ao mesmo tempo a forma fundamental, na qual todo dizer “sobre” o seer, melhor, todo dizer do seer precisa se manter. Pois esse dizer “do” seer não tem o seer como objeto, mas emerge dele como sua origem e fala, por isso, caso ele o deva denominar, sempre de volta para essa origem. Aqui, por isso, toda “lógica” pensa de maneira curta demais, uma vez que o logos enquanto enunciado não pode permanecer mais o fio condutor da representação do ser. Ao mesmo tempo, porém, o dizer é arrastado para o interior da ambiguidade do enunciado e o pensar “do” seer se torna essencialmente mais difícil. Isso, porém, atesta apenas a primeira proximidade em relação à distância do seer: o fato de que esse “é” a recusa e o deslocamento mesmos e enquanto tal precisa ser resguardado no acontecimento apropriador e, por isso, precisa ser sempre difícil e uma luta, que se torna manifesta na mais extrema profundidade como o jogo do abissal. Mas se o ente não é, então isso significa: o ente permanece pertencente ao seer como o resguardo de sua verdade, nunca consegue, porém, se transpor para a es-senciação do seer. O ente, contudo, distingue-se enquanto tal com vistas ao respectivo pertencimento à VERDADE DO SEER e à exclusão de sua essenciação. (tr. Casanova; GA65: 267)

O que é feito agora da diferenciação entre ente e seer? Agora, nós a compreendemos como o primeiro plano metafisicamente concebido e, com isso, já mal interpretado de uma de-cisão, que é o seer mesmo (cf acima n. 2). Essa diferenciação não pode mais ser lida a partir do ente e em prosseguimento em direção à generalização isoladora de seu ser. Por isto, ela também não pode ser justificada, por exemplo, pelo aceno para o fato de que “nós” (quem?) precisamos compreender o ser, para que possamos experimentar um ente enquanto tal. Isso é, com efeito, correto, e o aceno para tanto pode servir a qualquer momento como uma primeira indicação do ser e da diferenciabilidade entre ente e seer, mas: o que resulta daqui, o que aqui já é pressuposto, o pensar metafísico da entidade, não pode subsistir enquanto o rasgo fundamental, no qual se deixariam conceber em termos da história do seer, em conformidade com o ser-aí, a essência do seer e de sua verdade em sua essenciação. Apesar disso, a transição não tem como ser preparada de outro modo senão pelo fato de que, nela, a coragem para o antigo (em termos do primeiro início) se faz valer e, assim, se busca de saída impelir esse antigo mesmo para além de si: o ente, o ser, o “sentido” (verdade) do ser (cf Ser e tempo). Desde o início, contudo, em meio a essa repetição mais originária, é preciso saber que ela exige uma completa transformação do homem no ser-aí e já alcançou por um salto tal transformação, uma vez que a VERDADE DO SEER, que deve se abrir, não trará outra coisa senão a essenciação mais originária do próprio seer. E isso significa: que tudo é transformado e que as veredas que ainda conduziam justamente ao seer precisam ser interrompidas, porque outro tempo-espaço é aberto por meio do seer, que torna necessária uma nova edificação e fundação do ente. Em parte alguma no ente, somente uma vez no seer, se volta em direção ao homem e aos deuses, a cada vez de maneira diversa, como uma tempestade, a suavidade do terrível na intimidade de todos os seres. É somente no seer que se essencia como a mais profunda abertura de seu fosso abissal o possível, de tal modo que é sob a forma do possível que o ser precisa ser pensado em primeiro lugar no pensar do outro início. (A metafísica, contudo, torna o “real e efetivo” enquanto ente ponto de partida e meta da determinação do ser). (tr. Casanova; GA65: 267)

“O homem” e “o deus” são cápsulas de palavras sem história, se a VERDADE DO SEER não ganha voz nelas. (tr. Casanova; GA65: 267)

O caráter completamente inabitual do seer em face de todo ente precisa ser “experimentado” pelo homem, ele precisa ser apropriado por ele em meio ao acontecimento e levado à VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 269)

