seer

Seyn

As “contribuições” perguntam em uma via que é inicialmente aberta pela transição ao outro início, para o interior do qual o pensamento ocidental agora se volta. Essa via lança a transição no espaço aberto da história e a fundamenta como uma estada talvez muito longa, em cuja realização o outro início do pensamento permanece sempre apenas o pressentido, mas já de qualquer modo decidido. Com isto, apesar de já falarem e mesmo de só falarem da essência do SEER, isto é, do “acontecimento apropriador”, as “Contribuições” ainda não conseguem juntar a junção livre e fugidia da verdade do SEER a partir dele mesmo. Se isso algum dia tiver lugar, então essa essência do SEER determinará em seu estremecimento o conjunto articulado da obra pensante ela mesma. Esse estremecimento se fortalece, então, em nome do poder da ternura liberada característica de uma intimidade daquela deização do deus dos deuses, a partir da qual acontece apropriadoramente a destinação do ser-aí para o SEER, como para a fundação da verdade que é concernente ao SEER. (tr. Casanova; GA65: 1)

Mesmo aqui, porém, como em um exercício preparatório, precisamos tentar aquele dizer pensante da filosofia que advém de um outro início. Quanto a ele vale o seguinte: esse dizer nem descreve nem explica, nem anuncia nem instrui; não se tem aqui o dizer ante o que tem para ser dito, mas o dizer é ele mesmo como a essenciação do SEER. Esse dizer reúne o SEER em uma primeira ressonância de sua essência e só soa mesmo a partir dessa essência. (tr. Casanova; GA65: 1)

O tempo dos “sistemas” passou. O tempo da construção da figura essencial do ente a partir da verdade do SEER ainda não chegou. Entrementes, a filosofia precisa ter empreendido algo essencial em meio à transição para o outro início: o projeto, isto é, a abertura fundante do campo de jogo tempo-espacial da verdade do SEER. Como podemos realizar essa tarefa única? Permanecemos aqui sem precursores e sem uma base de sustentação. Meras variações do que se teve até aqui, por mais que aconteçam com a ajuda das maiores misturas possíveis de modos de pensar historicamente conhecidos, não nos fazem sair do lugar. E todo e qualquer tipo de escolástica de visões de mundo se encontra completamente fora da filosofia porque só podem persistir sobre a base da negação da dignidade de questão do SEER. A filosofia tem a sua própria dignidade não dedutível e incalculável na dignificação do que é digno de questão. Todas as decisões sobre seu agir são tomadas a partir da preservação dessa dignidade e enquanto preservações dessa dignidade. No entanto, no reino do que há de mais digno de questão, o agir só pode ser um questionar único. Se em algum de seus tempos encobertos a filosofia tem de se decidir, com a clareza de seu saber, por sua essência, então isso tem de se dar na transição para o outro início. (tr. Casanova; GA65: 1)

O outro início do pensamento é assim denominado não porque possua uma forma diversa da que possuia qualquer outra filosofia até aqui, mas porque precisa ser o unicamente outro a partir da ligação com o início unicamente uno e primeiro. A partir dessa articulação mútua de um início com o outro já está também determinado o modo da meditação pensante característico da transição. O pensamento inserido na transição empreende o projeto fundante da verdade do SEER como uma meditação histórica. A história não é aí o objeto e a circunscrição de uma consideração, mas aquilo que o questionar pensante primeiramente desperta e obtém como o sítio de suas decisões. O pensamento no interior da transição coloca o primeiro movimento de essenciação do SEER da verdade e o porvir mais extremo da verdade do SEER em discussão e dá voz, em meio a essa discussão, à essência até aqui inquestionada do SEER. No saber do pensamento inserido na transição, o primeiro início permanece decisivo como primeiro e é, entretanto, superado como início. Para esse pensamento, a reverência mais clara em relação ao primeiro início, que abre, além disso, pela primeira vez, o seu caráter único, precisa caminhar lado a lado com a ausência de um olhar para trás – uma ausência inerente à virada de outro questionar e dizer. (tr. Casanova; GA65: 1)

A questão do ser é a pergunta sobre a verdade do SEER. A pergunta até aqui da filosofia sobre o ente (a questão diretriz), ao ser levada a termo e concebida historicamente, se torna a questão fundamental. (tr. Casanova; GA65: 2)

A pergunta sobre a verdade do SEER aponta certamente para a inserção violenta em algo resguardado; pois a verdade do SEER – como verdade pensante ela é o saber insistente sobre como o SEER se essencia – talvez não caiba nem mesmo aos deuses, mas pertença unicamente ao abismal daquela junção destinatória à qual mesmo os deuses estão submetidos. E, no entanto: se o ente é, o SEER precisa se essenciar. Mas como se essencia o SEER? Mas é um ente? A partir de que outra instância decide aqui o pensar, se não a partir da verdade do SEER. Com isto, o SEER não pode mais ser pensado a partir do ente: ele precisa ser descoberto pelo pensamento a partir dele mesmo. (tr. Casanova; GA65: 2)

Por vezes, aqueles fundadores do abismo precisam ser consumidos no fogo do que se guarda, para que o ser-aí venha a ser possível para o homem e, assim, seja salva a constância em meio ao ente, para que o ente mesmo experimente a restauração no aberto da contenda entre terra e mundo. Consequentemente, o ente é voltado para o interior de sua constância por meio do ocaso dos fundadores da verdade do SEER. Tal movimento é exigido pelo próprio SEER mesmo. Ele precisa dos que experimentam o ocaso; e, onde quer que um ente apareça, o SEER já sempre se a-propriou desses fundadores que perecem em meio ao acontecimento, já sempre os atribuiu a si mesmo. Essa é a essenciação do SEER mesmo: nós a denominamos o acontecimento apropriador. A riqueza da ligação volteante do SEER com o ser-aí que lhe é entregue apropriadoramente é imensurável. A plenitude do acontecimento da apropriação é incalculável. E somente algo muito diminuto pode ser dito aqui “sobre o acontecimento apropriador” nesse pensar inicial. O que é dito é questionado e pensado em uma “conexão de jogo” do primeiro e do outro início a partir da “ressonância” do SEER; ele é questionado e pensado em meio à indigência do abandono do ser para o “salto” em direção ao interior do SEER. Esse “salto” tem por fim promover a “fundação” da verdade do SEER como a preparação dos “que estão por vir” e “do último deus”. Esse dizer pensante é uma diretiva. Essa diretiva indica o livre abrigo da verdade do SEER em meio ao ente como algo necessário, sem ser, contudo, uma ordem. Tal pensamento jamais pode ser transformado em uma doutrina: ele se subtrai completamente ao acaso da opinião. Além do mais, ele só dá uma diretiva aos poucos e ao seu saber, quando o que importa é o resgate dos homens da barafunda do não-ente, lançando-os para o interior da maleabilidade à junção característica de uma criação reservada dos sítios que são determinados para o passar ao largo do último deus. Mas se o acontecimento apropriador perfaz a essenciação do SEER, o quão perto está, então, o perigo de que ele recuse e precise recusar o acontecimento da apropriação porque o homem perdeu a força para o ser-aí, uma vez que a violência desencadeada do desvario em meio ao gigantesco o dominou sob a aparência da “magnitude”. No entanto, se o acontecimento apropriador se tornar recusa e denegação, isso significa apenas a retração do SEER e o abandono do ente ao não-ente? Ou será que a denegação (o caráter de não do SEER) pode se tornar no mais extremo o mais distante acontecimento da apropriação, posto que o homem conceba esse acontecimento apropriador e o horror do pudor o recoloque na tonalidade afetiva fundamental da retenção e, com isto, já o exponha para o ser-aí? (tr. Casanova; GA65: 2)

Saber a essência do SEER como acontecimento apropriador não significa apenas conhecer o perigo da recusa, mas estar pronto para a superação. Muito antes de todo o resto, a primeira coisa quanto a isso precisa permanecer: colocar o SEER em questão. (tr. Casanova; GA65: 2)

Ninguém compreende o que “eu” penso aqui: deixar o ser-aí eclodir a partir da verdade do SEER (e isso significa a partir da essenciação da verdade), para fundar aí o ente na totalidade e enquanto tal; e, em meio à sua fundação, o homem. (tr. Casanova; GA65: 2)

A partir de um simples toque do pensar essencial, o acontecimento da verdade do SEER precisa ser transposto do primeiro para o outro início, para que, em consonância, ressoe a canção totalmente diversa do SEER. E é por isto que a história está aqui realmente por toda parte: a história que se recusa ao historiológico, porque não deixa emergir o passado, mas se mostra em tudo o arrojar-se para além no que está por vir. (tr. Casanova; GA65: 2)

A ressonância do SEER como a ressonância da recusa. A conexão de jogo da pergunta sobre o SEER. A conexão de jogo é inicialmente conexão de jogo do primeiro início, para que este coloque em jogo o outro início e cresça a partir dessa alternância no jogo a preparação do salto. O salto no SEER. O salto projeta o abismo do esfacelamento e assim pela primeira vez a necessidade da fundação do ser-aí destinado a partir do SEER. A fundação da verdade como a fundação da verdade do SEER (o ser-aí). (tr. Casanova; GA65: 3)

Tudo se coloca aqui em função da única pergunta acerca verdade do SEER: em função do perguntar. Para que esta tentativa se transforme em um impulso, o espantoso do perguntar precisa ser experimentado em meio à sua realização e se tornar efetivo para o despertar e para o fortalecimento do poder de questão. (tr. Casanova; GA65: 4)

Em sua essência raramente experimentada, o perguntar é, assim, totalmente diverso do que apresenta a aparência de sua inessência, a fim de retirar tão frequentemente dos desencorajados a sua derradeira dose de coragem. Mas eles tampouco pertencem, então, ao anel invisível que envolve aqueles, aos quais o aceno do SEER responde em meio ao perguntar. (tr. Casanova; GA65: 4)

O perguntar sobre a verdade do SEER não se deixa contabilizar a partir do que se deu até aqui. E se ele deve preparar o início de outra história, a execução precisa ser originária. Por mais inacessível que permaneça a confrontação com o primeiro início da história do pensamento, é certo que o perguntar mesmo só precisa considerar a sua indigência e esquecer de tudo à sua volta. A história só emerge no salto imediato por sobre o “historiológico”. (tr. Casanova; GA65: 4)

A pergunta sobre o “sentido”, ou seja, segundo a explicitação presente em Ser e tempo, a pergunta sobre a fundação do âmbito do projeto, em suma, a pergunta sobre a verdade do SEER é e continua sendo minha pergunta e é minha única pergunta, pois ela concerne ao maximamente único. Na era da completa falta de questionamento em relação a todas as coisas é suficiente questionar ao menos uma vez a pergunta de todas as perguntas. (tr. Casanova; GA65: 4)

Na era do carecimento infinito que se origina a partir da indigência velada da falta de penúria, essa pergunta precisa necessariamente parecer como o falatório mais inútil – um falatório para além do qual as pessoas já se lançaram em boa hora. Todavia, resta a tarefa: a restauração do ente a partir da verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 4)

A pergunta sobre o “sentido do SEER” é a pergunta de todas as perguntas. Na execução de seu desdobramento determina-se a essência do que denominamos aí “sentido”; determina-se o lugar em que a pergunta se retém como meditação, o que ela abre como pergunta: a abertura para o encobrir-se, isto é, a verdade. (tr. Casanova; GA65: 4)

A questão do ser é o salto para o interior do SEER, o salto que o homem realiza como aquele que busca o SEER, na medida em que se mostra como alguém que cria de maneira pensante. Na mais própria desmedida da força de buscar, aquele que busca o SEER é o poeta, que “instaura de modo fundante” o SEER. No entanto, nós homens atuais só temos um dever: preparar esses pensadores por intermédio da fundação, que se lança bem para frente, de uma prontidão para o que há de mais digno de questão. (tr. Casanova; GA65: 4)

Para os poucos que de tempos em tempos perguntam uma vez mais, isto é, que colocam em decisão de maneira renovada a essência da verdade. Para os raros, que trazem consigo a mais elevada coragem para a solidão, a fim de pensar a nobreza do SEER e falar de sua unicidade. O pensar no outro início é originariamente histórico de uma maneira única: o dispor autoconjuntivo sobre a essenciação do SEER. Um projeto da essenciação do SEER como o acontecimento apropriador precisa ser ousado porque não conhecemos a missão de nossa história. Que possamos experimentar de um modo fundamental a essenciação desse desconhecido em seu ocultar-se. Precisamos querer, porém, desdobrar esse saber, segundo o qual o desconhecido que nos é dado como tarefa deixa a vontade na solidão e, assim, obriga a existência do ser-aí à mais elevada retenção em relação ao que se oculta. (tr. Casanova; GA65: 5)

A proximidade em relação ao último deus é o silenciamento. Esse silenciamento precisa ser colocado em obra e em palavra no estilo da retenção. Ser na proximidade do deusmesmo que essa proximidade seja a mais distante da indecidibilidade sobre a fuga ou a chegada dos deuses – isto não pode ser colocado na conta de uma “felicidade” ou “infelicidade”. A constância do próprio SEER porta sua medida em si, se é que ele precisa ainda de uma medida. Mas para quem de nós hoje essa constância ainda se encontra comunicada? Quase não acontece nem mesmo de a prontidão para uma necessidade vingar entre nós ou mesmo apenas o aceno para essa prontidão como o começo de uma outra via da história. (tr. Casanova; GA65: 5)

As recaídas em modos de pensar encalhados e em pretensões da metafísica ainda nos perturbarão por um longo tempo e impedirão a clareza do caminho e a determinação do dizer. Não obstante, o instante histórico da transição precisa ser levado a cabo a partir do saber de que toda metafísica (fundada na pergunta diretriz: “o que é o ente?) permanece sem condições de voltar o homem para as ligações fundamentais com o ente. Como é que ela poderia conseguir alcançar algo assim? Já a vontade para tanto não encontra nenhuma escuta, enquanto a verdade do SEER e sua unicidade não se tornarem necessidade. Como é que o pensamento pode ter sucesso naquilo que anteriormente permaneceu vedado ao poeta (Hölderlin)? Ou será que precisamos apenas arrancar sua via e sua obra do soterramento na direção da verdade do SEER? Estamos equipados para tanto? (tr. Casanova; GA65: 5)

A verdade do SEER só se torna necessidade por meio daqueles que perguntam. Eles são os crentes propriamente ditos, porque eles se mantêm – abrindo a essência da verdade – sobre o solo. Os que perguntam – solitários e sem os artifícios de um encantamento – estabelecem a nova e suprema posição hierárquica da insistência no meio do SEER, na essenciação do ser (acontecimento apropriador) como o meio. Os que questionam rejeitaram toda curiosidade, toda avidez pelo novo; sua busca ama o abismo, no qual eles sabem o mais antigo fundamento. (tr. Casanova; GA65: 5)

Se algum dia uma história nos for ainda uma vez comunicada, a exposição criadora ao ente a partir do pertencimento ao ser, então é indispensável a determinação: preparar o tempo-espaço da última decisão – se e como nós experimentamos e fundamos esse pertencimento. Nisso reside: de maneira pensante fundar o saber do acontecimento apropriador, por meio da fundação da essência da verdade enquanto ser-aí. Como quer que a decisão sobre a historicidade e a falta de historicidade possa vir a ser tomada, os questionadores, que preparam de maneira pensante a decisão, precisam ser, cada um porta a solidão para o interior de sua maior hora. Que dizer realiza o mais elevado silenciamento pensante? Que procedimento efetua mais prontamente a meditação sobre o SEER? O dizer da verdade; pois ele é o entre para a essenciação do SEER e a entidade do ente. Esse entre funda a entidade do ente no SEER. O SEER, porém, não é algo “anterior” – subsistindo por si, em si –, mas o acontecimento apropriador é a coetaneidade tempo-espacial para o SEER e o ente. (tr. Casanova; GA65: 5)

No conhecimento filosófico, em contrapartida, com o primeiro passo começa uma transformação do homem que compreende, e, em verdade, não no sentido moral-“existenciário”, mas de acordo com o modo de ser do ser-aí. Isto quer dizer: a ligação com o SEER e, antes disso sempre, com a verdade do SEER transforma-se ao modo da transposição para o próprio ser-aí. Como no conhecimento filosófico tudo é a cada vez e ao mesmo tempo transposto extasiadamente – o ser<ser humano em seu estar aprumado na verdade, essa verdade mesma e, com isto, a ligação com o SEER – e como uma representação imediata de algo presente nunca é possível, o pensar da filosofia permanece estranho. (tr. Casanova; GA65: 5)

Sobretudo no outro início é preciso que – em consequência da pergunta acerca da verdade do SEER – seja logo levado a termo o salto para o interior do “entre”. O “entre” do ser-aí supera o chorismos; não na medida em que ele constrói uma ponte entre o SEER (a entidade) e o ente como margens por assim dizer presentes, mas na medida em que ele transforma o SEER e o ente ao mesmo tempo em sua coetaneidade. O salto no entre conquista pela primeira vez por meio do salto o ser-aí e não ocupa um suporte já pronto. (tr. Casanova; GA65: 5)

A tonalidade afetiva fundamental do pensar no outro início oscila nas tonalidades afetivas, que à distância só se deixam nomear como o espanto – a retenção – o pressentimento – o pudor. A ligação interna entre elas só é experimentada em meio ao pensar integral das junções particulares, nas quais a fundação da verdade do SEER e da essenciação da verdade precisa juntar. Para a unidade dessas tonalidades afetivas falta a palavra, e, contudo, seria necessário encontrar a palavra, a fim de evitar a fácil incompreensão em jogo em se supor que tudo estivesse colocado aqui em função de uma fraqueza covarde. É assim que o “heroísmo” barulhento deve julgar. (tr. Casanova; GA65: 5)

O espanto é a viagem de volta do caráter corrente do comportamento no familiar para a abertura do acometimento do que se encobre, em cuja abertura o que há até aqui de corrente se revela ao mesmo tempo como o estranho e como o agrilhoante. O que há de mais corrente, porém, e, por isto, mais desconhecido, é o abandono do ser. O espantar-se deixa que o homem volte ao fato de que o ente é, enquanto anteriormente o ente para ele era justamente o ente: o fato de que o ente é e de que esse – o SEER – abandonou todo “ente” e o que assim se parecia, de que ele se retirou dele. Todavia, esse espanto não é nenhum mero recuo, nem tampouco a abdicação perplexa da “vontade”, mas, como nele precisamente o encobrir-se do SEER se abre e o ente mesmo e a referência a ele se veem inclinados a serem conservados, se associa com esse espanto a partir dele mesmo a “vontade” que lhe é mais própria, e essa é aquilo que se denomina aqui a retenção. (tr. Casanova; GA65: 5)

A retenção, a tonalidade afetiva prévia da prontidão para a recusa como doação. Na retenção vigora, sem afastar nenhuma viagem de volta, o dirigir-se para o privar-se hesitante como a essenciação do SEER. A retenção é o meio para o espanto e o pudor. Esses caracterizam apenas de maneira mais expressa aquilo que onginariamente lhe pertence. Ela determina o estilo do pensar inicial no outro início. (tr. Casanova; GA65: 5)

O pudor, porém, segundo o que foi dito, não pode ser confundido com a timidez ou ser mesmo apenas compreendido na direção da timidez. Isto nos é tão pouco permitido que o pudor aqui visado excede até mesmo a “vontade” de retenção, e isto a partir da profundidade do fundamento da tonalidade afetiva fundamental una. Para ele, para o pudor em particular, emerge a necessidade do silenciamento, e essa necessidade é o deixar essenciar-se que afina completamente toda postura em meio ao ente e todo comportamento em relação ao ente, o deixar essenciar-se do SEER como acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 5)

O pudor é o modo do aproximar-se e do permanecer perto do que há de mais distante enquanto tal, que, contudo, em seu aceno – quando ele é mantido no pudor – se transforma no que há de mais próximo e reúne todas as referências do SEER em si. Todavia, quem consegue afinar essa tonalidade afetiva fundamental da retenção espantada e marcada pelo pudor no homem essencial? E quantos ainda mensurarão o fato de essa afinação não fundar nenhum desvio diante do ente, mas o contrário: a abertura de sua simplicidade e grandeza e a necessidade originariamente coagida de abrigar no ente a verdade do SEER, a fim de dar assim ao homem histórico ainda uma vez uma finalidade: tornar-se fundador e o guardião da verdade do SEER, ser o aí como o fundamento usado pela própria essência do SEER: o cuidado, não como pequena preocupação em torno de algo qualquer e não como denegação do júbilo e da força, mas mais originário do que tudo isso, porque unicamente “em virtude do SEER”, não do SEER do homem, mas do SEER do ente na totalidade. (tr. Casanova; GA65: 5)

No pensamento inicial sobretudo, regiões da verdade do SEER precisam ser atravessadas, para que, então, quando o ente brilhar, elas possam se retrair uma vez mais no velamento. Essa divergência pertence essencialmente à comunicabilidade do “efeito” de toda filosofia. (tr. Casanova; GA65: 5)

Na filosofia, algo essencial, depois que ele, quase velado, recebe um choque, precisa se retrair e ganhar o cerne do insuficiente (para a maioria), porque esse elemento essencial é inultrapassável e, por isto, precisa se subtrair em meio à possibilitação do início. Pois sempre se precisa iniciar uma vez mais com o SEER e com a sua verdade. (tr. Casanova; GA65: 5)

A retenção, o meio afinador do espantar-se e do pudor, o traço fundamental da tonalidade afetiva fundamental, nela afina-se o ser-aí com vistas ao silêncio do passar ao largo do último deus. De maneira criadora nessa tonalidade afetiva fundamental do ser-aí, o homem torna-se o guardião desse silêncio. Assim, a meditação inicial do pensar torna-se necessariamente um pensar autêntico, quer dizer, um pensar que estabelece a meta. Não uma meta qualquer e não a meta em geral, mas a meta única e, assim, particular de nossa história: é essa meta que é estabelecida. Essa meta é a própria busca, a busca do SEER. Ele acontece e é mesmo a mais profunda descoberta, quando o homem se torna aquele que vela pela verdade do SEER, o guardião daquele silêncio e é decidido nessa direção. (tr. Casanova; GA65: 5)

Ser o que busca, o que vela, o que guarda – isto significa o cuidado enquanto traço fundamental do ser-aí. Em seu nome reúne-se a determinação do homem, na medida em que ele é concebido a partir de seu fundamento, isto é, a partir do ser-aí, o qual se encontra apropriado em meio ao acontecimento e imerso na viragem para o acontecimento apropriador enquanto para a essência do SEER e só pode se tornar insistente por força de sua origem como fundação do tempo-espaço (“temporialidade”), a fim de transformar a indigência do abandono do ser na necessidade da criação como a restituição do ente. E nos juntando à junção do SEER, nós nos encontramos à disposição dos deuses. A própria busca é a meta. E isto significa: “metas” estão ainda por demais ligadas ao primeiro plano e sempre continuam se colocando diante do SEER – e soterram o necessário. À disposição dos deuses – o que isto significa? E se os deuses forem o indecidido, porque ainda resta em um primeiro momento recusada a abertura da deização? Aquela palavra significa: à disposição para o ser usado no descerramento desse aberto. E aqueles que determinam previamente pela primeira vez a abertura desse aberto e que precisam realizar a afinação sobre eles, na medida em que repensam a essência da verdade e a elevam ao nível de questão, esses são os que são mais duramente usados. À “disposição dos deuses” – isto significa: se encontrar – muito para além e para fora – para fora do caráter corrente do “ente” e de suas interpretações; pertencer aos que se acham mais ao longe, para os quais a fuga dos deuses permanece o mais próximo em sua mais ampla subtração. (tr. Casanova; GA65: 5)

As pessoas se reportam às rasas poças d’água das “vivências”, incapazes de mensurar a ampla estrutura do espaço pensante e de pensar em tal abertura a profundidade e a altitude do SEER. E onde se acredita superior “à vivência”, isto acontece como um reportar-se a uma perspicácia vazia. De onde, porém, deve chegar a educação para o pensar essencial? A partir de um pensar prévio e de um seguir as sendas decisivas. Quem, por exemplo, acompanha a longa senda da fundação da verdade do SEER? Quem pressente algo da necessidade do pensar e do questionar, daquela necessidade, que não carece das muletas do por quê e nem dos apoios do para quê? Quanto mais necessário o dizer pensante do SEER, tanto mais incontornável se torna o silenciamento da verdade do SEER por meio do curso do questionamento. Mais fácil do que outros, o poeta encobre a verdade na imagem e a doa assim à visão para a conservação. Como é, porém, que o pensar abriga a verdade do SEER, se não na pesada lentidão do curso de seu passo questionador e de sua consequência vinculada? Inaparente como em um campo solitário sob o grande céu, com seu passo pesado, hesitante, que para a cada instante, o semeador abre os fulcros na terra e mede e configura ao jogar o braço o espaço velado de todo crescimento e amadurecimento. Quem ainda consegue levar a termo algo assim no pensamento como o que há de mais inicial de sua força e como o seu futuro supremo? (tr. Casanova; GA65: 5)

Se uma questão pensante não é tão simples e tão pre-ponderante, a ponto de ela determinar a vontade pensante e o estilo de pensamento de séculos, lhes dando a pensar o mais elevado, então ela permanece na melhor das hipóteses inquestionada. Pois ela amplia – meramente enunciada – apenas o mercado anual incessante dos “problemas” que coloridamente se alternam, aquelas repreensões que não acertam em nada e pelas quais ninguém se vê tocado. Como é que as coisas se encontram – assim mensuradas – em relação à questão do SEER, questão essa que requestiona, imersa em si mesma em um movimento de viragem, ao mesmo tempo o SEER da verdade? Por quanto tempo só o caminho deve surgir, o caminho sobre o qual apenas pela primeira vez a questão da verdade é tocada? O que futuramente e em verdade tem o direito de se chamar filosofia tem de realizar isto como o primeiro e único ponto: primeiro encontrar, isto é, fundar o lugar do questionar pensante da questão uma vez mais inicial: o ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 5)

A questão pensante acerca da verdade do SEER é o instante, que sustenta a transição. Esse instante não é nunca efetivamente fixável, nem tampouco tem como ser contabilizado. Ele estabelece pela primeira vez o tempo do acontecimento apropriador. A simplicidade única dessa transição nunca é concebível historiologicamente, porque a “história” historiológica pública passou há muito tempo ao largo dessa transição, mesmo que ela possa ser mostrada mediatamente para essa “história”. Assim, fica reservado para esse instante um longo caráter de futuro, contanto que deva ser quebrado ainda uma vez o esquecimento do ser<ser do ente. (tr. Casanova; GA65: 5)

No ser-aí e enquanto ser-aí acontece apropriadoramente para o SEER a verdade, que ele mesmo revela como a recusa, como aquela região do aceno e da subtração – do silêncio – nos quais se decidem pela primeira vez a chegada e a fuga do último deus. O homem não consegue realizar nada para tanto e é quando a preparação da fundação do ser-aí lhe é entregue como tarefa que ele se encontra menos em condições de tal realização, de tal modo que essa tarefa determina inicialmente uma vez mais a essência do homem. (tr. Casanova; GA65: 5)

A questão é que a tonalidade afetiva fundamental afina o ser-aí e, com isto, o pensar como projeto da verdade do SEER na palavra e no conceito. A tonalidade afetiva é a pulverização do estremecimento do SEER como acontecimento apropriador no ser-aí. Pulverização: não como um mero desaparecimento e extinção, mas, ao contrário: como guarda da chama no sentido da clareira do aí de acordo com a plena abertura do fosso abismal do SEER. A tonalidade afetiva fundamental do outro início quase não tem como ser jamais nomeada por meio de um nome; e isto se mantém até mesmo na transição para ele. A pluralidade de nomes, porém, não nega a simplicidade dessa tonalidade afetiva fundamental e só mostra em meio ao inconcebível todo o seu caráter simples. A tonalidade afetiva fundamental se chama para nós: o espanto, a retenção, o pudor, o pressentimento, o abrir-se para o pressentimento. (tr. Casanova; GA65: 6)

O pressentir abre a amplitude do encobrimento do que se encontra em uma relação de referência e talvez recusado. O pressentimento – visado em termos da tonalidade afetiva fundamental – não se remete de maneira alguma apenas, tal como acontece com o pressentimento habitual pensado em termos de cálculo, para aquilo que está por vir e para o que é apenas iminente, ele mensura transversalmente e avalia por meio de tal mensuração toda a temporalidade: o campo de jogo tempo-espacial do aí. O pressentir é a guarda que se funda de volta em si mesma do poder afinador, o abrigar hesitante e, de qualquer modo, que prepondera já sobre toda a incerteza da mera opinião, do desencobrimento do velado enquanto tal, da recusa. O pressentimento posiciona a in-sistência inicial no ser-aí. Ela é em si horror e entusiasmo ao mesmo tempo – contanto, sempre, que, enquanto tonalidade afetiva fundamental, ele afine e determine aqui de maneira afinadora o estremecimento do SEER no ser-aí enquanto ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 6)

Toda e qualquer denominação da tonalidade afetiva fundamental por meio de uma única palavra fixa-se sobre uma opiniáo equivocada. Toda e qualquer palavra é sempre retirada do que é legado pela tradição. O fato de a tonalidade afetiva fundamental do outro início precisar ser dotada de muitos nomes não contesta sua simplicidade, mas confirma sua riqueza e sua estranheza. Toda e qualquer meditação sobre essa tonalidade afetiva fundamental é constantemente apenas uma lenta equipagem com vistas ao insight afinador da tonalidade afetiva fundamental, que precisa permanecer fundamentalmente um a-caso. A equipagem com vistas a tal a-caso só consiste naturalmente, de acordo com a essência da tonalidade afetiva, na ação pensante transitória; e essa ação precisa crescer a partir do saber propriamente dito (do resguardo da verdade do SEER). Mas se o SEER se essencia como a recusa e se essa recusa mesma deve vigorar em sua clareira e ser conservada como recusa, então a prontidão para a recusa só pode subsistir como abdicação. A abdicação não é aqui, contudo, o mero não querer ter e o deixar de lado, mas ela acontece como a forma mais elevada da posse, cuja elevação encontra a decisão na franqueza do entusiasmo pela doação do insondável pelo pensar, isto é, pela doação da recusa. Nessa decisão, o aberto da transição é retido e fundado – o em-meio-a abissal do entre em relação ao não-mais do primeiro início e de sua história e ao ainda-não do preenchimento do outro início. Nessa decisão, toda guarda do ser-aí precisa fincar pé, na medida em que o homem como fundador do ser-aí precisa se tornar o guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Essa decisão, porém, enquanto pressentindo, é apenas a sobriedade da força de sofrimento do criador, aqui daquele que projeta a verdade do SEER, que abre o silêncio para a violência essencial do ente, a partir da qual o SEER (como acontecimento apropriador) torna-se apreensível. (tr. Casanova; GA65: 6)

Até que ponto o deus se encontra afastado de nós, aquele que nos nomeia fundadores e criadores, porque sua essência precisa de tais homens? Ele está tão afastado que nós não conseguimos decidir, se ele se movimenta em nossa direção ou se ele está se distanciando de nós. E repensar plenamente essa distância mesma em sua essenciação como o tempo-espaço da suprema decisão significa questionar acerca da verdade do SEER, acerca do próprio acontecimento apropriador, do qual toda história futura provém, se é que ainda haverá história. Essa distância da indecidibilidade do mais externo e do primeiro é o iluminado para o encobrir-se, é a essenciação da própria verdade como a verdade do SEER. Pois o que se encobre dessa clareira, a distância da indecidibilidade, não é nenhum mero vazio presente à vista e indiferente, mas a essenciação mesma do acontecimento apropriador como essência do acontecimento apropriador, como essência da renúncia hesitante, que se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento como já copertinente, o deter-se do instante e dos sítios da primeira decisão. (tr. Casanova; GA65: 7)

Na essência da verdade do acontecimento apropriador decide-se e funda-se ao mesmo tempo todo verdadeiro, o ente se faz ente, o não ente desliza para o interior da aparência do SEER. Essa distância é, sobretudo: a mais ampla e para nós primeira proximidade com deus, mas também a indigência do abandono do ser, encoberto pela ausência de indigência, que se atesta por meio do desvio em relação à meditação. Na essenciação da verdade do SEER, no acontecimento apropriador e como acontecimento apropriador, encobre-se o último deus. (tr. Casanova; GA65: 7)

O despertar dessa indigência é o primeiro tresloucamento do homem para o interior daquele entre, no qual a confusão acossa de maneira uniforme e o deus permanece em fuga. Esse “entre”, contudo, não é nenhuma “transcendência” com relação ao homem, mas é, ao contrário, aquele aberto, ao qual pertence o homem como fundador e guardião, na medida em que ele é apropriado em meio ao acontecimento como ser-aí pelo SEER mesmo, que não se essencia como nada diverso senão como acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 7)

Se o homem, por meio desse tresloucamento, chegar a se aprumar no acontecimento apropriador e se ele continuar insistentemente na verdade do SEER, então ele continuará se encontrando sempre a princípio no salto para a experiência decidida quanto a se, no acontecimento apropriador, se decide em nome dele ou contra ele o ficar de fora ou a entrada em cena do deus. (tr. Casanova; GA65: 7)

Somente se mensuramos o quão unicamente necessário o ser é e como ele não se essencia como o próprio deus; somente se tivermos determinado nossa essência com vistas a esses abismos entre o homem e o SEER e entre o SEER e os deuses, somente então os “pressupostos” começarão uma vez mais a serem efetivamente realizados para uma “história”. Por isto, em termos de pensamento, a única coisa que se mostra como válida é a meditação com vistas ao “acontecimento apropriador”. Por fim e em primeiro lugar, o “acontecimento apropriador” só pode ser re-pensado (compelido para diante do pensar inicial), se o SEER mesmo for concebido como o “entre” para o passar ao largo do último deus e para o ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 7)

O acontecimento apropriador se sobrepõe apropriadoramente ao deus no homem, na medida em que ele se apropria do homem para o deus. Essa apropriação sobre-apropriada em meio ao acontecimento é o acontecimento apropriador, no qual a verdade do SEER é fundada como ser-aí (o homem transformado, voltado para a decisão do ser-aí e ser-se-ausentando) e a história toma o seu outro início a partir do SEER. A verdade do SEER, porém, como abertura do encobrir-se é ao mesmo tempo voltada para a decisão quanto à distância e à proximidade dos deuses e, assim, a prontidão para o passar ao largo do último deus. (tr. Casanova; GA65: 7)

O acontecimento apropriador é o entre no que concerne ao passar ao largo do deus e à história do homem. Mas não o campo intermediário indiferente. Ao contrário, a referência ao passar ao largo é a abertura usada por deus do dilaceramento em meio a um fosso abissal; por outro lado, a referência ao homem é o deixar emergir que se apropria em meio ao acontecimento da fundação do ser-aí e, com isto, da necessidade do abrigo da verdade do SEER no ente como de uma restituição do ente. (tr. Casanova; GA65: 7)

A distância da indecidibilidade não é naturalmente algo “para além de”, mas o mais próximo do aí infundado do ser-aí, que se tornou insistente na prontidão para a recusa enquanto a essenciação do SEER. Esse mais próximo é tão próximo que todo exercício inevitável da maquinação e do vivenciado precisa ter já necessariamente passado ao largo dele e, por isto, também nunca pode ser resgatado imediatamente para ele. O acontecimento apropriador permanece o que há de mais estranho. (tr. Casanova; GA65: 7)

A fuga dos deuses precisa ser experimentada e suportada. Essa constância funda a proximidade mais distante possível do acontecimento apropriador. Esse acontecimento apropriador é a verdade do SEER. Nessa verdade abre-se pela primeira vez a indigência do abandono do ser. A partir dessa indigência, a fundação da verdade do ser e a fundação do ser-aí se tornam necessárias. Essa necessidade realiza-se na decisão constante, que atravessa de maneira dominante todo ser humano histórico: quer o homem seja futuramente alguém pertencente à verdade do ser e, assim, alguém que abriga a partir dessa copertinência e para ela a verdade como verdadeiro no ente, ou quer o começo do último homem expulse o homem para o interior da animalidade dissimulada e permaneça recusado para o homem histórico o último deus. O que acontecerá se a luta pelos critérios de medida tiver se extinguido, se o mesmo querer não quiser mais nenhuma grandeza, isto é, não apresentar mais nenhuma vontade da maior diversidade dos caminhos? (tr. Casanova; GA65: 8)

No outro início pensa-se de antemão aquele totalmente outro, que foi denominado o âmbito da decisão, no qual se conquista ou se perde o SEER histórico propriamente dito dos povos. Esse ser – a historicidade – não é nunca o mesmo em toda e qualquer era. Ele se encontra agora diante de uma mudança essencial, na medida em que ele tem como tarefa fundar aquele âmbito da decisão, aquele nexo do acontecimento apropriador, graças ao qual um ente histórico humano traz a si mesmo pela primeira vez para si mesmo. A fundação desse âmbito exige uma renúncia que é o contrário da tarefa de si. Ela só pode ser levada a termo a partir da coragem do a-bismo. Esse âmbito, se é que tal caracterização é em geral suficiente, é o ser-aí, aquele espaço intermediário, que, fundando pela primeira vez a si mesmo, confronta e defronta o homem e o deus um em relação ao outro, tornando-os próprios um ao outro. O que se abre na fundação do ser-ser-aí é o acontecimento apropriador. Com isto, não se tem em vista um “em face de”, algo intuível e uma “ideia”, mas o acenar de lá pra cá e o manter-se na mobilidade para cá no aberto do aí, que é justamente o ponto de virada clareador e encobridor nesta viragem. Essa viragem só conquista sua verdade, na medida em que ela é contestada enquanto contenda entre mundo e terra e, assim, em que o verdadeiro é coberto no ente. Só a história, que se funda no ser-aí, tem a garantia de uma copertinência à verdade do ser. (tr. Casanova; GA65: 8)

O SEER como acontecimento apropriador – renúncia hesitante como (recusa). Maturidade: fruto e doação. O elemento nulo no SEER e o impulso contrário; querelante (SEER ou não-ser). O SEER se essencia na verdade; clareira para o encobrir-se. A verdade como essência do fundamento: fundamento – o em que fundado (não o de onde enquanto causa). O fundamento funda como a-bismo: a indigência como o aberto do encobrir-se (não o “vazio”, mas inesgotabilidade a-bissal). O a-bismo como o tempo-espaço. O tempo-espaço é o sítio instantâneo da contenda (SEER ou não-ser). A contenda como a contenda de terra e mundo, porque a verdade do SEER só é no abrigo e essa como o “entre” fundante no ente. Um contra o outro de terra e mundo. As vias e os modos do abrigo – o ente. (tr. Casanova; GA65: 9)

O SEER se essencia como acontecimento apropriador. A essenciação tem o meio e a amplitude na viragem. A exportação resolutora de contenda e réplica. A essenciação é garantida e abrigada na verdade. A verdade acontece como o encobrimento clareador. A estrutura fundamental desse acontecimento é o tempo-espaço que emerge dele. O tempo-espaço é o que desponta para as mensurações da abertura do fosso abissal do SEER. O tempo-espaço é, enquanto junção da verdade, originariamente o sítio instantâneo do acontecimento apropriador. O sítio instantâneo essencia-se a partir desse acontecimento como a contenda de terra e mundo. A contestação da contenda é o ser-aí. O ser-aí acontece nos modos do abrigo da verdade a partir da garantia do acontecimento apropriador clareado e velado. O abrigo da verdade deixa que o verdadeiro se abra e se dissimule como o ente. O ente se encontra pela primeira vez assim no SEER. O ente é. O SEER se essencia. O SEER (como acontecimento apropriador) precisa do ente, para que ele, o SEER, se essencie. O ente pode “ser” ainda no abandono do ser, sob cujo domínio a tangibilidade e a utilidade imediata, assim como a funcionalidade de todo e qualquer tipo (tudo precisa servir ao povo, por exemplo) constituem obviamente o que é sendo e o que não é. A autonomia aparente do ente em face do SEER, como se este fosse apenas um suplemento do pensamento “abstrato” representacional, porém, não é nenhum primado, mas apenas o sinal do privilégio em relação à decadência que cega. Esse ente “real e efetivo” é concebido a partir da verdade do SEER como o não-ente sob o domínio da inessência da aparência, cuja origem permanece aí encoberta. O ser-aí como a fundação da contestação da contenda em meio ao que é aberto por ela é cristalizado humanamente e sustentado na insistência que suporta o aí e que pertence ao acontecimento apropriador. O pensar do SEER como acontecimento apropriador é o pensar inicial, que prepara como confrontação com o primeiro início o outro início. O primeiro início pensa o SEER como presentidade a partir da presentação, que apresenta o primeiro reluzir de uma essenciação do SEER. (tr. Casanova; GA65: 10)