O seer des-loca, na medida em que se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento. Esse des-locamento é uma afinação, sim, o rasgo originário do próprio elemento afinador. A tonalidade afetiva fundamental da angústia suporta a exposição ao des-locamento, na medida em que esse des-locamento anula em um sentido originário, de-põe o ente enquanto tal, isto é, na medida em que esse niilizar não é nenhuma negação, mas, se é que ele pode ser interpretado a partir do comportamento que assume uma posição, uma afirmação do ente enquanto tal como o de-posto. A questão é que a niilização é justamente a própria de-posição, por meio da qual o seer se sobreapropria enquanto de-posição da clareira do aí apropriado em meio ao acontecimento. E, por sua vez, a niilização do seer na re-tração, inteiramente irradiada pelo nada, essencia o seer. E somente quando tivermos nos libertado da falsa interpretação do nada a partir do ente, somente quando determinarmos a “metafísica” a partir da niilização do nada e por meio daí, ao invés de, ao contrário, degradarmos o “nada” a partir da metafísica e a partir do primado nela vigente do ente, transformando-o no mero não da determinação e mediação do ente como Hegel e todos metafísicos antes dele: somente então teremos pressentido que força da insistência no ser humano entretece a partir do “deslocamento”, agora visado como tonalidade afetiva fundamental da “ex-periência” do seer. Por meio da metafísica, e isso significa ao mesmo tempo por meio do cristianismo, somos desencaminhados e nos habituamos a supor no “deslocamento”, ao qual pertence a angústia como o nada ao seer, apenas o elemento desértico e sombrio, ao invés de experimentarmos nela a determinação em meio à VERDADE DO SEER e a partir dela saber jurisdicionalmente o estado de sua essenciação. (tr. Casanova; GA65: 269)

Em que se apoia em tudo o que há de desprovido de apoio dessa questão acerca da VERDADE DO SEER a suposição de que o choque do seer já poderia ter lançado um primeiro abalo em nossa história? Uma vez mais em algo único: no fato de que Hölderlin precisou se tornar aquele dizente que ele é. (tr. Casanova; GA65: 270)

Enunciar desse modo o seer não significa aprontar uma determinação conceitual, mas preparar a tonalidade afetiva do salto, a partir da qual e na qual o seer mesmo é ressaltado como projeto para o saber que também mantém a sua essência em um primeiro momento atribuída a partir dessa VERDADE DO SEER. (tr. Casanova; GA65: 270)

A excedência dos deuses é o ocaso na fundação da VERDADE DO SEER. O seer, porém, se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento para a fundação de sua verdade, isto é, de sua clareira, porque, sem essa de-cisão clareadora de si mesmo na urgência do deus e na guarda do ser-aí, ele precisaria consumir a si mesmo no fogo da própria brasa não dissolvida. Como podemos saber o quão frequentemente isso já não aconteceu? Se nós o soubéssemos, então não haveria a necessidade de pensar o seer na unicidade de sua essência. (tr. Casanova; GA65: 271)