1) Acontecimento apropriador: a luz segura da essenciação do SEER no campo de visão extremo da mais íntima indigência do homem histórico. 2) O ser-aí: o entre aberto no meio e, assim, velador, entre a chegada e a fuga dos deuses e o homem nele enraizado. 3) O ser-aí tem a origem no acontecimento apropriador e em sua viragem. 4) Por isto, ele só pode ser fundado como a verdade e na verdade do SEER. 5) A fundação – não recriação – é um deixar-ser-fundamento por parte do homem, que chega, com isto, pela primeira vez, uma vez mais a si e reconquista o ser-si-mesmo. 6) O fundamento fundado é ao mesmo tempo abismo para a abertura do fosso abissal do SEER e não fundamento para o abandono do ser<ser do ente. 7) A tonalidade afetiva fundamental da fundação é a retenção. 8) A retenção é a referência insigne, instantânea ao acontecimento apropriador no ser chamado por meio de seu conclamar. 9) O ser-aí é o acontecimento fundamental da história por vir. Esse acontecimento emerge do acontecimento apropriador e se torna um sítio instantâneo possível para a decisão sobre o homem – sua história ou não história como sua transição para o ocaso. 10) O acontecimento apropriador e o ser-aí estão em sua essência, isto é, em sua pertinência enquanto fundamento da história, ainda completamente velados e permanecerão por um longo tempo causando estranhamento. Faltam as pontes; os saltos ainda não foram levados a termo. Ainda permanece de fora a profundidade da experiência da verdade que lhes satisfazem e a meditação sobre o seu sentido: a força da decisão elevada. Em contrapartida, numerosas no caminho são apenas as ocasiões e os meios da má interpretação, porque falta mesmo o saber daquilo que aconteceu no primeiro início. (tr. Casanova; GA65: 11)

História aqui não concebida como um âmbito do ente entre outros, mas unicamente com vistas à essenciação do SEER mesmo. Assim, já em Ser e tempo, a historicidade do ser-aí precisa ser compreendida a partir da intenção ontológico-fundamental e não como uma contribuição para a filosofia da história presente à vista. (tr. Casanova; GA65: 12)

O acontecimento apropriador é a própria história originária, com o que poderia estar insinuado que aqui em geral a essência do SEER é concebida “historicamente”. A questão é: historicamente com certeza, mas não se valendo de um conceito de história, senão historicamente porque agora a essência do SEER não significa apenas a presentidade, mas a plena essenciação do a-bismo tempo-espacial e, com isto, da verdade. Juntamente com isto, vem à tona o saber em torno da unicidade do SEER. Por meio daí, contudo, não é preterida, por exemplo, a natureza, mas essa é do mesmo modo originariamente transformada. Neste conceito originário de história, conquista-se pela primeira vez o âmbito, no qual se mostra por que e como a história é “mais” do que ação e vontade. Também o “destino” pertence à história e não esgota sua essência. (tr. Casanova; GA65: 12)

O caminho para a essência da história, concebido a partir da essenciação do próprio SEER, é preparado “ontológico-fundamentalmente” por meio da fundação da historicidade sobre a temporalidade. Quer dizer, no sentido da “questão do ser” que é a única a se mostrar como diretriz em Ser e tempo: o tempo como o tempo-espaço recolhe em si a essência da história; na medida, porém, em que o tempo-espaço é o abismo do fundamento, isto é, da verdade do ser, reside em sua interpretação da historicidade a referencialidade para a essência do próprio ser. Perguntar sobre essa essência é o único empenho e não é nem uma teoria da história, nem uma filosofia da história. (tr. Casanova; GA65: 12)

Será que está determinada para nós futuramente uma história totalmente diversa daquilo que parece ser hoje considerado como história: a turva caçada às ocorrências que devoram a si mesmas e que só se deixam fixar ainda por meio do mais estridente barulho? Se é que uma história, ou seja, um estilo do ser-aí, ainda nos deve ser doado, então isto só pode ser a história velada da grande tranquilidade, na qual e como a qual o domínio do último deus abre e configura o ente. Portanto, a grande tranquilidade precisa primeiramente se abater sobre o mundo para a terra. Essa tranquilidade emerge apenas do silêncio. E esse silenciamento só desponta da retenção. Ela atravessa de maneira afinadora enquanto tonalidade afetiva fundamental a intimidade da contenda entre mundo e terra e, com isto, a contestação do ataque da apropriação em meio ao acontecimento. O ser-aí como contestação dessa contenda tem sua essência no abrigo da verdade do SEER, isto é, do último deus em meio ao ente. (tr. Casanova; GA65: 13)

Retenção como abertura para a proximidade silenciada da essência do SEER, afinando com vistas ao mais distante estremecimento do aceno que acontece apropriadoramente a partir da distância do indecidível. (tr. Casanova; GA65: 13)

Cortam de nós a palavra; não como uma ocorrência ocasional, junto à qual não teria lugar um discurso e um enunciado realizável e onde apenas o enunciar e o redizer o que já foi dito e o que é dizível não são levados a termo, mas originariamente. A palavra não ganha ainda de modo algum a palavra, por mais que ela chegue ao primeiro salto por meio de tal corte. O que corta a palavra é o acontecimento apropriador enquanto aceno e acometimento do SEER. O fato de se cortar a palavra é a condição inicial para a possibilidade que se desdobra de uma denominação originária – poética – do SEER. Linguagem e a grande tranquilidade, a proximidade simples da essência e a distância clara do ente, quando a palavra atua uma vez mais pela primeira vez. Quando chegará esse tempo? A retenção: o suportar criador no a-bismo. (tr. Casanova; GA65: 13)

Filosofia é o saber inútil, apesar de dominante. Filosofia é o questionamento terrível, mas raro acerca da verdade do SEER. Filosofia é a fundação da verdade sob a privação coetânea do verdadeiro. Filosofia é o querer de volta que se lança em direção ao início da história e, assim, o querer para além de si. Por isto, considerada de fora, a filosofia é apenas um adorno, talvez uma peça doutrinária e uma peça de exposição da cultura, talvez ainda uma peça hereditária, cujo fundamento se perdeu. É assim que os muitos precisam considerar a filosofia precisamente lá onde e no momento em que ela se mostra para os poucos como uma necessidade. (tr. Casanova; GA65: 14)

Visão de mundo” é sempre “maquinação” em face do que é legado pela tradição para a sua superação e controle com os meios que lhe são próprios e que são por ela preparados, mas que não chegaram a alcançar um equilíbrio – tudo levado para o cerne da “vivência”. Filosofia tem como fundação da verdade do SEER a origem nela mesma; ela precisa retornar a si mesma naquilo que ela funda e e-dificar unicamente a partir daí. Filosofia e visão de mundo são tão incomparáveis, que não há para a concretização plástica dessa diversidade nenhuma imagem possível. Toda imagem continuaria trazendo as duas para muito próximo uma da outra. (tr. Casanova; GA65: 14)

A questão é que, na medida em que e logo que a filosofia se reencontra em sua essência inicial (no outro início) e a questão acerca da verdade do SEER se torna o meio fundante, desentranha-se o elemento abissal da filosofia, que precisa retornar ao inicial, para trazer ao espaço livre de sua meditação a abertura do fosso abismai e o para-além-de-si, o estranho e constantemente inabitual. (tr. Casanova; GA65: 14)

A meditação sobre o caráter do povo é uma travessia essencial. Assim como não podemos nos esquecer disso, também precisamos saber que um nível hierárquico maximamente elevado do SEER precisa ser conquistado por meio da luta, se é que um “princípio autenticamente popular” deve ser dominado como normativo para o ser-aí histórico em meio à sua colocação em jogo. (tr. Casanova; GA65: 15)

O povo só se torna povo, quando os seus elementos mais únicos surgem e quando esses começam a pressentir. Assim, o povo só se torna livre para a lei a ser conquistada por meio da luta como a última necessidade de seu instante extremo. A filosofia de um povo é aquilo que torna povo o povo de uma filosofia, que funda o povo historicamente em seu ser-aí e determina para a guarda da verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 15)

A filosofia “de” um povo não se deixa, por isto, computar e receber prescrições a partir de disposições e de capacidades quaisquer, mas, ao contrário, popular é aqui o pensar sobre a filosofia apenas, quando ele concebe que a filosofia tem de saltar por sobre sua origem mesma mais própria e isto nunca pode acontecer senão se a filosofia em geral ainda pertencer ao seu primeiro início essencial. Somente assim ela consegue voltar o “povo” para a verdade do SEER, ao invés de, inversamente, ser cultivada de maneira indigente para a sua inessência por um suposto povo como um povo que é. (tr. Casanova; GA65: 15)

A filosofia é o saber imediatamente inútil, mas, não obstante, um saber dominante a partir da meditação. Meditação é questionamento acerca do sentido, isto é, acerca da verdade do SEER. O questionamento acerca da verdade é o salto para o interior de sua essência e, com isto, para o interior do SEER mesmo. A questão é: se, quando e como somos pertencentes ao ser (como acontecimento apropriador). Essa questão precisa ser questionada por causa da essência do ser, que precisa de nós, e, em verdade, não como aqueles que se encontram precisamente ainda presentes, mas de nós, na medida em que nós ratificamos insistentemente suportando o ser-aí e o fundamos como a verdade do SEER. Por isto, a meditaçãosalto para o interior da verdade do ser – é necessariamente auto-meditação. Isto não significa consideração voltada para trás de nós como “dados”, mas fundação da verdade do ser si mesmo a partir da propriedade do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 16)

A questão de saber se somos pertencentes ao ser também é, de acordo com o que foi dito, em si a questão acerca da essência do SEER. Essa questão acerca do pertencimento é uma questão decisiva entre o pertencimento a ser primeiro determinado e o abandono do ser como o enrijecimento com vistas ao não-ente como a aparência do ente. (tr. Casanova; GA65: 16)

A filosofia nunca se constrói imediatamente junto ao ente, ela prepara a verdade do ser e se encontra concomitantemente preparada com as perspectivas e os campos de visão que se abrem aí. A filosofia é uma junção fugidia no ente como a disposição, que se ajunta ao SEER, sobre a sua verdade. (tr. Casanova; GA65: 16)

Toda necessidade enraíza-se em uma uma indigência. A filosofia como a primeira e mais extrema meditação sobre a verdade do SEER e o SEER da verdade tem sua necessidade na indigência primeira e mais extrema. Essa indigência é aquilo que impulsiona o homem de um lado para o outro no ente e que o traz pela primeira vez para diante do ente na totalidade e para o meio do ente, levando-o, assim, a si mesmo, e, com isto, deixando iniciar ou perecer respectivamente a história. Esse elemento impulsionador é o caráter de jogado do homem no ente, que o determina como o que joga o ser (a verdade do SEER). (tr. Casanova; GA65: 17)

O jogador jogado leva a termo o primeiro lance, isto é, o lance fundador como projeto do ente com vistas ao SEER. No primeiro início, como o homem consegue se colocar pela primeira vez efetivamente diante do ente, o próprio projeto, seu modo de ser e sua necessidade e indigência ainda são obscuros, velados, e, apesar disto, poderosos: physis – aletheia – hen – pan – logos – noûs – polemos – me ón – dike – adikia. (tr. Casanova; GA65: 17)

A indigência como aquele elemento que impele de um lado para o outro aquilo que impõe pela primeira vez a decisão e a cisão do homem como um ente com ente e em meio a si e, uma vez mais, de volta a ele. Essa indigência pertence à verdade do SEER mesmo. Da maneira mais originária, ela é indigência na coerção para a necessidade das possibilidades extremas, por cujos caminhos o homem criando – fundando para além de si, retorna ao fundamento do ente. Onde essa indigência se eleva ao extremo, ela impõe o ser-aí e sua fundação. (tr. Casanova; GA65: 17)

A indigência, aquele elemento que impele de um lado para o outro, essenciante – o que aconteceria se a verdade do SEER mesmo fosse, o que aconteceria se, com a fundação originária da verdade, se tornasse ao mesmo tempo mais essenciante o SEER – como acontecimento apropriador? E se as coisas se derem assim e a indigência for mais compelidora, se ela impelir mais de um lado para o outro, mas o impulso for nessa violência apenas aquela contenda, que teria na desmedida da intimidade do ente e do SEER seu fundamento que se recusa? (tr. Casanova; GA65: 17)

A impotência do pensar compreendida no sentido habitual tem muitas razões: 1) O fato de, por agora, não ser levado a termo, nem poder ser levado a termo nenhum pensar essencial. 2) O fato de maquinação e vivência pretenderem ser a única coisa efetiva e, com isto, poderosa, não havendo nenhum espaço para o poder autêntico. 3) O fato de nós, supondo que tenha sucesso um pensar essencial, não termos ainda a força para nos abrirmos para a sua verdade, porque pertence a tal força uma posição hierárquica própria da existência. 4) O fato de, em meio ao embotamento crescente em relação à simplicidade de uma meditação essencial e em meio à falta de persistência no questionamento, se desconsiderar todo curso e todo caminho, se ele já não traz consigo no primeiro passo um “resultado”, com o que passa a haver algo para “fazer” e algo para “vivenciar”. Por isto, a “impotência” ainda não é imediatamente uma objeção ao “pensar”, mas apenas aos seus desprezadores. E, por outro lado, o poder autêntico do pensar (como um re-pensar da verdade do SEER) não tolera nenhuma constatação e valoração imediatas, sobretudo porque o pensar precisa se transpor para o interior do SEER e, por isto, precisa colocar em jogo toda a estranheza do SEER. Assim, ele nunca pode se basear no sucesso de um efeito no ente. (tr. Casanova; GA65: 18)

Este é o fundamento maximamente velado para a solidão do questionar pensante. A solidão com frequência evocada do pensador é apenas uma consequência, isto é, ela não surge de um retirar-se, de uma saída de…, mas emerge da proveniência a partir do âmbito do SEER. Por isto, ela também nunca chega a ser afastada por meio de “efeitos” e “sucessos” de um pensador – por meio daí, ela é apenas intensificada, se é que faz algum sentido falar aqui de intensificação. (tr. Casanova; GA65: 18)

(Sobre a pergunta: quem somos nós?) Como meditação sobre o SEER, a filosofia é uma automeditação necessária. A dita fundamentação desse nexo distingue-se essencialmente de todo e qualquer tipo de asseguramento da certeza de “si mesmo” do “eu” justamente em virtude da “certeza”, não da verdade do SEER. Mas ela também remonta ainda a um âmbito mais originário do que aquele que precisou levar a termo na transição o posicionamento “ontológico-fundamental” do ser-aí em Ser e tempo, posicionamento esse que ainda agora não foi desdobrado de maneira suficiente e elevado ao saber daqueles que questionam. (tr. Casanova; GA65: 19)

Abstraindo-se da questão sobre o quem, quem é que temos em vista com o “nós”?. Nós mesmos, que estamos agora presentes à vista, os homens aqui e agora? Onde é que transcorre o círculo demarcador? Ou temos em vista “o” homem enquanto tal? Mas “o” homem só “é” enquanto histórico e a-histórico. Nós visamos a nós mesmos como o próprio povo? Mas mesmo então, não somos os únicos, mas, enquanto povo, somos com outros povos. E por meio do que se determina a essência de um povo? Ao mesmo tempo fica claro: o modo como na questão é estabelecido o questionado, “nós”, já contém uma decisão sobre o quem. Isto quer dizer: nós não podemos, sem sermos tocados pela pergunta sobre o quem, estabelecer o “nós” e o “nos” por assim dizer como algo presente à vista, para o qual apenas falta ainda a determinação do quem. Mesmo nessa questão reside um reflexo da viragem. Ela não pode ser nem formulada, nem respondida. No entanto, enquanto a essência da filosofia não for concebida como meditação sobre a verdade do SEER, e, com isso, a necessidade da auto-meditação daí emergente não tiver se tornado efetiva, a questão já permanecerá exposta enquanto questão a uma pesada reserva. (tr. Casanova; GA65: 19)

A meditação enquanto auto-meditação, tal como ela se torna necessária aqui a partir do questionamento acerca da essência do SEER, está longe daquela clara et distincta perceptio, na qual o ego desponta e se torna certo. Como só a ipseidade – os sítios instantâneos da conclamação e da copertinência – precisa ser colocada em decisão, não se tem como conceber na transição o que lhe cabe. (tr. Casanova; GA65: 19)

Sobretudo a questão: quem somos nós precisa permanecer pura e simplesmente inserida no questionamento da questão fundamental: como se essencia o SEER? (tr. Casanova; GA65: 19)

O que é, contudo, o início do pensar – no significado da meditação sobre o ente enquanto tal e sobre a verdade do SEER? (tr. Casanova; GA65: 20)

O repensar da verdade do SEER é essencialmente pro-jeto. À essência de tal projeto pertence o fato de, em performance e no desdobramento de si mesmo, ele precisar se recolocar no que é aberto por meio de si. Assim, é possível que desponte a aparência de que: onde impera o projeto, aí haja arbítrio e um divergir em direção ao infundado. Mas o projeto traz a si mesmo precisamente para o fundamento e muda, assim, pela primeira vez a si mesmo para o interior da necessidade, com a qual ele está ligado de modo fundamental, ainda que ainda se encontre velado diante de sua execução. (tr. Casanova; GA65: 21)

O projeto da essência do SEER é apenas resposta à conclamação. Desdobrado, o projeto perde toda aparência do que tem o seu poder em si e nunca se torna o perder-se e a entrega. Seu aberto é apenas o disponível na fundação formadora de história. O que é projetado no projeto se apodera superpotencializadoramente dele mesmo e o coloca em seu direito. (tr. Casanova; GA65: 21)

(O pensar inicial) É o repensar da verdade do SEER e, assim, a sondagem do solo do fundamento. No repousar sobre o fundamento, abre-se pela primeira vez a sua força fundante, reunidora e retentora. Como é, porém, que o re-pensar do SEER se mostra como um repousar? Na medida em que ele abre o que há de mais digno de questão, ele leva a termo a dignificação e, com isto, a mais elevada transfiguração daquilo em que repousa o questionamento, isto é, daquilo em que ele não cessa. Pois senão ele, o questionamento, não poderia repousar como o que abre. (tr. Casanova; GA65: 22)

O que é, portanto, o início, de tal modo que ele pode se tornar o mais elevado de todo ente? Ele é a essenciação do próprio ser. Mas esse início só é realizável como o outro na confrontação com o primeiro. O início – compreendido inicialmente – é o próprio SEER. E, de acordo com ele, o pensar também é mais originário do que um re-presentar e um julgar. (tr. Casanova; GA65: 23)

O início é o SEER mesmo como acontecimento apropriador, o domínio velado da origem da verdade do ente enquanto tal. E, enquanto o acontecimento apropriador, o SEER é o início. (tr. Casanova; GA65: 23)

O pensar inicial é: 1) Deixar viger o SEER a partir do dizer silenciador da palavra conceptiva no ente. (Construir nessa montanha). 2) A prontidão dessa construção por meio da preparação do outro início. 3) Alçar o outro início como confrontação com o primeiro em sua repetição mais originária. 4) Em si sigético, na mais expressa meditação precisamente silenciador. (tr. Casanova; GA65: 23)

O outro início precisa ser provocado completamente a partir do SEER como acontecimento apropriador e a partir da essenciação de sua verdade e de sua história. O pensar inicial desloca seu questionamento acerca da verdade do SEER para um ponto muito lá atrás no primeiro início como a origem da filosofia. Com isto, ele cria para si a garantia para chegar em seu outro início vindo de muito longe e para encontrar na herança dominada a sua mais elevada constância futura e, com isto, para retornar a si mesmo em uma necessidade modificada (em face do primeiro início). (tr. Casanova; GA65: 23)

A pretensão do pensar filosófico nunca pode se remeter à reconstrução e à correalização imediatas, comuns a todos. Ele não suporta nenhuma exploração. Como tal pensamento pensa o que há de mais único em sua estranheza, o SEER, aquilo que, de resto, se mostra como o que há de mais comum e mais corrente na compreensão usual do ser, esse pensamento permanece necessariamente raro e alheio. Mas como ele tem em si essa inutilidade, ele precisa imediatamente e de antemão exigir e afirmar aqueles que aram e caçam, trabalham manualmente e viajam, constróem e erigem. Ele mesmo precisa saber que é válido a qualquer momento como esforço impassível de ser retribuído. (tr. Casanova; GA65: 23)

As duas formas de dominação – fundamentalmente diversas – precisam ser queridas e ao mesmo tempo afirmadas pelos que sabem. Aqui temos ao mesmo tempo uma verdade, na qual a essência do SEER é pressentida: a abertura de um fosso abissal que se essencia no SEER em meio à mais elevada unicidade e à mais rasa vulgarização. (tr. Casanova; GA65: 25)

Se o saber como resguardo da verdade do verdadeiro (da essência da verdade no ser-aí) distingue o homem (em face do animal racional até aqui) e o eleva ao nível da vigilância do SEER, então o saber mais elevado é aquele que é suficientemente forte para ser a origem de uma abdicação. A renúncia é naturalmente considerada por nós como fraqueza e como transigência, como uma desarticulação da vontade; assim experimentada, a recusa é uma entrega e um deixar-se levar. Mas há uma renúncia que não apenas mantém firme, mas até mesmo conquista por meio do combate e suporta o sofrimento, aquela renúncia que emerge como a prontidão para a recusa, a retenção desse elemento estranho, que se essencia de tal modo como o próprio SEER, aquele em meio ao ente e à deização, que arranja um espaço para o entre aberto, em cujo campo de jogo temporal o abrigo da verdade no ente e a fuga e chegada dos deuses se convertem um no outro. O saber da recusa (ser-aí como renúncia) desdobra-se como a longa preparação da decisão sobre a verdade, sobre se essa verdade é capaz de se tornar uma vez mais senhora do verdadeiro (isto é, do correto) e, assim, se ela é medida por aquilo que cai sob ela, se a verdade não permanece apenas a meta do conhecimento técnico-prático (um “valor” e uma “ideia”), mas se transforma ela mesma na fundação da insurreição da recusa. Esse saber desdobra-se como o questionamento que se projeta ampla e antecipadamente para frente, o questionamento acerca do SEER, cuja questionabilidade obriga todo criar à indigência, erige para todo ente um mundo e salva o que há de confiável da terra. (tr. Casanova; GA65: 26)

A agudeza do dizer nesse pensar e a simplicidade da palavra que marca medem-se por uma conceptualidade, que rejeita toda mera perspicácia como uma impertinência vazia. O que é concebido é aqui aquilo que sempre e unicamente precisa ser concebido: o SEER sempre e a cada vez apenas na junção daquela junta fugidia. O saber dominante desse pensar nunca se deixa dizer em uma sentença. Do mesmo modo, porém, o que há para saber também não pode permanecer entregue a um representar indeterminado e trêmulo. (tr. Casanova; GA65: 27)

Onde, em contrapartida, o SEER é concebido como acontecimento apropriador, determina-se a essencialidade a partir da originariedade e unicidade do próprio SEER. A essência não é o universal, mas a essenciação precisamente da respectiva unicidade e do nível hierárquico do ente. (tr. Casanova; GA65: 29)

A meditação do pensar inicial é muito mais tão originária que ela pergunta primeiramente como é que o si mesmo precisaria ser fundamentado, o si mesmo em cujo âmbito “nós”, eu e tu, chegamos sempre a cada vez a nós mesmos. Assim, é questionável se encontramos por meio da reflexão sobre “nós” a nós mesmos, se encontramos o nosso si mesmo, e se, por conseguinte, o projeto do ser-aí em geral tem algo em comum com a clarificação da “auto”-consciência. Pois bem, não está de modo algum definido que o “si mesmo” seria determinável algum dia pela via que passa pela representação do eu. Ao contrário, é preciso reconhecer que a ipseidade só emerge da fundação do ser-aí, mas que essa fundação se realiza como acontecimento da apropriação do que pertence à conclamação. Com isto, emerge a abertura e a fundação do si mesmo a partir da e como a verdade do SEER. Não a decomposição diversamente dirigida da essência do homem, não a indicação de outros modos de ser<ser do homem – tudo considerado por si como antropologia aprimorada – é o que produz aqui a auto-meditação, mas é a questão acerca da verdade do ser que prepara o âmbito da ipseidade, na qual, atuando historicamente e agindo, o homem – nós –, assumindo a figura do povo, chega ao seu si mesmo. (tr. Casanova; GA65: 30)

O caráter transitório do pensar inicial traz incontornavelmente consigo essa ambiguidade, como se se tratasse de uma meditação antropologicamente existenciária no sentido corrente. Em verdade, porém, cada passo é suportado pela pergunta acerca da verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 30)

Filosofia: encontrar e trazer à tona as faces simples e as figuras autóctones, nas quais a essenciação do SEER é abrigada e elevada ao nível do coração. Quem conseguiria as duas coisas: a visão mais distante da essência velada do SEER e o sucesso mais imediato da figura brilhante do ente que abriga. Como é que criamos, saltando de antemão para o interior da essenciação do SEER, para o SEER a afluência de seu ente, para que a verdade do SEER retenha a força histórica duradoura enquanto impulso? Para o pensar resta apenas o dizer maximamente simples da imagem direta em meio ao mais puro silêncio. O primeiro pensador por vir precisa conseguir isso. (tr. Casanova; GA65: 32)

Enquanto não reconhecermos que todo cálculo segundo “finalidades” e “valores” emerge de uma interpretação totalmente determinada do ente (como idea); enquanto não concebermos o fato de que, por meio daí, a questão acerca do SEER não é nem mesmo pressentida, para não falar de ela ser formulada; enquanto não atestarmos completamente por meio da execução o fato de que nós sabemos sobre a necessidade dessa questão não formulada e de que, com isso, já a estamos questionando; enquanto tudo isso permanecer fora do campo de vista daquilo que assume ainda ares de “filosofia”: todo o puro barulho sobre “SEER”, sobre “ontologia”, sobre “transcendência” e “paratranscendência”, sobre “metafísica” e uma suposta superação do Cristianismo se mostrará como infundado e vazio. Sem saber, nós nos movimentaremos de qualquer modo na esteira do neokantismo que se gosta tanto de injuriar. Pois nunca se realizou um trabalho de pensamento e nenhum passo próprio a um questionamento revelador foi dado até aqui. (tr. Casanova; GA65: 33)

Precisamente quem concebeu a questão do ser e quem tentou efetivamente mensurar inteiramente a sua via, esse não pode esperar mais nada da “Antiguidade” e do que se seguiu a ela a não ser a terrível advertência de que é preciso primeiro transpor uma vez mais o questionamento para o interior do mesmo fundamento da necessidade, não daquela necessidade que se deu pela primeira vez, que tinha sido derradeira e apenas assim essenciante. Ao contrário, “retomada” significa aqui deixar o mesmo, a unicidade do SEER, se tornar uma vez mais e, com isso, a partir de uma verdade mais originária, o necessário e urgente. “Uma vez mais” significa aqui precisamente: algo completamente diverso. Mas para aquela advertência terrível falta ainda a escuta e a vontade de sacrifício, de permanecer sobre o próximo trecho da via que ainda quase não foi aberta. (tr. Casanova; GA65: 33)

O acontecimento apropriador é o meio que comunica a si mesmo e se intermedeia, o meio de volta ao qual toda essenciação da verdade do SEER precisa ser de antemão pensada. Esse pensar de volta para lá é o re-pensar do SEER. E todos os conceitos do SEER precisam ser falados a partir daí. (tr. Casanova; GA65: 34)

Inversamente: tudo aquilo que só é pensado de início e em meio à necessidade na transição da questão diretriz desdobrada para a questão fundamental sobre o SEER e inquirido como caminho para a verdade (o desdobramento do ser-aí), tudo isto nunca pode ser traduzido no deserto sem chão de uma “ontologia” e de uma “doutrina das categorias” até aqui. (tr. Casanova; GA65: 34)

Tempo” é em Ser e tempo a indicação e a ressonância daquilo que acontece como verdade da essenciação do SEER na unicidade do acontecimento da apropriação. (tr. Casanova; GA65: 34)

Em meio à confusão e à ausência de cultivo do “pensar” atual carece-se de uma concepção quase escolar de seus caminhos sob a figura de “questões” caracterizadas. Nunca reside naturalmente na meditação mais instrutiva sobre essas questões a vontade e o estilo pensantes decisivos. No entanto, para a clarificação antes de tudo em face do falatório sobre “ontologia” e “ser”, é preciso saber, sobretudo, o seguinte: O ente é. O SEER se essencia. (tr. Casanova; GA65: 34)

“O ente” – essa palavra não denomina apenas o efetivamente real e esse até mesmo apenas como o presente à vista e esse apenas ainda como objeto do conhecimento, não somente o efetivamente real de todo e qualquer tipo, mas, ao mesmo tempo, o possível, o necessário, o casual, tudo o que se encontra de alguma maneira no SEER, até mesmo o nulo e o nada. Quem aqui, se arrogando esperto demais, descobre imediatamente uma “contradição”, uma vez que o não-ente não pode ser “sendo”, esse pensa incessantemente de maneira míope demais com a sua ausência de contradição como critério de medida da essência do ente. (tr. Casanova; GA65: 34)

“O SEER” não visa apenas à realidade efetiva do efetivamente real, nem tampouco apenas à possibilidade do possível, em geral não somente ao ser a partir do respectivo ente, mas ao SEER a partir de sua essenciação originária na plena abertura do fosso abissal, à essenciação não restrita à “presentidade”. Naturalmente, a essenciação do SEER mesmo e, com isto, o SEER em sua unicidade mais única não se deixam experimentar de maneira arbitrária e direta como um ente, mas só se abrem na instantaneidade do salto prévio do ser-aí para o interior do acontecimento apropriador. Um caminho também nunca conduz imediatamente do ser do ente para o SEER, porque a visão para o ser<ser do enteacontece fora da instantaneidade do ser-aí. A partir daqui, é possível trazer para o interior da questão do ser uma distinção e uma clarificação essenciais. Ela não é nunca a resposta da questão do ser, mas apenas a conformação do questionar, o despertar e a clarificação da força questionadora para essa questão, que só emerge sempre e a cada vez da indigência e do desenvolvimento do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 34)

Em contrapartida, se perguntarmos sobre o SEER, então o ponto de partida não se dará aqui a partir do ente, isto é, a partir a cada vez desse ou daquele ente, também não a partir do ente enquanto tal na totalidade, mas realizará o salto para o interior da verdade (clareira e encobrimento) do SEER mesmo. Aqui se experimenta e se inquire ao mesmo tempo esse elemento que de antemão se essencia (e que reside abscondito mesmo na questão diretriz), a abertura para a essenciação enquanto tal, isto é, a verdade. Aqui se questiona concomitantemente a questão prévia acerca da verdade. E, na medida em que o SEER é experimentado como o fundamento do ente, a questão assim formulada acerca da essenciação do SEER é a questão fundamental. Da questão diretriz para a questão fundamental nunca há um caminho contínuo imediato, dotado de um mesmo sentido, que aplique uma vez mais ainda a questão diretriz (ao SEER), mas apenas um salto, isto é, a necessidade de um outro início. Com certeza, em contrapartida, por meio da superação desdobradora da formulação da questão diretriz e de suas respostas enquanto tais, precisa ser criada uma transição, que prepara o outro início e o torna em geral visível e intuível. É a essa preparação da transição que serve Ser e tempo, isto é, a obra já se encontra propriamente na questão fundamental, sem desdobrar essa questão de maneira pura a partir de si inicialmente. (tr. Casanova; GA65: 34)

Para a questão fundamental, em contrapartida, o ser não é a resposta e o âmbito da resposta, mas o que há de mais digno de questão. Para ele, vale a dignificação única e saliente, isto é, ele mesmo é aberto como domínio e, assim, elevado ao nível do aberto como o que nunca pode ser controlado. O SEER como o fundamento, no qual todo ente primeiramente enquanto tal chega à sua verdade (abrigo, instituição e objetividade); o fundamento, no qual o ente mergulha (abismo), o fundamento, no qual ele também se atreve a se lançar em sua indiferença e obviedade (não fundamento). O fato de o SEER se essenciar de maneira fundante em sua essenciação desse modo indica a sua unicidade e domínio. E esse domínio, por sua vez, é apenas o aceno para o acontecimento apropriador, no qual temos de buscar a essenciação do SEER em seu mais extremo velamento. O SEER enquanto o que há de mais digno de questão não conhece mesmo em si nenhuma questão. (tr. Casanova; GA65: 34)

(O repensar do SEER e a linguagem) Com a linguagem habitual, que hoje é cada vez mais amplamente abusada e desgastada, a verdade do SEER não tem como ser dita. Será que essa verdade pode ser em geral dita de maneira imediata, uma vez que toda linguagem é de qualquer modo linguagem do ente? Ou será que pode ser inventada uma nova linguagem para o SEER? Não. E mesmo se tal tentativa tivesse êxito e mesmo sem uma formação vernácula artificial, essa linguagem não seria nenhuma linguagem que diz. Todo dizer precisa emergir concomitantemente do poder ouvir. Os dois precisam ter a mesma origem. Assim, só uma coisa importa: dizer a linguagem mais nobremente amadurecida em sua simplicidade e força essencial, a linguagem do ente enquanto linguagem do SEER. Essa transformação da linguagem penetra em âmbitos que ainda se encontram cerrados para nós, porque não sabemos a verdade do SEER. Assim, fala-se da “recusa do perseguimento”, da “clareira do encobrimento”, do “acontecimento apropriador”, do “ser-aí”, não um escolher verdades e retirar essas verdades das palavras, mas a abertura da verdade do SEER em tal dizer transformado. (tr. Casanova; GA65: 36)

A questão fundamental: como o SEER se essencia? (tr. Casanova; GA65: 37)

O silenciamento é a legalidade sensata do silenciar (sigan). O silenciamento é a “lógica” da filosofia, na medida em que ela questiona a partir do outro início a questão fundamental. Ela busca a verdade da essenciação do SEER e essa verdade é o velamento que ressoa e nos fornece um aceno (o mistério) para o acontecimento apropriador (a renúncia hesitante). (tr. Casanova; GA65: 37)

Nós nunca podemos dizer de maneira imediata o próprio SEER, precisamente se ele é ressaltado no salto. Pois todo dizer vem do SEER e fala a partir de sua verdade. Toda palavra e, com isso, toda lógica se encontra sob o poder do SEER. A essência da “lógica” é, portanto, a sigética. Nela se concebe também pela primeira vez a essência da linguagem. Mas “sigética” é apenas um título para aqueles que ainda pensam em “disciplinas” e só acreditam ter um saber quando o dito é inserido na ordem de tais disciplinas. (tr. Casanova; GA65: 37)

O discurso marcado pelo termo estrangeiro “sigética” na correspondência com a “lógica” (onto-logia) só é visado transitória e retrospectivamente e não aponta de maneira alguma para a busca por substituir a “lógica”. Pois uma vez que a questão acerca do SEER e acerca da essenciação do SEER se encontra presente, o questionamento mesmo ainda é mais originário e, por isso, não pode senão menos ainda ser enclausurado e sufocado em uma disciplina escolar. Nunca podemos dizer imediatamente o SEER (acontecimento apropriador), e, desse modo, também não podemos dizê-lo mediatamente no sentido da “lógica” intensificada da dialética. Todo e qualquer dizerfala a partir da verdade do SEER e nunca pode saltar por cima de si mesmo imediatamente e aceder ao SEER ele mesmo. O silenciamento tem leis mais elevadas do que toda e qualquer lógica. (tr. Casanova; GA65: 38)

Busca pelo SEER? A descoberta originária na busca originária. Buscar – já o manter-se-na-verdade, no aberto do que se encobre e do que se retrai. O buscar (originariamente) como referência fundamental à renúncia hesitante. O buscar como questionar e, não obstante, silenciar. Quem busca já encontrou! E o buscar originário é aquela apreensão do já encontrado, a saber, do que se encobre enquanto tal. Enquanto o buscar habitual só encontra e só encontrou, na medida em que parou de buscar. Por isto, a descoberta originária no abrigo originário é velada precisamente como o buscar enquanto tal. Honrar o mais digno de questão, persistir no questionar, insistência. (tr. Casanova; GA65: 38)

O projeto tem por intuito aquilo que só pode ser querido na tentativa do pensar inicial, que sabe algo ínfimo sobre si mesmo: ser uma junção livre e fugidia desse pensar. Isto quer dizer: 1) No rigor da estrutura armada na construção, nada é deixado para trás, como se o importante fosse – e isto é sempre válido na filosofia – o impossível: conceber a verdade do SEER na profusão plenamente desdobrada de sua essência fundamentada. 2) Aqui só é possível a disposição sobre um caminho, que um singular pode abrir para si, prescindindo de vislumbrar a possibilidade de outros caminhos, talvez mesmo mais essenciais. 3) A tentativa precisa ter clareza quanto ao fato de que as duas, estrutura armada conjunta e disposição, permanecem uma junção livre e fugidia do próprio SEER, do aceno e da retração de sua verdade, algo não passível de ser imposto. (tr. Casanova; GA65: 39)

Ressonância e conexão de jogo são o solo e o campo para o primeiro despontar do pensar inicial para o salto na essenciação do SEER. (tr. Casanova; GA65: 39)

Todo dizer do SEER mantém-se em palavras e denominações que, compreensíveis na direção do visar cotidiano do ente e pensadas exclusivamente nessa direção, são mal interpretadas como sentença expressa do SEER. Não se carece, com isto, nem mesmo de um errar o alvo da pergunta (no interior do âmbito da interpretação pensante do SEER), mas a própria palavra já desentranha algo (conhecido) e encobre, com isso, aquilo que deve ser posto no aberto em meio ao dizer pensante. Essa dificuldade não tem como ser suspensa por nada, sim, a tentativa de tal suspensão já significa o desconhecimento de todo dizer do SEER. Essa dificuldade precisa ser assumida e concebida em seu pertencimento essencial (ao pensar do SEER). (tr. Casanova; GA65: 41)

Isto condiciona um procedimento que, em certos limites, sempre vai de encontro, em um primeiro momento, ao visar habitual e que precisa seguir durante um certo trecho com ele, a fim de, então, exigir no instante correto a transformação do pensar, ainda que sob o poder da mesma palavra. Por exemplo, “decisão” pode e deve ser visada de início, por mais que não moralmente, de acordo com o movimento de levá-la a cabo, como ato do homem, até que, repentinamente, ela vise à essência do próprio SEER, o que não significa agora que o SEER seria interpretado “antropologicamente”, mas o contrário: que o homem é recolocado na essência do SEER e é arrancado das correntes da “antropologia”. Do mesmo modo: “maquinação” – uma espécie de comportamento do homem e, repentina e propriamente, o inverso: a essência (in-essência) do SEER, na qual se enraiza pela primeira vez o fundamento da possibilidade dos “funcionamentos”. Esse “o contrário”, contudo, não é simplesmente um truque “formal” da conversão significativa em meras palavras, mas a transformação do próprio homem. Com certeza, o conceber correto dessa transformação e, antes de tudo, de seu espaço de acontecimento, isto é, o fundar do mesmo, está o mais intimamente possível entrelaçado com o saber da verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 41)

A transformação do homem visa aqui ao tornar-se outro de sua essência, na medida em que, na interpretação válida até aqui (animal rationale), essa essência permaneceu, em verdade, psicologicamente escondida e mal interpretada. A ligação com o ente chegou a ser até concomitantemente visada, mas não foi fundada e desdobrada como o fundamento da essência. Pois isto inclui formular de maneira questionadora a pergunta acerca da verdade do SEER e “a metafísica”. No pensar da história do ser ganha pela primeira vez o espaço livre o poder essencial da niilidade e da inversão. (tr. Casanova; GA65: 41)

Por essa “via”, se é que a precipitação e a elevação podem ser chamadas assim, é sempre a mesma questão acerca do “sentido do SEER” e apenas ela que é perguntada. E, por isto, os postos do questionar são sempre diversos. Cada questionar essencial precisa se transformar desde o fundamento todas as vezes em que ele pergunta de maneira mais originária. Não há aqui nenhum “desenvolvimento” gradual. Há ainda menos aquela relação do tardio com o anterior, segundo a qual nesse anterior já estaria incluído aquele outro. Como no pensar do SEER tudo se mantém com vistas ao único, as reviravoltas são aqui por assim dizer a regra! Isto também impede, então, o procedimento histórico: abdicar do anterior como “falso” ou comprovar o posterior como “já” contido no anterior. As “alterações” são tão essenciais que elas só podem ser determinadas em sua extensão, se a cada vez a questão una for inteiramente formulada a partir de sua posição questionadora. (tr. Casanova; GA65: 42)

As “alterações” não são certamente condicionadas de fora, por meio de objeções. Pois até aqui nenhuma objeção se tornou possível, uma vez que a questão ainda não foi de maneira alguma concebida. As “alterações” emergem da abissalidade crescente da própria questão do SEER, por meio da qual se retira dela todo e qualquer apoio histórico. Por isto, o caminho mesmo se torna com certeza cada vez mais essencial, não como “desenvolvimento pessoal”, mas como o empenho visado de maneira completamente não biográfica do homem por trazer o SEER mesmo no ente à sua verdade. (tr. Casanova; GA65: 42)

Aqui se repete apenas o que precisa acontecer apropriadoramente de maneira cada vez mais decidida desde o fim do primeiro início da filosofia ocidental, isto é, desde o fim da metafísica, o fato de o pensar do SEER não precisar se tornar nenhuma “doutrina” e nenhum “sistema”, mas a história propriamente dita e, com isto, o que há de mais velado. (tr. Casanova; GA65: 42)

O domínio histórico da história do pensar ocidental se torna cada vez mais essencial, e a difusão de uma emdição filosófica “histórica” ou “sistemática” cada vez mais impossível. Pois o que importa é não trazer ao conhecimento nenhuma nova representação do ente, mas fundar o ser homem na verdade do SEER e preparar essa fundação no repensar do SEER e do ser-aí. Essa pre-paração não consiste na criação de conhecimentos provisórios, a partir dos quais, então, mais tarde, deveriam ser descerrados os conhecimentos propriamente ditos. Ao contrário, pre-parar significa aqui: abrir o caminho, impor para o caminho – no sentido essencial: afinar. Por outro lado, porém, não como se o pensado e o a se pensar só fossem uma ocasião indiferente para um movimento de pensamento, mas a verdade do SEER, o saber da meditação, é tudo. Todavia, o caminho desse repensar o SEER não tem já a inscrição fixa em um mapa. A terra vem a ser pela primeira vez, sim, através do caminho e é em cada posição do caminho desconhecida e não tem como ser calculada. (tr. Casanova; GA65: 42)

Quanto mais autenticamente o caminho do repensar se mostra como o caminho para o SEER, tanto mais incondicionadamente ele é de-terminado pelo próprio SEER. (tr. Casanova; GA65: 42)

O re-pensar não tem em vista o e-lucubrar e o inventar arbitrário, mas aquele pensar que, de maneira questionadora, se coloca para o SEER e o desafia a atravessar de maneira afinadora a questão. (tr. Casanova; GA65: 42)

A cada vez, porém, no re-pensar do SEER, o ente na totalidade precisa ser trazido à decisão, o que só acontece sempre a cada vez em uma perspectiva e o que tanto mais se mostra como precário, quanto mais originariamente ela toca o aceno do SEER. (tr. Casanova; GA65: 42)

A terra, que atravessa o caminho e, enquanto caminho, o re-pensar do SEER, é o entre, que se apropria em meio ao acontecimento do ser-aí para o deus, em cujo acontecimento da apropriação pela primeira vez o homem e o deus se tornam “cognoscíveis”, pertencentes à vigília e à urgência do SEER. (tr. Casanova; GA65: 42)

Ser usado pelos deuses, por meio de tal elevação ser esmagado, na direção desse velado precisamos inquirir a essência do SEER enquanto tal. Nós não podemos, então, porém, explicar o SEER como o aparentemente ulterior, mas precisamos concebê-lo como a origem, que de-cide e se apropria em meio ao acontecimento pela primeira vez dos deuses e do homem. Essa inquirição do SEER leva a termo a abertura do campo de jogo temporal de sua essenciação: a fundação do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 43)

Em verdade, quase não é possível se aproximar da essência da decisão pensada em termos da história do SEER, sem partir de qualquer modo de nós, do homem, e sem pensar em meio à “decisão” em escolha, resolução, em privilegiar uma coisa e em preterir uma outra e, por fim, sem se deparar com a liberdade enquanto causa e faculdade e sem compelir a questão acerca da decisão para o cerne do “elemento moral e antropológico”, sim, até mesmo sem conceber de maneira nova esse elemento com o auxílio da “decisão”, no sentido da decisão “existenciária”. (tr. Casanova; GA65: 43)

O perigo de interpretar equivocadamente Ser e tempo nessa direção “antropológico”-“existenciária”, de ver os nexos entre caráter resoluto – verdadeser-aí a partir da resolução visada moralmente, ao invés de, inversamente, a partir do fundamento vigente do ser-aí, a verdade como abertura, conceber o caráter resoluto como a espacialização temporalizante do campo de jogo temporal do SEER, esse perigo é natural e é intensificado por aquilo que em muitos aspectos se encontra indomado em Ser e tempo. Mas a interpretação falsa é, no fundo, ainda que não em uma superação executora, alijada, se desde o início se retém a questão fundamental acerca do “sentido do SEER” como a única questão. (tr. Casanova; GA65: 43)

Neste caso, aquilo que é aqui denominado de-cisão ganha o meio essencial mais íntimo do SEER mesmo e passa a não ter mais nada em comum com aquilo que se chama a tomada de uma escolha e coisas do gênero, mas diz: a dissociação mesma, que cinde e, na cisão, deixa entrar em jogo pela primeira vez o acontecimento da apropriação justamente desse aberto no dissociado como a clareira para o que se encobre e ainda se mostra como in-decidido, o pertencimento do homem ao SEER e a referencialidade do SEER ao cerne do tempo do último deus. (tr. Casanova; GA65: 43)

Refletindo em termos modernos, nós pensamos a partir de nós e nos deparamos, quando pensamos para além de nós, sempre apenas com objetos. Nós nos apressamos em pegar esse caminho habitual do re-presentar, indo de um lado para o outro, e explicamos em sua esfera tudo, de tal modo que nunca levamos em consideração se esse caminho não permitiria a caminho um salto, por meio do qual nós pela primeira vez saltaríamos para o interior do “espaço” do SEER, conquistando para nós mesmos por meio do salto a de-cisão. (tr. Casanova; GA65: 43)

Se a “decisão” contra o “sistema” se apruma, então temos aqui a transição da Modernidade para o outro início. Na medida em que o “sistema” contém a caracterização essencial da entidade moderna do ente (a representidade) e em que a decisão, porém, visa ao ser pelo ente, não apenas à entidade a partir do ente, então de certa maneira a de-cisão é “mais sistemática” do que todo e qualquer sistema, isto é, uma determinação originária do ente enquanto tal a partir da essência do SEER. Neste caso, não é apenas a “construção de sistemas”, mas também o pensar “sistemático” que se encontra ainda facilmente fundado sobre uma interpretação assegurada do ente em face da tarefa do questionamento acerca da verdade do SEER, do pensar da de-cisão. De início, porém, pensamos a “decisão” como uma ocorrência no interior de um ou-ou. E é aconselhável preparar a interpretação da decisão nos termos da história do ser por meio de uma referência a “decisões”, que emergem daquela de-cisão como necessidades históricas. (tr. Casanova; GA65: 43)

(As decisões) Sobre se o homem quer permanecer “sujeito” ou se ele funda o ser-aí – Sobre se com o sujeito o “animal” enquanto a “substância” e o “racional” enquanto a “cultura” devem permanecer duradouramente ou se a verdade do SEER (ver abaixo) encontra no ser-aí um sítio deveniente – Sobre se o ente toma o ser como o seu “elemento maximamente genérico” e, com isso, o entrega à e soterra na ontologia ou se o SEER em sua unicidade ganha voz e atravessa de maneira afinadora o ente enquanto algo singular. Sobre se a verdade como correção se degenera na certeza da re-presentação e na segurança do cálculo e da vivência ou se a essência inicialmente infundada da aletheia encontra um fundamento como a clareira do encobrir-se – Sobre se o ente enquanto o que há de mais óbvio solidifica tudo o que é médio, pequeno e mediano em meio à sua transformação em algo racional ou se o que há de mais questionável constitui a solidez integral do SEER – Sobre se a arte é uma instituição vivencial ou se ela é o pôr em obra da verdade. Sobre se a história é degradada e transformada em arsenal das confirmações e das antecipações ou se ela desponta como a cordilheira das montanhas estranhas e inescaláveis – Sobre se a natureza é rebaixada a uma região de espoliação pelo cálculo e pelo erigir e se transforma, assim, em ocasião de “vivência” ou se ela suporta como a terra que se cerra o aberto do mundo sem imagem. Sobre se a desdeização do ente na cristianização da cultura festeja seus triunfos ou se a indigência da indecidibilidade sobre a proximidade e a distância dos deuses prepara um espaço de decisão – Sobre se o homem ousa o SEER e, com isso, o ocaso ou se ele se satisfaz com o ente – Sobre se o homem em geral ainda ousa a decisão ou se ele se entrega a ausência de toda decisão, que sugere a época como estado da “mais elevada” “atividade”. Todas essas decisões, que são ao que parece muitas e diversas, se reúnem em uma e única: saber se o SEER se retrai definitivamente ou se essa retração se torna enquanto recusa a primeira verdade e o outro início da história. (tr. Casanova; GA65: 44)

O mais difícil e o mais maravilhoso da decisão pelo SEER se cerra no fato de que ela permanece invisível. Assim, caso ela se manifeste, ela é forçosamente interpretada de maneira falsa e, com isso, com certeza, protegida ante toda manipulação plebeia. (tr. Casanova; GA65: 44)

O que significa aqui decisão? Ela determina sua essência a partir da essência da transição da Modernidade para o seu outro. Ela determina por meio daí a sua essência ou a transição é apenas o aceno para o interior de sua essência? As “decisões” surgem porque um outro início precisa ser? E esse outro início precisa ser, porque a essência do próprio SEER é de-cisão e doa pela primeira vez nesse desdobramento essencial a sua verdade na história do homem? É necessário aqui talvez dizer até mesmo de maneira pormenorizada aquilo que não se tem em vista com a expressão acerca da verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 44)

A expressão não significa: a “verdade” “sobre” o SEER, por exemplo, até mesmo como uma consequência de proposições corretas sobre o conceito do SEER ou uma “doutrina” irrefutável sobre o SEER. Mesmo se algo assim pudesse ser algum dia condizente com o SEER, o que é impossível, não precisaria ser pressuposto apenas que há uma “verdade” sobre o SEER, mas também e antes de tudo de que tipo em geral é a essência daquela verdade, na qual o SEER desponta. De onde, porém, a essência dessa verdade e, com isso, a essência da verdade enquanto tal deve poder se determinar senão a partir do próprio SEER? E isso não apenas no sentido de uma “derivação” a partir do SEER, mas no sentido de uma efetuação dessa essência por meio do SEER, algo sobre o que nós não temos como dispor por meio de nenhuma visão “correta” sobre o SEER, o que, ao contrário, pertence unicamente aos instantes velados da história do ser. (tr. Casanova; GA65: 44)

A expressão também não significa, porém, o SEERverdadeiro”, por exemplo, mesmo no significado obscuro, que visa ao enteverdadeiro”, veraz, efetivo. Pois já se pressupõe aqui uma vez mais um conceito de “realidade efetiva” e já se subsume esse conceito ao SEER como critério de medida, enquanto o SEER não empresta apenas, contudo, ao ente o que ele é, mas desdobra antes de tudo para si mesmo a partir de sua essência a verdade que lhe é apropriada. Essa verdade do SEER não é de modo algum algo diverso do SEER, mas a sua essência mais própria, e, por isso, cabe à história do SEER saber se ele doa ou recusa essa verdade e a si mesmo e, assim, traz pela primeira vez para a sua história o elemento abissal. O aceno para o fato de que os conceitos correntes de “verdade” e a não diferenciação corrente entre “ser” e “ente” conduzem a uma interpretação falsa da verdade do SEER e, antes de tudo, já sempre pressupõem essa interpretação, pode se desfigurar, no entanto, ele mesmo, induzindo-nos em erro, se ele puder admitir a conclusão: o que se precisaria fazer, então, seria apenas enunciar os “pressupostos” inexpressos, como se pressupostos fossem apreensíveis, sem que o posicionado enquanto tal fosse concebido. O retorno a “pressupostos” e “condições” tem no interior do ente e da interpretação do ente com vistas à sua entidade no sentido da representidade (e já da idea) um sentido e um direito, e ele se tornou, por isto, em múltiplas modulações, a forma fundamental do pensamento “metafísico”; e isto a tal ponto que mesmo a superação da “metafísica” não pôde escapar de um entendimento inicial desse modo de pensar. (tr. Casanova; GA65: 44)

Enquanto o “SEER” for concebido como entidade, como o de algum modo “geral” e, com isso, como uma condição ativada por detrás do ente para o ente, isto é, de sua representidade, isto é, de sua objetualidade e, por fim, de seu ser “em si”, o SEER mesmo será degradado em meio à verdade do ente, em meio à correção do re-presentar. Como tudo isso em Kant se encontra realizado da maneira mais pura possível, pode-se tentar em sua obra tornar visível algo ainda mais originário e, por isso, não dedutível a partir dele, totalmente diverso, correndo o risco de que, então, essa tentativa seja uma vez mais lida kantianamente e seja interpretada de maneira falsa como um “kantismo” arbitrário, tornando-se inócua. (tr. Casanova; GA65: 44)

A história ocidental da metafísica ocidental é a “prova” de que a verdade do SEER não pôde se tornar questão, e o aceno para os motivos dessa impossibilidade. O mais tosco desconhecimento da verdade do SEER, contudo, residiria em uma “lógica” da filosofia. Pois essa é uma retransposição consciente ou inconsciente da “teoria do conhecimento” para si mesma. A “teoria do conhecimento”, porém, é apenas a forma da perplexidade da metafísica moderna diante de si mesma. A confusão chega ao seu ápice, quando, então, essa “teoria do conhecimento” se arroga ainda uma vez como “metafísica do conhecimento”; o cálculo na calculadora da “aporética” e a “discussão aporética” “em si” de “direções” e de “fronts de problemas” presentes à vista se tomam, e, em verdade, com plena razão, o método da erudição filosófica mais moderna. Esses são apenas os últimos prolongamentos do processo, por meio do qual a filosofia perde a sua essência e se degenera na mais tosca ambiguidade, porque o que parece ser filosofia inequivocamente não pode ser mais uma tal para aquele que sabe. E, por isto, todas as tentativas de dizer o que não é a verdade do SEER também precisam se haver com o fato de que elas no máximo fornecem um novo alimento para a obtusidade ignorante das más interpretações ulteriores, caso tais elucidações sejam elucidações da crença de que a não filosofia poderia ser transformada pela instrução em filosofia. Com certeza, a meditação sobre aquilo que a verdade do SEER não é, porém, é essencial como uma meditação histórica, na medida em que ela pode auxiliar a tornar os movimentos fundamentais nas posições metafísicas fundamentais do pensar ocidental mais transparentes e o velamento da história do ser mais penetrante. (tr. Casanova; GA65: 44)

autêntico da palavra só possui a sua necessidade se ela tiver reconhecido que a meditação sobre a verdade do SEER inclui uma mutação da postura que pensa para a postura pensante, mudança essa que, naturalmente, não pode ser efetuada por meio de indicações morais, mas precisa ser previamente transformada e, em verdade, na publicidade do invisível e do que está isento de barulho. (tr. Casanova; GA65: 44)

Por que a verdade do SEER não é nenhum suplemento e nenhum quadro para o SEER e mesmo nenhum pressuposto, mas a essência mais íntima do SEER mesmo? (tr. Casanova; GA65: 44)

Porque a essência do SEER se essência no acontecimento da apropriação da de-cisão. Todavia, de onde sabemos isso? Nós não o sabemos, mas o inquirimos e abrimos em tais questões para o SEER os sítios e talvez um sítio exigido por ele, caso a essência do SEER precise se mostrar como a recusa, para a qual o questionamento insuficiente permanece a única proximidade adequada. E, assim, só um criar que funda todo ser-aí com vistas a um longo prazo (e só esse criar, não o empreendimento cotidiano fixo da instituição do ente) precisa despertar a verdade do SEER como questão e como indigência através da senda mais decisiva e em impulsos iniciais cheios de alternância, aparentemente desprovidos de conexão e desconhecidos para si, tornar pronto para a tranquilidade do SEER; ao mesmo tempo, porém, também decididamente contra toda e qualquer tentativa de confundir e enfraquecer, no mero querer para trás, mesmo que esse querer esteja em relação com as tradições “mais valorosas”, a coação impiedosa na indigência da meditação. (tr. Casanova; GA65: 44)

O saber sobre o constante ser pensado do raro pertence à vigília para o SEER, cuja essência enquanto a verdade mesma irradia no escuro de sua própria ardência. (tr. Casanova; GA65: 44)

A verdade do SEER é o SEER da verdade – dito assim, isso soa como uma inversão artificial e forçada e, quando isso vem à tona, como um desencaminhamento em meio a um jogo dialético. Por outro lado, porém, essa inversão não é senão um sinal fugidio e externo da viragem, que se essencia no SEER ele mesmo e lança uma luz sobre aquilo que aqui poderia ser denominado decisão. (tr. Casanova; GA65: 44)

A decisão já há muito tempo irrompida no velado e no dissimulado é a decisão pela história ou pela perda da história. História, porém, concebida como a contestação da contenda de terra e mundo, assumida e realizada a partir do pertencimento ao clamor do acontecimento apropriador como a essenciação da verdade do SEER na figura do último deus. (tr. Casanova; GA65: 45)

A missão, porém, à luz e na via da decisão: o abrigo da verdade do acontecimento apropriador a partir da retenção do ser-aí na grande tranquilidade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 45)

Por meio do que é tomada a decisão? Por meio do presente ou da permanência de fora daqueles insignemente delineados, que nós denominamos “os que estão por vir”, em diferença em relação aos muitos que arbitrariamente virão depois e aos imparáveis, que não têm mais nada diante de si e mais nada atrás de si. Desses elementos delineados faz parte: 1) Aqueles poucos particulares, que fundam de antemão os sítios e os instantes para os âmbitos do ente naquelas vias essenciais do ser-aí fundante (poesia – pensamentoaçãosacrifício). Eles criam, assim, a possibilidade essenciante para os diversos abrigos da verdade, abrigos esses nos quais o ser-aí se torna histórico. 2) Aqueles inúmeros elos de ligação, para os quais está dado pressentir a partir da concepção do querer sapiente e das fundações do particular as leis da recriação do ente, da preservação da terra e do projeto do mundo em sua contenda e torná-las visíveis em meio à execução. 3) Aquelas muitas referências de um para o outro, de acordo com a sua proveniência histórica (terrena e mundana), por meio da qual e para a qual a recriação do ente e, com isso, a fundação da verdade do acontecimento apropriador conquista consistência. 4) Os particulares, os poucos, os muitos (não considerados como número, mas com vistas ao seu caráter assinalado) se encontram ainda em parte nas antigas ordens correntes e planejadas. Essas ordens só se mostram ainda como uma proteção de sua consistência ameaçada ao modo de um invólucro ou ainda como forças diretrizes de seu querer. A consonância desses particulares, desses poucos e muitos é velada, não produzida, crescendo repentinamente e por si. Impera sobre ela o reinado a cada vez diverso do acontecimento apropriador, no qual se prepara uma reunião originária, na qual e como a qual se toma histórico aquilo que pode ser denominado um povo. 5) Esse povo é em sua origem e em sua determinação unicamente de acordo com a unicidade do próprio SEER, cuja verdade ele tem de fundar uma única vez junto a um único sítio em um único instante. Como é que essa decisão pode ser preparada? Será que o saber e a vontade têm aqui um espaço para dispor ou só se trata aqui de uma intervenção cega em necessidades veladas? Mas necessidades só reluzem em uma indigência. E a preparação de uma prontidão para a decisão encontra-se naturalmente sob o domínio da necessidade de apenas ainda acelerar por fim a falta de história turbilhonante e calcificar suas condições, onde ela quer de qualquer modo o diverso. (tr. Casanova; GA65: 45)

Será que a decisão é capaz de trazer consigo mais uma vez a fundação dos sítios instantâneos para a fundação da verdade do SEER ou será que tudo se desdobrará ainda como “luta” em torno das puras condições do prosseguimento da vida e do esgotamento da vida em dimensões gigantescas, de tal modo que a “visão de mundo” e a “cultura” não se mostrarão mais senão como apoios e como meios de luta desse “combate”? O que se prepara, então, por meio daí? A transição para o animal tecnicizado, que começa a substituir os instintos que já se tornaram mais fracos e mais toscos pelo gigantismo da técnica. Nessa direção de decisão, não é característica a tecnicização da “cultura” e a imposição da “visão de mundo”, mas sim o fato de a “cultura” e de a “visão de mundo” se tornarem meios da técnica de luta para uma vontade, que não quer mais nenhuma meta; pois conservação do povo não é nunca uma meta possível, mas apenas condição do estabelecimento de uma meta. Se a condição, porém, se transforma em algo incondicionado, então ganha o poder o não querer da meta, o seccionamento de toda meditação que venha a emergir da origem. Desaparece, então, completamente a possibilidade do conhecimento de que “cultura” e “visão de mundo” são já estacas de uma ordem do mundo, que deve ser supostamente superada. “Cultura” e “visão de mundo” não perdem o seu caráter por meio do fato de elas serem colocadas a serviço da política; quer elas sejam consideradas como valoresem si” ou como valores “para” o povo, a cada vez a meditação, se é que ela é efetivamente uma tal meditação, está firmemente encravada no não querer as metas originárias, isto é, a verdade do SEER, na qual se decide pela primeira vez sobre a possibilidade e a necessidade de “cultura” e “visão de mundo”. (tr. Casanova; GA65: 45)

Somente a decisão mais extrema a partir da e sobre a verdade do SEER traz ainda uma clareza. De resto, impera o crepúsculo em meio a renovações e dissimulações ou mesmo a completa queda. (tr. Casanova; GA65: 45)

(A decisão) Sobre o quê? Sobre história ou perda da história, isto é, sobre o pertencimento ao SEER ou o abandono no não ente. Por que decisão, isto é, em razão de quê? Pode-se decidir sobre isso? O que é em geral decisão? A escolha; não, escolher se remete sempre apenas ao previamente dado e ao que é passível de ser tomado e rejeitado. De-cisão visa aqui à fundação e à criação, dispor antecipadamente e para além de si ou abdicar e perder. Todavia, isso não é por toda parte e aqui uma arrogância e uma impossibilidade ao mesmo tempo: A história não vem e vai veladamente, tal como ela segue? Sim e não. A decisão é tomada no mais tranquilo silêncio e tem a mais longa história. Quem decide? Qualquer um, também por meio da não decisão e do não querer saber dela, por meio do desvio ante a preparação. O que se encontra em decisão? Nós mesmos? Quem nós? Em nosso pertencimento e não pertencimento ao ser. A decisão ligada com a verdade do ser, não apenas ligada, mas apenas a partir dela determinada. A decisão é, com isso, visada em um sentido insigne. Por isto também o discurso acerca da decisão extrema, que é ao mesmo tempo a mais íntima. Em razão de que, contudo, essa decisão? Porque só ainda a partir do mais profundo fundamento do próprio SEER há uma salvação do ente; salvação como conservação justificadora da lei e como missão do Ocidente. Isso precisa acontecer? Em que medida só ainda assim há uma salvação? Porque o perigo ascendeu ao extremo, uma vez que por toda parte se faz presente o desenraizamento e, o que é ainda mais fatídico, porque o desenraizamento já está à beira de se encobrir – o começo da a-historicidade já está aí. A decisão é tomada em silêncio, não como resolução, mas como um caráter resoluto, que já funda a verdade, isto é, que já recria o ente e, assim, se mostra como decisão criadora ou como atordoamento. Por que, porém, e como preparação dessa decisão? A luta contra a destruição e o desenraizamento é apenas o primeiro passo na preparação, o passo em direção à proximidade do espaço propriamente dito da decisão. (tr. Casanova; GA65: 46)

A essência da decisão só pode ser determinada a partir de sua essenciação essencial. Decisão é decisão entre ou-ou. Com isso, porém, o decisivo já é antecipado. De onde o ou-ou? De onde esse: somente esse ou apenas esse? De onde a incontornabilidade do de tal ou tal modo? Não resta o terceiro elemento, a indiferença? Mas aqui, porém, no extremo, ela não é possível. O que é aqui o extremo: ser ou não-ser e, em verdade, não o ser de um ente qualquer, por exemplo, do homem, mas essenciação do ser, ou? Por que se chega aqui ao ou-ou? A indiferença seria apenas o ser do não-ente, apenas o nada mais elevado. Pois “ser” não tem em vista aqui ao ser em si presente à vista, assim como o não-ser também não visa aqui: ao completo desaparecimento, mas não-ser como uma espécie do ser: sendo e, de qualquer modo, não como uma espécie de ser; e o mesmo vale para o ser: nulo e, de qualquer modo, precisamente sendo. Esse sendo retomado na essenciação do ser exige a intelecção do pertencimento do nada ao ser, e só assim alcança o ou-ou a sua agudeza e a sua origem. Como o SEER é nulo, ele precisa para a consistência de sua verdade da subsistência do não e, com isso, ao mesmo tempo do contra tudo o que é nulo, o não-ente. A partir da nulidade essencial do ser (viragem) vem à tona o fato de que ele exige e necessita daquilo que se mostra a partir do ser-aí como ou-ou, o um ou o outro, e apenas deles. A essenciação essencial da decisão é um salto em direção à decisão ou a indiferença; ou seja, não a retração e não a destruição. A indiferença como o não-decidir. A decisão passa originariamente por saber se decisão ou não decisão. A decisão, porém, é um colocar-se diante do ou-ou, e, com isso, já é um ter sido decidido, porque aqui já se dá um pertencimento ao acontecimento apropriador. A decisão sobre a decisão (viragem). Nenhuma reflexão, mas o contrário disso: sobre a decisão, isto é, já saber o acontecimento apropriador. Decisão e questão; questão como mais originária: colocar a essência da verdade em decisão. A verdade mesma, contudo, já é o que precisa ser decidido enquanto tal. (tr. Casanova; GA65: 47)

Por que decisões precisam ser tomadas? O que é isso, decisão? A forma necessária de realização da liberdade. Certamente, assim pensamos de maneira “causal” e tomamos a liberdade como uma faculdade. A “decisão” também não é ainda uma forma muito refinada do cálculo? Ou por causa dessa aparência não apenas o oposto mais extremo, mas o incomparável? Decisão, como ato do homem, vista de maneira processual, na sequência. Nela o necessário, que “se encontra” antes do “ato”, que se atém para além dele. O elemento tempo-espacial da decisão como fosso irruptivo do SEER mesmo precisa ser apreendido em termos da história do ser, não de maneira moral e antropológica. Arrumação preparatória, então justamente também não uma reflexão ulterior, mas o inverso. Em geral: toda a essência do homem, logo que ela é fundada no ser-aí, precisa ser repensada em termos da história do ser (mas não “ontologicamente”). (tr. Casanova; GA65: 49)

(Ressonância) da essenciação do SEER a partir do abandono do ser por meio da indigência impositiva do esquecimento do SEER. Trazer à aparição de seu poder velado esse esquecimento por meio de uma lembrança como esquecimento e ver aí a ressonância do SEER. O reconhecimento da indigência. A tonalidade afetiva diretriz da ressonância: horror e pudor, mas emergindo a cada vez da tonalidade afetiva fundamental da retenção. A mais extrema indigência: a indigência da falta de indigência. Deixar primeiro constituir-se a ressonância, sendo que muitas coisas precisam permanecer aí necessariamente incompreensíveis e inquestionáveis e, contudo, um primeiro aceno se torna possível. Que traço de uma linha simples do dizer precisa ser escolhido aqui e estabelecido sem uma consideração secundária? A ressonância precisa abarcar o todo do rasgo e, antes de tudo, ser dividida como contrajogo em relação à conexão de jogo. A ressonância para quem? Para onde? A ressonância da essenciação do SEER no abandono do ser. Como é que esse abandono do ser deve ser experimentado? O que ele é? Ele mesmo emergido da inessência do SEER a partir da maquinação. De onde provém essa inessência? Não, por exemplo, a partir da nulidade do SEER; ao contrário! (tr. Casanova; GA65: 50)

A ressonância do SEER como recusa no abandono do ser<ser do ente – isso já diz que aqui não deve ser descrito, explicado ou colocado em ordem algo presente à vista. O peso do pensamento é diverso no outro início da filosofia: o re-pensar daquilo que acontece apropriadoramente como o próprio acontecimento apropriador, trazendo o SEER para a verdade de sua essenciação. Como, porém, no outro início, o SEER se torna acontecimento apropriador, a ressonância do SEER também precisa ser história, atravessar a história em um abalo essencial e poder dizer e saber ao mesmo tempo o instante dessa história. (Não são uma caracterização e uma descrição histórico-filosófica que se tem em vista aqui, mas um saber sobre a história a partir do instante e como o instante da primeira ressonância da verdade do próprio SEER). E, de qualquer modo, o discurso soa como se só vigorasse a denominação do atual. O que é dito seria sobre a era da completa inquestionabilidade, que estende seu espaço de tempo subtemporalmente para além do atual de volta e muito para a frente. Nessa era, nada essencial – caso essa determinação em geral ainda tenha um sentido – é mais impossível ou inacessível. Tudo “é feito” e “se deixa fazer”, contanto que se tenha a “vontade” para tanto. O fato, porém, de ser precisamente essa “vontade”, que já estabeleceu e degradou de antemão aquilo que pode ser possível e, antes de tudo, necessário, já é de antemão desconhecido e deixado fora de toda e qualquer questão. Pois essa vontade, que faz tudo, se prescreveu de antemão a maquinação, aquela interpretação do ente como o re-presentável e re-presentado. Re-presentável significa por um lado: acessível no visar e no calcular; e significa, então: passível de ser trazido à tona na pro-dução e na execução. Tudo isso, porém, pensado a partir do fundamento: o ente enquanto tal é o re-presentado, e apenas o representado é ente. O que estabelece aparentemente uma resistência e um limite para a maquinação é, para ela, apenas a matéria prima para o trabalho ulterior e o impulso para o progresso, a ocasião para a extensão e a ampliação. No interior da maquinação, não há nada digno de questão, algo tal que pudesse ser honrado enquanto tal e honrado sozinho, e, com isso, iluminado e elevado ao nível da verdade. (tr. Casanova; GA65: 51)

A era da completa ausência de questões não tolera nada digno de questão e destrói toda solidão. Por isso, ela precisamente precisa difundir o discurso acerca do fato de que, ao mesmo tempo, cada um de nós adquire conhecimento por meio da solidão desse solitário e é instruído a tempo sobre o seu fazer em termos de “imagens” e “sons”. Aqui, a meditação toca tangencialmente o elemento sinistro da era e se sabe também, afinal, muito distante de todo e qualquer tipo de “crítica temporal” e de “psicologia” vulgar. Pois é importante saber que aqui, em todo o deserto e em todo o caráter terrível, ressoa algo da essência do SEER e alvorece o abandono do ente (enquanto maquinação e vivência) pelo SEER. Essa era da completa ausência de questão só pode ser ultrapassada por uma era da simples solidão, na qual se prepara a prontidão para a verdade do próprio SEER. (tr. Casanova; GA65: 51)

O abandono do ser é o mais forte possível lá onde ele se esconde da maneira mais decidida. Isso acontece lá onde o ente se tornou e precisou se tornar o mais habitual e o mais habitado. Isso aconteceu em primeiro lugar no Cristianismo e em sua dogmática, segundo os quais todo ente é explicado em sua origem como ens creatum e onde o criador é o que há de mais certo, assim como todo ente se revela como o efeito dessa causa de todas a mais essente. A relação de causa e efeito, porém, é o que há de mais comum e mais tosco e próximo, aquilo de que busca auxílio todo cálculo e toda perdição humana em meio ao ente, a fim de explicar algo, ou seja, de voltar algo para o interior da clareza do que é comum e habitual. Aqui, onde o ente precisa ser o que há de mais habitual, o SEER é necessariamente aquilo que se mostra tanto mais plenamente como habitual e como o que há de mais habitual. E como então, em verdade, o SEER “é” o que há de mais inabitual, o SEER se subtraiu aqui completamente e abandonou o ente. (tr. Casanova; GA65: 52)

Abandono do ser<ser do ente: o fato de o SEER ter se retraído em relação ao ente e de o ente de início (em termos cristãos) ter se transformado naquilo que é feito pelo outro ente. O ente supremo como causa de todo ente assumiu a essência do SEER. Esse ente feito outrora pelo Deus criador tornou-se, então, uma realização do homem, na medida em que agora o ente só é tomado e dominado em sua objetualidade. A entidade do ente esmaece e se transforma em uma “forma lógica”, no pensável de um pensamento ele mesmo não fundado. (tr. Casanova; GA65: 52)

O homem é, assim, superofuscado pelo elemento maquinal-objetual, de tal modo que o ente já se lhe subtrai; tanto mais ainda o SEER e sua verdade, na qual originariamente pela primeira vez todo ente precisa emergir de maneira nova e causar estranheza, para que o criar acolha seus grandes impulsos, a saber, para a criação. (tr. Casanova; GA65: 52)

Abandono do ser: o fato de o SEER abandonar o ente, entregando-o a si mesmo e deixando-o se transformar no objeto da maquinação. Tudo isso não é simplesmente “decadência”, mas é a primeira história do próprio SEER, a história do primeiro início e do que é dele derivado e do que fica assim necessariamente para trás. Mas mesmo esse ficar para trás não é nenhum mero “negativo”. Ao contrário, ele traz à tona em seu fim pela primeira vez o abandono do ser, contanto que seja formulada a partir do outro início a pergunta acerca da verdade do SEER e, assim, se inicie o ir ao encontro do primeiro início. Nesse caso se mostra: que o ser abandona o ente; ou seja: o SEER se encobre na manifestabilidade do ente. E o SEER é ele mesmo essencialmente determinado enquanto esse encobrimento que se retrai. (tr. Casanova; GA65: 52)

O SEER já abandona o ente, na medida em que a aletheia se transforma no caráter fundamental que se retrai do ente e, assim, prepara a determinação da entidade enquanto idea. O ente deixa agora a entidade viger apenas como um adendo, que precisa se tornar naturalmente, no plano do orientar-se pelo ente enquanto tal, o proteron e o a priori. (tr. Casanova; GA65: 52)

A mais aguda demonstração para essa essência velada do SEER (para o encobrir-se na abertura do ente) não é apenas a degradação do SEER e a sua transformação no que há de mais comum e mais vazio. A demonstração é conduzida através de toda a história da metafísica, para a qual justamente a entidade precisa se tornar o que há de mais conhecido e até mesmo o que há de mais certo no saber absoluto, se transformando, por fim, em Nietzsche, em uma aparência necessária. Será que compreendemos essa grande doutrina do primeiro início e de sua história: a essência do SEER como a recusa e como a mais elevada recusa na maior publicidade das maquinações e da “vivência”? Será que teremos futuramente o ouvido para o som da ressonância, que precisa ser levada a soar na preparação do outro início? (tr. Casanova; GA65: 52)

A ressonância da verdade do SEER e de sua essenciação mesma a partir da indigência do esquecimento do ser. O alçar essa indigência a partir de sua profundidade enquanto ausência de indigência. O esquecimento do ser não sabe nada sobre ela, ele pensa estar junto ao “ente”, junto ao “efetivamente real”, próximo da “vida” e seguro do “vivenciar”. Pois ele conhece apenas o ente. Todavia, desse modo, em tal presentação do ente, esse ente é abandonado pelo SEER. O abandono do ser, porém, é o fundamento do esquecimento do ser. No entanto, o abandono do ser<ser do ente traz para o ente a aparência de que esse ente mesmo seria, então, sem qualquer necessidade de um outro, apto para ser pego e utilizado. O abandono do SEER, contudo, é o ser exposto e a proibição do acontecimento apropriador. É a partir do abandono do ser que a ressonância precisa soar e ter início com o desdobramento do esquecimento do ser, no qual o outro início ressoa e, assim, o SEER. (tr. Casanova; GA65: 55)

Abandono do ser. O que Nietzsche reconheceu pela primeira vez e, com efeito, na orientação pelo platonismo como niilismo é, em verdade, visto a partir da questão fundamental que lhe é estranha, apenas o primeiro plano do acontecimento muito mais profundo do esquecimento do ser, que vem cada vez mais à tona precisamente na perseguição a encontrar a resposta para a questão diretriz. Mas mesmo o esquecimento do ser (sempre de acordo com a sua determinação) não é o envio destinamental mais originário do primeiro início, mas o abandono do ser, que talvez tenha sido o mais encoberto e o mais negado por meio do Cristianismo e de seus sucessores secularizados. Quanto ao fato de o ente enquanto tal ainda poder aparecer e de, contudo, a verdade do SEER o ter abandonado, cf a despotencialização da physis e do ón como idea. Em que direção o ente enquanto tal é usado e abusado em tal aparição abandonada pelo ser (objeto e “em si”)? Atenta para a obviedade e nivelamento e para a própria incognoscibilidade do SEER na compreensão de ser dominante. (tr. Casanova; GA65: 55)

Abandono do ser. O que é abandonado pelo quê? O ente pelo SEER que lhe pertence e que só lhe pertence. O ente aparece, então, desse modo, ele aparece para si como objeto e ente presente à vista, como se o SEER não se essenciasse. O ente é o indiferente e o impertinente ao mesmo tempo, na mesma indecisão e arbitrariedade. (tr. Casanova; GA65: 55)

Abandono do SEER é, no fundo, uma de-generescência do SEER. A essência é perturbada e só ganha a verdade como correção da re-presentação – noein – dianoein – idea. O ente permanece o que se presenta, e propriamente ente é o constantemente presente e, assim, o que a tudo con-diciona, o in-condicionado, o ab-soluto, ens entium, Deus etc. Todavia, que acontecimento de que história é esse abandono? Há uma história do SEER? E o quão raramente e quase nunca ela vem encoberta à luz? (tr. Casanova; GA65: 55)

O abandono do SEER acontece para o ente e, em verdade, para o ente na totalidade e, com isso, também e precisamente para aquele ente, que se encontra enquanto homem em meio ao ente e que se esquece aí de seu SEER. (tr. Casanova; GA65: 55)

A ressonância do SEER quer resgatar o SEER em sua plena essenciação como acontecimento apropriador por meio do desentranhamento do abandono do ser, o que só acontece de tal modo que o ente é recolocado por meio da fundação do ser-aí no SEER que se abre no salto. (tr. Casanova; GA65: 55)

A esse esquecimento do ser, porém, corresponde a compreensão de ser dominante, ou seja, ele é enquanto tal pela primeira vez consumado e encobre a si mesmo por meio dessa compreensão. Nela vige como verdade intocável sobre o SEER o seguinte: 1) Sua universalidade (o “que há de mais geral”, cf idea – koinon – gene); 2) Seu caráter corrente (inquestionado, uma vez que contém o que há de mais vazio e nada questionável). (tr. Casanova; GA65: 56)

Aqui, no entanto, o SEER nunca é experimentado enquanto tal, mas sempre concebido apenas no círculo de visão da questão diretriz do ente: ón he ón, e, assim, em certa medida com razão, como o que é comum a tudo (a saber, o ente enquanto o “efetivamente real” e como presente à vista). O modo como aqui, no círculo de visão da questão diretriz, é preciso que se alcance e se tome o SEER, lhe é ao mesmo tempo atribuído como essência. E, nesse caso, isso é de qualquer modo apenas um modo de uma apreensão bastante questionável em um con-ceito ainda mais questionável. (tr. Casanova; GA65: 56)

O fundamento mais íntimo do desenraizamento histórico é um fundamento essencial, que se funda na essência do SEER: o fato de o SEER se subtrair ao ente e, aí, deixá-lo aparecer como “sendo” e, até mesmo, como “sendo mais”. Como essa decadência da verdade do SEER é levada a termo antes de tudo sob a figura mais palpável possível da mediação da verdade, no conhecimento e no saber, é preciso inversamente, caso o desenraizamento deva ser superado, ganhar o domínio a partir de um novo enraizamento, aqui o saber autêntico e, em verdade, o saber do próprio SEER. E nesse caso, por sua vez, é preciso conhecer fundamentalmente, isto é, inquirir de início o elemento primeiro, justamente aquela essência do SEER, o abandono do SEER. (tr. Casanova; GA65: 56)

No que o abandono do ser se anuncia: 1) A completa insensibilidade em relação ao múltiplo naquilo que é considerado essencial; plurissignificância provoca a perda de força e a má vontade em relação à decisão real e efetiva. Por exemplo, tudo o que significa a palavrapovo”: o elemento comunitário, o elemento racial, o baixo e o inferior, o nacional, o permanente; por exemplo, tudo aquilo que é chamado de “divino”. 2) O não saber mais o que é condição e o que é condicionado e incondicionado. Idolatria em relação às condições do SEER histórico, do elemento populista, por exemplo, com toda a sua plurissignificância, transformando-o em algo incondicionado. 3) O permanecer preso no pensar e no estabelecimento de “valores” e “ideias”; sem qualquer questão séria, vê-se aí, como que em algo inalterável, a forma estrutural do ser-aí histórico; e a isso corresponde o pensar em termos de “visões de mundo”. 4) De acordo com isso, tudo é inserido em uma engrenagem “cultural”, as grandes decisões, o Cristianismo, não são expostos a partir da raiz, mas contornados. 5) A arte é submetida a uma utilidade cultural e desconhecida em sua essência; a cegueira em relação ao seu cerne essencial, o modo da fundação da verdade. 6) Em geral característico é o erro de avaliação em relação ao que é repulsivo e negador; ele é simplesmente alijado como o “mal”, equivocadamente interpretado e, com isso, apequenado e tanto mais propriamente ampliado em seu perigo. 7) Nisso se mostra – completamente à distância – o não saber em torno do pertencimento do não, da nulidade ao SEER mesmo, a falta de qualquer ideia em face da finitude e da unicidade do SEER. 8) Isso é acompanhado pelo não saber da essência da verdade; o fato de antes de tudo o que é verdadeiro a verdade e a sua fundação precisarem ser decididas; a busca cega pelo “verdadeiro” na aparência do querer maximamente sério. 9) Por isto, a recusa do saber autêntico e o medo diante da questão; o esquivar-se da meditação; a fuga em direção ao ceme dos dados e das maquinações. 10) Toda tranquilidade e toda retenção aparecem como inatividade, como um deixar passar e como renúncia e talvez sejam a mais ampla reconexão com o deixar ser do ser como acontecimento apropriador. 11) A segurança de si do que não se deixa mais conclamar; a calcificação contra todos os acenos; a impotência da expectativa; só ainda calcular. 12) Tudo isso são apenas irradiações de um encobrimento confuso e calcificado da essência do SEER, sobretudo da abertura de seu fosso abissal: o fato de unicidade, raridade, instantaneidade, acaso e acometimento, retenção e liberdade, resguardo e necessidade pertencerem ao SEER; o fato de esse SEER não se mostrar como o que há de mais vazio e mais comum, mas como o que há de mais rico e mais elevado e só se essenciar no acontecimento da apropriação, acontecimento esse graças ao qual o ser-aí chega à fundação da verdade do ser no abrigo por meio do ente. 13) A elucidação particular do abandono do ser como decadência do Ocidente; a fuga dos deuses; a morte do Deus moral cristão; sua reinterpretação. O velamento desse desenraizamento por meio do encontrar a si mesmo que se inicia de maneira supostamente nova do homem (Modernidade); esse encobrimento banhado no brilho do e intensificado pelo progresso: descobertas, invenções, indústria, máquina; ao mesmo tempo a massificação, a negligência, a desertificação, tudo como desatrelamento do fundamento e das ordens; o desenraizamento, porém, como o mais profundo velamento da indigência, a falta de força para a meditação, a impotência da verdade; o pro-gresso em direção ao não ente como abandono crescente do SEER. 14) O abandono do ser é o fundamento mais íntimo para a indigência da falta de indigência. Como é que essa indigência pode ser efetuada como indigência? Alguém não precisa deixar a verdade do SEER brilhar – mas para quê? Quem dos desprovidos de indigência consegue ver? Haverá algum dia uma saída para tal indigência, que se nega constantemente como indigência? Falta o querer sair. Será que a lembrança das possibilidades do passado essencial (o sido) do ser-aí pode conduzir à meditação? Ou será que algo in-habitual, não ideável se choca com essa indigência? 15) O abandono do ser, aproximado por meio de uma meditação sobre a desertificação do mundo e sobre a destruição da terra no sentido da rapidez, do cálculo, da pretensão do massificado. 16) O “domínio” coetâneo da impotência da mera mentalidade e da violência da instituição. (tr. Casanova; GA65: 56)