O ser-aí funda enquanto insistência o a-bismo ejetado no acontecimento da apropriação pelo seer e, contudo, suportado por ela naquele ente, como o qual o homem é. Mas o ser desse ente só determina a si mesmo a partir do ser-aí, na medida em que, a partir dele, o homem é transformado na guarda da urgência dos deuses. O homem que é marcado por tal essência ainda por vir não “é” enquanto ente originariamente, mas apenas o seer é. No entanto, o homem determinado de acordo com o modo de ser do ser-aí se distingue, de qualquer modo, uma vez mais de todo ente, na medida em que sua essência é fundada no projeto da VERDADE DO SEER, verdade essa cuja fundação assume a responsabilidade por ele como o que é mediatamente apropriado em meio ao acontecimento para o seer. Desse modo, o homem é excluído do seer e, contudo, jogado precisamente na VERDADE DO SEER, de tal modo que a exclusão é suportada de acordo com o caráter de ser-aí na rejeição como uma exclusão que se encontra ligada ao ser. O homem é como uma ponte constante no entre, como o qual o acontecimento apropriador atribui a indigência dos deuses para a guarda do homem, na medida em que ele assume a responsabilidade pelo homem e o entrega ao ser-aí. Tal assunção da responsabilidade atributiva, da qual emerge o caráter de jogado, traz o ser-aí para o arrebatamento extasiante em meio ao seer, que aparece para nós em primeiro plano como o projeto da VERDADE DO SEER e, em primeiríssimo lugar e antes de tudo, como o primeiro plano voltado para a metafísica como compreensão de ser. Por toda parte, entretanto, não permanece aqui nenhum lugar para a interpretação do homem como “sujeito”, nem no sentido do sujeito egoico, nem no sentido do sujeito social. O arrebatamento extasiante, porém, também não é nenhum estar-fora-de-si do homem sob a forma de um desprender-se de si. Ele fundamenta muito mais a essência da ipseidade, que significa: o homem tem sua essência (guarda do seer) como sua proprie-dade, na medida em que ele se funda no ser-aí. Ter a essência como proprie-dade, contudo, significa: precisar levar a termo de maneira jurisdicional a apropriação e a perda do fato de que ele é e como ele é o apropriado em meio ao acontecimento (o arrebatado de maneira extasiante para o interior do seer). Ser próprio, proprietário expresso da essência, e suportar e não suportar de maneira jurisdicional esse caráter próprio sempre de acordo com a a-bissalidade do acontecimento da apropriação: isso é o que constitui a essência da ipseidade. O caráter de si mesmo não tem como ser concebido nem a partir do “sujeito”, nem mesmo a partir do “eu” ou da “pessoalidade”. Ao contrário, ele só tem como ser concebido a partir da insistência no pertencimento de guarda ao seer, o que significa, no entanto, a partir de um lançamento na direção da urgência dos deuses. Ipseidade é o desdobramento da propriedade da essência. O fato de o homem ter sua essência como sua propriedade diz que essa sua essência se encontra sob o risco constante da perda. E esse risco é a ressonância do acontecimento da apropriação, a entrega da responsabilidade ao seer. (tr. Casanova; GA65: 271)

O ser-aí é a fundação do abismo do seer por meio da requisição do homem como aquele ente, que assume sobre si a responsabilidade pela guarda da VERDADE DO SEER. Com base no ser-aí, o homem se transforma pela primeira vez naquele ente, para o qual a ligação com o seer destina o decisivo, o que ao mesmo tempo indica que o discurso sobre uma ligação com o seer expressa na verdade aquilo que deve ser pensado em seu contrário. Pois a ligação com o seer é em verdade o seer, que volta, enquanto acontecimento apropriador, o homem para a sua ligação. Por isso, múltiplas interpretações falsas cercam aquela “relação”, que se indica por meio do título “O homem e o seer”. (tr. Casanova; GA65: 271)

1) A que pico devemos subir para que possamos visualizar livremente o homem em sua indigência essencial? Ao fato de sua essência ser para ele uma propriedade e, por isso, uma perda, e, em verdade, a partir da essenciação do seer. Por que tais picos são necessários e ao que eles visam? 2) O homem se desencaminhou de maneira obtusa no que é “apenas” ente ou ele foi impelido a isso pelo seer? Ou será que ele foi simplesmente pendurado pelo seer e entregue a um egoísmo? (Essas questões movimentam-se na diferenciação entre ser e ente). 3) O homem, o animal pensante, como fonte subsistente das paixões, impulsos, dos estabelecimentos de metas e valorações, dotado de um caráter etc. Esse elemento a qualquer momento constatável, que pode contar seguramente com a concordância de todos, sobretudo quando todos estão de acordo em não perguntar mais e não deixar ser senão aquilo que para cada um é: a) Como o que nós nos deparamos com o homem. b) O fato de que nós nos deparemos com ele. 4) O homem é o que retorna no livre lançamento (projeto jogado); nós precisamos compreender ser, quando… 5) O homem, o guardião da VERDADE DO SEER (fundação do ser-aí). 6) O homem, nem “sujeito”, nem “objeto” da “história”, mas apenas o ente mobilizado pelo vento da história (acontecimento apropriador) e arrastado concomitantemente para o interior do seer, pertencente ao seer. Clamor da urgência, assunção da responsabilidade em meio à guarda. 7) O homem como o estrangeiro no lance livre expelido, o estrangeiro que não retorna mais do abismo e mantém nessa estrangeiridade a vizinhança longínqua. (tr. Casanova; GA65: 272)