O abandono do ser determina uma era única na história da verdade do SEER. Trata-se do longo tempo, no qual a verdade hesita entregar a sua essência à claridade. O tempo do perigo do passar ao largo de toda decisão essencial, o tempo da recusa à luta pelos critérios de medida. (tr. Casanova; GA65: 57)

A longa hesitação da verdade e das decisões é uma recusa da via mais curta e dos maiores instantes. Nessa era, “o ente”, aquilo que se denomina o “efetivamente real”, “a vida” e “os valores”, é desapropriado do SEER em meio ao acontecimento. (tr. Casanova; GA65: 57)

6) Agora, porém, uma vez que o ente é abandonado pelo SEER, emerge a ocasião para a mais trivial “sentimentalidade”. É agora pela primeira vez que tudo é “vivenciado”, e todo e qualquer empreendimento e toda e qualquer instituição são tocados pelas “vivências”. E esse “vivenciar” atesta que, então, mesmo o próprio homem como ente se viu aqui privado de seu SEER e se transformou na presa de sua caça por vivências. (tr. Casanova; GA65: 58)

A maquinação como essenciação da entidade dá um primeiro aceno para o cerne da verdade do próprio SEER. Nós sabemos muito pouco sobre ela. Apesar disso, ela impera inteiramente sobre a história do ser da filosofia ocidental até aqui, de Platão até Nietzsche. (tr. Casanova; GA65: 61)

Quanto mais desprovido de perspectivas se torna esse desentranhamento, tanto mais inquestionado se torna o ente, tanto mais decidida a má vontade em relação à questionabilidade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 61)

A maquinação mesma e, uma vez que ela é a essenciação do SEER, o SEER mesmo se subtraem. (tr. Casanova; GA65: 61)

O que aconteceria, porém, se a partir de todo esse elemento aparentemente apenas prejudicial que fracassa, emergisse um olhar completamente diverso da essência do SEER e o SEER mesmo se desentranhasse como a recusa ou fosse de qualquer modo colocado em ressonância? (tr. Casanova; GA65: 61)

Se maquinação e vivência são denominadas juntas, isso aponta para o pertencimento essencial das duas uma à outra, mas encobre ao mesmo tempo uma não coetaneida.de igualmente essencial no interior do “tempo” da história do SEER. A maquinação é a inessência primeva, mas ainda por longo tempo velada, da entidade do ente. Mas mesmo se ela vier à tona em determinadas figuras, tal como na Modernidade, e ganhar a esfera pública da interpretação do ente, ela não é conhecida enquanto tal ou mesmo concebida. Ao contrário, a expansão e a fixação de sua inessência se realiza no fato de que a maquinação se retrai expressamente por detrás daquilo que parece ser a sua contraparte extrema e que permanece de qualquer modo completamente e apenas o produto do seu fazer. E isso é a vivência. (tr. Casanova; GA65: 61)

A copertinência das duas só é concebida a partir do retorno à sua mais ampla dissincronia e a partir da dissolução da aparência de sua mais extrema oposicionalidade. Se a meditação pensante (como questão acerca da verdade do SEER e apenas como essa questão) alcança o saber acerca dessa copertinência, então o traço fundamental da história do primeiro início (a história da metafísica ocidental) já é concebido a partir do saber do outro início. Maquinação e vivência apontam formalmente para a concepção mais originária da fórmula para a questão diretriz do pensamento metafísico: entidade (ser) e pensamento (como con-ceber re-presentativo). (tr. Casanova; GA65: 61)

1) A copertinência entre maquinação e vivência. 2) A raiz comum das duas. 3) Em que medida elas consumam a dissimulação do abandono do ser. 4) Por que o conhecimento de Nietzsche do niilismo precisou permanecer inconcebido. 5) O que desentranha – uma vez reconhecido – o abandono do ser acima do SEER ele mesmo? A origem do abandono do ser. 6) Por que via o abandono do ser precisa ser experimentado como a indigência? 7) Em que medida já é necessário para tanto a transição para a superação? (Ser-aí) 8) Por que é que só para essa transição a poesia de Hölderlin se torna vindoura e, com isso, histórica? (tr. Casanova; GA65: 62)

A entidade como: Maquinação e correção « (Essenciação da entidade) « (Vivência (Abandono do ser: Ausência de indigência; Ressonância da essenciação do SEER; No abandono do ser; Maquinação (« recusa) » vivência (« Solidificação; Encantamento) + Encantamento) (tr. Casanova; GA65: 65)

O modo como a maquinação e a vivência (de início veladas por um longo tempo, sim, veladas até agora enquanto tais) se impelem mutuamente até o extremo e, com isso, desdobram os deslocamentos da entidade e do homem em sua referência ao ente, desenvolvendo a si mesmas segundo o seu mais extremo abandono, compelindo-se agora reciprocamente nesses deslocamentos e criando uma unidade, que com maior razão encobre aquilo que acontece apropriadoramente nela: o abandono do ente por toda verdade do SEER e completamente até mesmo pelo SEER mesmo. Mas esse acontecimento apropriador do abandono do ser seria mal interpretado, caso se quisesse ver aí um processo de decadência, ao invés de refletir que ele atravessa os modos próprios e únicos da descoberta do ente e de sua “pura” objetivação em um determinado fenômeno, aparentemente desprovido de pano de fundo e em geral sem fundamento. A emergência do “natural”, a aparição das coisas mesmas, à qual pertence efetivamente aquela aparência do sem fundamento. Esse elemento “natural” claramente não possui mais nenhuma referência imediata à physis, mas está colocado completamente sobre o maquinal, sendo contra tal referência com certeza preparado pelo predomínio outrora vigente do sobrenatural. Essa descoberta do “natural” (por fim, do factível, do dominável e do vivenciável) precisa se esgotar um dia em suas próprias riquezas e se solidificar em uma mistura cada vez mais desértica das possibilidades até aqui, de tal modo, em verdade, que esse apenas-continuar-fazendo-como-se-fazia-até-então não sabe e não pode saber senão cada vez menos sobre si no que ele é, e aparece tanto mais criativamente para si mesmo, quanto mais ele empreende o seu fim. (tr. Casanova; GA65: 68)

O encontrar o caminho que leva de uma à outra entre maquinação e vivência encerra em si um acontecimento apropriador único no interior da história velada do SEER. Mas ainda não há em parte alguma um sinal para o fato de que algo sobre isso ganharia de algum modo o espaço do saber nessa era. Ou será que isso precisa permanecer vedado a ela e só se revelar àqueles que se encontram já na transição para a verdade, para a ressonância da verdade do SEER? (tr. Casanova; GA65: 68)

(O gigantesco) De início precisamos caracterizar o gigantesco a partir do que há de mais imediato e mesmo ainda como algo objetivamente presente à vista, a fim de deixar ressoar em geral o abandono do ser e, com isso, o domínio da in-essência da physis (da maquinação). No entanto, logo que a maquinação é concebida por sua parte em termos da história do ser, desentranha-se o elemento gigantesco como “algo” diverso. Ele não se mostra mais como o elemento objetual re-presetável de algo “quantitativo” ilimitado, mas a quantidade é que se revela como qualidade. Qualidade é aqui visada como caráter fundamental do quale, do quid, da essência, do SEER mesmo. (tr. Casanova; GA65: 70)

O quantitativo (quantitas) pode vir à tona como categoria porque ele é no fundo a essência (in-essência) do SEER mesmo, mas esse SEER mesmo é buscado de início apenas na entidade do ente enquanto o presentemente constante. (tr. Casanova; GA65: 70)

Dizer que o quantitativo se torna a qualidade significa, por isso, o mesmo que: em verdade, a in-essência do SEER não é reconhecida em seu pertencimento essencial à essência do SEER, mas essa cognoscibilidade é preparada pelo saber da história do ser, segundo o qual o quantitativo domina todo ente. O fato, porém, de ele, apesar disso, não vir à tona como o SEER tem o seu fundamento no fato de que o re-presentar, no qual a essência do quantitativo é fundada, se mantém enquanto tal ao mesmo tempo e constantemente junto ao ente e se tranca contra o SEER ou, o que significa o mesmo, só o deixa “viger” no máximo como o mais geral (do representar), como o que há de mais vazio. (tr. Casanova; GA65: 70)

Antes de tudo, porém, concebido historicamente, o gigantesco enquanto tal é o incalculável. Esse elemento incalculável, contudo, é o anúncio intangível, que vem da proximidade superpróxima, do SEER mesmo, mas sob a figura da ausência de indigência da indigência. (tr. Casanova; GA65: 70)

O niilismo no sentido de Nietzsche significa: que todas as metas desapareceram. Nietzsche tem em vista aqui as metas que crescem em si e que transformam o homem (para onde?). O pensar em “metas” (o há muito tempo mal interpretado telos dos gregos) pressupõe a idea e o “idealismo”. Por isto, apesar de sua essencialidade, essa interpretação “idealista” e moral do niilismo permanece provisória. Se tivermos em vista o outro início, o niilismo precisa ser concebido de maneira mais fundamental como a consequência essencial do abandono do ser. Como é, porém, que esse abandono do SEER pode chegar a ganhar o espaço do conhecimento e a se decidir, se já aquilo que Nietzsche experimentou e pensou integralmente pela primeira vez como niilismo permaneceu até agora inconcebido e, antes de tudo, não nos coagiu à meditação? Tomou-se conhecimento da “teoria” nietzschiana sobre o “niilismo” como uma psicologia da cultura interessante, mas antes disso as pessoas fizeram o sinal da cruz diante de sua verdade, isto é, elas mantiveram aberta ou tacitamente essa verdade afastada do corpo como algo diabólico. Pois é assim que se encontra formulada a reflexão elucidativa: aonde é que chegaríamos se isso fosse verdadeiro e viesse a se tornar verdadeiro? E não se pressente que justamente essa reflexão ou a atitude que a sustenta e o comportamento em relação ao ente é que constituem o niilismo propriamente dito: não se quer admitir a ausência de metas. E, por isso, se tem uma vez mais “metas”, ainda que essas metas não apontem senão para o fato de que o que pode ser em todo caso um meio para o estabelecimento de metas e para a sua persecução é alçado à categoria de uma meta: o povo, por exemplo. E, por isso, justamente lá onde se acredita ter uma vez mais metas, lá onde se é uma vez mais “feliz”, lá onde se passa a tornar uniformemente acessível a todo o “povo” os “bens culturais” até aqui vedados à “maioria” (cinemas e viagens para banhos de mar), precisamente aí, nessa embriaguês “vivencial” barulhenta, é que está o maior de todos os niilismos, o fechar os olhos organizado ante a ausência de metas do homem, o desviar “sempre pronto a entrar em ação” diante de toda decisão que estabeleça uma meta, o medo diante de toda e qualquer região de decisão e de sua abertura. O medo diante do SEER nunca foi tão grande quanto hoje. Prova: a instituição gigantesca para que o grito ofusque esse temor. A característica essencial do “niilismo” não depende de se igrejas e monastérios são destruídos e se homens são mortos aí ou se isso é reprimido e o “cristianismo” pode seguir o seu caminho, mas o decisivo é: se se sabe e se quer saber que precisamente essa tolerância do Cristianismo e o Cristianismo mesmo, que o discurso geral sobre a “providência” e o “senhor Deus”, por mais sincero que ele possa vir a ser para o particular, são apenas desvios e impasses no âmbito que não se quer reconhecer como o âmbito de decisão sobre o SEER e o não SEER e se deixar assim fazer valer. O niilismo de todos o mais fatídico consiste no fato de que podemos nos fazer passar por protetores do Cristianismo e até mesmo requisitar para nós com base em realizações sociais o caráter cristão de todos o mais cristão. Esse niilismo tem toda a sua periculosidade no fato de que ele se esconde completamente e se destaca agudamente e com razão daquilo que se poderia chamar o niilismo tosco (o bolchevismo). A questão é que a essência do niilismo é justamente tão abissal (porque ele desce e alcança a verdade do SEER e a decisão sobre ela), que precisamente essas formas de todas as mais opostas podem e precisam lhe pertencer. E, por isso, pode parecer que, computado no todo e de maneira minuciosa, o niilismo seria insuperável. Se as duas formas opostas mais extremas do niilismo se combatem, em verdade, de maneira necessária do modo mais intenso possível, então essa luta conduz de um modo ou de outro para a vitória do niilismo, isto é, para uma solidificação renovada; e isso supostamente sob a figura, segundo a qual as pessoas proíbem a si mesmas de algum dia ainda achar que o niilismo ainda estaria em obra. (tr. Casanova; GA65: 72)

O SEER abandonou tão fundamentalmente o ente e esse é a tal ponto entregue à maquinação e ao “vivenciar”, que necessariamente aquelas tentativas aparentes de salvação da cultura ocidental, assim como toda “política cultural”, precisam se tornar a figura mais insidiosa, e, com isso, a figura mais elevada do niilismo. E esse é um processo que não está articulado com homens particulares e suas ações e doutrinas, mas que apenas expulsa a essência interna do niilismo para o interior da mais pura figura que lhe é atribuída. A meditação sobre isso carece naturalmente já de um ponto de vista, a partir do qual nem uma ilusão por parte das coisas muito “boas”, “progressistas” e “gigantescas”, que são realizadas, nem mesmo um mero desespero vem à tona, desespero esse que só não fechou os olhos ainda diante da completa ausência de sentido. Esse ponto de vista, que funda ele mesmo para si de maneira nova pela primeira vez tempo e espaço, se mostra como o ser-aí que ganha de modo primordial o saber sobre o SEER ele mesmo como a recusa e, com isso, como o acontecimento apropriador. Na experiência fundamental de que o homem como fundador do ser-aí é usado pela divindade do outro deus abre-se a preparação da superação do niilismo. Mas o elemento mais incontomável e mais pesado nessa superação é o saber sobre o niilismo. Esse saber não pode permanecer preso nem à palavra, nem à primeira elucidação do que se tem em vista por meio de Nietzsche, mas é preciso reconhecer como a sua essência o abandono do ser. (tr. Casanova; GA65: 72)

Em verdade, a ciência moderna e atual não alcança em lugar algum o campo da decisão sobre a essência do SEER. Por que então, porém, pertence à meditação sobre a “ciência” a preparação da ressonância? (tr. Casanova; GA65: 73)

O abandono do ser é a consequência de início previamente conformada da interpretação da entidade do ente a partir do fio condutor do pensar e da precipitação primeva, condicionada por meio daí, da aletheia não fundada expressamente. Como, então, contudo, na Modernidade e enquanto Modernidade, a verdade assume a figura da certeza, como essa certeza se firma sob a forma do pensar, que pensa a si mesmo imediatamente, do ente como aquilo que se encontra contra-posto re-presentado, e como a fundamentação da Modernidade consiste na fixação desse elemento fixo; além disso, como essa certeza do pensar se desdobra na instituição e no empreendimento da “ciência” moderna, o abandono do ser (e, isto significa, a retenção da aletheia até a sua coação a se manter reprimida em meio ao esquecimento) é decidido concomitantemente pela ciência moderna, e, em verdade, sempre apenas, na medida em que ela pretende ser um ou até mesmo o saber normativo. Por isto, uma meditação sobre a ciência moderna e sobre a sua essência maquinalmente enraizada no interior da tentativa de um aceno para o abandono do ser como ressonância do SEER é incontornável. (tr. Casanova; GA65: 73)

Nisso reside ao mesmo tempo: a meditação assim configurada sobre a ciência ainda é a única meditação filosoficamente possível, contanto que a filosofia já se movimente na transição para o outro início. Todo e qualquer tipo de fundamentação científico-teórica (transcendental) se tornou tão impossível quanto uma “dotação de sentido”, que atribui à ciência presente à vista e, com isso, não alterável em sua consistência essencial, tanto quanto ao seu funcionamento, o estabelecimento de uma meta populista e política ou de alguma outra meta antropológica. Essas “fundamentações” se tornaram impossíveis, porque elas pressupõem necessariamente “a ciência” e, então, só são dotadas com um “fundamento” (que não é fundamento algum) e um sentido (para o qual falta a meditação). Por meio daí, “a ciência” e, com isso, a solidificação do abandono do ser empreendida por ela se tornaram, com maior razão, definitivas. Assim, toda e qualquer questão acerca da verdade do SEER (toda filosofia) é alijada do âmbito do agir como desnecessária e como realizada sem necessidade. Mas precisamente esse alijamento da possibilidade (da possibilidade interna) de toda e qualquer meditação sobre o pensar enquanto pensar do SEER, porque ele não possui a menor ideia do que ele mesmo faz, é impelido a mexer com maior razão com as formas de pensamento, os meios de pensamento e as regiões de pensamento da metafísica até aqui pegos sem escolha com vistas à produção de uma bebida “ligada à visão de mundo”, e a aprimorar a filosofia passada e a se comportar em tudo isso “de maneira revolvida”; revolvimento esse que (equivalendo a uma instituição de todos os lugares comuns possíveis) merece ser chamado simplesmente de “revolucionário” em comparação com a ausência de veneração insuperável em relação aos grandes pensadores. Veneração é naturalmente algo diferente de elogio e de deixar viger por “seu” tempo, caso alguém quisesse se reportar a algo desse gênero. (tr. Casanova; GA65: 73)

Um deles concebe a ciência não como a instituição agora presente, mas como uma possibilidade determinada do desdobramento e da construção de um saber, cuja essência mesma só se vê enraizada em uma fundamentação mais originária da verdade do SEER. Essa fundamentação realiza-se como primeira confrontação com o início do pensamento ocidental e vem a ser, ao mesmo tempo, o outro início da história ocidental. A meditação assim dirigida sobre a ciência retorna de maneira igualmente decidida para o sido, assim como ela antecipa de maneira ousada um porvir. Ela não se movimenta em parte alguma na discussão de algo presente e de sua fabricação imediata. Calculada a partir do presente, essa meditação sobre a ciência se perde no efetivamente irreal, o que de imediato significa também para todo o cálculo o impossível. (tr. Casanova; GA65: 75)

20) As “universidades”, enquanto “sítios da investigação e da doutrina da ciência” (assumindo tal modo de ser, elas são construtos do século 19) se transformam em puras instituições funcionais cada vez mais “próximas da realidade efetiva”, nas quais nada chega a se decidir. Elas só se mantêm como o último resto de uma decoração cultural, enquanto elas precisam permanecer em um primeiro momento ainda ao mesmo tempo um meio para a propaganda “político-cultural”. Uma essência qualquer de “universitas” não tem mais como ser desdobrada a partir delas: por um lado, porque a utilização político-populista torna supérfluo algo desse gênero, e, em seguida, porém, porque o funcionamento da ciência pode ser mantido em movimento de maneira muito mais segura e confortável mesmo sem o “elemento universitário”, o que significa aqui simplesmente, sem a vontade de meditação. A filosofia, compreendida aqui apenas como meditação pensante sobre a verdade, isto é, sobre a questionabilidade do SEER, não como erudição historiológica capaz de fabricar “sistemas”, não tem na “universidade” e na instituição funcional na qual ela se transformará simplesmente nenhum lugar. Pois ela não “tem” em geral em parte alguma tal lugar para além daquele que ela mesma funda, para o qual, porém, não consegue conduzir imediatamente nenhum caminho marcado por uma instituição fixa. (tr. Casanova; GA65: 76)

24) A questão é que o grande deslocamento abismado só surge do saber essencial, que se encontra no outro início, nunca a partir da impotência e da mera perplexidade. O saber, porém, é a insistência na questionabilidade do SEER, que guarda, assim, a sua dignidade única no fato de que ele só se doa de maneira bastante rara na recusa como o acontecimento apropriador velado do passar ao largo da decisão sobre a chegada e a fuga dos deuses no ente. Que homem por vir funda esse instante do passar ao largo para o início de uma outra “era”, quer dizer: uma outra história do SEER? A dissolução e a junção das faculdades científicas de sustentação. As ciências dos espírito historiológicas transformam-se em ciências da imprensa. As ciências naturais transformam-se em ciência de máquinas. “Jornal” e “máquina” são visados no sentido essencial como modos em constante avanço da objetivação definitiva (que impele, no que concerne aos tempos modernos, para a consumação), que suga para si toda a materialidade do ente, só deixando esse ente mesmo se mostrar como o que dá ensejo à vivência. Por meio desse primado do procedimento na instituição e na preparação, os dois grupos de ciência se encontram em acordo com vistas ao essencial, isto é, o seu caráter de funcionamento. Esse “desenvolvimento” da ciência moderna em sua essência só é visível hoje para poucos e será recusado pela maioria como não estando presente. Ele também não se deixa comprovar por fatos, mas só tem como ser concebido a partir de um saber sobre a história do ser. Muitos “pesquisadores” ainda imaginarão a si mesmos como pertencendo às tradições comprovadas do século 19. Um número igualmente grande de outros pesquisadores, em ligação com seus objetos, ainda encontrarão novos enriquecimentos e novas satisfações em termos de conteúdos e talvez os façam valer ainda em termos doutrinários, mas tudo isso não demonstra nada contra o primado, no qual a instituição conjunta chamada “ciência” está inserida de maneira irrevogável. A ciência não apenas jamais terá condições de se libertar daí, mas ela nunca irá querer antes de tudo também a libertação, e, quanto mais ela progride, menos pode querer. Antes de tudo, porém, esse primado também não é, por exemplo, um fenômeno da universidade atual alemã, mas ele diz respeito a tudo aquilo que, em um lugar e em um momento quaisquer, futuramente, irá querer ainda ter concomitantemente voz. Se formas de instituição até aqui e anteriores ainda se mantiverem aí por um longo tempo, então elas ainda se tornarão algum dia apenas de maneira mais decidida aquilo que ocorreu por detrás de sua proteção aparente. (tr. Casanova; GA65: 76)

Até mesmo com alguma utilidade, meditações históricas podem ser usadas meramente como considerações historiológicas e, com isso, ao mesmo tempo como considerações aprimoráveis e talvez mesmo como descobertas, sem que jamais irrompa a partir delas o aceno da história, da história que é a história do próprio SEER e que porta em si as decisões de todas as decisões. (tr. Casanova; GA65: 82)

Meditações históricas têm o fundamento de sua re-alizabilidade no pensar da história do SEER. O que acontece, porém, se a essência do pensar tiver se perdido para nós e se a lógica tiver sido eleita para dispor do “pensamento”, onde ela mesma, porém, é um resíduo apenas da impotência do pensamento, isto é, do questionamento desprovido de apoio e de proteção no abismo da verdade do ser? O que acontece, contudo, se “pensar” não for outra coisa senão ter validade como o concluir infalível no representar correto de objetos, como o desvio ante aquele questionamento? (tr. Casanova; GA65: 82)

A metafísica acha que o pensar poderia ser encontrado junto ao ente, e isso de tal modo que o pensar segue para além do ente. Quanto mais exclusivamente o pensar se volta para o ente e busca para si mesmo um fundamento maximamente essente, tanto mais decididamente a filosofia se distancia da verdade do SEER. Como é, porém, que é possível a recusa metafísica ao ente, isto é, a recusa à metafísica, sem se ver presa ao “nada”? O ser-aí é a fundação da verdade do SEER. Quanto mais não ente o homem é, quanto menos ele se depara previamente com o ente como o qual ele é, se cristalizando aí, tanto mais próximo ele chega do ser. (Nenhum budismo! O contrário). (tr. Casanova; GA65: 83)

Cada vez mais encoberta se torna a verdade do SEER, cada vez mais rara a possibilidade de que essa verdade enquanto tal se torne o poder fundante e seja pela primeira vez em geral reconhecida. (tr. Casanova; GA65: 84)

A apropriação originária do primeiro início (isto é, de sua história) significa o tomar pé no outro início. Esse tomar pé realiza-se na transição da questão diretriz (o que é o ente?, questão acerca da entidade, do ser) para a questão fundamental: o que é a verdade do SEER? (ser e SEER são o mesmo e, contudo, fundamentalmente diversos). Essa transição é historicamente concebida como a superação e, em verdade, como a primeira e pela primeira vez possível superação de toda “metafísica”. A “metafísica” se torna agora pela primeira vez cognoscível em sua essência, e, no pensar transitório, todo o discurso acerca da “metafísica” se torna ambíguo. A questão “o que é metafísica?”, formulada no âmbito da transição para o outro início, questiona a essência da “metafísica” já no sentido de uma primeira conquista da posição do campo prévio para a transição em direção ao cerne do outro início. Em outras palavras, ela questiona já a partir desse outro início. O que ela torna visível como determinação da “metafísica” já não é mais a metafísica, mas a sua superação. O que essa questão procura alcançar não é o esclarecimento, isto é, a manutenção fixa da representação até aqui para tanto necessária da “metafísica”, mas o impulso para a transição e, com isso, para o saber de que todo tipo de metafísica chegou ao fim e precisa ter chegado ao fim, se a filosofia deve conquistar o seu outro início. (tr. Casanova; GA65: 85)

Se a “metafísica” se torna visível como o acontecimento que pertence ao ser-aí enquanto tal, então isso não deve ser considerado como uma ancoragem “antropológica” muito módica da disciplina da metafísica no homem, mas, juntamente com o ser-aí, conquista-se aquela base, na qual a verdade do SEER se funda, de tal modo que, agora, o SEER mesmo passou a se mostrar como originariamente dominante e um posicionamento da excedência do ente, o que significa, porém, do sair do ente e, em verdade, como ente presente à vista e como objeto, se tornou impossível. Assim, vem à tona pela primeira vez o que era a metafísica, justamente essa excedência do ente em direção à entidade (ideia). Inevitavelmente ambíguo, contudo, permanece essa determinação da “metafísica”, na medida em que as coisas se mostram de tal modo, como se a metafísica fosse apenas uma outra concepção atual do conceito até aqui, uma concepção que não tocaria em nada na coisa mesma. Ela só é uma tal concepção, porém, na medida em que a concepção da essência da “metafísica” se torna de antemão inteiramente uma fundação do ser-aí, vedando à “metafísica” todo e qualquer caminho para uma outra possibilidade. Conceber de maneira transitoriamente pensante significa: transpor o concebido para o interior de sua impossibilidade. Será que ainda é necessário proteger expressamente essa defesa da “metafísica” diante da mistura com a tendência “antimetafísica” do “positivismo” (e de suas variantes)? Muito pouco de fato, logo que levamos em conta o fato de que o “positivismo” apresenta, sim, o mais tosco de todos os modos “metafísicos” de pensamento, na medida em que ele contém por um lado uma decisão completamente determinada sobre a entidade do ente (sensibilidade) e, por outro lado, ultrapassa de maneira constante justamente esse ente por meio do estabelecimento principial de uma “causalidade” do mesmo tipo. Para o pensar transitório, porém, não se trata de uma “hostilidade” em relação à “metafísica”, hostilidade essa por meio da qual ela seria colocada de novo precisamente em posição, mas de uma superação da metafísica a partir de seu fundamento. A metafísica chegou ao fim. Não porque ela questionou demais, de maneira não crítica demais, de modo extravagante demais a entidade do ente, mas porque, de acordo com a queda do primeiro início, o SEER no fundo buscado nunca teve como ser questionado com essa questão e, por fim, decaiu, em meio ao impasse dessa impotência, na “renovação” da “ontologia”. (tr. Casanova; GA65: 85)

A metafísica enquanto o saber do “ser” do ente precisou chegar ao fim (ver Nietzsche), porque ela ainda não tinha jamais ousado perguntar sobre a verdade do próprio SEER e, por isso, também tinha precisado permanecer em sua própria história em uma confusão e incerteza quanto ao seu fio condutor (do pensar). Justamente por isso, porém, o pensamento transitório não precisa cair na tentação de deixar aquilo que ele concebeu como fim e no fim simplesmente para trás, ao invés de trazer consigo esse atrás de si, ou seja, ao invés de concebê-lo agora pela primeira vez em sua essência e deixá-lo, transformado, se imiscuir no jogo da verdade do SEER. O discurso acerca do fim da metafísica não pode nos induzir erroneamente a achar que a filosofia não teria mais nada a fazer com a “metafísica”. Ao contrário: a metafísica em sua impossibilidade essencial precisa entrar agora pela primeira vez em uma conexão de jogo com a filosofia e a filosofia mesma precisa ser assim jogada para além de si, em direção ao seu outro início. (tr. Casanova; GA65: 85)

Caso deixemos de pensar essa tarefa do outro início (a questão acerca do “sentido” do SEER na fórmula de Ser e tempo), então também fica claro que todas as tentativas, que reagem à metafísica, a qual é por toda parte idealista – mesmo como positivista são justamente re-ativas e, com isso, fundamentalmente dependentes da metafísica e, assim, elas mesmas são uma metafísica. Todos os biologismos e naturalismos, que expõem a “natureza” e o não racional como o elemento de sustentação, do qual tudo advém, como a vida total, na qual tudo borbulha, como o noturno em contraposição à luz etc., permanecem inteiramente no solo da metafísica e precisam dela, ainda que apenas para entrar em atrito com ela, a fim de que ainda estale e venha à tona uma faísca do que é passível de ser sabido e dito e do que é para esses “pensadores” passível de ser escrito. (tr. Casanova; GA65: 85)

1) a entidade é presentidade. 2) o SEER é um encobrir-se. 3) o ente tem o primado. 4) a entidade é o suplemento e, por isso, o “a priori”. Não conseguimos conceber o que se encontra aí resolvido, enquanto a verdade do SEER não se transformar para nós na questão necessária, enquanto não fundarmos o campo de jogo temporal, em cujas extensões se pode mensurar pela primeira vez o que aconteceu apropriadoramente na história da metafísica: a preliminar do acontecimento apropriador ele mesmo como a essenciação do SEER. Somente se tivermos sucesso em projetar a história da metafísica naquelas extensões (1-4), é que nós a conceberemos em seu fundamento não elevado. Todavia, enquanto continuarmos haurindo as perspectivas a partir daquilo que podia e precisava se tornar expressamente um saber da metafísica (doutrina das ideias e sua modulação), nós seremos impelidos para o elemento historiológico, a não ser que concebamos idea já a partir do 1-4. (tr. Casanova; GA65: 86)

O acontecimento da questão acerca do ente enquanto tal, o acontecimento do questionamento da entidade é em si uma determinada abertura do ente enquanto tal, de tal modo que o homem experimenta aí a sua determinação essencial, que emerge dessa abertura (homo animal rationale). Mas o que é que essa abertura do ente abre sobre a entidade e, com isso, sobre o SEER? Carece-se de uma história, isto é, de um início e de suas ascendências e progressos, a fim de deixar que se experimente (para os que perguntam e são iniciantes) o fato de que pertence à essência do SEER a recusa. Esse saber é, porque ele desce e pensa o niilismo ainda mais originariamente em meio ao abandono do ser, a superação propriamente dita do niilismo, e a história do primeiro início é arrancada, assim, completamente da aparência de em vão e de mera errância; agora pela primeira vez a grande iluminação se abate sobre toda a obra pensante até aqui. (tr. Casanova; GA65: 87)

Esses são alguns caminhos, em si independentes e, entretanto, copertinentes, para jogar no saber sempre apenas uma única coisa: o fato de que a essenciação do SEER carece da fundação da verdade do SEER e de que essa fundação precisa se realizar como ser-aí, algo por meio do que todo idealismo e, com isso, a metafísica até aqui e a metafísica em geral são superadas como um desdobramento necessário do primeiro início, que ganha assim pela primeira vez de maneira nova a obscuridade, a fim de só ser concebido a partir do outro início enquanto tal. (tr. Casanova; GA65: 88)

Nietzsche, concebido como o fim da metafísica ocidental, não aponta para nenhuma constatação historiológica daquilo que se encontra atrás de nós, mas se mostra como o ponto de partida histórico do futuro do pensar ocidental. A questão acerca do ente precisa ser trazida para o seu fundamento próprio, para a questão acerca da verdade do SEER. E o que constituiu até aqui o fio condutor e a formação do horizonte de toda interpretação do ente, o pensar (re-presentar), é retomado na fundação da verdade do SEER, no ser-aí. A “lógica” enquanto doutrina do pensar correto transforma-se em meditação sobre a essência da linguagem como a denominação instituidora da verdade do SEER. O SEER, contudo, até aqui, sob a figura da entidade, o que havia de mais universal e corrente, se torna enquanto acontecimento apropriador o que há de mais único e estranho. (tr. Casanova; GA65: 89)

A transição para o outro início realiza uma cesura, que há muito não se dá mais entre direções da filosofia (idealismo – realismo etc.) ou mesmo entre posturas da “visão de mundo”. A transição cinde a emergência do SEER e a fundação de sua verdade na existência de toda ocorrência e apreensão do ente. (tr. Casanova; GA65: 89)

A história está tão decididamente cindida que em geral não pode vigorar nenhuma região comum da diferenciação. Nessa decisão da transição não há equilíbrio e nenhum entendimento, mas longas solidões e os mais calmos encantamentos na fornalha do SEER, ainda que o SEER permaneça completamente reprimido por meio da palidez da aparência artificial do “ente” vivenciado de maneira maquinacional (a “realidade efetiva próxima da vida”). (tr. Casanova; GA65: 89)

A transição para o outro início está decidida e, contudo, não sabemos para onde estamos indo, quando a verdade do SEER se tornará o verdadeiro e a partir de onde a história enquanto história do SEER tomará a sua via mais íngreme e mais curta. Como transitórios dessa transição, nós precisamos atravessar uma meditação essencial na própria filosofia, para que ela conquiste o início, a partir do qual ela, sem necessidade de nenhum apoio, poderá ser uma vez mais completamente ela mesma. (tr. Casanova; GA65: 89)

Ora, mas o “não” (e o sim) não precisaria ter a sua figura essencial no ser-aí usado pelo SEER? O não é o grande salto livre, no qual o aí é arrancado em meio a um salto no ser-aí. O salto livre, que “afirma” até mesmo aquilo de que ele salta, mas que também não tem nada nulo por si mesmo como salto. O salto livre mesmo assume pela primeira vez o ressaltar do salto, e, assim, o não ultrapassa aqui o sim. Esse não, porém, visto externamente, é a de-posição do outro início em relação ao primeiro, nunca “negação” no sentido usual da recusa e quiçá da degradação. Ao contrário, essa negação originária é do tipo daquela recusa, que renuncia para si a um continuar acompanhando a partir do saber e do reconhecimento da unicidade daquilo que, em seu fim, exige o outro início. (tr. Casanova; GA65: 90)

O primeiro início experimenta e estabelece a verdade do SEER, sem questionar acerca da verdade enquanto tal, porque o que nessa verdade se encontra velado, o ente enquanto ente, necessariamente prepondera sobre tudo, porque ele também engole o nada e, enquanto “não” e contra, o vincula a si ou completamente o aniquila. (tr. Casanova; GA65: 91)

O outro início experimenta a verdade do SEER e pergunta sobre o SEER da verdade, a fim de, assim, fundar pela primeira vez a essenciação do SEER e deixar o ente eclodir como o verdadeiro daquela verdade originária. (tr. Casanova; GA65: 91)

A fixação significa: perguntar sobre o ser<ser do ente. A superação, porém: perguntar antes de tudo sobre a verdade do SEER, sobre aquilo que nunca se tornou questão e nunca pode se tornar questão na metafísica. Esse duplo caráter transitório, que toma a “metafísica” ao mesmo tempo de maneira mais originária e, com isso, a supera, é inteiramente a caracterização da “ontologia fundamental”, isto é, de Ser e tempo. Esse título é estabelecido a partir de um claro saber em torno da tarefa: não mais ente e entidade, mas ser; não mais “pensar”, mas “tempo”; não mais pensar antes de tudo, mas o SEER. “Tempo” como a denominação da “verdade” do ser e tudo isso como tarefa, como “a caminho”; não como doutrina e dogmática. Agora, a posição fundamental diretriz da metafísica ocidental, entidade e pensamento, o “pensar” – ratio – razão como fio condutor e como antecipação da interpretação da entidade, é colocada em questão; mas de modo algum apenas de tal modo que o pensar seria substituído pelo “tempo” e tudo não seria visado senão “de maneira mais temporal” e existencial, e, com isso, permaneceria tudo como era. Ao contrário, o que se tornou questão foi aquilo que não podia se tornar questão no primeiro início, a verdade ela mesma. Agora, tudo é e tudo se torna diferente. A metafísica se tornou impossível. Pois a verdade do SEER e a essenciação do SEER são o primeiro, não aquilo em direção ao que a ultrapassagem deve acontecer. Agora, contudo, o que importa também não é apenas a inversão da metafísica até aqui, mas, com a essenciação mais originária da verdade do SEER enquanto acontecimento apropriador, a ligação com o ente se tornou uma ligação diversa (não mais a ligação da hypothesis e da “condição de possibilidade” – do koinon e hypokeimenon) O SEER se essencia como acontecimento apropriador da fundação do aí e determina ele mesmo a verdade da essência a partir da essenciação da verdade. (tr. Casanova; GA65: 91)

O outro início é o salto que transforma o SEER em meio à sua verdade mais originária. O pensar ocidental na questão diretriz estabelece, de acordo com o seu início, o primado do ente ante o ser; o “a priori” é apenas o velamento do caráter ulterior do SEER, velamento que precisa vigorar, na medida em que, no acesso imediatamente primeiro, acolhedor e reunidor ao ente, é aberto o SEER. Assim, não pode causar espanto, mas precisa ser concebido expressamente como consequência o modo como, então, o ente mesmo se torna normativo para a entidade em uma determinada interpretação. Apesar de, sim, com base no primado da physis e do physei ón, porém, precisamente o thesei ón e o poioumenon se tornam aquilo que fornece agora para a interpretação apreendedora o elemento compreensível, determinando a compreensibilidade da própria entidade (como hyle – morphe). Por isto, encontra-se no pano de fundo e logo se impondo em Platão de maneira particular no primeiro plano a techne como caráter fundamental do conhecimento, isto é, da ligação fundamental com o ente enquanto tal. Tudo isso não aponta para o fato de que, porém, mesmo a physis precisa ser interpretada a partir da correspondência com o poioumenon da poiesis, de que a physis não é suficientemente capaz de exigir a sua verdade para além da parousia e aletheia mesmas, levando-a ao seu desdobramento? Isso, porém, é aquilo que o outro início quer realizar e precisa realizar: o salto para o interior da verdade do SEER, de tal forma que esse SEER mesmo funda o ser<ser do homem e, em verdade, nem mesmo imediatamente, mas o ser<ser do homem só como uma consequência do e como o estar-referido ao ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 91)

O primeiro início não é controlado, a verdade do SEER, apesar de sua reluzência essencial, não é expressamente fundada, e isso significa: uma antecipação humana (do enunciado, da techne, da certeza) torna-se normativa para a interpretação da entidade do SEER. Agora, porém, faz-se necessária a grande inversão, que está além de toda “transvaloração de todos os valores”, daquela inversão, na qual o ente não é fundado a partir do homem, mas o ser<ser do homem a partir do SEER. Isso, porém, carece de uma força superior do criar e questionar, e ao mesmo tempo da prontidão mais profunda para o sofrimento e para a resolução na totalidade de uma mudança completa das relações com o ente e com o SEER. Agora, a ligação com o SEER não pode mais permanecer em uma repetição que emerge de uma ligação com o ente (dianoein – noein – kategorein). Como, porém, aquela antecipação inicial lança o homem para fora e para dentro do ente a partir do comportamento da apreensão (noûs – ratio), de tal modo que graças a ela um ente supremo é pensado como arche – aitia – causa – como algo incondicionado, as coisas se mostram como se não se tratasse de uma degradação do ser em meio à essência do homem. Aquela antecipação característica do primeiro início do pensar como fio condutor da interpretação do ente pode necessariamente ser concebida a partir do outro início como uma espécie de não dominação do ser-aí ainda não experimentável. (tr. Casanova; GA65: 91)

No outro início, a verdade é reconhecida e fundada como verdade do SEER e o SEER mesmo enquanto SEER da verdade, isto é, enquanto o acontecimento apropriador que retorna a si, ao qual pertence o fato de a abertura do fosso abissal ser alijada e, com isso, o a-bismo. (tr. Casanova; GA65: 91)

Se essa indigência não tivesse a grandeza da pro-veniência a partir do primeiro início, de onde ela retiraria, então, a força para a imposição da prontidão para o outro início? E, por isto, a questão da verdade é o primeiro passo para o estar pronto. Essa questão da verdade, apenas uma figura essencial da questão do SEER, mantém essa questão futuramente fora das regiões da “metafísica”. (tr. Casanova; GA65: 91)

Para além das forças contrárias, dos impulsos contrários e das instituições contrárias precisa ter início algo completamente diverso. Para a mudança e para a salvação da história ocidentalmente determinada, isso significa: as decisões futuras não são tomadas nos âmbitos até aqui, que ainda são mantidos pelos contramovimentos (“cultura” – “visão de mundo”), mas o lugar da decisão precisa ser primeiro fundado e, em verdade, por meio da abertura da verdade do SEER em sua unicidade, que reside antes de todas as oposições à “metafísica” até aqui. (tr. Casanova; GA65: 92)

A confrontação do outro início com o primeiro nunca tem o sentido de comprovar a história até aqui da questão diretriz e, com isso, a “metafísica” como um “erro”. Com isso, a essência da verdade seria tão desconhecida quanto a essenciação do SEER, que permanecem inesgotáveis, porque elas são o que há de mais único para todo e qualquer saber. Com certeza, porém, a confrontação mostra que, para a interpretação do ente até aqui, se perdeu a necessidade, uma vez que não se pode experimentar mais nenhuma indigência e impeli-la para a sua “verdade”, nem tampouco o modo como até mesmo a verdade de si mesma é deixada inquestionada. Pois, desde Platão, nunca se perguntou sobre a verdade da interpretação do “ser”. Ao contrário, a correção da representação e seu alijamento por meio da intuição foram apenas retransportados da representação do ente para a representação da “essência”; e isso se deu, por fim, na “fenomenologia” pré-hermenêutica. (tr. Casanova; GA65: 94)

Que, para a meditação marcada pela dinâmica da retomada, o tempo enquanto verdade do ser brilhe de saída para nós a partir do primeiro início não significa dizer que a plena verdade originária do SEER só possa ser fundada no tempo. Em verdade, é preciso tentar antes de qualquer coisa pensar a essência do tempo de maneira tão originária (em sua “extática”), que ela seja concebível enquanto verdade possível para o SEER enquanto tal. Mas já esse pensar integralmente o tempo acaba por colocá-lo em uma ligação com o aí do ser-aí, com a espacialidade do ser-aí e, com isso, com o espaço na ligação essencial. Mas tempo e espaço são aqui, medidos pela representação habitual deles, de maneira mais originária e completamente o tempo-espaço, que não se mostra como nenhuma cópula, mas como o mais originário dessa copertinência. Isso, porém, aponta para a essência da verdade como velamento clareante. A verdade do SEER não é nada menos do que a essência da verdade, concebida e fundada enquanto velamento clareante, o acontecimento do ser-aí, do ponto de virada na viragem enquanto o meio que se abre. (tr. Casanova; GA65: 95)

O fato de a verdade do SEER permanecer velada, apesar de a entidade ser colocada nela (o “tempo”), precisa estar fundado na essência do primeiro início. Será que esse encobrimento do fundamento da verdade do ser não significa ao mesmo tempo que a história do ser-aí grego determinado por essa verdade foi colocada sobre a via mais breve e o presente foi levado a termo em um grande e único instante da criação? (tr. Casanova; GA65: 100)

A transição para o outro início tem de preparar o saber em torno dessa determinação histórica. Pertence a isso a confrontação com o primeiro início e com sua história. Essa história encontra-se sob o domínio do platonismo. E o modo determinado por meio daí de tratamento da questão diretriz pode ser indicado por meio do título: ser e pensar. No entanto, para a correta compreensão desse título é preciso atentar para o seguinte: 1) Ser tem em vista aqui a entidade e não, como em Ser e tempo, o ser mesmo inquirido originariamente com vistas à sua verdade; entidade como o “geral” para o ente. 2) Pensar no sentido do re-presentar de algo no geral e esse como presentificação e, com isso, como indicação prévia da região, na qual o ente é concebido com vistas à presentidade constante, sem que o caráter de tempo dessa interpretação jamais seja reconhecido. Isso acontece tão pouco que mesmo depois que, por meio de Ser e tempo, a ousia é interpretada pela primeiríssima vez como presentidade constante e essa é concebida como sua temporalidade, se continua falando de atemporalidade da “presença” e de “eternidade”, e, em verdade, porque se insiste no conceito comum de tempo, que só é válido como quadro para o mutável e, com isso, de qualquer modo, não pode fazer mal algum ao que constantemente se presenta! Como noein, logos, idein, pensar é aqui a razão enquanto o comportamento, a partir do qual e em cuja região, de maneira bastante infundada, a entidade é determinada. É preciso distinguir disso o “pensar” no sentido ulterior, que precisa ser ao mesmo tempo primeiro determinado, da realização do filosofar (cf o pensar inicial). Nesse aspecto, toda apreensão e determinação (conceito) da entidade e do SEER é um pensar. Mas a questão decisiva continua sendo: em que âmbito da verdade se movimenta o desentranhamento da essência do ser? No fundo, mesmo aí onde, tal como na história da questão diretriz, a entidade é concebida a partir do noein, a verdade desse pensar não é o pensado enquanto tal, mas o tempo-espaço como essenciação da verdade, na qual todo re-presentar precisa se manter. (tr. Casanova; GA65: 100)

Desde cedo precisa claramente se encontrar em uma luz segura a grande simplicidade do primeiro início do pensar da verdade do SEER (o que significa e o que funda o fato de que o einai é voltado para o interior da aletheia do logos e do noein como physis). (tr. Casanova; GA65: 101)

O saber absoluto, o pensar incondicionado, é, agora, o ente normativo e, ao mesmo tempo, aquele que fundamenta tudo pura e simplesmente. Agora se mostra pela primeira vez: o fio condutor não é um expediente do procedimento na realização do pensar, mas é a doação de horizonte que se encontra à base, mas que se vela enquanto tal, para a interpretação da entidade. Essa doação de horizonte só pode, provindo da aletheia infundada, se desdobrar no início mesmo, na medida em que ela forma para si o terreno da correção (a ligação sujeito-objeto) a partir de si mesma com as suas próprias possibilidades(do saber-se – reflexão); e isso até o cerne do incondicionado da identidade enquanto tal. Assim se mostra ao mesmo tempo como é que, no saber absoluto, a “correção” é elevada ao extremo, de tal modo que ela precisa retornar enquanto presente do presente em certa medida e em um outro nível para a aletheia; e isso naturalmente de tal modo que, então, de maneira ainda mais definitiva, toda e qualquer ligação expressa com ela se volta para o saber e é até mesmo colocada em questão. O quão pouco isso tem sucesso é algo que nos mostra a concepção de verdade de Nietzsche, para o qual a verdade é degradada e se transforma na aparência necessária, na fixação incontornável, vinculada ao próprio ente, que é determinado enquanto “vontade de poder”. Assim, em seu fim, a metafísica ocidental se encontra o mais distante possível da pergunta acerca da verdade do SEER e, contudo, o mais próximo dela também, na medida em que, enquanto fim, ela preparou a transição para aí. (tr. Casanova; GA65: 102)

Aqui a verdade se transforma na certeza que se desdobra em meio a uma confiança incondicionada no espírito e, assim, pela primeira vez, enquanto espírito em sua absolutidade. O ente é completamente transposto para o interior da objetualidade, que, não obstante, é ao mesmo tempo superada por meio do fato de que ela é “suspensa”; em contrapartida, a objetualidade se expande em direção ao eu que representa e em direção à ligação do representar do que se contrapõe e do representar da representação. A maquinação como o caráter fundamental da entidade ganha agora a figura da dialética sujeito-objeto, que coloca em jogo e coordena enquanto dialética absoluta todas as possibilidades de todos os âmbitos conhecidos do ente. Aqui, uma vez mais, o asseguramento integral em relação a toda a incerteza é buscado, o tomar pé definitivo na correção da certeza absoluta, e, sem saber, o arrefecer diante da verdade do SEER. Nenhuma ponte conduz daqui para o outro início. Mas nós precisamos saber precisamente esse pensar do idealismo alemão, porque ele leva ao desdobramento extremo e incondicional o poder maquinacional da entidade (a condicionalidade do ego cogito é elevada ao incondicionado) e o fim é preparado. (tr. Casanova; GA65: 104)

Uma vez que toda ontologia, quer formada completamente como tal quer determinada como preparação para tanto, exatamente como a história do primeiro início, pergunta sobre o ente enquanto ente e nesse aspecto e somente nele também sobre o ser, toda ontologia aponta para o âmbito da questão fundamental: como o ser se essencia? Qual é a verdade do ser? – sem naturalmente intuir essa questão fundamental enquanto tal e o SEER em sua mais extrema questionabilidade, unicidade e finitude e sem poder jamais admitir um espanto. É preciso mostrar como por meio da formação da ontologia em ontoteologia a repressão definitiva da questão fundamental e de sua necessidade é firmada, assim como Nietzsche consuma nessa história o fim criativo. (tr. Casanova; GA65: 106)

De acordo com a interpretação platônica do ente enquanto tal como eidos – idea e da idea como koinon, o ser<ser do ente se transforma em geral em koinon. Ser o “que há de mais geral” transforma-se na determinação essencial do próprio ser. A questão acerca do ti estin é sempre a questão acerca do koinon, e, com isso, é dado para o conjunto do esforço por pensar o ente enquanto tal o quadro do gênero supremo, da universalidade mais elevada e da particularização. Os âmbitos principais do ente são justamente apenas specialia da universalidade do ente, isto é, do ser. E, assim, se reflete na distinção entre metafísica generalis e metafísica specialis o caráter da questão diretriz. Não há aqui mais nenhuma questão acerca de uma cópula possível entre metafísica generalis e metafísica specialis, pois elas se acham ligadas do modo citado com o ente e com maior razão com o SEER de maneira muito extrínseca. Aqui surgem puras pseudoquestões, enquanto a base não reconhecida da questão diretriz e a cisão das disciplinas são retidas no ponto de partida como algo óbvio. (tr. Casanova; GA65: 107)

A confusão se intensifica radicalmente, quando se busca chegar, com o auxílio da diferençaontológica” que emergiu de modo ontológico-fundamental, a uma solução da questão. Pois essa “diferença” é, com efeito, apenas ponto de partida não na direção da questão diretriz, mas na direção do salto ao cerne da questão fundamental; não para jogar de maneira obscura com marcas desde então fixas (ente e ser), mas para retornar à questão acerca da verdade da essenciação do SEER e, com isso, para apreender de maneira diversa a ligação entre SEER e ente, sobretudo porque o ente enquanto tal experimenta uma interpretação transformada (guarda da verdade do acontecimento apropriador) e porque não subsiste mais nenhuma possibilidade de inopinadamente contrabandear para aí “o ente” enquanto “objeto representado” ou enquanto “algo presente à vista em si” e coisas do gênero. (tr. Casanova; GA65: 107)

5) A interpretação do ón como ousia e dessa como idea (koinon, gene) concebe a entidade do ente e, com isso, o eivai do ón (o ser, mas não o SEER). Na entidade (ousia), o einai, o ser, é pressentido como aquilo que de algum modo é diverso, que não se preenche plenamente na ousia. É por isso que se busca, prosseguindo pelo mesmo caminho, isto é, pelo caminho da apreensão da presentação, ir além da entidade: epekeina tes ousias. Mas como a questão só se encontra voltada para o ente e para a sua entidade, ela nunca tem como se deparar com o SEER mesmo e se dar a partir dele. O epekeina só pode ser determinado, portanto, como algo que caracteriza desde então a entidade enquanto tal em sua ligação com o homem (eudaimonia), como o agathon, o que é válido, o que fundamenta toda validade, ou seja, como condição da “vida”, da psyche e, com isso, de sua própria essência. Com isso, dá-se o passo em direção ao “valor”, ao “sentido”, ao “ideal”. A questão diretriz acerca do ente enquanto tal já está em seus limites e ao mesmo tempo no lugar em que ela recai uma vez mais, não concebendo mais a entidade de modo mais originário, mas apenas a a-valiando, de tal forma que a valoração mesma é exposta como o que há de mais elevado. (tr. Casanova; GA65: 110)

18) Essa história é essencialmente complementada pela exposição da história da aletheia, de sua queda repentina, de sua reconfiguração em meio à homoiosis e à adaequatio, e, a partir daí, chegando até a certeza. Essa história conduz, então, para o desconhecimento correspondente da questão da verdade; por fim, em Nietzsche, a questão da verdade só permanece como a questão acerca do valor da verdade, uma questão autenticamente platonizante (!). Tudo completamente distante da tarefa de colocar em questão a essência da verdade enquanto tal na mais íntima ligação com a verdade do SEER e, assim, com o SEER mesmo. (tr. Casanova; GA65: 110)

20) Por “transcendência” concebem-se muitas coisas, que se unem, então, ao mesmo tempo uma vez mais. a) a transcendência “ôntica”: o ente diverso que ultrapassa ainda o ente, em termos cristãos: aquele que cria e que já ascendeu a uma posição para além do ente criado, o criador, na aplicação completamente confusa do termo “transcendência”, a “transcendência” (assim como Sua Magnificência!) = ao próprio Deus, o ente acima do resto dos entes; o abrangente e, assim, universal, denominado de maneira supérflua e para a superelevação da confusão ao mesmo tempo ainda, então, como o “ser”! b) a transcendênciaontológica”: o que se tem em vista é a superelevação, que reside no koinon enquanto tal, a entidade enquanto o geral (gene – categorias – “além” e “antes” do ente, a priori). Aqui, a ligação e o modo do diverso permanecem completamente obscuros; as pessoas se satisfazem com a constatação do koinon e de suas consequências. c) A transcendênciaontológico-fundamental” em Ser e tempo. Aqui, devolve-se à “transcendência” o seu sentido originário: a ultrapassagem enquanto tal, e ela é concebida como distinção do ser-aí, para indicar, com isso, o fato de que esse ente já sempre se encontra no aberto do ente. Com isso, une-se e determina-se ao mesmo tempo de maneira mais próxima a “transcendênciaontológica, na medida em que a transcendência consonante com o ser-aí é concebida de modo precisamente originário enquanto compreensão de ser. Mas uma vez que, então, o conceber é tomado ao mesmo tempo como projeto jogado, transcendência significa: encontrar-se na verdade do SEER, naturalmente sem saber disso e sem inquiri-lo de início. Uma vez que, então, porém, o ser-aí suporta de saída originariamente o aberto do encobrimento, não se pode falar, considerado rigorosamente, de uma transcendência do ser-aí; na esfera desse ponto de partida, a representação da “transcendência” precisa desaparecerem todo e qualquer sentido. d) Essa representação ainda encontra um emprego frequente na consideração da “teoria do conhecimento” que, se iniciando com Descartes, impede de início ao “sujeito” a saída e a ultrapassagem em direção ao “objeto” ou torna essa ligação duvidosa. Mesmo esse tipo de “transcendência” é superada com o estabelecimento do ser-aí, na medida em que ela é de antemão ultrapassada. e) “Transcendência” abrange por toda parte a saída do “ente” tomado como conhecido e familiar para um ir além disso, de algum modo dirigido. Visto a partir da pergunta fundamental pela verdade do SEER, reside aí um atolar-se no modo de questionamento da questão diretriz, isto é, na metaflsica. Com a transição para a questão fundamental, porém, toda metafísica é superada. Essa transição, contudo, precisa meditar, por isso, tanto mais claramente sobre as formas do platonismo que ainda a envolvem e que são inevitáveis, ainda que essas formas só continuem determinando-a na defensiva. (tr. Casanova; GA65: 110)

21) Os últimos prolongamentos e consequências do platonismo no presente: a) Tudo o que se denomina “ontologia” e quer ou não quer ser tal “ontologia”; mesmo a adversariedade, por exemplo, a adversariedade sobre a base de um kantismo, permanece no mesmo âmbito das condições para “ontologias”. b) Toda metafísica cristã e a-cristã. c) Todas as doutrinas, que têm por meta “valores”, “sentido”, “ideias” e ideais; e, de maneira correspondente, as doutrinas que negam isso, o positivismo e o biologismo. d) Todos os tipos de “filosofia da vida”, para as quais a questão do ser permanece alheia até mesmo sob a forma autêntica da questão diretriz até aqui (Dilthey). e) Por completo aquelas direções, que misturam tudo o que foi previamente citado, que ensinam ideias e valores e, ao mesmo tempo, acentuam a “existência” em termos de uma filosofia da “vida”. Aqui, a mais extrema confusão é elevada ao nível do princípio e se abandona todo pensar e questionar autênticos. f) Por fim, a filosofia de Nietzsche que, precisamente porque se concebe como inversão do platonismo, recai nesse platonismo pela porta dos fundos. Mesmo onde Nietzsche é voltado por fim para fora do platonismo e de sua inversão, não se chega a uma formulação originariamente superadora da questão acerca da verdade do SEER e acerca da essência da verdade. (tr. Casanova; GA65: 110)

27) A permanência velada da verdade do ser e do fundamento dessa verdade no primeiro início e em sua história exige do requestionamento originário da questão do ser a transição para a questão fundamental: como se essencia o SEER? É a partir dela pela primeira vez e renovadamente que se coloca a questão: o que é o ente? (tr. Casanova; GA65: 110)

(O “a priori” e a physis) Isto é, to proteron te physei. physis normativa e o “anterior” como proveniência, origem. O que há de mais primevo, o que primeiro se pre-senta, a presentação é a própria physis, mas logo encoberta juntamente com a aletheia por meio da idea. Como se chega a tal questão acerca do proteron? Com base na idea como ontos ón. O que há de mais primevo na essenciação é essa essenciação mesma como essenciação do SEER. A priori – a partir do ante-cedente; a priori aí, onde a questão diretriz se faz presente, a metafísica. Na transição, porém, apenas aparentemente o “a priori” é ainda um “problema”: a relação entre SEER e ente é concebida de maneira completamente diversa a partir do acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 111)

O que é estabelecido em Ser e tempo como “compreensão de ser” parecia ser apenas a ampliação dessa representação anterior, e, no entanto, (compreender como pro-jeto – ser-aí) é algo completamente diverso; como transição, porém, ele remete para a metafísica. A verdade do SEER e a essenciação do SEER não são nem o que há de mais primevo nem o que há de mais tardio. (tr. Casanova; GA65: 112)

O salto, o que há de mais ousado no procedimento do pensar inicial, deixa e lança tudo o que é corrente para trás de si e não espera nada imediatamente do ente, mas ressalta antes de tudo o pertencimento ao SEER em sua plena essenciação como acontecimento apropriador. O salto aparece assim sob a aparência do que não leva nada em consideração e, contudo, ele é precisamente afinado por aquele pudor, no qual a vontade da retenção ultrapassa a si mesma e se transforma na insistência do suportar da mais distante proximidade da renúncia hesitante. O salto é a ousadia de uma primeira penetração no âmbito da história do ser. (tr. Casanova; GA65: 115)

(A história do SEER) Com o despontar da prontidão para a transição do fim do primeiro início para o interior do outro início, o homem não entra apenas, por exemplo, em um “período” que ainda não tinha se dado, mas ele entra antes em um âmbito completamente diverso da história. O fim do primeiro início ater-se-á ainda por um longo tempo à transição, sim, até mesmo ao outro início. (tr. Casanova; GA65: 116)

Por mais certamente que a história do fim prossiga e, medida a partir dos dados presentes, por mais que ela se mostre mais “viva” e “mais rápida” e confusa do que nunca, a própria transição permanecerá o que há de mais questionável e antes de tudo o que há de mais desconhecido. O homem, em pequeno número e sem conhecer a si mesmo, se preparará em meio ao campo de jogo temporal do ser-aí e se reunirá em uma proximidade com o SEER, proximidade essa que precisa permanecer estranha para todos aqueles que se encontram “próximos da vida”. A história do SEER conhece em longos espaços de tempo, que são para ela apenas instantes, acontecimentos apropriadores raros. Os acontecimentos apropriadores enquanto tais: o remetimento da verdade ao SEER, a precipitação da verdade, a solidificação de sua inessência (da correção), o abandono do ser<ser do ente, a entrada do SEER em sua verdade, o atiçar do fogo da lareira (da verdade do SEER) como o sítio solitário do passar ao largo do último deus, o reluzir da unicidade única do SEER. Enquanto a destruição do mundo até aqui enquanto autodestruição alardeia em meio ao vazio o seu triunfo, a essência do SEER se reúne em sua mais elevada vocação: enquanto acontecimento da apropriação do âmbito de decisão sobre a divindade dos deuses, apropriar-se do fundamento e do campo de jogo temporal, isto é, do ser-aí, na unicidade de sua história. (tr. Casanova; GA65: 116)

O SEER como o acontecimento apropriador é a vitória do incontornável no testemunho do deus. Será que o ente, porém, consegue se inserir na junção fugidia do SEER? Será que é conferido ao homem, ao invés da desertificação em uma perduração progressiva, a unicidade do declínio? O declínio é a reunião de toda grandeza no instante da prontidão para a verdade da unicidade e singularidade do SEER. O declínio é a mais íntima proximidade com a recusa, na qual o acontecimento apropriador se doa ao homem. (tr. Casanova; GA65: 116)

A entrada do homem na história do ser é incalculável e independente de todo progresso ou derrota da “cultura”, uma vez que a própria “cultura” significa a fixação do abandono do ser<ser do ente e uma vez que o crescente enredamento da essência humana em seu “antropologismo” impele ou mesmo pressiona o homem ainda uma vez de volta para o desconhecimento cristão de toda verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 116)

No primeiro início, o ser (a entidade) é pensado (por meio do noein e do legein), visualizado e colocado no aberto de sua vigência, para que o ente mesmo se mostre. Em consequência desse início, então, o ser (a entidade) se torna a hypothesis, mais exatamente o anypotheron, em cuja luz todo ente e não-ente se essencia. E, assim, o SEER passa a viger em virtude do ente. Essa referência fundamental, porém, experimenta, então, duas interpretações, que se acoplam e se misturam: o “ser” como summum ens torna-se causa prima do ente enquanto ens creatum; o ser enquanto essentia, idea torna-se o a priori da objetualidade dos objetos. O ser torna-se o que há de mais comum, vazio e conhecido, e, ao mesmo tempo, o que há de mais essente como aquela causa, “o absoluto”. Em todas as modulações e secularizações da metafísica ocidental, isso pode ser uma vez mais reconhecido: o ser a serviço do ente, mesmo quando ele, enquanto causa, tem aparentemente o domínio. (tr. Casanova; GA65: 117)

No outro início, porém, o ente é de tal modo, para que ele suporte ao mesmo tempo a clareira na qual se encontra imerso, clareira essa que se essencia como clareira do encobrir-se, isto é, do SEER como acontecimento apropriador. No outro início, todo ente é sacrificado pelo SEER, e, a partir daí, o ente enquanto tal obtém pela primeira vez a sua verdade. O SEER, contudo, se essencia como acontecimento apropriador, como os sítios instantâneos da decisão quanto à proximidade e à distância do último deus. Aqui, na habitualidade incontornável do ente, o SEER é o que há de mais inabitual; e esse estranhamento do SEER não é um modo de sua aparição, mas ele mesmo. A inabitualidade do SEER corresponde no âmbito da fundação de sua verdade, isto é, no ser-aí, à unicidade da morte. O mais terrível júbilo precisa ser a morte de um deus. Só o homem “tem” a distinção de se encontrar diante da morte, porque o homem é insistentemente no SEER: a morte, a mais elevada testemunha do SEER. (tr. Casanova; GA65: 117)

No outro inicio, a verdade do SEER precisa ser ousada como fundação, como o repensar do ser-aí. Somente no ser-aí, aquela verdade é fundada para o SEER, a verdade na qual todo ente é apenas em virtude do SEER, que reluz como rastro do caminho do último deus. Por meio da fundação do ser-aí transforma-se o homem (o que procura, o que guarda, o guardião). Essa transformação cria o espaço das outras necessidades da decisão sobre proximidade e distância dos deuses. (tr. Casanova; GA65: 117)

O salto é o mais extremo projeto da essência do ser, de tal modo que nós nos colocamos a nós (mesmos) no assim aberto, nos tornamos insistentes e só por meio do acontecimento da apropriação chegamos a nós mesmos. Ora, mas um ente não precisa permanecer de qualquer modo diretriz para a determinação da essência do SEER? Mas o que significa aqui “diretriz”? Que nós destacamos junto a um ente previamente dado o ser como o seu elemento mais universal, isso seria apenas um adendo na apreensão. A questão continuaria sendo por que e em que sentido o ente é “essente” para nós. Há sempre antes um projeto, e a questão continua sendo apenas se o que projeta salta ou não, como o próprio lançador, para o interior da via do que joga, avia que abre; se o projeto mesmo é experimentado e ratificado como acontecimento a partir do acontecimento apropriador ou se o que brilha no projeto só é recolocado em si como o que emerge (physis – idea) na presentificação que se desprende. De onde, porém, o fundamento da decisão sobre a direção e a amplitude do projeto? Será que a determinação da essência do SEER está submetida ao arbítrio ou a uma necessidade suprema e, com isso, a uma indigência? A indigência, porém, é sempre a cada vez diversa segundo a idade do ser e de sua história; o velamento da história do ser. (tr. Casanova; GA65: 118)

Nunca podemos conceber o ente por meio de uma explicação e de uma derivação a partir de um outro ente. Ele só pode ser sabido a partir de sua fundação na verdade do SEER. Mas o quão raramente o homem avança em direção ao cerne dessa verdade; o quão fácil e rapidamente ele se satisfaz com o ente e permanece, assim, desapropriado do ser. O quão impositiva parece a possibilidade de se prescindir da verdade do ser. (tr. Casanova; GA65: 118)

1) O primeiro início e seu fim abarcam toda a história da questão diretriz de Anaximandro até Nietzsche. 2) A questão diretriz não é questionada inicialmente na apreensão expressa da questão, mas captada por isso mesmo de maneira tanto mais originária e respondida de modo normativo; a irrupção do ente, a pre-sentação do ente enquanto tal em sua verdade; essa fundada no logos (reunião) e no noein (a-preensão). 3) O caminho daqui até a primeira versão, desde então diretriz, da questão em Aristóteles; a preparação essencial por meio de Platão; a confrontação aristotélica com o primeiro início, que ganha ao mesmo tempo por meio daí o cerne de uma interpretação fixamente estabelecida para o que vem depois. 4) A repercussão do modo de formulação da questão que agora retrocede uma vez mais, mas que, porém, a tudo ainda domina no resultado e nos caminhos (doutrina das categorias; teo-logia); a reestruturação do todo por meio da teologia cristã; sob essa figura, o primeiro início permanece, então, apenas histórico, até mesmo ainda em Nietzsche, apesar de sua descoberta dos pensadores iniciais como homens de um nível hierárquico elevado. 5) De Descartes até Hegel uma transformação renovada, mas não uma mudança essencial; a retomada na consciência e a certeza absoluta; em Hegel, realiza-se pela primeira vez uma tentativa filosófica de uma história da questão acerca do ente a partir da posição fundamental conquistada do saber absoluto. 6) O que reside entre Hegel e Nietzsche possui muitas figuras, em parte alguma originariamente no metafísico, nem mesmo em Kierkegaard. Diferentemente da questão diretriz, a questão fundamental desponta enquanto questão concebida com a própria formulação da questão, a fim de saltar a partir dela de volta para o interior da experiência fundamental originária do pensamento da verdade do SEER. Mas a questão fundamental também tem enquanto questão concebida um caráter completamente diverso. Ela não é o prosseguimento da formulação da questão que tinha sido empreendida na questão diretriz por Aristóteles. Pois ela emerge por um salto imediatamente de uma necessidade da indigência do abandono do ser, daquele acontecimento, que é essencialmente co-condicionado pela história da questão diretriz e por seu desconhecimento. (tr. Casanova; GA65: 119)

A transposição para a essência do SEER e, com isso, o questionamento da questão prévia (essência da verdade) são diversas de todas as objetivações do ente e de todo acesso imediato a esse ente; nesse caso, ou bem o homem é em geral esquecido, ou bem o ente é atribuído como certo ao “eu” e à consciência. Em contrapartida: a verdade do SEER e, com isso, a essência da verdade se es-senciam somente na insistência no ser-aí, na experiência do caráter de jogado no aí a partir do pertencimento ao clamor do acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 119)

Para que, porém, esse questionar completamente outro enquanto consistência do ser-aí em geral possa ascender a uma possibilidade decidível, é preciso que se tente de saída, a partir da questão diretriz, criar por meio de seu desdobramento completo uma transição para o salto na questão fundamental; nunca uma transição imediata para essa questão. É preciso que se torne visível que e por que na questão diretriz a questão acerca da verdade (sentido) do SEER permanece sem ser questionada. Essa questão não questionada é a questão fundamental, vista no campo de visão do caminho da questão diretriz, ou seja, só indicativamente vista; o tempo como verdade do SEER; esse experimentado a princípio inicialmente como presentação nas diversas figuras. (tr. Casanova; GA65: 119)

O “tempo” como temporialidade, o que se tem em vista é a unidade originária do arrebatamento extasiante marcado por clareira e por encobrimento, oferece o fundamento mais próximo para a fundação do ser-aí. Com esse estabelecimento, a forma até aqui de resposta não deve ser, por exemplo, mantida, sim, nem mesmo substituída, ou seja, ao invés das “ideias” ou de sua desaprovação no século 19, ao invés dos “valores” não devem ser posicionados outros “valores” ou não deve ser posicionado valor nenhum. Ao contrário, o “tempo” aqui e, de maneira correspondente, tudo aquilo que é concebido sob o título “existência”, possui um significado completamente diverso, a saber, o significado da fundação dos sítios abertos da instantaneidade para um ser histórico do homem. Como todas as decisões até aqui não se mostram mais no âmbito das “ideias” ou do “ideal” (“visões de mundo”, ideias de cultura e coisas do gênero) como decisões, porque elas não colocam mais de maneira alguma em questão o seu espaço de decisão e ainda menos a verdade mesma enquanto verdade do SEER, é preciso antes de tudo dirigir a meditação para a fundação de um espaço de decisão, isto é, a indigência da falta de indigência precisa ser primeiro experimentada, o abandono do ser. No entanto, onde quer que, no sentido até aqui, ainda que com tomadas de empréstimo externas junto à “filosofia da existência”, tudo permanece no âmbito da “cultura”, da “ideia”, do “valor” e do “sentido”, aí, visto em termos da história do ser e a partir do pensamento inicial, o abandono do ser é uma vez mais solidificado e a falta de indigência é por assim dizer elevada ao nível de princípio fundamental. (tr. Casanova; GA65: 119)

Se soubéssemos a lei da chegada e fuga dos deuses, então conceberiamos algo primeiro em relação ao acometimento e à permanência de fora da verdade e, com isso, da essenciação do SEER. (tr. Casanova; GA65: 120)

SEER não é, tal como pensa uma representação há muito habitual que se encontra no âmbito de decadência do primeiro início, a propriedade mais universal e, com isso, mais vazia do ente, como se nós conhecéssemos “o ente” e como se a única coisa que valesse a pena fosse deduzir aquele elementouniversal”. (tr. Casanova; GA65: 120)

SEER também não é o “ente” enorme supostamente conhecido, que causou todo o resto e que de um modo ou de outro a tudo abarca. (tr. Casanova; GA65: 120)

O SEER se essencia como a verdade do ente. Sobre esse ente já sempre se decidiu com a essenciação do SEER concebida ainda de maneira muito rudimentar e por meio de desvios. Com isso, a decisão sobre a verdade cai em todos os aspectos no salto para o interior da essenciação do SEER. (tr. Casanova; GA65: 120)

O salto é o re-saltar da prontidão para o pertencimento ao acontecimento apropriador. Acometimento e permanência de fora da chegada e da fuga dos deuses, o acontecimento apropriador, não tem como ser imposto de maneira pensante, mas, muito ao contrário, é preciso prontificar por meio do pensamento o aberto que, como tempo-espaço (sítios instantâneos), torna acessível e constante a abertura do fosso abissal do SEER no ser-aí. Só aparentemente é que o acontecimento apropriador é levado a termo pelos homens, em verdade o ser<ser do homem acontece como histórico por meio da apropriação em meio ao acontecimento que exige de um modo ou de outro o ser-aí. O acometimento do SEER, que é conferido ao homem histórico, nunca se anuncia para esse homem de maneira imediata, mas sim de maneira velada nos modos do abrigo da verdade. Mas o acometimento do SEER, raro e esparso em si, emerge sempre da permanência de fora do SEER, cujo ímpeto e tenacidade não é menor do que os do acometimento. (tr. Casanova; GA65: 120)

O SEER como a essenciação do acontecimento apropriador não é, por isso, um mar vazio, o mar indeterminado do determinável, para o interior do qual nós já saltamos de um lugar qualquer “sendo”, mas o salto faz com que o aí experimente pela primeira vez a emergência, como pertinente ao que acontece apropriadoramente no clamor, como os sítios instantâneos do em algum lugar e quando. (tr. Casanova; GA65: 120)

Toda a abertura de um fosso abissal do SEER já está, com isso, codecidida na direção de sua manifestabilidade e de seu encobrimento iniciais. E pode ser que o outro início também não consiga senão reter o acontecimento apropriador uma vez mais em uma reluzência única, abrigando-a como clareira, de maneira correspondente ao modo como no primeiro início apenas a physis – e essa só muito diafanamente e por um instante – chegou à reunião (logos). (tr. Casanova; GA65: 120)

São sempre poucos aqueles chegam ao salto e esses chegam sempre por sendas diversas. Trata-se sempre das sendas da fundação criadora e sacrificial do ser-aí, em cujo tempo-espaço o ente é preservado como ente e, com isso, a verdade do SEER é abrigada. Isso, porém, acontece sempre no mais extremo encobrimento, o arrebatamento extasiante para o interior do in-calculável e único, na cumeada mais aguda e mais elevada, que constitui o seguir ao longo do a-bismo do nada e funda ele mesmo o abismo. (tr. Casanova; GA65: 120)

O salto mais próprio e mais amplo é o salto do pensar. Não como se a partir do pensar (enunciado) a essência do SEER fosse determinável, mas porque aqui, no saber em torno do acontecimento apropriador, a abertura do fosso abissal do ser é escalada e atravessada mais amplamente, de tal modo que as possibilidades do abrigo da verdade no ente podem ser mensuradas mais extensamente. (tr. Casanova; GA65: 120)

O pensar, como pensar inicial, funda o tempo-espaço em sua estrutura de arrebatamento extasiante, de encantamento, assim como ele escala e atravessa a abertura do fosso abissal do SEER na unicidade, liberdade, casualidade, necessidade, possibilidade e efetividade de sua essenciação. (tr. Casanova; GA65: 120)

Se tu colocares em um prato todas as coisas e o que se faz presente à vista, acrescentando aí as maquinações, nas quais o elemento cristalizado dessas coisas se acha solidificado, e se tu colocares em outro prato o projeto do SEER, acrescentando aí o peso do caráter de jogado do projeto, para onde a balança se inclinará? Para o lado do que se acha presente à vista, a fim de muito rapidamente deixar que a impotência do projeto caia no interior do espaço do ineficaz. Todavia, quem é aquele que pesa nessa balança e o que é o que se encontra presente à vista e o que brama nas maquinações? Tudo isso nunca alcança a verdade do SEER, mas dá apenas a aparência do fundamento e do incontornável, na medida em que se subtrai à verdade e gostaria de negar o seu elemento primeiro, a presença à vista, como algo nulo. (tr. Casanova; GA65: 121)

Quem salta por sobre essa balança e ousa o imponderável, recolocando o ente de volta no SEER? (tr. Casanova; GA65: 121)

Ora, mas onde está o espaço para provocar isso? O que pode ser pesado não precisa ser, para que a verdade do SEER se essencie? O impesável não precisa ser pesado de qualquer modo e sozinho na balança? (tr. Casanova; GA65: 121)

O ente no que há de mais próximo, habitual e contínuo sempre conseguirá exceder e expulsar o SEER. E isso não se apenas o ente mesmo se desdobrar reunido em si, mas também se o ente tiver se tornado objeto e instância das maquinações encobridoras e se dissolver em meio ao que não é. Aqui acontece a mais extrema dissipação do SEER na esfera pública mais habitual do ente que se tornou indiferente. (tr. Casanova; GA65: 121)

Será que mensuramos a partir daqui a não verdade, na qual o SEER precisa cair? Será que avaliamos sua verdade, que se essencia na direção oposta à sua dissipação como a pura recusa e que tem a unicidade por si tanto quanto a completa estranheza? (tr. Casanova; GA65: 121)

As sendas e as veredas mais silenciosas e mais íngremes precisam ser encontradas, a fim de conduzir para fora do hábito há muito tempo duradouro assim como da exploração do SEER, fundando para o SEER os sítios de sua es-senciação naquilo de que ele mesmo se apropria em meio ao acontecimento como acontecimento apropriador, no ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 121)

O salto é a realização do projeto da verdade do SEER no sentido da inserção no aberto, de tal modo que aquele que joga o projeto se experimenta como jogado, isto é, como apropriado pelo acontecimento por meio do SEER. A abertura por meio do projeto é apenas tal abertura, se ela acontecer como experiência do caráter de jogado e, com isso, do pertencimento ao SEER. Essa é a diferença essencial em face de todos os tipos de conhecimento apenas transcendentais no que concerne às condições de possibilidade. (tr. Casanova; GA65: 122)

O caráter de jogado, porém, se atesta e só se atesta nos acontecimentos fundamentais da história velada do SEER, e, em verdade, para nós sobretudo na indigência do abandono do ser e na necessidade da decisão. (tr. Casanova; GA65: 122)

Na abertura da essenciação do SEER torna-se manifesto que o ser-aí não realiza nada, a não ser iniciar o contraimpulso do acontecimento da apropriação, isto é, a não ser inserir nesse contraimpulso e, assim, se tornar ele mesmo: o que guarda o projeto jogado, o fundador fundado do fundamento. (tr. Casanova; GA65: 122)

Ousemos a palavra imediata: O SEER é o estremecimento da deização (do som prévio da decisão dos deuses sobre o seu deus). Esse estremecimento amplia o campo de jogo temporal, no qual ele mesmo ganha o aberto como recusa. Assim, o SEER “é” o acontecimento apropriador do acontecimento da apropriação do aí, daquele aberto no qual ele mesmo estremece. (tr. Casanova; GA65: 123)

O SEER precisa ser pensado a partir de uma exposição a esse extremo. Assim, porém, ele se clareia como o que há de mais finito e rico, como o que há de mais abissal de sua própria intimidade. Pois o SEER não é jamais uma determinação do próprio deus, mas o SEER é aquilo que precisa da deização do deus, a fim de permanecer, contudo, completamente diferente dessa deização. O ser (tal como a entidade da metafísica) não é nem a determinação mais elevada e mais pura do theion, de Deus e do “absoluto”, nem é aquilo que pertence a essa interpretação, a cobertura mais universal e mais vazia para tudo aquilo que não não “é”. No entanto, como recusa, o SEER não é o mero recuo e partida, mas, ao contrário: a recusa é intimidade de uma atribuição. O que é a-tribuído no estremecimento é a clareira do aí em sua abissalidade; o aí é atribuído como aquilo que precisa ser fundado, como ser-aí. Assim, por meio da verdade do SEER (pois isso é essa clareira atribuída), o homem é requisitado originariamente e de outro modo. O homem é nomeado por meio dessa requisição do próprio SEER como o guardião da verdade do SEER (ser homem como “cuidado”, fundado no ser-aí). (tr. Casanova; GA65: 123)

A situação de emergência essencial não deve se defender da emergência, a fim de afastá-la, mas precisa, em se defendendo, precisamente conservá-la e estendê-la para o interior da exportação resolutora de acordo com a ampliação do estremecimento. Assim, o SEER é como a recusa atributiva o acontecimento da apropriação do ser-aí. Esse acontecimento da apropriação, porém, tem o ímpeto para o próprio como estremecimento da deização, que precisa do campo de jogo temporal para a sua própria decisão. (tr. Casanova; GA65: 123)

A guarda do homem, contudo, é o fundamento de uma outra história. Pois ela não se realiza como mero manter-em-vista algo presente. Essa guarda é antes uma guarda fundante. Ela precisa erigir a verdade do SEER e abrigá-la no “entemesmo, que, assim, desdobra pela primeira vez novamente – inserindo no SEER e em seu estranhamento – a simplicidade encantadora de sua essência, ultrapassa toda maquinação e se subtrai à vivência em meio ao erigir de um outro domínio, isto é, de seu âmbito, do qual o último deus se apropriou em meio ao acontecimento. É somente por meio da queda e da reviravolta do ente que o ente bifurcado em maquinação e vivência e já calcificado no que não é chega a ceder diante do SEER e, com isso, alcança a sua verdade. (tr. Casanova; GA65: 123)

Toda mediação e salvação tíbias não fazem outra coisa senão aprisionar o ente ainda mais no abandono do ser e transformar o esquecimento do ser na única forma da verdade, a saber, da não verdade do SEER. Como é que o pressentimento poderia ganhar aí ainda o menor espaço possível, de tal modo que a recusa se mostrasse como o primeiro envio mais elevado do SEER, sim, como a sua própria essenciação inicial. Esse envio acontece apropriadoramente como a retração, que vincula ao silêncio, no qual a verdade segundo sua essência chega novamente à decisão sobre se ela pode ser fundada como a clareira para o encobrir-se. Esse encobrir-se é o desencobrimento da recusa, o deixar pertencer ao elemento estranho de um outro início. (tr. Casanova; GA65: 123)

Elevar à palavra conceptiva a essenciação do SEER, à palavra: que ousadia não reside em tal projeto? Esse saber, tal audácia inaparente, só pode ser suportada na tonalidade afetiva fundamental da retenção. Nesse caso, porém, ele também sabe que toda tentativa de fundamentar e explicar a ousadia de fora e, com isso, não a partir daquilo que ela ousa, fica aquém do que é ousado e o mina. Mas o que é ousado não permaneceria, então, de qualquer modo preso a um arbítrio? Com certeza. Só que ainda resta a questão de saber se esse arbítrio não seria a necessidade mais elevada de uma indigência compelidora, aquela indigência, que impõe à palavra o dizer pensante do ser. (tr. Casanova; GA65: 124)