1) A linguagem como enunciado e como dito. 2) O dizer do seer. 3) O seer e a origem da linguagem. A linguagem é a ressonância que pertence ao acontecimento apropriador, ressonância essa na qual ele se doa como contestação da contenda em meio a essa contenda mesma (terramundo) (a consequência: o desgaste e o mero uso da linguagem). 4) A linguagem e o homem. Será que a linguagem é dada com o homem ou será que é com o homem que a linguagem é dada? Ou será que uma coisa não se torna e não é por meio da outra de modo algum duas coisas diversas? E por quê? Porque os dois pertencem de maneira cooriginária ao seer. Por que o homem pertence “essencialmente” à determinação da essência da linguagem – o homem como? Guardião da VERDADE DO SEER. 5) O animal rationale e a falsa interpretação da linguagem. 6) Linguagem e lógica. 7) A linguagem, a entidade e o ente. (tr. Casanova; GA65: 276)

Segundo a determinação bem compreendida e até hoje válida do homem como animal rationale, a linguagem é dada com o homem e isso de maneira tão certa que se pode dizer mesmo na inversão que é apenas com a linguagem que o homem é dado. Linguagem e homem se determinam de modo alternante. Por meio do que isso se torna possível? As duas coisas são em certo aspecto o mesmo? E em que aspecto elas são o mesmo? Por força de seu pertencimento ao seer. O que significa isso: pertencer ao seer? O homem pertence enquanto um ente ao ente e está submetido, assim, à mais universal determinação de que ele é e de que ele é de tal e tal modo. A questão é que isso não distingue o homem enquanto homem, mas apenas o equipara enquanto ente a todo ente. O homem, porém, pode pertencer ao seer (não apenas ao ente), na medida em que ele cria a partir desse pertencimento e precisamente a partir dele a sua essência mais originária: o homem compreende o seer (cf Ser e tempo); ele é o guarda-posto do projeto do seer, a guarda da VERDADE DO SEER constitui isso a partir do seer e “apenas” a partir dessa essência concebida do homem. O homem pertence ao seer como aquele que é apropriado pelo próprio seer em meio ao acontecimento para a fundação de sua verdade. Assim apropriado, ele é entregue à responsabilidade do seer; ao mesmo tempo, tal responsabilidade remete a conservação e a fundação da essência do homem para aquilo que o homem precisa primeiro transformar para si em propriedade, aquilo com relação ao que ele precisa ser mais próprio e mais impróprio: para o ser-aí, o que significa a própria fundação da verdade, o a-bismo exposto e sustentado pelo seer (acontecimento apropriador). Como é, contudo, que a linguagem se comporta em relação ao seer? Se não podemos computar a linguagem como algo dado e, com isso, já estabelecido na essência, uma vez que o que importa é “encontrar” a essência, e se o seer mesmo é “mais essencial” do que a linguagem, na medida em que ela é tomada como um dado (ente), então a pergunta precisa ser formulada de outro modo. Como é que o seer se comporta em relação à linguagem? Mas mesmo assim a questão é ainda capaz de induzir em uma falsa interpretação, na medida em que aparece agora como mera inversão da relação anterior e a linguagem, por sua vez, é considerada como um dado, com o qual o seer entra em ligação. Como é que o seer se comporta em relação à linguagem – o que está em questão aqui é: como emerge na essenciação do seer a essência da linguagem? Com isso, porém, uma resposta já não é antecipada: justamente que a linguagem emerge do seer? Mas toda e qualquer autêntica questão acerca da essência, determinada como projeto a partir do que precisa ser projetado, antecipa a resposta. A essência da linguagem nunca pode ser determinada de outro modo senão por meio da denominação de sua origem. Por isso, não se pode fornecer definições da essência da linguagem e declarar a questão acerca de sua origem irrespondível. A questão acerca da origem encerra naturalmente em si a determinação essencial da origem e do próprio emergir. Emergir, contudo, significa: pertencer ao seer no sentido da questão por último colocada: como se essencia na essenciação do seer a linguagem? Que, contudo, essa ligação com o seer não seja em geral nenhuma exposição arbitrária, isso foi algo que a consideração prévia deixou claro. Pois, em verdade, aquela dupla ligação metafísica (só que não pensada de volta à origem) da linguagem com o ente enquanto tal e com o homem (como animal rationale, ratio – fio condutor da interpretação do ente com vistas à entidade, isto é, o ser) não indica outra coisa senão: a linguagem está inteiramente ligada ao ser; e isso precisamente nos aspectos, segundo os quais a metafísica a determina. Mas como a metafísica só é em geral a partir do impasse em relação ao seer o que ela é, precisamente essa ligação e completamente a sua concepção correta nunca pode alcançar o âmbito de seu questionamento. (tr. Casanova; GA65: 276)