O “tempo” deveria se tornar experimentável como o campo de jogoekstático” da verdade do SEER. O arrebatamento extasiante em meio ao clareado deveria fundar a própria clareira como o aberto, no qual o SEER se reúne em sua essência. Tal essência não pode ser comprovada como algo presente à vista, sua essenciação precisa ser esperada como um choque. O primeiro e longo permanece: poder esperar nessa clareira até que os acenos venham. Pois o pensar não tem mais o favor do “sistema”, ele é histórico no sentido único de que o SEER mesmo suporta pela primeira vez como acontecimento apropriador toda história e, por isso, nunca pode ser alcançado pelo cálculo. (tr. Casanova; GA65: 125)

No lugar da sistemática e da dedução entra em cena a prontidão histórica para a verdade do SEER. E isso exige anteriormente que essa verdade mesma crie já a partir de seu saber que quase não ressoa os traços fundamentais de seus sítios (o ser-aí), em cujos edificadores e guardiões o sujeito do homem precisa se transformar. (tr. Casanova; GA65: 125)

O que precisa permanecer, porém, é a extração em meio ao campo de jogo temporal do SEER. Essa extração acomete todo aquele que se tomou forte o suficiente para pensar inteiramente as primeiras decisões, em cujo âmbito uma seriedade sapiente serve conjuntamente com a era, à qual permanecemos próprios. Tal seriedade, por sua vez, não se depara mais com bom e mim, com decadência e salvação da tradição, com benevolência e violência, mas só vê e concebe aquilo que é, a fim de auxiliar a partir desse ente, no qual a inessência vigora como algo essencial, a saída em direção ao ceme do SEER, e a fim de trazer a história para o interior de seu fundamento imanente. Por isto, Ser e tempo não é nenhum “ideal” e nenhum “programa”, mas o início que se prepara da essenciação do SEER mesmo; não aquilo que nós repensamos, mas o que, contanto que tenhamos nos tornado suficientemente maduros, nos impõe a entrada em um pensar que nem fornece uma doutrina, nem ocasiona um agirmoral”, nem assegura a “existência”, mas que, ao contrário, “apenas” funda a verdade como o campo de jogo temporal, no qual o ente uma vez mais pode ser sendo, isto é, pode se transformar na guarda do SEER. (tr. Casanova; GA65: 125)

Outrora, a entidade se tornou o maximamente ente (ontos ón), e, de acordo com essa opinião, o SEER se transformou na essência do próprio Deus, por mais que Deus tenha sido concebido como a causa fabricadora de todo ente (a fonte do “ser” e, por isso, necessariamente ele mesmo o “SEER” supremo, o maximamente essente). Isso traz à tona a aparência de que o SEER (uma vez que transposto no maximamente essente) seria o mais elevadamente avaliado e, por conseguinte, também tocado em sua essência. E, não obstante, isso é um desconhecimento do SEER e um desvio em relação à questão acerca do SEER. (tr. Casanova; GA65: 126)

O SEER só alcança sua grandeza, se ele é reconhecido como aquilo de que o deus dos deuses e de que toda deização precisam. O “usado” se contrapõe a toda utilização. Pois ele é o acontecimento apropriador do acontecimento da apropriação do ser-aí, no qual o sítio silencioso é fundado como a essenciação da verdade, o campo de jogo temporal do passar ao largo, o em meio a desprotegido, que desencadeia a tempestade do acontecimento da apropriação. (tr. Casanova; GA65: 126)

O SEER não é e nunca é mais essente do que o ente, mas também não é mais inessente do que os deuses, porque esses em geral não “são”. O SEER “é” o entre em meio ao ente e aos deuses e ele é completamente e em todos os aspectos incomparável, “usado” por esses e subtraído àquele. Por isso, só alcançável no salto para o interior do abandono do ser como deização (recusa). (tr. Casanova; GA65: 126)

(A abertura do fosso abissal) Essa abertura é o desdobramento que permanece em si da intimidade do SEER mesmo, na medida em que nós o “experimentamos” como a recusa e como a recusa transvertora. Caso se quisesse tentar de qualquer modo o impossível e se buscasse apreender a essência do SEER com o auxílio das “modalidades” metafísicas, então poder-se-ia dizer: a recusa (a essenciação do SEER) é a mais elevada realidade efetiva do mais elevado possível enquanto possível, e, com isso, a primeira necessidade; contudo, seria preciso deduzir daí a proveniência das “modalidades” da ousia. Essa “elucidação” do SEER, porém, o arranca de sua verdade (da clareira do ser-aí) e o degrada ao pura e simplesmente presente à vista em si, a mais deserta desertificação que pode caber ao ente. E pensemos no que acontece se essa desertificação for transportada ainda até mesmo para o SEER! Ao contrário, precisamos tentar pensar a abertura do fosso abissal a partir daquela essência fundamental do SEER, graças à qual ele se mostra como o reino da decisão para a luta dos deuses. Essa luta joga por sua chegada e fuga, em cuja luta os deuses pela primeira vez se deízam e colocam em decisão seu deus. (tr. Casanova; GA65: 127)

O SEER é o estremecimento dessa deização, o estremecimento como extensão do campo de jogo temporal, no qual ele mesmo apropria para si a sua clareira (o aí) em meio ao acontecimento como a recusa. (tr. Casanova; GA65: 127)

A intimidade desse tremor carece da mais abissal abertura do fosso abissal, e, nessa abertura, é possível repensar, pressentindo, a inesgotabilidade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 127)

(O SEER e o homem) De onde vem para o homem o pressentimento e a representação do SEER? A partir da experiência do ente, costuma-se responder. Todavia, o que se tem em vista com isso? Será que a experiência do ente permanece apenas uma ocasião, a ocasião daquela representação do SEER? Ou será que o SEER é captado imediatamente como entidade “junto ao” ente e “no” ente? Além disso, encontra-se ao mesmo tempo diante de nós a pergunta frequentemente formulada: como é que alguém consegue experimentar o ente enquanto ente, sem saber sobre o SEER? (tr. Casanova; GA65: 128)

Ou será que o pressentimento do SEER chega ao homem precisamente não a partir do ente, mas a partir da única instância que pode ter o mesmo nível hierárquico do SEER, porque permanece a ele pertencente, a partir do nada? Como é, porém, que compreendemos aí o nada? Como o excesso da pura recusa. Quanto mais rico o “nada”, tanto mais simples o SEER. (tr. Casanova; GA65: 128)

Em um primeiro momento, contudo, é preciso fundar a verdade do SEER. Só então retiraremos da palavra fatídica “nada” o elemento nulo e lhe emprestaremos a força do aceno para a a-bissalidade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 128)

Só ao homem chega o pressentimento do SEER? De onde sabemos sobre esse elemento exclusivo? E esse pressentir do SEER é a primeira e essencial resposta à pergunta sobre o que o homem é? Pois a primeira resposta a essa pergunta é a transformação dessa pergunta e a sua colocação sob a forma: quem é o homem? (tr. Casanova; GA65: 128)

O homem pressente o SEER, ele é aquele que pressente o SEER, porque o SEER apropria para si o homem em meio ao acontecimento, e isso de tal modo que o acontecimento da apropriação carece somente de um si-próprio, um si mesmo, cuja ipseidade o homem tem de sustentar na insistência, que deixa o homem, estando-em no ser-aí, tornar-se aquele ente, que é apenas e primeiramente encontrado na questão sobre o quem. (tr. Casanova; GA65: 128)

O SEER “é”, visto a partir do ente, não o ente: aquilo que não é, e, assim, segundo o conceito habitual, o nada. Contra essa explicação, não é preciso trazer à tona nenhuma reserva, sobretudo se o ente for tomado como o elemento objetivo e presente à vista e o nada justamente como a completa negação do ente assim visado. Sendo que a própria negação tem o caráter do enunciado objetivo. Essa determinação “negativa” do “nada”, ligada ao conceito objetivo maximamente universal e vazio de “ser”, é, com certeza, o “que há de mais nulo”, pelo que qualquer um se vê imediata e facilmente tomado por aversão. Se nossa questão só dissesse respeito a essa nulidade admitida (de qualquer modo, porém, ainda não concebida), então ela não poderia pretender colocar a metafísica em questão e determinar a copertinência de SEER e nada de maneira mais originária. (tr. Casanova; GA65: 129)

O que aconteceria, contudo, se o SEER mesmo fosse o que se subtrai e se essenciasse como recusa? Isso seria algo nulo ou a mais elevada doação? E se for mesmo somente por força dessa negatividade do próprio ser que o “nada” conquista plenamente aquele “poder” que se atribui a ele, de cuja consistência emerge todo “criar” (tornar-se ente do ente)? (tr. Casanova; GA65: 129)

O elemento conflituoso precisa residir na essenciação do SEER mesmo, e o fundamento é o acontecimento da apropriação como recusa, que é uma atribuição. Nesse caso, a negação e o não seriam até mesmo o salto mais originário no SEER. (tr. Casanova; GA65: 129)

Se essa essência deve ser denominada em poucas palavras, então isso talvez possa ser feito com sucesso na locução: O SEER se essencia como acontecimento apropriador da fundação do aí, na forma reduzida: como acontecimento apropriador. Todavia, tudo permanece aqui envolto em incompreensões; e, mesmo se essas incompreensões forem alijadas, é preciso sempre levar em consideração o fato de que nenhuma fórmula diz o essencial, porque toda fórmula só costuma ser pensada e dita em um plano e em um aspecto. No entanto, uma primeira elucidação pode oferecer algum auxílio, para que superemos o caráter da fórmula. (tr. Casanova; GA65: 130)

Acontecimento apropriador da fundação do aí deve querer dizer como genitivo objetivo que o aí, a essenciação da verdade em sua fundação (o mais originário do ser-aí), é apropriado em meio ao acontecimento, e a fundação mesma clareia o encobrir-se, o acontecimento apropriador. A viragem e o pertencimento da verdade (clareira do encobrir-se) à essência do SEER. (tr. Casanova; GA65: 130)

A partir da essência originária da verdade determina-se pela primeira vez o verdadeiro e, com isso, o ente; e, com efeito, de tal modo que agora não é mais o ente que é, mas o SEER que emerge como que por um salto para o “ente”. Por isso, no outro início do pensar, o SEER é experimentado como acontecimento apropriador; e isso de tal modo, com efeito, que essa experiência muda como um novo salto todas as referências ao “ente”. Desde então, o homem, isto é, o homem essencial e os poucos de seu tipo, precisa construir a partir do ser-aí a sua história, o que significa que, antes de tudo, é a partir do SEER para o ente que ele precisa provocar efeitos no ente. Não apenas como até aqui, de tal modo que o SEER se mostre como algo esquecido, mas incontornavelmente apenas pré-visado, mas de tal modo que o SEER, sua verdade, suporte expressamente toda e qualquer ligação com o ente. Isso exige a retenção como tonalidade afetiva fundamental, que afina inteiramente aquela guarda no tempo-espaço para o passar ao largo do último deus. (tr. Casanova; GA65: 130)

Não é possível calcular se terá sucesso esse revolvimento do homem até aqui, isto é, a fundação anterior da verdade mais originária no ente de uma nova história. Ao contrário, tudo depende da doação ou da subtração do próprio acontecimento da apropriação; e isso mesmo se a essenciação do SEER já tiver sido previamente pensada na meditação atual e se ela tiver se tornado consciente nos seus traços fundamentais. (tr. Casanova; GA65: 130)

No outro início, não pode mais se tornar normativo para o SEER um ente, um âmbito e uma região determinados, assim como o ente enquanto tal. Aqui, é preciso lançar o pensamento tão para fora, ou melhor, tão para o interior do aí, que a verdade do SEER reluza originariamente. (tr. Casanova; GA65: 130)

O SEER torna-se o estranho e, com efeito, de tal modo que a fundação de sua verdade eleve a estranheza e, com isso, todo ente conserve esse SEER em sua estrangeiridade. Somente então se cumpre a plena unicidade do acontecimento apropriador e de toda instantaneidade atribuída a ele do ser-aí. Somente então o mais profundo desejo é liberto de seu fundamento como o elemento criador, que é preservado na retenção maximamente silenciosa de se degradar em um mero impelir insuficiente de impulsos cegos. (tr. Casanova; GA65: 130)

A medida excessiva não é nenhuma mera demasia quantitativa, mas o subtrair-se a toda avaliação e mensuração. Nesse subtrair-se (encobrir-se), porém, o SEER tem a sua proximidade mais imediata na clareira do aí, na medida em que ele se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento. (tr. Casanova; GA65: 131)

A contenda do SEER contra o ente, contudo, é esse encobrir-se da retenção de um pertencimento originário. Assim, o acontecimento da apropriação tem nesse subtrair-se doador por toda parte a essência do encobrir-se, o que, para se essenciar, precisa da mais ampla clareira. (tr. Casanova; GA65: 131)

(SEER e ente) Essa diferenciação foi concebida desde Ser e tempo como “diferença ontológica”, e isso com o intuito de assegurar a questão acerca da verdade do SEER contra toda mistura. Ao mesmo tempo, porém, essa diferenciação é impelida para a via, da qual ela provém. Pois aqui se faz valer a entidade como ousia, idea, e, subsequentemente, a objetualidade como condição de possibilidade do objeto. Por isso, na tentativa de superação do primeiro ponto de partida da questão do ser em Ser e tempo e em suas irradiações (“Da essência do fundamento” e o livro sobre Kant), foi preciso levar a termo a tentativa alternante de se assenhorear da “diferença ontológica”, concebendo sua própria origem, isto é, sua unidade autêntica. Por isso, careceu-se do empenho por se libertar da “condição de possibilidade” como um caminho de volta apenas “matemático” e por conceber a verdade do SEER a partir de sua própria essência (acontecimento apropriador). Por isso, o elemento aflitivo e ambíguo dessa diferenciação. Pois assim como ela é necessária, pensada a partir do campo tradicional, para criar em geral um primeiro círculo de visão para a questão do SEER, essa diferenciação permanece de qualquer modo fatídica. Pois essa diferenciação emerge, sim, precisamente de uma questão acerca do ente enquanto tal (acerca da entidade). Por essa via, porém, nunca se chega imediatamente à questão do SEER. Em outras palavras, essa diferenciação transforma-se precisamente em uma barreira propriamente dita, que impede um questionamento da questão do SEER, na medida em que o que se tenta é continuar questionando a sua unidade sob o pressuposto da diferença em relação ao SEER. Essa unidade, contudo, nunca pode permanecer senão a imagem refletida da diferença e jamais tem como conduzir à origem, a partir da qual essa diferenciação pode ser vislumbrada como não sendo mais a diferenciação originária. Por isto, o importante é não ultrapassar o ente (transcendência), mas saltar por sobre essa diferença e, com isso, sobre a transcendência, questionando inicialmente a partir do SEER e da verdade. (tr. Casanova; GA65: 132)

No pensamento transitório, no entanto, nós precisamos suportar esse elemento ambíguo: por um lado, tomar essa diferenciação como ponto de partida para a primeira clarificação e, então, porém, saltar precisamente por sobre essa diferenciação. Esse saltar por sobre, entretanto, acontece concomitantemente por meio do salto como a sondagem do fundamento da verdade do SEER, por meio do salto para o interior do acontecimento apropriador do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 132)

O SEER precisa do homem, para que ele se essencie, e o homem pertence ao SEER, algo com vistas ao que ele consuma a sua mais extrema determinação enquanto ser-aí. O SEER, porém, não se torna com isso dependente de um outro, ainda que esse precisar constitua sua essência e não seja apenas uma consequência da essência? Como é que temos o direito de falar de de-pendência onde esse precisar recria precisamente o que é precisado em seu fundamento, dominando-o para o seu si mesmo. E como é que o homem, inversamente, pode colocar o SEER sob a conformidade de sua mensagem, se ele precisa passar de qualquer modo a se dar por perdido junto ao ente, a fim de se tornar o apropriado em meio ao acontecimento e aquele que pertence ao SEER. Esse impulso mútuo do precisar e do pertencer constitui o SEER enquanto acontecimento apropriador, e alçar o impulso desse impulso mútuo para o interior da simplicidade do saber e fundá-lo em sua verdade é o primeiro que se oferece a nós de maneira pensante. (tr. Casanova; GA65: 133)

Nesse caso, porém, nós precisamos recusar o hábito de querer assegurar essa essenciação do SEER como algo arbitrariamente representável para qualquer um a qualquer momento. (tr. Casanova; GA65: 133)

A unicidade do SEER (como acontecimento apropriador), a irrepresentabilidade (nenhum objeto), a mais elevada estranheza e o essencial encobrir-se: essas são indicações, de acordo com as quais nós precisamos primeiro nos preparar, a fim de, contra a obviedade do SEER, pressentirmos o que há de mais raro, em cuja abertura nos encontramos, mesmo se nosso ser<ser humano sempre empreender na maioria das vezes o estar fora. (tr. Casanova; GA65: 133)

Em Ser e tempo, essa ligação é concebida pela primeira vez como “compreensão de ser”, sendo que compreender precisa ser concebido como projeto e a projeção como jogada, o que quer dizer pertencente ao acontecimento da apropriação por parte do próprio SEER. (tr. Casanova; GA65: 134)

Se desconhecermos, porém, a estranheza e a unicidade (incomparabilidade) do SEER, e, juntamente com isso, a essência do ser-aí, então decairemos por demais facilmente na opinião, segundo a qual essa “ligação” corresponderia ou precisaria ser mesmo equiparada àquela entre sujeito e objeto. Todavia, o ser-aí superou toda subjetividade, e SEER nunca é objeto e aquilo que se encontra contraposto, algo re-presentável; capaz de se mostrar como objeto é sempre apenas o ente e mesmo aqui nem todo. (tr. Casanova; GA65: 134)

O que aconteceria, porém, se a “subjetividade”, tal como em Kant, fosse concebida como transcendental e, com ela, a ligação com a objetualidade do objeto; e se, além disso, o objeto, a “natureza”, fosse considerada como o único ente experimentável, e se, com isso, a objetualidade fosse equivalente à entidade? Não se oferece aí uma oportunidade, sim, uma posição fundamental historicamente única, junto à qual, apesar de todas as diferenças essenciais, aquela ligação do ser-aí e do SEER pode ser aproximada pela primeira vez dos homens de hoje a partir do que se teve até aqui? Com certeza. E foi isso que tentamos empreender no “livro sobre Kant”. No entanto, isso só foi possível pelo fato de que nós violentamos Kant na direção de uma concepção mais originária justamente do projeto transcendental em sua unidade, na exposição da imaginação transcendental. Essa interpretação de Kant é certamente incorreta em termos “historiológicos”; certamente também, contudo, ela é historicamente essencial, ou seja, na ligação com a preparação do pensamento por vir e somente aí, ela é uma indicação histórica para algo completamente diverso. (tr. Casanova; GA65: 134)

Apesar disso, tal como já acontecia com os gregos, o pensar (logos – formas do juízo – categoriasrazão) mantém junto a ele a primazia na fixação do círculo de visão da interpretação do ente enquanto tal. Além disso, de acordo com o processo cartesiano, o pensar enquanto “pensar” chega a alcançar o domínio, e o ente mesmo se torna, em consonância com o mesmo fundamento histórico, o perceptum (representado), o objeto. Por isso, não há como chegar a uma fundação do ser-aí, isto é, a questão acerca da verdade do SEER é aqui inquestionável. (tr. Casanova; GA65: 134)

A essenciação do SEER como acontecimento apropriador encerra em si o acontecimento da apropriação do ser-aí. De acordo com isso, considerado rigorosamente, o discurso acerca da ligação entre ser-aí e SEER induz em erro, na medida em que sugere a opinião, segundo a qual o SEER se essenciaria “por si” e o ser-aí acolheria a ligação com o SEER. (tr. Casanova; GA65: 135)

A ligação do ser-aí com o SEER pertence à essenciação do próprio SEER, o que também pode ser dito assim: o SEER precisa do ser-aí, não se essencia de maneira alguma sem esse acontecimento da apropriação. (tr. Casanova; GA65: 135)

O discurso sobre a ligação do ser-aí com o SEER torna o SEER ambíguo, ele o torna o em-face-de, o que ele não é, na medida em que ele mesmo se apropria primeiro sempre a cada vez em meio ao acontecimento daquilo para o que ele deve se essenciar como um em face de. Por isto, essa ligação também é completamente incomparável com a ligação-sujeito-objeto. (tr. Casanova; GA65: 135)

SEER – a estranha crença equivocada em que o SEER precisaria sempre “ser” e em que quanto mais constantemente e duradouramente ele fosse, tanto mais “essente” ele seria. Mas em primeiro lugar, o SEER em geral não “é”, mas se essencia. E, em segundo lugar, o SEER é o que há de mais raro e mais único, e ninguém tem como avaliar os pontos instantes, nos quais ele funda para si um sítio e se essencia. Como é que se chega ao fato de que o homem se equivoca tanto em relação ao SEER? Porque ele precisa se ver exposto ao ente, a fim de experimentar a verdade do SEER. Nessa exposição, o ente é o verdadeiro, o aberto; e isso porque o SEER se essencia como o que se encobre. Assim, o homem se mantém no ente e se torna útil ao ente, caindo como uma presa no esquecimento do SEER; e, em verdade, tudo isso sob a aparência de realizar o que há de próprio e de permanecer próximo do SEER. (tr. Casanova; GA65: 136)

Somente onde o SEER se retém como o que se encobre é que o ente pode vir à tona e aparentemente dominar tudo, representando a única barreira contra o nada. E, não obstante, tudo isso se funda na verdade do SEER. Mas, então, porém, a próxima e única consequência é deixar o SEER e até mesmo esquecê-lo no velamento. Todavia: deixar o SEER no velamento e experimentar o ser como o que se encobre são duas coisas fundamentalmente diversas. A experiência do SEER, o suportar a sua verdade, traz, com certeza, o ente de volta para as suas barreiras e retira dele a aparente unicidade de seu primado. No entanto, assim ele não se torna menos essente, mas, ao contrário, mais essente, isto é, mais essencial na essenciação do SEER. (tr. Casanova; GA65: 136)

Se falarmos sobre a ligação do homem com o SEER e, inversamente, do SEER com o homem, então isso soa facilmente como se o SEER se essenciasse para o homem como um em-face-de e como um objeto. Mas o homem é apropriado em meio ao acontecimento como ser-aí pelo SEER como o acontecimento apropriador e, assim, ele pertence ao próprio acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 136)

O SEER não “está” nem em volta do homem, nem oscila apenas também através dele como um ente. Ao contrário, o ser se apropria em meio ao acontecimento do ser-aí e se essência assim pela primeira vez como acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 136)

O SEER se essencia como acontecimento apropriador. Esse é o fundamento e o abismo da disposição do deus sobre o homem e, em meio a uma viragem, do homem para o deus. Essa disposição, porém, só é suportada no ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 136)

(Se o SEER nunca pode ser determinado como o “que há de mais geral” e “mais vazio” e “mais abstrato”, porque ele permanece inacessível a todo re-presentar, então também não é possível, e, com efeito, pela mesma razão, expô-lo como o “que há de mais concreto” e, ainda menos, concebê-lo como o acoplamento dessas duas interpretações em si insuficientes). (tr. Casanova; GA65: 136)

A disposição em meio à viragem é afinada em consonância com o ser-aí na tonalidade afetiva da retenção, e o elemento afinador é o acontecimento apropriador. Se, contudo, nós interpretarmos a tonalidade afetiva segundo a nossa representação de “sentimento”, então poder-se-ia dizer aqui facilmente: ao invés de estar referido ao “pensar”, o SEER está referido agora ao “sentir”. Mas o quão sentimental e extrinsecamente não pensamos aí sobre os “sentimentos” como “faculdades” e “fenômenos” de uma “alma”; o quão distantes nos encontramos da essência da tonalidade afetiva, quer dizer, do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 136)

Caso ainda seja permitido caracterizar para um entendimento imediato o SEER do “ente”, então recorreremos aqui ao efetivamente real como o propriamente ente. O efetivo é o que conhecemos como o que se presenta, o constante. (tr. Casanova; GA65: 136)

No outro início, porém, o ente nunca é o efetivo no sentido desse ente “atual”. Mesmo lá onde ele vem ao encontro constantemente, para o projeto originário da verdade do SEER, esse ente é o que há de mais fugidio. (tr. Casanova; GA65: 136)

Efetivo, isto é, essente, é o lembrado e é ainda o pronto. Lembrança e preparação abrem o campo de jogo temporal do SEER, para o qual o pensar precisa abjurar a “atualidade” como a única e primeira determinação até aqui. (Porque é aqui que reside o campo de decisão imediato sobre a verdade do SEER, o salto para o outro início precisou ser tentado como Ser e tempo). Todavia, se gostaria ainda de deixar a partir da concepção habitual do tempo (desde AristótelesPlatão) o nyn em seu primado, deduzindo apenas a partir de sua modulação o passado e o futuro; e isso sobretudo porquanto a lembrança só pode ser lembrada a partir de e em recurso a algo atual e a algo atual em seu sido, e sobretudo porquanto algo futuro não tem senão a determinação de se tornar algo atual. (tr. Casanova; GA65: 136)

No outro início, a própria essenciação do SEER em sua completa estranheza em face do ente precisa ser alcançada como o elemento inicial. O ente mesmo não é mais o familiar, a partir do qual o SEER só poderia ser destacado como um resto decantado, como se o SEER fosse apenas a determinação maximamente universal ainda não concebida do ente de resto conhecido. No outro início consuma-se o mais extremo arrebatamento extasiante do “ente” como o supostamente normativo, por mais que ele continue ainda dominando todo pensamento. O SEER não é aqui o gênero ulterior, não é a causa que se acrescenta, não é o elemento abrangente que se encontra por detrás ou acima do ente. Desse modo, o SEER permanece aviltado e transformado em um adendo, cujo caráter de adendo não anula mais nenhuma ascensão em direção à “transcendência”. O SEER é muito mais a essenciação a partir da qual e de volta à qual o ente, desvelado e abrigado, se torna pela primeira vez essente enquanto ente. A questão acerca da diferença entre ser e ente tem aqui um caráter completamente diverso do que no âmbito de questionamento da questão diretriz (da ontologia). O conceito de “diferença ontológica” apenas prepara enquanto transição da questão diretriz para a questão fundamental. (tr. Casanova; GA65: 137)

A verdade do SEER, na qual e como a qual sua essenciação se encobre, se abrindo, é o acontecimento apropriador. E isso é ao mesmo tempo a essenciação da verdade enquanto tal. Na viragem do acontecimento apropriador, a essenciação da verdade é sobretudo a verdade da essenciação. E essa contravolta mesma pertence ao SEER enquanto tal. A questão: porque a verdade é em geral como encobrimento clareador? pressupõe a verdade do por quê. Os dois, contudo, a verdade e o porquê (clamor da fundação), são o mesmo. Essenciação é a verdade pertinente ao SEER, que emerge dele. Somente lá onde, como no primeiro início, a essenciação vem à tona como presentação, chega-se logo à cisão entre o ente e sua “essência”, o que é justamente a essenciação do SEER como presentidade. Aqui permanece necessariamente sem poder ser experimentada e colocada a questão acerca do SEER enquanto tal e, isso significa, a questão acerca de sua verdade. (tr. Casanova; GA65: 137)

Observação prévia: caso se considere, sem anteriormente devotar uma escuta ao que é dito em Ser e tempo sobre a compreensão de ser, o compreender como uma espécie de conhecimento constatador das “vivências” internas de um “sujeito” e, de maneira correspondente, aquele que compreende como um eu-sujeito, então toda concepção daquilo que se tem em vista com a compreensão de ser estará fadado ao fracasso. Em seguida, ocorrem inevitavelmente as mais toscas interpretações falsas, por exemplo, a de que por meio da compreensão de ser o SEER (o que se tem em vista é, além disso, o ente) se tornaria “dependente” do sujeito, de tal modo que tudo confluiria para um “idealismo”, cujo conceito permanece, além disto, obscuro. (tr. Casanova; GA65: 138)

O SEER se essencia; o ente é; O SEER se essencia como acontecimento apropriador. A esse acontecimento pertence a unicidade e o estranhamento na instantaneidade dos sítios que acometem inesperadamente e assim pela primeira vez se difundem. (tr. Casanova; GA65: 139)

Em que figura o acometimento do SEER é colocado e preservado pela primeira vez fornece o sinal prévio do âmbito para o abrigo da verdade do deus que está chegando e fugindo. (tr. Casanova; GA65: 139)

Até que ponto aquilo que se tornou há muito tempo infundado e ainda continua subsistindo, porém, como algo usual pode ser um dia trazido ainda para o interior da prontidão para o acometimento, é algo que só é decidido com o âmbito da irrupção da verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 139)

O SEER se essencia como acontecimento apropriador. Essa não é nenhuma proposição, mais o silenciamento inconcebível da essência, que só se abre para a completa realização histórica do pensar inicial. Somente a partir da verdade do SEER emerge historicamente o ente, e a verdade do SEER é abrigada na insistência do ser-aí. Por isto, “o ser”, por mais genérico que o nome possa soar, nunca pode se tornar o comum. E, contudo, ele se essencia, lá onde e quando ele se essencia, de maneira mais próxima e mais íntima do que qualquer ente. Aqui, a partir do ser-aí, é pensada a completa alteridade da ligação com o SEER: ela é levada a termo; e isso acontece no tempo-espaço que emerge do arrebatamento extasiante e fascinante da própria verdade. O próprio tempo-espaço é uma região contenciosa querelante. No primeiro início, a partir da tomada de assalto imediata sobre o ente enquanto tal (physis, idea, ousia), o que se tornou concebível disso, se tornando normativo para toda a interpretação do ente, foi apenas a presentação. O tempo, nesse caso, foi concebido como presente e o espaço, isto é, o lugar, como aqui e lá, no interior da presentidade e pertencente a ela. Em verdade, porém, o espaço não possui nenhuma presença, assim como nenhuma ausência. Espacialização temporalizante – temporalização espacializante como a região mais próxima da junção fugidia para a verdade do SEER, mas nenhuma queda nos conceitos comuns formais de espaço e tempo (!), senão retomada da contenda, mundo e terraacontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 139)

Caso não busquemos salvação em uma explicação do ser (da entidade) por meio do estabelecimento da primeira causa de todo ente, causa essa que causa a si mesma; caso não se dissolva o ente enquanto tal na objetualidade e não se explique uma vez mais a entidade agora a partir da re-presentação do objeto e de seu a priori; caso o SEER mesmo deva chegar à essenciação e, contudo, todo tipo de ente deva ser mantido distante dele, então isso só se dará a partir de uma meditação necessária (o abandono do ser como consistindo em indigência), para a qual isso se torna inequívoco: A verdade do ser e, assim, esse ser mesmo só se essenciam onde e quando se dá o ser-aí. Ser-aí “é” apenas onde e quando o ser da verdade se dá. Uma, sim, a viragem, que indica justamente a essência do ser mesmo como o acontecimento apropriador contra-agitando-se em si. O acontecimento apropriador funda em si o ser-aí (I.). O ser-aí funda o acontecimento apropriador (II.). Fundar é aqui marcado pela viragem: I. sustentador e inteiramente imperante, II. instituidor projetante. (tr. Casanova; GA65: 140)

O acontecimento da apropriação do ser-aí por parte do SEER e a fundação da verdade do ser no ser-aí – a viragem no acontecimento apropriador não é nem na conclamação (permanência de fora), nem no pertencimento (abandono do ser) algum dia resolvida sozinha, também não pelos dois juntos. Pois essa junção e os dois mesmos só se tornam acessíveis pela primeira vez no acontecimento apropriador. No acontecimento apropriador, esse acontecimento mesmo vibra na contravibração. (tr. Casanova; GA65: 141)

O estremecimento dessa vibração na viragem do acontecimento apropriador é a essência velada do SEER. Esse encobrimento se clareia como encobrimento apenas na mais profunda clareira dos sítios do instante. O SEER “precisa”, para se essenciar com aquela raridade e unicidade, do ser-aí, e esse ser-aí funda o ser<ser humano, é para ele o fundamento, na medida em que o homem o funda, suportando-o, insistentemente. (tr. Casanova; GA65: 141)

O estremecimento da vibração na viragem, a apropriação do ser-aí pertinente-fundador-acolhedor para o aceno; essa essenciação do SEER não é ela mesma o último deus. Ao contrário, a essenciação do SEER funda o abrigo e, com isso, o resguardo criador do deus, que sempre apenas deiza inteiramente o SEER em obra e sacrifício, em ato e pensamento. Portanto, o pensar enquanto pensar inicial do outro início também consegue chegar à longínqua proximidade do último deus. Ele chega até ela por meio da e em sua história de autofundação; mas isso nunca sob a figura de um resultado, de um modo de re-presentação a ser trazido à tona, que traz o deus para o abrigo. Todas as pretensões como essas, aparentemente supremas, são baixas e não passam de uma degradação do SEER! (tr. Casanova; GA65: 142)

O SEER como acontecimento apropriador. O acontecimento da apropriação determina o homem para a propriedade do SEER. Portanto, o SEER ainda é de qualquer modo o outro em face do acontecimento apropriador? Não, pois propriedade é aqui pertencimento ao acontecimento da apropriação e esse acontecimento mesmo é o SEER. (tr. Casanova; GA65: 143)

O deus não é nem “essente”, nem “não essente”. Ele também não pode ser equiparado com o SEER, mas o SEER se essencia tempo-espacialmente como aquele “entre”, que nunca pode ser fundado no deus, mas tampouco no homem como presente à vista e vivente, mas no ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 143)

O SEER e a essenciação de sua verdade são do homem, na medida em que ele vem a ser insistentemente como ser-aí. Mas isso significa ao mesmo tempo: o SEER não se essencia pela graça do homem, pelo fato apenas de que o homem ocorre. (tr. Casanova; GA65: 143)

O SEER “é” do homem, de tal modo, com efeito, que o homem é usado pelo próprio SEER como o guardião do sítio instantâneo da fuga e da chegada dos deuses. (tr. Casanova; GA65: 143)

A partir de um ente apanhado qualquer querer destacar o SEER é impossível, sobretudo porque um “ente qualquer”, quando ele é experimentado como verdadeiro, já sempre se mostra como o outro de si mesmo; não, por exemplo, um outro qualquer, como o seu oposto que lhe pertence. Ao contrário, o outro tem em vista aqui àquilo que deixa ser ente um ente como o abrigo da verdade do ser. (tr. Casanova; GA65: 143)

A origem da contenda a partir da intimidade do não no SEER! Acontecimento apropriador. A intimidade do não no SEER: pertencente em primeiro lugar à sua essenciação. Por quê? Ainda se pode perguntar assim? Se não, por que razão não? A intimidade do não e o contencioso no ser: isso não é a negatividade de Hegel? Não, e, porém, Hegel, como já tinha acontecido com O sofista de Platão e, antes dele, com Heráclito, experimentou algo essencial de um modo mais essencial e, contudo, uma vez mais, de forma diversa, algo essencial, mas suspenso no saber absoluto; a negatividade está aí apenas para desaparecer e colocar em curso o movimento da suspensão. Precisamente não a essenciação. Por que não? Porque o ser é determinado como entidade (realidade efetiva) a partir do pensar (saber absoluto). Não isto e isto em primeiro lugar e sozinho é que é válido, o fato de que mesmo a contra-parte “é” e os dois se compertencem, mas se já temos o contrário como contravibração, então isso se dá como acontecimento apropriador. Antes disso, nunca há senão suspensão e reunião (logos). Agora, contudo, temos libertação e abismo e a completa essenciação no tempo-espaço da verdade originária. Agora não o noein, mas a insistência que abriga. A contenda como essenciação do “entre”, não como o também deixar vigorar do adverso. Com efeito, reside na sentença de Heráclito sobre o polemos uma das maiores intelecções da filosofia ocidental, e, contudo, ela não podia ser desdobrada em nome da questão acerca da verdade, assim como também não em nome da questão acerca do ser. De onde, contudo, a intimidade do não no SEER? De onde tal essenciação do SEER? Sempre uma vez mais, o questionamento se choca com esse ponto; trata-se da questão acerca do fundamento da verdade do SEER. Mas a verdade mesma é o fundamento. E ela? Ela emerge no se-manter-na-verdade! Todavia, como é essa origem? Manter-se na verdade, nossa irrupção e vontade a partir de nossa indigência, porque nós nos entregamos à responsabilidade e nos identificamos – a nós? Quem somos nós mesmos? Portanto, porém, não o nosso, mas o fato de que nós suportamos o si mesmo por meio da abertura, e de que, no si mesmo, se abre veladamente o para si e, com isso, o SEER como acontecimento apropriador. E, por conseguinte, não “nós” como o ponto de partida, mas “nós”: como expostos e transpostos, mas no esquecimento dessa transposição. Se, assim, o acontecimento apropriador brilha em meio à determinação da ipseidade, então reside aí a indicação para a intimidade. Quanto mais originariamente nós somos nós mesmos, tanto mais amplamente somos voltados para fora já em meio à essenciação do SEER; e, inversamente. Somente se o ponto base da questão for tomado aqui é que o “fundamento” da intimidade será aberto. Esse ponto de base é o decisivo. O SEER não é nada “humano” como o seu produto, e, no entanto, a essenciação do SEER necessita do ser-aí e, assim, da insistência do homem. (tr. Casanova; GA65: 144)

Em toda a história da metafísica, isto é, em geral no pensamento até aqui, o “ser” é sempre concebido como entidade do ente e, assim, como esse ente mesmo. Ainda hoje, junto a todos os “pensadores”, a equiparação entre ser e ente e, em verdade, com base em uma impotência de diferenciação, antecede por assim dizer a toda filosofia. De maneira correspondente, o nada é sempre concebido como o não-ente e, com isso, como negativo. Caso se estabeleça até mesmo o “nada” nesse sentido como meta, então o “niilismo pessimista” e o desprezo por toda a “filosofia do nada” fraca conquistam o seu direito, e, antes de tudo: se está desonerado de todo e qualquer questionamento, desoneração essa cujo empreendimento distingue o “pensador heroico”. Com todas essas coisas, a minha questão acerca do nada, que emerge da questão acerca da verdade do SEER, não tem o mais mínimo em comum. O nada não é nem negativo, nem é a “meta”, mas o estremecimento essencial do SEER mesmo e, por isto, mais essente do que qualquer ente. (tr. Casanova; GA65: 145)

Quando, em “O que é metafísica?”, a sentença oriunda da lógica de Hegel é introduzida: “Ser e nada são o mesmo”, então isso significa e só pode significar uma correspondência para a reunião de ser e nada em geral. No entanto, precisamente para Hegel, o “SEER” não apenas é um estágio determinado, primeiro, daquilo que precisa ser pensado futuramente sob o termo SEER, mas esse primeiro é pensado como o in-determinado, i-mediato, justamente já a pura negatividade da objetualidade e do pensar (entidade e pensamento). Assim como será difícil para o futuro se desprender do pensar da “metafísica”, também permanecerá insuficiente para ele de início o “nada”, que é mais elevado do que todo “positivo” e “negativo” computado conjuntamente com o ente. (tr. Casanova; GA65: 145)

O questionar pensante precisa primeiro ter alcançado uma originariedade em termos da força que diz sim, força essa que se encontra essencialmente para além de todos os otimismos de uma força bruta e de todo heroísmo programático, a fim de ser forte o suficiente para experimentar o elemento niilizador no próprio SEER, que nos es-panta, como a mais velada doação. Neste caso, então, se reconhece naturalmente que o nada jamais se deixa computar e calcular contra o SEER porque o SEER (e isto significa, o nada) é o entrementes para o ente e para a deização e nunca pode se tornar “meta”. (tr. Casanova; GA65: 145)

Como o não pertence à essência do SEER (a maturidade como viragem no acontecimento apropriador; cf O último deus), o SEER pertence ao não; isto é, o propriamente niilizante é o que é dotado de caráter de não e de modo algum o mero “nada”, tal como ele é representado por meio da negação representadora de algo; representação essa, com base na qual se pode, então, dizer: o nada não “é”. Mas o não-seer se essencia e o SEER se essencia, o não-ser se essencia na inessência, o SEER se essencia como dotado do caráter de não. Somente porque o SEER se essencia com o caráter do não, ele tem como o seu outro o não-ser. Pois esse outro é o outro de si mesmo. Como se essenciando com o caráter do não, ele possibilita e impõe ao mesmo tempo a alteridade. De onde, porém, provém aqui a restrição mais extrema ao um e ao outro e, assim, o ou-ou? A partir da unicidade do SEER obtém-se a unicidade do não que lhe pertence e, com isto, do outro. O um e o outro se impõem eles mesmo o ou-ou como algo primeiro. Em meio a esta diferenciação que parece ser maximamente universal e vazia, porém, é preciso saber que ela só é tal diferenciação para a interpretação da entidade como idea (ser e pensar!): algo (qualquer e em geral) e o não-algo (o nada); o não também é igualmente, em termos representacionais, sem fundamento e vazio. Mas essa diferenciação, que parece ser maximamente universal e vazia, é a decisão mais única e mais plena, e, por isto, nunca pode ser pressuposta uma representação indeterminada de “SEER”, de tal modo que haveria SEER, sem autoilusão; ao contrário, o SEER como acontecimento apropriador. O acontecimento apropriador como a renúncia hesitante e, aí, a maturidade do “tempo”, a potência do fruto e a grandeza da doação, mas na verdade enquanto clareira para o encobrir-se. A maturidade é prenhe do “não” originário, amadurecimento como não sendo ainda doação, não mais as duas coisas na contravibração, ela mesma na hesitação fracassada e, assim, a fascinação no arrebatamento extasiante. Aqui pela primeira vez o niilizante que se essencia do SEER enquanto acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 146)

O que significa: o ser “é” in-finito? A questão não pode ser de maneira alguma respondida, se a essência do SEER não se encontrar concomitantemente em questão. E o mesmo vale para a sentença: o ser é finito, se in-finitude e finitude foram consideradas como conceitos de grandeza presentes à vista. Ou se tem em vista com isso uma qualidade e qual? A questão acerca da essenciação do SEER se encontra por fim fora da contenda daquelas sentenças; e a sentença “o SEER é finito” só é visada como rejeição transitória em relação ao “idealismo” de todo e qualquer tipo. Caso nós nos movimentemos, porém, na contenda daquelas sentenças, então seria preciso dizer: se o SEER é estabelecido como infinito, então ele é precisamente determinado. Se ele for estabelecido como finito, então sua a-bissalidade é afirmada. Pois o in-finito não pode ser visado como o que flui sem fim, apenas se espalhando, mas precisa ser pensado como o círculo fechado! Em contrapartida, o acontecimento apropriador se encontra em sua “viragem”! (contenciosa). (tr. Casanova; GA65: 147)

(O ente é) De maneira imediata, essa sentença não diz nada. Pois ela repete apenas o que já foi dito com “o ente”. A sentença não diz nada, enquanto ela é compreendida imediatamente, até o ponto em que isto é em geral possível, ou seja, enquanto ele for pensado de modo desprovido de pensamentos. Em contrapartida, se a sentença for voltada imediatamente para o âmbito da verdade: o ser se essencia, então ela diz: o ente pertence à essenciação do SEER. E, agora, a sentença sai de uma obviedade desprovida de pensamento para a questionabilidade. Mostra-se que a sentença não é algo derradeiro em meio à dizibilidade, mas o que há de mais provisório na questionabilidade. (tr. Casanova; GA65: 148)

O que isso significa: pertencente à essenciação do ser? E ao mesmo tempo também se levanta a questão: o ente, qual? O que é para nós o ente? O em face de? O afastado, que nós deixamos ser posicionado como objeto? O ente a partir do encontro como “sendo”, por que encontro? Quando encontrando e como? Para o re-presentar? Ou será que o “ente” é aquilo que cai fora da essenciação do SEER? (tr. Casanova; GA65: 148)

Ou será que aqui, enquanto “o ente” permanecer assim, sendo tomado na representação em geral, não pode ser dito nada sobre ele, uma vez que ele, “sendo”, a partir de um abrigo, à sua maneira, é respectivamente pertencente ao SEER? Sobretudo porque esse SEER mesmo é histórico e expressamente o próprio acontecimento apropriador? (tr. Casanova; GA65: 148)

Não permanecemos sempre uma vez mais por demais profundamente presos nos trilhos do representar, sobretudo com aquela busca pelo ente enquanto tal e em geral, de tal modo que ainda vislumbramos muito pouco e só vemos precariamente aquilo que a unicidade do SEER, um dia concebida, encerra em si para a questão do ser? (tr. Casanova; GA65: 148)

Nós denominamos arbitrariamente em certa medida o ti estin a constituição (quididade, essentia) e o oti estin o “modo” (o fato de que e o modo como, existentia). Mais importante do que os nomes é a coisa e, com isto, a questão sobre como essa diferenciação emerge da entidade do ente e, com isto, pertence à essenciação do SEER. (tr. Casanova; GA65: 149)

Essentia e existentia não são aquilo que é mais rico ou a consequência de algo simples, mas, ao contrário, um determinado empobrecimento de uma essência em si mais rica do SEER e de sua verdade (sua tempo-espacialidade enquanto o abismo). (tr. Casanova; GA65: 149)

O ente já é determinado aí em sua entidade e, em verdade, como idea, o aspecto, e esse aspecto mesmo uma vez mais como presentidade constante. Em que medida na idea estão as duas determinações tempo-espaciais? Presentação (z) como reunião do corte, do aspectoquid; Constância (z) como duração e perduração – o fato de que o aspecto não se ausenta; Constância (r) o que preenche, o que constitui a consistência; Presentação (r) Dar espaço, o para onde do reposicionamento, o fato de que subsiste. A cada vez cada determinação, presentidade e constância, sobretudo temporal e espacialmente, e, todas as vezes, a partir da temporalização tanto quanto a partir da espacialização, aquela diferenciação, que nos é por demais corrente e inquestionada como o quid e o fato-de-que do ente. De onde, porém, provém a cada vez o duplo na temporalização e na espacialização? A partir de sua essência fundamental do arrebatamento extasiante e fascinante e essa essência fundamental enraizada na essência da verdade. Se o quid e o fato-de-que não são inquiridos como determinações da entidade juntamente com essa entidade com vistas à sua verdade (tempo-espaço), então todas as discussões sobre essentia e existentia, tal como o atesta já o M. A., permanecem um anexo vazio de conceitos desenraizados. A entidade, porém, já se funda na “diferenciação” velada que não tem como ser dominada de SEER e ente. (tr. Casanova; GA65: 150)

(Os níveis do SEER) De onde provém o nivelamento? Já com base na idea e na proximidade com ela, cf a República de Platão, por exemplo; aqui, porém, níveis do “ente” ou do que não é em relação ao ente até o ontos ón. Então antes de tudo o nivelamento neoplatônico! A teologia cristã – ens creatum e analogia entis. Por toda parte onde se tem um summum ens. Leibniz. mônadas dormentes « mônadas centrais. Tudo sob uma nova forma neoplatônica da sistemática no idealismo alemão. Em que medida tudo isso remonta a Platão e se mostra como platonismo, sendo sempre apenas níveis do ente como preenchimentos diversos da entidade suprema. (tr. Casanova; GA65: 152)

Há em geral, questionado a partir da verdade do ser enquanto acontecimento apropriador, níveis desse tipo ou até mesmo níveis de SEER? Se pensássemos a diferenciação entre SEER e ente como acontecimento da apropriação do ser-aí e como abrigo do ente e atentássemos para o fato de que aqui tudo é inteiramente histórico, de tal modo que uma sistemática platônico-idealista se tornou impossível, porque insuficiente, então restaria ainda a questão de saber como o vivente, a “natureza” e seu elemento inanimado, tal como utensílio, maquinação, obra, ato, sacrifício e a força de sua verdade (originariedade do abrigo da verdade e, com isso, reessenciação do acontecimento apropriador) precisam ser ordenados. Toda ordem representacional e calculadora é aqui extrínseca, essencial é apenas a necessidade histórica na história da verdade do SEER, cuja era principia. Como as coisas se encontram em relação à “maquinação” (técnica) e como é que se reúne nela todo abrigo ou, antes de tudo, como se fixa nela o extrato do abandono do ser? (tr. Casanova; GA65: 152)

O mundo é “terreno” (terroso), a terra é mundana. A terra é em um aspecto mais originária do que a natureza porque ligada à história. O mundo é mais elevado do que o apenas “criado”, porque formador de história e, assim, o mais imediatamente próximo do acontecimento apropriador. De acordo com isso, o SEER tem níveis? Propriamente não; mas também não o ente. De onde, porém, e que sentido tem a multiplicidade do abrigo? Isso não tem como ser explicado e deduzido no cálculo posterior de um plano da providência. Mas também não é válido o mero acolhimento representacional, mas sim a decisão nas necessidades históricas a partir da era da história do ser. (tr. Casanova; GA65: 152)

“A vida” é um “modo” da entidade (SEER) do ente. A abertura inicial do ente para ela em meio ao resguardo do si mesmo. O primeiro obscurecimento no resguardo do si mesmo funda a perturbação do vivente, na qual toda excitação e excitabilidade se realizam, assim como os diversos níveis do escuro e de seu desdobramento. (tr. Casanova; GA65: 154)

A natureza, extraída do ente pela ciência da natureza, o que acontece com ela por meio da técnica? A destruição crescente da “natureza”, ou melhor, que se desenrola simplesmente em direção ao seu fim. O que ela era outrora? O sítio do instante da chegada e da estada dos deuses, quando ela, ainda physis, se baseava na es-senciação do SEER. Desde então, ela logo se tornou um ente, e, então, até mesmo o contraponto da “graça” e, segundo essa degradação, ela é completamente exposta à imposição radical da maquinação calculadora e da economia. E, por fim, restava ainda a “paisagem” e a ocasião para o descanso. Esse descanso agora também é calculado de maneira gigantesca e erigido para as massas. E então? Esse é o fim? (tr. Casanova; GA65: 155)

Por que se silencia a terra junto a essa destruição? Porque não lhe é concedida a contenda com um mundo, porque não lhe é concedida a verdade do SEER. Por que não? Porque a coisa gigantesca homem é tanto mais gigantesca quanto menor ela é?! É preciso abandonar a natureza e entregá-la à maquinação? Conseguimos ainda buscar de maneira nova a terra? Quem é capaz de atiçar aquela contenda, na qual ela encontra seu aberto, na qual ela se cerra e é terra? (tr. Casanova; GA65: 155)

Para saber dessa abertura em sua estrutura, precisamos experimentar o abismo (cf verdade) como pertencente ao acontecimento apropriador. A essenciação do SEER permaneceu sempre cerrada para a filosofia, enquanto ela tinha em vista que se poderia, por exemplo, saber o ser por meio da invenção imaginativa dos diversos conceitos de modalidade, construindo-o por assim dizer de maneira composta. Abstraindo-se da origem questionável das modalidades, uma coisa é aqui decisiva: o salto para o interior do SEER como acontecimento apropriador; e pela pnmeira vez a partir daí se abre o fosso abissal. Mas justamente esse salto carece da mais longa preparação, e essa encerra em si a completa separação do ser como a entidade e a determinação “mais geral”. (tr. Casanova; GA65: 156)

Aqui, porém, alguém precisa estar equipado para a inesgotabilidade do simples, para que ele não se lhe subtraia mais por meio de uma interpretação equivocada como o vazio. O simples, no qual se reuniu toda a essenciação, precisa ser reencontrado em cada ente, não, esse ente é que precisa ser reencontrado naquele simples. Mas só alcançamos o simples, na medida em que o conservamos, em cada coisa, no campo de jogo de seu mistério e não achamos que seria preciso apanhar de surpresa o SEER por meio da decomposição de nosso conhecer já fixo de suas propriedades. (tr. Casanova; GA65: 156)

As “modalidades” são tais modalidades do ente (da entidade) e ainda não dizem nada sobre a abertura do fosso abissal do SEER mesmo. Essa abertura só pode se transformar em questão, se a verdade do SEER reluzir como acontecimento apropriador, a saber, como aquilo de que o deus necessita, na medida em que o homem lhe pertence. As modalidades ficam, com isso, aquém da abertura do fosso abissal tanto quanto a entidade fica aquém da verdade do SEER; e a questão acerca das modalidades permanece presa necessariamente aos quadros da questão diretriz, em comparação com a qual só cabe à questão fundamental o requestionamento da abertura do fosso abissal. (tr. Casanova; GA65: 157)

A abertura do fosso abissal tem sua primeira e mais ampla mensuração na necessidade do deus em uma direção e no pertencimento (ao SEER) do homem segundo a outra direção. Aqui se essenciam os precipícios do deus e a subida do homem como aquele que é fundado no ser-aí. A abertura do fosso abissal é o alijamento interior incalculável do acontecimento da apropriação, da essenciação do SEER como o meio utilizado que confere pertencimento, que permanece ligado ao passar ao largo do deus e, sobretudo, à história do homem. (tr. Casanova; GA65: 157)

O acontecimento apropriador se apropria do deus para o homem, na medida em que atribui apropriadoramente o homem ao deus. No acontecimento apropriador, o ser-aí e, com isso, o homem são fundados abissalmente, se o ser-aí tem sucesso no salto para o interior da fundação criadora. Aqui acontece apropriadoramente a recusa e a permanência de fora, o acometimento e o acaso, a retenção e a transfiguração, a liberdade e a imposição radical. Isso acontece apropriadoramente, isto é, isso pertence à essenciação do acontecimento apropriador mesmo. Todo e qualquer tipo de disposição ordenada das “categorias”, de transposição e de mistura fracassa aqui, porque as categorias são ditas a partir do ente e em uma direção de volta a ele, porque elas nunca denominam e conhecem o SEER mesmo. (tr. Casanova; GA65: 157)

Um fosso essencial é o ser na redobra (capacidade, mas não a partir da possibilidade, que sempre foi pensada até aqui a partir do ente enquanto ente presente à vista). Esse fosso fendido que, assim, de maneira una, se separa como domínio a-senhoreador, é origem saliente. Domínio a-senhoreador é, melhor, se essencia como legado, não é ele mesmo legado, mas lega a originariedade constante. Por toda parte onde o ente deve se transformar a partir do SEER, isto é, deve ser fundado, o domínio é necessário. (tr. Casanova; GA65: 159)

Violência – irrupção im-potente de uma capacidade de transformação no ente sem o salto prévio e sem uma per-spectiva de possibilidades. Por toda parte, onde o ente deve ser alterado pelo ente (não a partir do SEER), a violência é necessária. Todo ato é um ato violento, de tal modo que aqui a violência é dominada em consonância com o poder. (tr. Casanova; GA65: 159)

A unicidade da morte no ser-aí do homem pertence à determinação originária do ser-aí, a saber, ser apropriado em meio ao acontecimento pelo SEER mesmo, a fim de fundar sua verdade (abertura do encobrir-se). Na inabitualidade e na unicidade da morte abre-se o que há de mais inabitual em todo ente, o próprio SEER, que se essencia como estranhamento. Mas para poder pressentir algo desse contexto maximamente originário em geral a partir do posto habitual e gasto do opinar e do calcular comuns, é preciso que se torne visível previamente com toda a agudeza e unicidade a ligação do ser-aí com a morte mesma, a conexão entre caráter resoluto (abertura) e morte, a ante-cipação. Mas essa ante-cipação da morte, de qualquer modo, não para que o mero “nada” seja alcançado, mas, inversamente, para que a abertura para o SEER se abra completamente a partir do que há de mais extremo. Todavia, está completamente em ordem que, se não se pensa aqui de maneira “ontológico-fundamental”, tendo por intuito a fundação da verdade do SEER, as mais terríveis e disparatadas interpretações equivocadas se imiscuem e se propagam e, naturalmente, uma “filosofia da morte” é justificada. (tr. Casanova; GA65: 161)

Que a morte seja projetada no nexo essencial da futuridade originária do ser-aí em sua essência ontológico-fundamental significa, porém, de início, no quadro da tarefa de Ser e tempo, que ela se encontra em uma conexão com o “tempo”, que é estabelecido como âmbito projetivo da própria verdade do SEER. Já isso é um aceno suficientemente claro para aquele que quer participar concomitantemente do questionamento de que aqui a questão acerca da morte se encontra em uma ligação essencial com a verdade do SEER e apenas nessa ligação; de que, por isso, a morte enquanto a negação do SEER ou mesmo enquanto o “nada” nunca é tomada aqui como a essência do SEER, mas exatamente o contrário: a morte é a testemunha mais elevada e mais extrema do SEER. Mas esse testemunho nunca tem como ser sabido senão por aquele que consegue experimentar e fundar concomitantemente o ser-aí na propriedade do ser-si-mesmo, que não é visado em termos morais e pessoais, mas sempre uma vez mais apenas de modo “ontológico-fundamental”. (tr. Casanova; GA65: 161)

O ser para a morte precisa ser concebido como determinação do ser-aí e apenas assim. Aqui se realiza a mensuração mais extrema da temporalidade e, com isso, a referência do espaço da verdade do SEER, a indicação do tempo-espaço. Portanto, não para negar o “SEER”, mas sim para instituir o fundamento de sua afirmabilidade plena e essencial. Como é mesquinho e barato, porém, extrair a palavra “ser para a morte”, dispor sobre ela uma “visão de mundo” tosca e, então, colocá-la em Ser e tempo. Aparentemente, esse cálculo irrompe de modo particularmente bom, uma vez que se está falando nesse “livro” de resto do “nada”. Assim, obtemos a conclusão seca: ser para a morte, isto é, ser para o nada e esse ser para o nada como a essência do ser-aí! E isso não deve ser nenhum niilismo. Mas o que importa não é dissolver o ser<ser do homem na morte e declará-lo a mera nulidade, mas, ao contrário: inserir a morte na ligação com o ser-aí, a fim de dominar o ser-aí em sua amplitude abissal e, assim, mensurar completamente o fundamento da possibilidade da verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 162)

Nem todos, porém, precisam levar a termo esse ser para a morte e assumir nessa propriedade o si mesmo do ser-aí. Ao contrário, essa realização só é necessária na esfera da fundamentação da questão acerca do SEER, uma tarefa que, com certeza, não permanece restrita à filosofia. (tr. Casanova; GA65: 162)

Em termos de “visão de mundo”, o ser para a morte permanece inacessível; e, se ele é assim equivocadamente interpretado, como se o sentido de ser em geral e, com isso, a sua “nulidade” no sentido habitual devessem ser ensinados, então tudo é arrancado de seu contexto essencial. O essencial não é levado a termo, a saber, o pensar próprio à suma conceitual do ser-aí, em cuja clareira se desentranha a plenitude da essenciação do SEER em se encobrindo. (tr. Casanova; GA65: 163)

Se o ente em sua ligação originária com o SEER “é”, então o ser também não pode ser, sim, ele precisaria ser estabelecido como ente e, com isso, como uma propriedade e um adendo ao ente, e a questão acerca desse ente teria mergulhado de volta em um ponto aquém do primeiro início. Assim, o SEER ainda não seria interrogado de uma maneira qualquer, mas negado, o que, porém, faria com que o “ente” também se ocultasse. (tr. Casanova; GA65: 164)

O ser não é e, contudo, não podemos equipará-lo com o nada. Por outro lado, porém, precisamos nos decidir a estabelecer o SEER como o nada, se é que o “nada” significa o não-ente. O SEER, no entanto, está para além de tal “nada”, mas não se torna por meio daí uma vez mais “algo”, junto ao que, como algo previamente dado, nós poderiamos, representando-o, nos aquietar. Nós dizemos: o SEER se essencia, e, nesse caso, nos valemos uma vez mais de um denominador e o usamos, um denominador que pertence ao ente (cf sido – pre-sentação). (tr. Casanova; GA65: 164)

Aqui, porém, nesse elemento extremo, a palavra precisa da violência, e essenciação não deve denominar algo que ainda se acha muito para além do SEER, mas algo que dá voz ao seu interior, o acontecimento apropriador, aquele contramovimento de SEER e ser-aí, no qual os dois não se mostram como polos presentes à vida, mas como a pura oscilação mesma. (tr. Casanova; GA65: 164)

A unicidade do SEER e o seu caráter irrepresentável no sentido de algo que apenas se presenta é a rejeição mais aguda das determinações da entidade enquanto idea e genos, determinações, que são inicialmente necessárias, quando a irrupção para o SEER acontece em um primeiro momento a partir do “ente” como physis. (tr. Casanova; GA65: 164)

A “essência” não é mais o koinon e o genos da ousia e do tode ti (ekaston), mas essenciação como o acontecimento da verdade do SEER e, em verdade, em sua história plena, que abarca respectivamente o abrigo da verdade no ente. Como, porém, a verdade precisa estar fundada no ser-aí, a essenciação do SEER só pode ser conquistada na constância, que o aí suporta no saber assim determinado. A essência como essenciação não é nunca apenas re-presentável, mas só é concebida no saber da tempo-espacialidade da verdade e de seu respectivo abrigo. O saber da essência exige e é ele mesmo o salto para o interior do ser-aí. Por isto, ele nunca pode ser conquistado por meio da mera consideração geral do dado e de sua interpretação já firmada. A essenciação não reside “acima” do ente e cindida dele, mas o ente se encontra no SEER e tem apenas nele, se encontrando imerso nele e apartado, a sua verdade como o verdadeiro. Juntamente com esse conceito da essenciação, então, também precisa ser estabelecida e concebida a “diferenciação” de SEER e ente e tudo aquilo que está fundado nessa diferenciação, na medida em que cai do “lado” da entidade todo “categorial” e “ontológico”. (tr. Casanova; GA65: 165)

A essenciação e a essência concebidas como acontecimento da verdade do SEER. O SEER não se deixa retransportar para a essenciação, uma vez que essa essenciação mesma se tornou um ente. A questão acerca do ser da essência só é possível e necessária no interior do estabelecimento da essência como koinon (cf mais tarde a questão dos universais). Como quer que a questão venha a ser respondida, a “essência” mesma é sempre degradada. (tr. Casanova; GA65: 166)

O conceito da “essência” depende do tipo de questão acerca do ente enquanto tal ou acerca do SEER, e, juntamente com isso, do tipo de questão acerca da verdade do pensar filosófico. Mesmo na questão da verdade impõe-se a viragem: essência da verdade e verdade da essência. (tr. Casanova; GA65: 166)

Se perguntarmos sobre a “essência” na direção habitual do questionamento, então vem à tona a questão acerca daquilo que “transforma” um ente naquilo que ele é, e, com isso, acerca daquilo que constitui o seu quid, a questão acerca da entidade do ente. Essência é aqui apenas a outra palavra para ser (compreendido como entidade). E, de acordo com isso, essenciação tem em vista o acontecimento apropriador, na medida em que ele acontece apropriadoramente naquilo que lhe é pertinente, a verdade. Acontecimento da verdade do SEER, isso é essenciação; não e nunca, com isso, um modo de ser que advêm ainda uma vez mais ao SEER ou mesmo que subsiste em si acima dele. (tr. Casanova; GA65: 166)

Logo que o “ser” não é mais o re-presentável (idea) e logo que, por conseguinte, ele não é mais pensado a partir do ente, para além dele e “cindido” dele (a partir da busca por apreendê-lo da maneira mais pura e sem misturas possível); logo que o SEER é experimentado e pensado como o que acontece coetaneamente com o ente (em um sentido originário do tempo-espaço): como o seu fundamento (não causa e ratio), não há mais nenhum ensejo para mesmo que apenas ainda questionar uma vez mais sobre o seu próprio “SEER”, a fim de posicioná-lo re-presentacionalmente ainda mais para além. (tr. Casanova; GA65: 166)

Ser-aí significa acontecimento da apropriação no acontecimento apropriador como a essência do SEER. Mas é só com base no ser-aí que o SEER chega à sua verdade. (tr. Casanova; GA65: 168)

Onde, porém, planta, animal, pedra, mar e céu se tornam entes, sem se degradarem na objetualidade contraposta, aí vigora a retração (recusa) do SEER, o SEER como retração. A retração, porém, é do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 168)

O abandono do ser é o primeiro crepúsculo do SEER como encobrir-se a partir da noite da metafísica, por meio da qual o ente avançou em direção ao cerne do fenômeno e, com isso, em direção ao cerne da objetualidade contraposta, de tal modo que o SEER se tornou o adendo sob a figura do a priori. (tr. Casanova; GA65: 168)

Pertencente sempre e a cada vez a cada um deles, afinado em meio ao inesperado, essa não enumeração dos deuses está longe de se mostrar como a arbitrariedade do que deixa tudo vigorar. Pois essa não enumeração é já a consequência de um ser-aí mais originário: de sua reunião no revolvimento da recusa, a essenciação do SEER. Dito na linguagem que sobreviveu da metafísica, isso significa: a recusa como essenciação do ser é a mais elevada realidade efetiva do mais elevado possível enquanto possível e, com isso, é a primeira necessidade. Ser-aí é fundação da verdade dessa abertura maximamente simples do fosso abissal. (tr. Casanova; GA65: 169)

(ser-aí) Não aquilo que simplesmente poderia ser de antemão encontrado junto ao homem presente à vista, mas o fundamento necessitado a partir da experiência fundamental do SEER como acontecimento apropriador, o fundamento da verdade do SEER, por meio do qual (tanto quanto por meio de sua fundação) o homem é transformado fundamentalmente. Agora pela primeira vez a queda do animal rationale, no qual nós estamos na iminência de recair uma vez mais de cabeça para baixo; e isso por toda parte onde nem o primeiro início e o seu fim, nem a necessidade do outro início são sabidos. A queda do “homem” até aqui só é possível a partir de uma verdade originária do SEER. (tr. Casanova; GA65: 170)

(ser-aí) O fundamento que se essencia na fundação do ser humano por vir. O ser-aí – o cuidado. O homem nesse fundamento do ser-aí: 1) O que busca o SEER (acontecimento apropriador); 2) O que guarda a verdade do ser; 3) O guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Silêncio e origem da palavra. De início, porém, a fundação do ser-aí está transitoriamente à busca, cuidado, temporalidade; temporalidade com vistas à temporialidade: como verdade do SEER. O ser-aí está referido à verdade enquanto abertura do encobrir-se, ele é estabelecido pela compreensão de ser. Projetivamente, o aberto para o ser. Ser-aí como projeção da verdade do SEER (“aí”). (tr. Casanova; GA65: 171)

O ser-aí não é o modo da realidade efetiva de qualquer ente, mas é ele mesmo o ser do aí. O aí, porém, é a abertura do ente enquanto tal na totalidade, o fundamento da aletheia mais originariamente pensada. O ser-aí é um modo de ser, que, na medida em que ele “é” o aí (por assim dizer de maneira ativa e transitiva), é de acordo com esse ser insigne e como esse ser mesmo um ente de um tipo único (o essenciante da essenciação do SEER). (tr. Casanova; GA65: 173)

O ser-aí é o fundamento que propriamente se funda da aletheia da physis, a essenciação daquela abertura, que reabre pela primeira vez o encobrir-se (a essência do SEER) e que, assim, se mostra como a verdade do próprio SEER. (tr. Casanova; GA65: 173)

O ser-aí no sentido do outro início, que pergunta sobre a verdade do SEER, nunca tem como ser alcançado como o caráter do ente que vem ao encontro e se mostra como presente à vista; mas também não como o caráter do ente, que deixa tal ente se tornar um objeto e se encontrar em relações com ele; o ser-aí também não é nenhum caráter do homem, como se por assim dizer só o nome que se estendia a todo ente fosse restrito ao papel de designação para o ser presente à vista do homem. Não obstante, o ser-aí e o homem se encontram em uma ligação essencial, na medida em que o ser-aí significa o fundamento da possibilidade do ser humano futuro e o homem é futuramente, na medida em que ele assume ser o aí, contanto que ele se conceba como o guardião da verdade do SEER, guarda essa que está indicada como o “cuidado”. “Fundamento da possibilidade” é ainda dito metafisicamente, mas é pensado a partir do pertencimento insistente e abissal. (tr. Casanova; GA65: 173)

O ser-aí no sentido do outro início é o que nos é ainda completamente estranho, aquilo que nós nunca encontramos previamente dado, que só podemos ressaltar no salto para o interior da fundação da abertura do que se encobre, daquela clareira do SEER, na qual o homem futuro precisa se colocar, para mantê-la aberta. (tr. Casanova; GA65: 173)

A partir do ser-aí nesse sentido, o ser-aí se torna pela primeira vez “compreensível” como presentidade do ente presente à vista, isto é, a presentidade se revela como uma apropriação determinada da verdade do SEER, junto à qual a atualidade experimentou um privilégio determínadamente interpretado em face do sido e do por vir (fixado no caráter do que se encontra contraposto, objetividade para o sujeito). (tr. Casanova; GA65: 173)

Todos os âmbitos e aspectos da metafísica fracassam aqui e precisam fracassar, se é que o ser-aí deve ser concebido de maneira pensante. Pois a “metafísicapergunta a partir do ente (na interpretação inicial e, isto significa, derradeira da physis) acerca da entidade e deixa a verdade dessa entidade, isto é, a verdade do SEER necessariamente sem ser questionada. A própria aletheia é a primeira entidade do ente, e mesmo essa entidade permanece inconcebida. (tr. Casanova; GA65: 173)

No outro significado futuro, o “ser” não tem em vista ocorrência, mas suportabilidade insistente como fundação do aí. O aí não significa um aqui e um lá de algum modo determinável a cada vez, mas sim a clareira do SEER mesmo, cuja abertura só arranja o espaço para cada aqui e lá possível e o erigir do ente em uma obra, um ato e um sacrifício históricos. (tr. Casanova; GA65: 173)

O ser-aí é a suportabilidade insistente da clareira, isto é, da livre, desprotegida, pertinência ao aí, no qual o SEER se encobre. (tr. Casanova; GA65: 173)

A suportabilidade insistente da clareira do encobrir-se é assumida na determinação de uma busca, de um cuidado e de uma guarda do homem, que se apropria do ser em meio ao acontecimento, que se sabe pertinente ao ser como a essenciação do SEER. (tr. Casanova; GA65: 173)

A insistência como o âmbito do homem fundado no ser-aí. Pertencem à insistência: 1) A força: (de modo algum uma mera soma de força, mas) consonante com o ser-aí: a maestria da outorga livre dos mais amplos campos de jogo do ultrapassar-se criador. 2) A decisão: (de maneira nenhuma o enrijecimento de uma teimosia, mas) a segurança do pertencimento ao acontecimento apropriador, a entrada no desprotegido. 3) A suavidade: (de modo nenhum a fraqueza da indulgência, mas) o despertar dadivoso do entranhado e resguardado, aquilo que, sempre estranho, vincula todo criar ao seu essencial. 4) A simplicidade: (de maneira nenhuma o “fácil” no sentido do corrente e não o “primitivo” no sentido do não dominado e desprovido de futuro, mas) a paixão pela necessidade do uno, pela necessidade de abrigar a inesgotabilidade do SEER na guarda do ente e não largar a estranheza do SEER. (tr. Casanova; GA65: 174)

O primeiro aceno para o ser-aí como fundação da verdade do SEER é levado a termo (Ser e tempo) quando se atravessa a questão acerca do homem, na medida em que o homem é concebido como o projetor do ser e, assim, arrancado a toda e qualquer “antropologia”. Esse aceno poderia despertar e fortalecer a opinião equivocada de que o ser-aí só poderia ser compreendido nessa ligação com o homem, se é que ele deve ser concebido de maneira essencial e plena. (tr. Casanova; GA65: 175)

A questão é que já a meditação sobre o aí como a clareira para o encobrir-se (o SEER) precisa tornar possível pressentir o quão decisiva é a ligação do ser-aí com o ente na totalidade, porque o aí suporta a verdade do SEER. Pensado nessa direção, o ser-aí, ele mesmo em nenhum lugar acomodável, é voltado para fora da ligação com o homem e se desentranha como o “entre”, que é desdobrado pelo próprio SEER como o âmbito aberto do sobressair-se para o ente, âmbito esse no qual esse ente é recolocado sobre si mesmo. O aí é apropriado em meio ao acontecimento pelo próprio SEER, e o homem acontece apropriadoramente como o guardião da verdade do SEER na sequência, de tal modo que, assim, ele se revela pertencente ao ser-aí de uma maneira única e insigne. Logo que, porém, uma primeira indicação para o ser-aí tem sucesso, é preciso dar sequência ao essencial, o que se anuncia na seguinte indicação: no fato de que o ser-aí é apropriado em meio ao acontecimento pelo SEER e de que o SEER como o acontecimento apropriador mesmo forma o meio de todo pensar. (tr. Casanova; GA65: 175)

Somente assim o SEER entra em jogo plenamente como acontecimento apropriador e ainda não se mostra aí, tal como na metafísica, como o “mais elevado”, ao qual só se retorna imediatamente. De acordo com isso, então, também a partir do ente, contanto que ele já comece a se tornar mais essente, o aí precisa ser desdobrado em seu poder de clareira reunido. O ser-aí mesmo se torna, enquanto apropriado em meio ao acontecimento, um fundamento próprio para si que se abre do si mesmo; e por meio desse si mesmo é que a guarda do homem recebe pela primeira vez a sua agudeza, a sua decisão e sua intimidade. (tr. Casanova; GA65: 175)

A questão sobre quem é o homem tem agora pela primeira vez o elemento irrompido de uma via, que, contudo, transcorre em meio ao desprotegido e, assim, deixa advir sobre si a tempestade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 175)

O estar ausente neste sentido em primeiro lugar, onde se dá o ser-aí. Ausente: o afastamento, o alijamento do SEER, aparentemente apenas do “ente” para si. Nisso ganha voz por outro lado a ligação essencial do ser-aí com o SEER. Nós somos na maioria das vezes e em geral ainda no estar ausente, precisamente na “proximidade com a vida”. Essa “explicitação” poderia ser facilmente apresentada como um caso exemplar de como se “filosofa” aqui a partir de meras “palavras”. Mas trata-se do oposto: o estar ausente transforma-se na denominação de um modo essencial de o homem se comportar em relação a e de se manter em relação com o ser-aí, e, em verdade, necessariamente; e esse ser-aí mesmo experimenta com isso uma determinação necessária. (tr. Casanova; GA65: 177)

Em que medida? O que é o ser-aí e o que significa “existir”? Ser-aí é persistência constante da verdade do SEER, e essa persistência e apenas ela “é” esse ser si mesmo ex-sistente que suporta insistentemente a exposição. (tr. Casanova; GA65: 178)

(Existência, SZ:42) De início a partir de um apoio pela antiga existentia: não o quid, mas o fato-de-que e o modo-de-ser. Isso, porém, parousia, presentidade, presença à vista (presente). Aqui, em contrapartida, existência = a plena temporalidade e, com efeito, como ekstático, ex-sistere – estar exposto ao ente. Já há muito não mais usado porque podendo ser interpretado de maneira falsa – “filosofia da existência”. O ser-aí enquanto ex-sistere: ser voltado para o interior de e encontrar-se fora na abertura do SEER. A partir daqui pela primeira vez é que se determina o quid, ou seja, o quem e a ipseidade do ser-aí. Ex-sistência – em virtude do ser-aí, isto é, fundação da verdade do SEER. Ex-sistência metafisicamente: pre-sentação, a-parição. Ex-sistência em termos da história do ser: arrebatamento extasiante insistente no aí. (tr. Casanova; GA65: 179)

A compreensão de ser não torna o SEERsubjetivo”, também não “objetivo”, mas ela supera antes toda “subjetividade” e volta o homem para o interior da abertura do SEER, estabelecendo-o como aquele que se acha exposto ao ente (e, antes disso, à verdade do SEER). (tr. Casanova; GA65: 180)

O SEER, contudo, contra a opinião corrente, é o que há de mais estranho e o que se encobre, e, contudo, ele se essencia antes de todo ente que se acha aí, o que nunca pode ser, naturalmente, concebido a partir do que até aqui se chamou de “a priori”. (tr. Casanova; GA65: 180)

O “SEER” não é um produto do “sujeito”, mas o ser-aí como superação de toda subjetividade emerge da essenciação do SEER. (tr. Casanova; GA65: 180)

O que se tem em vista é sempre apenas o projeto da verdade do SEER. O próprio jogador, o ser-aí, é jogado, apropriado em meio ao acontecimento pelo SEER. (tr. Casanova; GA65: 182)

Na medida em que o jogador projeta, reabrindo a abertura, desentranha-se por meio da reabertura o fato de que ele mesmo é o jogado e não realiza nada senão capturar a contraoscilação no SEER, isto é, senão voltar para o interior dessa oscilação e, com isso, para o interior do acontecimento apropriador, de tal modo que, assim, ele se torna pela primeira vez ele mesmo, a saber, o guardião do projeto jogado. (tr. Casanova; GA65: 182)

O projeto com vistas ao SEER é único; e isso de tal modo que o jogador do projeto se lança de maneira essencialmente desprendida no aberto da reabertura projetiva, a fim de se tornar pela primeira vez ele mesmo nesse aberto como fundamento e abismo. (tr. Casanova; GA65: 183)

Diante dessa abertura, o estar ausente e esse até mesmo constantemente. O estar ausente como denegação da exposição à verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 183)

Aqui, a essência do SEER não pode ser nem deduzida por meio da leitura de um ente determinado, nem de todos os entes conhecidos juntos. Sim, uma dedução é absolutamente impossível. O que vigora é um projeto originário e um salto, que só pode haurir a sua necessidade da mais profunda história do homem, na medida em que o homem experimentará e alcançará a sua essência como aquele ente que está exposto ao ente (e, antes de tudo, à verdade do SEER), exposição essa (aquele que preserva, que guarda e que busca) que constitui o fundamento de sua essência. Mesmo o estabelecimento da idea não é nenhuma dedução! Saber isso significa superá-la. (tr. Casanova; GA65: 184)

A verdade do SEER: ela precisa ser determinada antes do SEER, sem que olhemos para ele, ou ela precisa ser determinada posteriormente, só com um olhar retrospectivo sobre o SEER, ou nenhum dos dois, mas juntamente com o SEER, porque pertencente à sua essenciação? (tr. Casanova; GA65: 184)

1) A tarefa em Ser e tempo: a questão do ser como a questão acerca do “sentido de SEER”; cf observação prévia em Ser e tempo. Ontologia fundamental como transitória. Ela fundamenta e supera toda ontologia, mas precisa partir necessariamente do conhecido e corrente, e, por isso, se encontra sempre no lusco-fusco. 2) Questão do ser e a questão acerca do homem. Ontologia fundamental e antropologia. 3) O ser<ser do homem como ser-aí (cf observações correntes a Ser e tempo). 4) A questão do ser como superação da questão diretriz. Desdobramento da questão diretriz; cf sua estrutura. O que significa des-dobramento? Reabsorção no fundamento a ser reaberto. (tr. Casanova; GA65: 185)

A fundação é ambígua: 1) O fundamento funda, se essencia como fundamento. 2) Este fundamento fundante é alcançado enquanto tal e assumido. Sondagem do solo fundamental: a) Deixar o fundamento se essenciar enquanto fundamento; b) Construir sobre ele enquanto fundamento, trazer algo para o fundamento. O fundar originário do fundamento (1) é a essenciação da verdade do SEER; a verdade é fundamento no sentido originário. A essência do fundamento originariamente a partir da essência da verdade, verdade e tempo-espaço (a-bismo). Sob o título “fundação”, tem-se em vista a princípio, de acordo com o nexo com o “salto”, o significado (2) (a) e (b). Por isto, porém, ele se acha não apenas ligado ao (1), mas também é determinado a partir daí. (tr. Casanova; GA65: 187)

Sondar o solo do fundamento da verdade do SEER e, assim, esse ser mesmo: deixar esse fundamento (acontecimento apropriador) ser o fundamento, por meio da constância do ser-aí. De acordo com isso, a sondagem do solo fundamental se transforma na fundação do ser-aí como a sondagem do solo do fundamento: da verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 188)

O projeto do ser-aí só é possível como inserção extasiante no ser-aí. O projeto que insere de maneira extasiante, porém, emerge apenas da docilidade em relação à junção fugidia mais velada de nossa história em meio à tonalidade afetiva fundamental da retenção. O instante essencial, imensurável em sua amplitude e profundidade, irrompe, sobretudo quando a indigência do abandono do ser experimenta seu crepúsculo e a decisão é buscada. Com certeza: esse “fato” fundamental de nossa história não é apresentável por meio de nenhuma “decomposição analítica” da “situação” “espiritual” ou “política” do tempo, uma vez que tanto a perspectiva voltada para o “espiritual” quanto a perspectiva voltada para o “político” já se movimentam no primeiro plano e no que foi corrente até aqui, de tal modo que elas renunciam de antemão à possibilidade de experimentar a história propriamente dita – a luta do acontecimento da apropriação do homem pelo SEER – e de questioná-la e pensá-la nas vias da disponibilização dessa história, isto é, elas renunciam à possibilidade de se tornar histórico a partir do fundamento da história. (tr. Casanova; GA65: 189)

Ser-aí é a persistência constante da essenciação da verdade do SEER. Desdobramento da determinação do aí como fundação do ser-aí. O aí se essencia e, se essenciando, precisa ser assumido no ser do ser-aí; o “entre”. (tr. Casanova; GA65: 190)

O entre, que não se dá apenas a partir da ligação dos deuses com os homens, mas que se mostra como aquele entre, que funda pela primeira vez o tempo-espaço para a ligação, na medida em que ele mesmo emerge na essenciação do SEER como acontecimento apropriador e torna decidível, como o centro que se abre, os deuses e os homens uns para os outros. (tr. Casanova; GA65: 191)

A “imaginação” como acontecimento da clareira mesma. Só que a “imaginação”, imaginatio, é o nome que denomina a partir da posição de visada da apreensão imediata do ón e do ente. Computado a partir daí, todo SEER e sua reabertura são um construto que se adiciona àquilo que é supostamente palpável. Mas tudo aqui é invertido: “imaginado” no sentido habitual é sempre o assim chamado ente presente à vista “efetivamente real”. É ele que é trazido para o interior de uma construção imagética, que é levado a aparecer na clareira, no aí. (tr. Casanova; GA65: 192)

Tal como se obtém facilmente a partir dessa indicação, a questão acerca da verdade do SEER enquanto questão fundamental precisa ser erigida antes de tudo em uma diferença essencial em relação à questão diretriz. Então, porém, vem à tona pela primeira vez aquele elemento não questionado e indômito, segundo o qual de algum modo o homem e, contudo, uma vez mais, não o homem, e, em verdade, sempre a cada vez em um extrato e em um tresloucamento extasiante, está em jogo na fundação da verdade do SEER. E é justamente esse elemento digno de questão que eu denomino o ser-aí. Com isto, também se acha indicada a origem desse elemento digno de questão: ele não emerge de uma consideração e determinação do homem arbitrariamente estabelecidas, sejam elas filosóficas ou biológicas, sejam elas ainda de algum modo em geral antropológicas. Ao contrário, ele tem sua origem apenas e unicamente da questão acerca da verdade do ser. E, com isto, se alcança um modo de questionamento único e, caso o SEER seja o que há de mais único e mais elevado, ao mesmo tempo o modo de questionamento mais profundo acerca do homem. (tr. Casanova; GA65: 193)