Eras, que conhecem muitas coisas e quase tudo por meio do historicismo, não compreenderão que um instante de uma história sem arte pode ser mais histórico e mais criador do que tempos de um funcionamento artístico extenso. A ausência de arte não emerge aí da incapacidade e da decadência, mas da força do saber sobre as decisões essenciais, por meio das quais esse saber precisa progredir, o que aconteceu até aqui, de maneira bastante rara, como arte. Na esfera de visão desse saber, a arte perdeu a ligação com a cultura; ela só se manifesta aqui como um acontecimento apropriador do seer. A ausência de arte funda-se no saber de que o exercício de capacidades consumadas a partir do domínio maximamente perfeito das regras até mesmo segundo os critérios de medida e os paradigmas supremos até aqui nunca pode se mostrar como “arte”; de que o erigir planificado de uma produção daquilo que corresponde a “obras de arte” até aqui e às suas “finalidades” pode alcançar resultados abrangentes, sem que uma necessidade originária da essência da arte de levar à decisão a VERDADE DO SEER jamais se imponha a partir de uma indigência; de que uma empresa com “a arte” enquanto meio de funcionamento já se coloca por si só fora da essência da arte e, por isso, já permanece cega e fraca demais, para experimentar a ausência de arte em seu poder preparador da história e atribuído ao seer ou mesmo para deixá-lo “vigorar”. A ausência de arte se funda no saber de que a ratificação e concordância daqueles que gozam e vivenciam a “arte” não podem de modo algum decidir se o objeto do gozo em geral provém da esfera essencial da arte ou é apenas um construto aparente de uma habilidade historiológica, sustentada pelo estabelecimento de metas dominantes. (tr. Casanova; GA65: 277)

O acontecimento apropriador e a possibilidade do porquê! Será que o porquê ainda pode ser transformado em um tribunal, diante do qual precisamos colocar o seer? Por que, porém, a VERDADE DO SEER? Ela pertence à sua essência! Por que ente? Porque um ente supremo provoca, produz tal ente? Mas sem levarmos em conta o elemento desmedido da fabricação, o ente supremo, o summum ens, pertence com maior razão ao ente. Como é que, a partir daí, a pergunta sobre o porquê pode ser respondida? Por que ente? Por quê? Em razão do quê? Em que medida? Razões! Razão e origem do porquê. A cada vez para além do ente. Para onde? Porque o ser se essencia. Por que seer? A partir dele mesmo. Mas o que é esse mesmo? A sondagem do fundamento do seer, a sondagem de seu fundamento, é o entre do seer como a-bismo. O saber abissal como ser-aí. Ser-aí como apropriado em meio ao acontecimento. Sem fundamento; abissal. (tr. Casanova; GA65: 279)