O ser-aí não conduz para fora do ente e não evapora o ente em uma espiritualidade, mas, ao contrário, de acordo com a unicidade do SEER, ele abre pela primeira vez a inquietude do ente, cuja “verdade” só se constitui na luta uma vez mais inicial de seu abrigo no que é criado pelo homem histórico. (tr. Casanova; GA65: 193)

A Crítica da razão pura de Kant, na qual se dá uma vez mais desde os gregos um passo essencial, precisa pressupor esse contexto, sem apreendê-lo enquanto tal e sem poder trazê-lo mesmo a um fundamento (a ligação na viragem entre ser-aí e ser). E como esse fundamento não foi fundado, a crítica permaneceu sem fundamento e precisou conduzir ao ponto em que logo se prosseguiu para além dela e, em parte, com os seus próprios meios (o questionamento transcendental) em direção ao saber absoluto (Idealismo alemão). Como o espírito se tornou aqui absoluto, ele precisou conter a destruição do ente e a completa repressão da unicidade e do estranhamento do SEER, acelerando a recaída no “positivismo” e no biologismo (Nietzsche) e calcificando-a cada vez mais até bem pouco tempo. Pois a “confrontação” atual com o Idealismo alemão, se é que ela merece ser chamada assim, é apenas “reativa”. Ela absolutiza “a vida” em toda a indeterminação e confusão que pode se esconder por detrás desse nome. A absolutização não é apenas o sinal para o ser determinado pelo adversário, ela é antes de tudo a indicação para o fato de que se chega ainda menos do que com ele a uma meditação sobre a questão diretriz da metafísica. (tr. Casanova; GA65: 193)

Para a resposta da segunda pergunta, porém, (cf acima) é preciso dizer: Se o ser-aí entra em jogo, e ele precisa fazer isso por toda parte em que o ente enquanto tal e, com isso, veladamente, a verdade do SEER são colocados em questão, então precisamos examinar o que, de maneira correspondente à interpretação inicial do ente (como presentidade constante), se torna corrente e é em geral concebido como o fio condutor. Esse fio condutor é o “pensar” como representação de algo em geral e, aqui, da maneira mais universal e, por conseguinte, como o representar extremo. (tr. Casanova; GA65: 193)

A ipseidade, como via e como reino da apropriação para e da origem do “para” e do “si”, é o fundamento do pertencimento ao SEER, que encerra em si a sobre-apropriação (insistente). Sobre-apropriação apenas onde de antemão e constantemente se dá apropriação para; as duas, porém, a partir do acontecimento da apropriação do acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 194)

O pertencimento ao SEER, contudo, só se essencia porque o ser em sua unicidade precisa do ser-aí e se funda nele, fundando ao mesmo tempo o homem. Nenhuma verdade se essencia de outra forma. De outro modo, reina apenas o nada na figura mais insidiosa da proximidade do “realmente efetivo” e “vivente”, isto é, do não ente. (tr. Casanova; GA65: 194)

O ser-aí, concebido como ser do homem, já se encontra na conceptualidade prévia. A questão relativa à sua verdade continua sendo como o homem, se tornando mais essente, se recoloca no ser-aí, fundando-o, assim, a fim de se expor, com isso, à verdade do SEER. Mas esse colocar-se e sua constância se fundam no acontecimento da apropriação. Por isto, é preciso perguntar: Em que história o homem precisa se encontrar, para que ele se torne pertinente ao acontecimento da apropriação? Ele não precisa ser empurrado de antemão para o interior do aí, cujo acontecimento se torna manifesto para ele como jogado? O caráter de jogado só é experimentado a partir da verdade do SEER. Na primeira indicação prévia (Ser e tempo), ele ainda permanece passível de uma interpretação falsa no sentido de uma ocorrência casual do homem sob o outro ente. Em direção a que poder, terra e corpo são desdobrados a partir daqui. O ser<ser do homem e a “vida”. Onde estaria o impulso para pensar em direção ao ser-aí senão na essência do próprio SEER. (tr. Casanova; GA65: 194)

Quem é o homem? Aquele que é usado pelo SEER para a suportação da essenciação da verdade do SEER. Usado assim, contudo, o homem só “é” homem, na medida em que ele está fundado no ser-aí, isto é, na medida em que ele mesmo se torna de maneira criativa o fundador do ser-aí. O SEER, porém, é concebido aqui ao mesmo tempo como acontecimento apropriador. As duas coisas se com-pertencem: a refundação no ser-aí e a verdade do SEER como acontecimento apropriador. Nós não concebemos nada da direção aqui aberta do questionamento, se colocarmos inopinadamente à base de nossa concepção representações quaisquer do homem e do “ente enquanto tal”, ao invés de colocarmos ao mesmo tempo o “homem” e o SEER (não o ser<ser do homem simplesmente) em questão e de nos mantermos nessa questão. (tr. Casanova; GA65: 195)

Ser si mesmo – com isso temos em vista de saída sempre o seguinte: fazer e deixar de fazer por si, dispor de si. Mas o “a partir de si” é um primeiro plano ilusório. A partir de si pode não ser mais do que uma mera “teimosia”, da qual diverge toda atribuição apropriadora e toda sobreapropriação a partir do acontecimento apropriador. A amplitude de vibração do si mesmo se dirige para a originariedade da propriedade e, com isso, para a verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 197)

Nenhum “nós” e “vós” e nenhum “eu” e “tu”, nenhuma comunidade é alcançada, erigindo-se a partir de si mesma, e jamais o si mesmo. Ao contrário, eles sempre o perdem de vista e permanecem excluídos do si mesmo, a não ser que a comunidade funde a si mesma primeiramente em função do ser-aí. Com a fundação do ser-aí, toda relação com o ente é modificada, e a verdade do SEER é anteriormente experimentada. (tr. Casanova; GA65: 198)

No SEER, o ente é pela primeira vez abrigado enquanto tal, de tal modo naturalmente que o ente pode ser logo abandonado pelo ser e só subsistir como aparência, ón comoióéa e o que se seguiu a isso e o que se seguiu daí. (tr. Casanova; GA65: 199)

O ser-aí como o tempo-espaço, não no sentido dos conceitos usuais de tempo e de espaço, mas como o sítio instantâneo para a fundação da verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 200)

Quando e como é que pela última vez de maneira fundamental e com a postergação de tudo aquilo que foi até aqui corrente e acidental o sítio instantâneo para a verdade do SEER foi inquirido de maneira pensante e a sua fundação foi preparada? (tr. Casanova; GA65: 200)

Se a verdade significa aqui a clareira do SEER como abertura do em meio ao ente, então não se pode de modo algum perguntar sobre a verdade dessa verdade, a não ser que se tenha em vista a correção do projeto, o que, porém, perde de vista em múltiplos aspectos o essencial. Pois não se pode perguntar por um lado sobre a “correção” de um projeto em geral, nem tampouco sobre a correção do projeto, por meio do qual a clareira em geral é fundada enquanto tal. Por outro lado, porém, a “correção” é um “modo” da verdade, que permanece aquém da essência originária enquanto sua consequência e, por isso, já não se mostra como suficiente para conceber a verdade originária. (tr. Casanova; GA65: 204)

A necessidade da indigência. Do quê? Do SEER mesmo, que precisa abrir livremente o espaço para que o seu primeiro início venha à tona por meio do outro início e, assim, para que ele possa superar esse primeiro início. (tr. Casanova; GA65: 204)

1) O retorno crítico da correção para a abertura. 2) A abertura em primeiro lugar como a mensuração essencial da aletheia, que ainda se mostra nesse aspecto indeterminada. 3) Essa mensuração essencial determina ela mesma o “lugar” (tempo-espaço) da abertura: o em-meio-a clareado do ente. 4) Para que a verdade se destaque definitivamente de todo ente em todo e qualquer tipo de interpretação, seja como physis, seja como idea ou perceptum e objeto, algo sabido, pensado. 5) Agora, porém, com maior razão, temos a questão acerca de sua própria essenciação; essa só é de-terminável a partir da essência e essa essência a partir do SEER. 6) A essência originária, contudo, é clareira do encobrir-se, isto é, a verdade é a verdade originária do SEER (acontecimento apropriador). 7) Essa clareira se essencia e é na suportabilidade criativa afinada: isto é, a verdade “é” como fundação do aí e como ser-aí. 8) O ser-aí é o fundamento do homem. 9) Com isso, entretanto, novamente formulado: quem é o homem. (tr. Casanova; GA65: 206)

Por meio daí, a aletheia é destacada de todo e qualquer ente, de modo tão decidido que, agora, a questão acerca de seu próprio SEER, questão essa que se determina por meio dela mesma e a partir de sua essenciação, se torna incontornável. Mas a essenciação da verdade originária só pode ser experimentada, se esse em-meio-a clareado que funda a si mesmo e determina o tempo-espaço for ressaltado naquilo de que e para o que ele é clareira, a saber, para o encobrir-se. O encobrir-se, porém, aponta para a doutrina fundamental do primeiro início e de sua história (da metafísica enquanto tal). O encobrir-se é um caráter essencial do SEER, e, com efeito, precisamente na medida em que o SEER precisa da verdade e se apropria, assim, do ser-aí em meio ao acontecimento, se mostrando em si originariamente, com isso, como acontecimento apropriador. Agora, a essência da verdade se transformou originariamente no ser-aí, e agora a pergunta não tem qualquer sentido, se e como, por exemplo, o “pensar” (o “pensar” que pertence inicialmente e de modo derivado apenas à aletheia, homoiosis) poderia levar a cabo e assumir o “desvelamento”. Pois o pensar mesmo está agora entregue em sua possibilidade inteiramente à responsabilidade do em-meio-a clareado. Pois a essenciação do aí (da clareira para o encobrir-se) só pode ser determinada a partir dele mesmo, do mesmo modo que o ser-aí só chega até a fundação a partir da ligação clareadora do aí com o encobrir-se enquanto SEER. Todavia, a partir do fundamento posteriormente visível, não é suficiente nenhuma “faculdade” do homem até aqui (animal racional). O ser-aí funda-se e essencia-se na suportabilidade afinada e criadora e, assim, se torna ele mesmo o fundamento e o fundador do homem, que agora é novamente colocado diante da questão sobre quem ele é, uma questão que interroga o homem de maneira mais originária como o guardião da tranquilidade do passar ao largo do último deus. (tr. Casanova; GA65: 207)

A aletheia é ela mesma acossada para entrar no “jugo”, ela concerne enquanto “claridade” ao desvelamento do ente enquanto tal e à travessia para a apreensão, e, assim, apenas ao âmbito dos respectivos lados virados do ente e da alma. Sim, ela determina pela primeira vez esse âmbito enquanto tal, sem naturalmente chegar ainda a admitir uma questão acerca de seu próprio SEER e fundamento. E como a aletheia, assim, se transforma em phos (luz), como ela é interpretada a partir dele, também se perde o caráter do a-privativo. Não se chega à pergunta sobre o velamento e sobre o encobrimento, sobre a sua proveniência e fundamento. Como apenas o por assim dizer “positivo” do desvelamento, o livremente acessível e o que confere acesso a ele é por princípio estabelecido, a aletheia também perde nesse aspecto a sua profundidade e a sua abissalidade originárias; e isso supondo que ela tenha sido efetivamente questionada algum dia, algo para o que nada aponta, se é que não precisamos supor que a amplitude e a indeterminação da aletheia no uso pré-platônico também exigia uma profundidade correspondentemente indeterminada. (tr. Casanova; GA65: 209)

A aletheia se mantém por toda parte um desvelamento do ente, nunca o desvelamento do SEER; e isso já porque a própria aletheia constitui nessa interpretação inicial a entidade (physis, e-mergência), idea, visualidade. (tr. Casanova; GA65: 209)

O que se fixou em Platão, sobretudo como primado da entidade interpretado a partir da techne, é a tal ponto aguçado agora e elevado ao nível da exclusividade que se cria a condição fundamental para uma era humana, na qual a “técnica” – o primado do maquinacional, das providências e dos procedimentos diante daquilo que entra em cena aí e que é ao mesmo tempo tocado – necessariamente assume o domínio. A obviedade do SEER e da verdade como certeza é agora sem limites. Com isto, a possibilidade do esquecimento do SEER se transforma em princípio fundamental, e o esquecimento do ser inicialmente estabelecido se propaga e se abate sobre todo o comportamento humano. (tr. Casanova; GA65: 212)

1) Não de uma mera alteração do conceito. 2) Não de uma intelecção mais originária da essência. 3) Mas do salto para o interior da essenciação da verdade. 4) E, consequentemente, de uma transformação do ser humano no sentido do tres-loucamento de sua posição no ente. 5) E, por isso, em primeiro lugar, de uma dignificação mais originária e do apoderamento do SEER mesmo como acontecimento apropriador. 6) E, por isso, antes de tudo, trata-se da fundação do ser humano no ser-aí como o fundamento exigido pelo SEER mesmo de sua verdade. (tr. Casanova; GA65: 213)

A tentativa de tal fundação e concepção é a denominação e o desdobramento do ser-aí. Isso só pode acontecer a partir do “homem”, e, nessa medida, os primeiros passos para a fundação do ser-aí “do” homem, do ser-aí “no” homem, do homem no ser-aí são muito ambíguos e desamparados; e isso, sobretudo, se, como aconteceu até aqui, faltar toda e qualquer vontade de conceber o modo de questionamento desdobrado a partir de si e a partir de sua intenção fundamental em relação à verdade do SEER, e se tudo for empregue apenas em reconduzir a e em explicar o decisivo com vistas ao que se tinha até aqui, afastando-o com isso. Por isto, mesmo o caminho da meditação sobre a correção e o fundamento de sua possibilidade é de imediato pouco convincente, porque as pessoas não conseguem se livrar das representações de uma coisa humana (sujeito – pessoa e coisas do gênero) e tudo é padronizado apenas como “vivências” do homem e essas vivências uma vez mais como ocorrências nele. (tr. Casanova; GA65: 214)

Uma questão decisiva: a essenciação da verdade é fundada no ser-aí como clareira para o encobrir-se ou é a essenciação da verdade mesma o fundamento para o ser-aí ou as duas coisas são válidas? E o que significa aí a cada vez “fundamento”? Essas questões só podem ser decididas, se a verdade for concebida na essência indicada como verdade do SEER e, com isso, a partir do acontecimento apropriador. O que significa isso: estar constantemente colocado em seu aberto diante do encobrir-se, da re-núncia, da hesitação? Retenção e, por isso, tonalidade afetiva fundamental: horror, retenção, pudor. Tal experiência “doada” apenas ao homem e quando e como. (tr. Casanova; GA65: 215)

A concepção, segundo a qual a verdade seria em primeiro lugar encobrimento clareador (cf o a-bismo) tem em vista o fato de uma clareira se fundar para o que se encobre. O encobrir-se do SEER na clareira do aí. No encobrir-se se essencia o SEER. O acontecimento apropriador nunca vem à luz abertamente como um ente, como algo presente (cf o salto, o SEER). (tr. Casanova; GA65: 217)

O acontecimento da apropriação em sua viragem não está encerrado nem no clamor nem no pertencimento apenas. Ele não está em nenhum dos dois e, contudo, é acessível nos dois; e o estremecimento dessa acessibilidade na viragem do acontecimento apropriador é a essência mais velada do SEER. Esse encobrimento carece da mais profunda clareira. O SEER “precisa” do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 217)

A verdade nunca “é”, mas se essencia. Pois ela é verdade do SEER, que “só” se essencia. Por isto, tudo aquilo que pertence à verdade também se essencia, o tempo-espaço e, por conseguinte, o “espaço” e o “tempo”. (tr. Casanova; GA65: 217)

O “aí” se essencia e, enquanto algo que se essencia, ele precisa ser assumido juntamente com um ser: ser-aí. Por isto, o suportar jurisdicional da essenciação da verdade do SEER. Essa ambiguidade é o enigma. Por isto, o ser-aí é o entre que se encontra entre o SEER e o ente. (tr. Casanova; GA65: 217)

Mais essente do que todo e qualquer ente é o próprio SEER. O que há de mais essente não “é” mais, mas se essência como a essenciação (acontecimento apropriador). (tr. Casanova; GA65: 219)

O SEER se essencia como acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 219)

O verdadeiro: o que se encontra na verdade e que, assim, se torna o que é ou o que não é. Verdade: a clareira para o encobrimento (verdade como a não verdade), em si querelante e nula, que se mostra como a intimidade originária, e isso porque. Verdade: verdade do SEER como acontecimento apropriador. O verdadeiro e ser o verdadeiro são ao mesmo tempo em si o não verdadeiro, o dissimulado e suas modulações. A essenciação da verdade. (tr. Casanova; GA65: 220)

O SEER: o acontecimento apropriador, na vibração oposta marcado pelo caráter do não e, assim, querelante. A origem da contenda – SEER ou não ser. (tr. Casanova; GA65: 221)

Só se nos encontramos na clareira, experimentaremos o encobrir-se. A verdade jamais se mostra como o “sistema” que é composto por sentenças, às quais se poderia recorrer. Ela é o fundamento como o fundamento que recolhe e que atravessa de maneira soberana, que prepondera sobre o velado, sem suspendê-lo, a tonalidade afetiva que afina como esse fundamento. Pois esse fundamento é o próprio acontecimento apropriador como essenciação do SEER. O acontecimento apropriador suporta a verdade = a verdade é atravessada de maneira soberana pelo acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 222)

A verdade é o primeiro verdadeiro do SEER, e, com efeito, na medida em que clareia e oculta. A essência da verdade reside no fato de se essenciar como o verdadeiro do SEER e de se tornar, assim, origem para o abrigo do verdadeiro no ente, por meio do que esse ente se torna pela primeira vez essente. (tr. Casanova; GA65: 224)

A questão prévia acerca da verdade é ao mesmo tempo a questão fundamental acerca do SEER, esse, como acontecimento apropriador, se essencia como verdade. (tr. Casanova; GA65: 224)

A essência da verdade é a clareira para o encobrir-se. Essa essência íntima e querelante da verdade mostra que a verdade é originária e essencialmente a verdade do SEER (acontecimento apropriador). Todavia, resta a questão de saber se experimentamos de maneira suficientemente essencial essa essência da verdade, se assumimos esse encobrir-se em toda e qualquer ligação com o ente, e, com isso, a renúncia hesitante, a cada vez à sua própria maneira como o acontecimento da apropriação, nos sobre-apropriando dela. Sobreapropriar-se apenas de tal modo que alcancemos, produzamos, criemos, protejamos e deixemos atuar o próprio ente respectivo segundo a ordem pertencente a ele, a fim de fundar, assim, a clareira, para que ela não se transforme no vazio, no qual tudo ocorre de maneira igualmente “compreensível” e controlável. (tr. Casanova; GA65: 225)

Se é somente quando o encobrir-se impera sobre todas as regiões do gerado, do criado e do sacrificado, essenciando-os um no outro; se é somente quando ele determina a clareira e, assim, se essencia ao mesmo tempo indo ao encontro do que se cerra no interior da clareira, então é só nesse momento também que emerge mundo e, juntamente com ele, a partir da “coetaneidade” de SEER e ente, vem à tona a terra. Agora, um instante é história. (tr. Casanova; GA65: 225)

A verdade, portanto, nunca é apenas clareira, mas ela se essencia como encobrimento de maneira tão originária e íntima quanto a clareira. Os dois, clareira e encobrimento, não são dois, mas a essenciação do uno, da própria verdade. Na medida em que a verdade se essencia, a verdade vem a ser, vem a ser o acontecimento apropriador da verdade. Dizer que o acontecimento apropriador acontece apropriadoramente não significa outra coisa senão: que ele e apenas ele se torna verdade; isso que pertence ao acontecimento apropriador vem a ser, de tal modo que justamente a verdade se mostra essencialmente como verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 225)

Toda questão acerca da verdade, que não pensa de maneira tão amplamente antecipativa, pensa curto demais. Mesmo aquela interpretação medieval completamente diversa do verum como determinação do ens (do ente), interpretação essa que se movimenta no âmbito da questão diretriz (no âmbito da metafísica) e que, além disso, se encontra desenraizada em relação ao seu solo grego mais imediato ainda se constitui como uma aparência dessa intimidade de verdade e SEER. Não obstante, não se deve misturar esse questionamento acerca do acontecimento apropriador com aquela relação completamente diversa, construída inteiramente sobre a verdade como correção do representar (intellectus), a relação do ente (ens) com o ser re-presentado no intellectus divinus, uma relação que só permanece correta sob a pressuposição de que omne ens (excluindo daí Deus creator) é ens creatum; sendo que, visto “ontologicamente”, mesmo Deus é concebido a partir da creatio, com o que se demonstra o elemento normativo do relato da criação no A. T. nesse tipo de “filosofia”. A visão desse contexto é, então, porém, tanto mais essencial, uma vez que ele é mantido ainda por toda parte na Metafísica da Modernidade, mesmo lá onde o erigir medieval a partir do “bem de ” da igreja já tinha sido abandonado há muito tempo e de maneira mesmo fundamental. Precisamente o domínio multiplamente modulado do pensar “cristão” no tempo pós e contra-cristão dificulta toda e qualquer tentativa de se afastar desse solo e de se pensar de modo inicial a partir da experiência mais originária a ligação fundamental entre SEER e verdade. (tr. Casanova; GA65: 225)

As coisas são diversas, porém, no que concerne à clareira para o encobrimento. Aqui nos encontramos na essenciação da verdade, e essa é verdade do SEER. A clareira para o encobrimento é já a oscilação da contraoscilação da viragem do acontecimento apropriador. Mas as tentativas até aqui em Ser e tempo e nos escritos seguintes de impor essa essência da verdade contra a correção do re-presentar e do enunciar como fundamento do próprio ser-aí precisavam permanecer insuficientes, porque elas foram sempre realizadas a partir da repulsae, com isso, porém, tinham sempre o re-pelido como ponto de mira, tornando impossível saber a essência da verdade desde o seu fundamento, desde o fundamento como o qual ela mesma se essencia. Para que se tenha sucesso nesse empreendimento é necessário não reter mais o dizer sobre a essência do SEER, seguindo uma vez mais a partir da opinião de que se poderia, apesar da intelecção da necessidade do projeto que salta para frente, abrir por fim de qualquer modo, a partir do que se deu até aqui, gradualmente um caminho para a verdade do SEER. Isso, porém, precisa sempre fracassar. E o novo perigo se torna tão forte, que o acontecimento apropriador se transforma agora ao mesmo tempo apenas em um nome e em um conceito manuseável, a partir do qual algo diverso poderia ser “deduzido”, mas que precisa, porém, ser dito dele; uma vez mais, contudo, não destacado em uma discussão “especulativa”, mas na meditação exigida, mantida pela indigência do abandono do ser. (tr. Casanova; GA65: 226)

1) A verdade se essencia e por quê? Porque só assim se tem a essenciação do SEER. Por que SEER? 2) A essência da verdade funda a necessidade do porquê e, com isso, da questão. A questão acerca da verdade acontece por causa do SEER, que precisa do nosso pertencimento como o que funda o ser-aí. 3) A primeira questão (1) é em si a determinação essencial da verdade. 4) Como precisa ser estabelecida a questão acerca da verdade. Partir da ambiguidade essencial: a “verdade” visada como “o verdadeiro”; o verdadeiro, porém, é a verdade como encobrimento clareador do acontecimento apropriador. Essa luz para o início é uma claridade, mas sem brilho e sem irradiação. O próprio encobrimento tanto mais claro, brilhando através da profundidade do encobrimento. 5) Como é que o conceito há muito legado da verdade como correção não apenas guia de saída a questão, mas também sugere que a resposta a ela precisaria ser medida por uma correção e, com isso, que a essência da verdade precisaria ser deduzida de algo previamente dado, que ela re-stitui. 6) Desdobrar em primeiro lugar a verdade na essência como encobrimento clareador (dissimulação e velamento). 7) A verdade como fundamento do tempo-espaço, mas, por isso, ao mesmo tempo essencialmente determinável a partir desse tempo-espaço. 8) O tempo-espaço como sítio instantâneo a partir da viragem do acontecimento apropriador. 9) A verdade e a necessidade do abrigo. 10) Abrigo como contestação da contenda entre mundo e terra. 11) As vias historicamente necessárias do abrigo. 12) Como é que no abrigo pela primeira vez o ente se torna essente. 13) Como é que só na mensuração que medita retrospectivamente sobre o caminho precedente se desdobra o âmbito, no qual e o qual acontece como a “diferenciação” de SEER e ente. Ser-aí se essenciando como o “entre”. (tr. Casanova; GA65: 227)

(A essência da verdade é a não-verdade) Por meio dessa sentença concebida conscientemente como autocontraditória deve ser expresso o fato de que pertence à verdade o caráter negativo, mas de modo algum apenas como falha, mas como algo que resiste, como aquele encobrir-se que surge na clareira enquanto tal. Com isso se apreende a ligação originária da verdade com o SEER enquanto acontecimento apropriador. Apesar disso, essa sentença é duvidosa quando se tem a intenção de se aproximar da estranha essência da verdade por meio de tal estranhamento. Concebida de maneira completamente originária reside nela a intelecção essencial e ao mesmo tempo a indicação para a intimidade e para o caráter contencioso no SEER mesmo enquanto acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 228)

Quanto mais essencialmente o SEER pertence ao ser-aí e vice-versa, tanto mais originária é a reciprocidade do não-se-deixar-livre. (tr. Casanova; GA65: 229)

Verdade, aletheia, quase não ressoando aí, poderosa, com efeito, mas infundada e mesmo não propriamente fundante. A correção leva a psyche a alcançar o primado, assim como acontece com a relação sujeito-objeto. Como o domínio da correção já tem a sua longa história, é só muito lenta e dificilmente que a sua origem e a possibilidade de algo diverso são visualizadas. Com a psyche também se dá originariamente o logos como reunião e, em seguida, como discurso e como saga. O fato de o enunciado se tornar o lugar para a “verdade” é concomitantemente o que há de mais estranho em sua história, apesar de isso ser considerado por nós como corrente. Por isto, porém, abstraindo-se da concepção da própria essenciação, a verdade e o verdadeiro precisam continuar sendo buscados e conservados lá onde não supomos de modo algum que eles estariam. Este desenraizamento da verdade é acompanhado pelo velamento da essência do SEER. Em que medida a “correção” é essencial a partir da instituição e do abrigo (linguagem)? (tr. Casanova; GA65: 231)

1) Por que essa interpretação é historicamente essencial? Porque ainda se torna visível aqui em uma meditação levada a termo como é que ao mesmo tempo a aletheia suporta e conduz essencialmente a questão grega acerca do ón e como é que precisamente por meio desse questionamento, do estabelecimento da idea, ela experimenta a sua derrocada. 2) Ao mesmo tempo, se mostra muito lá atrás: a derrocada não é a derrocada de algo instituído e mesmo de algo expressamente fundado. Nem uma coisa nem outra chegaram a ser realizadas no pensamento grego inicial; e isso apesar da sentença de Heráclito sobre o polemos e do poema de Parmênides. E, contudo, a aletheia é essencial por toda parte no pensar e no poetar (tragédia e Píndaro). 3) Somente se isso for experimentado e exposto é que se tornará possível mostrar de que maneira, então, um resíduo e uma aparência da aletheia precisaram em certo sentido se manter, uma vez que mesmo a verdade como correção e precisamente ela precisa se abrigar em um já aberto (cf sobre a correção). Precisa estar aberto aquilo, pelo que o re-presentar se orienta (se retifica), e precisa estar aberto também aquilo ao que se deve atribuir a justeza (cf correção e relação sujeito-objeto; ser-aí e re-presentar). 4) Se considerarmos panoramicamente a história da aletheia a partir da alegoria da caverna, que tem uma posição chave tanto em relação ao que vem antes quanto em relação ao que vem depois, então é possível mensurar de maneira mediata o que significa erigir em primeiro lugar a verdade como aletheia de maneira pensante, desdobrá-la e fundamentá-la na essência. Que isso não apenas não aconteceu na metafísica até aqui e também no primeiro início, mas não podia acontecer. 5) A fundação essencial da verdade como desentranhamento da primeira reluzência na aletheia não é, então, simplesmente a assunção da palavra e de sua tradução adequada como “desvelamento”, mas importante é experimentar a essência da verdade como clareira para o encobrir-se. O encobrimento clareador precisa se fundar como ser-aí. O encobrir-se precisa ganhar o espaço do saber como essenciação do próprio SEER enquanto acontecimento apropriador. A ligação mais íntima possível entre SEER e ser-aí em sua viragem torna-se visível como aquilo que impõe a questão fundamental e obriga a ir além da questão diretriz, e, com isso, de toda metafísica; para além de fato em direção ao cerne da tempo-espacialidade do aí. 6) Como, porém, “a verdade” mesma e seu conceito, de acordo com uma longa história e com uma confusa tradição, para a qual muitas coisas confluíram, não se encontram mais em questão em nenhum modo de formulação claro e necessário, mesmo as interpretações da história do conceito de verdade tanto quanto as interpretações da alegoria da caverna se mostram em particular como precárias e dependentes daquilo que mesmo antes foi retirado do platonismo e da doutrina do juízo. Faltam as posições fundamentais para um projeto daquilo que é dito na alegoria da caverna e daquilo que se dá nesse dizer. Por isto, é necessário apresentar algum dia pela primeira vez uma interpretação coesa, proveniente da questão da verdade, da alegoria da caverna e tornar essa interpretação eficaz como uma introdução ao âmbito da questão da verdade e como uma condução à necessidade dessa questão, com todas as reservas que permanecem presas a tais tentativas imediatas; pois o fundamento e a perspectiva do projeto da interpretação e de seus passos permanecem pressupostos como não discutidos e aparecem como violentos e arbitrários. (tr. Casanova; GA65: 233)

Ora, mas em que se baseia a determinação da essência da verdade como encobrimento clareador? Em uma parada junto à aletheia. Mas quem foi que imaginou a aletheia algum dia normativamente, e de onde provém o direito a esse elemento tradicional, e, contudo, ao mesmo tempo esquecido? Como é que podemos conceber um estado na essência da verdade, sem que todo “verdadeiro” permaneça apenas um engodo? Por meio de uma fuga em direção ao cerne da realidade efetiva próxima à vida de uma “vida” bastante questionável, não há como conquistar nada aqui. É natural tentar descobrir se, na questão “por que é a verdade?”, a verdade não se deixa desdobrar como o fundamento do porquê e, assim, determinar em sua essência. Mas a questão já parece presa a um saber em torno da “verdade”, de maneira bastante indeterminada, confusa e habitual, para tornar uma vez mais questionável se um recurso a tal saber e opinar resiste. Para onde andamos de maneira cambaleante, quando nos libertamos da aparência e do visado? O que aconteceria se, apesar disso, nós alcançássemos a proximidade do acontecimento apropriador, que pode ser obscurecido em sua essência, mas, de qualquer modo, ainda mostra o fato de que entre nós e o SEER um entre se essencia e que esse entre mesmo pertence à es-senciação do SEER. (tr. Casanova; GA65: 236)

Se a essência da verdade é: a clareira para o encobrir-se do SEER, então saber é: o manter-se nessa clareira do encobrimento e, com isso, a ligação fundamental com o encobrir-se do SEER e com esse SEER mesmo. Esse saber não é, então, nenhum mero tomar-por-verdadeiro de um verdadeiro qualquer ou de um verdadeiro insigne, mas originariamente: o manter-se na essência da verdade. Esse saber, o saber essencial, é, então, mais originário do que qualquer crença, que sempre se remete apenas a algo verdadeiro e, por isso, quando em geral quer sair da cegueira completa, precisa de qualquer modo necessariamente saber o que para ela significa verdadeiro e algo verdadeiro! (tr. Casanova; GA65: 237)

O tempo-espaço como emergente da e pertencente à essência da verdade, como a estrutura extasiantemente arrebatadora e fascinante (junção fugidia) assim fundada do aí. (Ainda não o “quadro” da representação da coisa, ainda não um mero fluir em si do que se sucede). Os sítios instantâneos e a contenda entre mundo e terra. A contenda e o abrigo da verdade do acontecimento apropriador. O tempo-espaço e a “facticidade” do ser-aí (cf observações correntes a Ser e tempo I, capítulo 5!). O entrementes da viragem e, com efeito, como algo histórica e expressamente jurisdicional! Ele se determina como o aqui e agora! A unicidade do ser-aí. Por isso, unicidade da existência sapiente do que é dado como tarefa e do que é concomitantemente dado. Tempo – eternidade – instante. O eterno não é o que per-dura, mas aquilo que pode se subtrair no instante, a fim de retornar uma vez mais. O que pode retornar não como o igual, mas como o novamente transformador, uno-único, o SEER, de tal modo que ele não é reconhecido nessa manifestabilidade de saída como o mesmo! O que é, então, eternização? (tr. Casanova; GA65: 238)

O tempo-espaço é a abertura de um fosso abissal apropriada em meio ao acontecimento das vias da viragem do acontecimento apropriador, da viragem entre o pertencimento e o clamor, entre o abandono do ser e o aceno (o estremecimento da oscilação do SEER mesmo!). Proximidade e distância, vazio e doação, ímpeto e hesitação, tudo isso não deve ser concebido tempo-espacialmente a partir das representações usuais de tempo e espaço, mas, inversamente, nelas reside a essência velada do tempo-espaço. Mas como é que isso deve ser aproximado da representação usual atual? Aqui é possível percorrer diferentes caminhos preparatórios. Com efeito, o mais seguro parece ser abandonar simplesmente o campo representacional até aqui de espaço e tempo e de sua apreensão conceitual e começar de novo. Mas isso não é possível porque não se trata de maneira alguma apenas de uma modulação da representação e da direção da representação, mas de um tres-loucamento da essência do homem em meio ao ser-aí. O questionamento e o pensamento precisam ser, com efeito, iniciais, mas, de qualquer modo, precisamente transitórios. (tr. Casanova; GA65: 239)

Em relação a essa “subjetivação”, porém, é preciso dizer: Como o ser-aí é essencialmente mesmidade (propriedade) e como a mesmidade é, por sua vez, o fundamento do eu e do nós tanto quanto de toda “subjetividade” inferior e superior, o desdobramento do tempo-espaço a partir dos sítios instantâneos não é nenhuma subjetivação, mas a sua superação, se não já a repulsa fundamental e prévia a ela. Essa origem do tempo-espaço corresponde à unicidade do SEER como acontecimento apropriador. Ele só traz a si mesmo para o seu aberto no acontecimento do abrigo da verdade de acordo com a via respectivamente necessária do abrigo. (tr. Casanova; GA65: 239)

A interpretação de espaço e tempo a partir do tempo-espaço não quer revelar o saber até aqui de espaço e tempo como “falsos”. Ao contrário, ele só é inserido na região naturalmente demarcada de sua correção e fica claro que espaço e tempo são assim inesgotáveis na essência tanto quanto no próprio SEER. (tr. Casanova; GA65: 241)

A história dessas “representações” é a história da verdade do SEER e só pode ser exposta de maneira filosoficamente frutífera juntamente com a história da questão diretriz. Todo o resto é afetação erudita que apenas seduz ainda mais para a exterioridade da reunião de passagens e da comparação. (tr. Casanova; GA65: 241)

A-bismo é a renúncia hesitante do fundamento. Na renúncia abre-se o vazio originário, acontece a clareira originária, mas a clareira ao mesmo tempo, para que se mostre nela a hesitação. O a-bismo é o encobrimento clareador primeiramente essencial, a essenciação da verdade. Uma vez, porém, que a verdade é o encobrimento clareador do SEER, ela é como a-bismo antes de tudo fundamento, que só funda como o imperar inteiramente de maneira sustentadora do acontecimento apropriador. Pois a renúncia hesitante é o aceno, no qual o ser-aí, justamente a constância do encobrimento clareador, é reacenado, e essa é a vibração da viragem entre clamor e pertencimento, o acontecimento da apropriação, o SEER mesmo. (tr. Casanova; GA65: 242)

A verdade funda como verdade do acontecimento apropriador. Esse acontecimento, porém, é, por isso, concebido a partir da verdade como fundamento: o fundamento originário. O fundamento originário só se abre como o que se encobre no a-bismo. O abismo, contudo, é completamente dissimulado por meio do não fundamento. O fundamento originário, o fundamento fundante, é o SEER, mas sempre a cada vez se essenciando em sua verdade. Quanto mais fundamentalmente o fundamento (a essência da verdade) for sondado em seu solo, tanto mais essencialmente se essencia o SEER. A sondagem do solo do fundamento precisa, no entanto, ousar o salto no a-bismo e mensurar e suportar o próprio a-bismo. (tr. Casanova; GA65: 242)

“Permanência de fora” como autorrenúncia (hesitante) do fundamento é essenciação do fundamento como a-bismo. O fundamento necessita do a-bismo. E a clareira, que acontece no renunciar-se, não é nenhum mero fender-se como uma boca bocejante (chaos – contra physis), mas o rejuntar afinador dos tres-loucamentos essenciais justamente desse clareado, que deixa aquele encobrir-se vir a encontrar-se nele. E isso porque a verdade como encobrimento clareador é a verdade do SEER como acontecimento apropriador, a verdade do acontecimento da apropriação que oscila de lá para cá e de cá para lá, acontecimento esse que, se fundando na verdade (na essenciação do aí), conquista nela e apenas nela para si também a clareira para o seu encobrir-se. (tr. Casanova; GA65: 242)

O “vazio” também não é a mera insatisfação de uma expectativa e de um desejo. Ele é apenas como ser-aí, isto é, como a retenção, o manter-se diante da renúncia hesitante, por meio da qual o tempo-espaço se funda como os sítios instantâneos da decisão. O “vazio” é do mesmo modo e propriamente a plenitude do ainda indecidido, a ser decidido, o a-bissal, o que aponta para o fundamento, para a verdade do ser. O “vazio” é a indigência preenchida do abandono do ser, mas esse já voltado para o aberto e, com isso, referido à unicidade do SEER e de sua inesgotabilidade. O “vazio” não como o concomitantemente dado de uma precariedade, como sua indigência, mas muito mais como a indigência da retenção, que é em si um projeto irrompendo. Assim, ele se mostra como a tonalidade afetiva fundamental do pertencimento mais originário. A denominação como “vazio” para aquilo que se abre no acontecimento apropriador da retenção para a renúncia hesitante não é, por isso, determinada de maneira apropriada e continua sendo sempre determinada de maneira exagerada a partir do erigir dificilmente superável junto ao espaço da coisa e junto ao tempo do processo. (tr. Casanova; GA65: 242)

A estrutura dessa essenciação precisa ser colocada sempre uma vez mais no projeto: a essência da verdade é o encobrimento clareador. Esse encobrimento acolhe o acontecimento apropriador e deixa, dando a ele sustentação, que sua oscilação impere inteiramente através do aberto. Suportando e deixando imperar, a verdade é o fundamento do SEER. O “fundamento” não é mais originário do que o SEER, mas a origem como aquilo que ele, o acontecimento apropriador, deixa reemergir. (tr. Casanova; GA65: 242)

O aceno é a autorrenúncia hesitante. A autorrenúncia não cria apenas o vazio da privação e da calcificação, mas, juntamente com esses vazios, o vazio enquanto um vazio arrebatador e extasiante, que arrebata de maneira extasiante para o cerne do por vir, de tal modo que, com isso, irrompe ao mesmo tempo um sido que, se encontrando com o que está por vir, constitui o presente como inserção extasiante no abandono, como inserção rememorante e persistente, porém. Esse abandono, contudo, não é em si, uma vez que originariamente marcado por lembrança e espera (o pertencimento ao ser e o clamor do SEER), nenhum mero mergulho e mortificação na falta de uma posse, mas, inversamente, o presente erigido e dirigido unicamente para a decisão: instante. Nesse instante, os arrebatamentos extasiantes se encontram inseridos, e ele mesmo se essencia apenas como a reunião dos arrebatamentos extasiantes. (tr. Casanova; GA65: 242)

A cristalização rememorante (que rememora um pertencimento velado ao SEER e cristaliza um clamor do SEER) coloca em decisão o se ou o se-não do acometimento do SEER. Mais claramente, a temporalização como essa junção da autorrenúncia (hesitante) funda de maneira a-bissal o âmbito de decisão. Com o arrebatamento extasiante em meio ao que se renuncia (essa é justamente a essência do temporalizar), contudo, tudo já estaria decidido. O que se renuncia, no entanto, se renuncia de maneira hesitante, presenteando, assim, com a possibilidade da doação e do acontecimento da apropriação. A autorrenúncia rejunta o arrebatamento extasiante da temporalização, como hesitante ela é ao mesmo tempo o arrebatamento fascinante mais originário. Esse fascínio é repouso, no qual o instante e, com ele, a temporalização são mantidos (como o a-bismo originário? O “vazio”? Nem ele nem a plenitude). Esse arrebatamento fascinante dá a possibilidade da doação como possibilidade essenciante, arranjando um espaço para ela. O arrebatamento fascinante é a inserção espacial do acontecimento apropriador. O abandono é um abandono fixado pelo arrebatamento fascinante, um abandono que precisa ser suportado. (tr. Casanova; GA65: 242)

A “permanência de fora” do fundamento, sua abissalidade, é afinada a partir da autorrenúncia hesitante, temporalizando e espacializando, arrebatando de maneira extasiante e fascinante ao mesmo tempo. Na inserção espacial se funda e se dá o sítio do instante. O tempo-espaço como a unidade da temporalização e da espacialização originárias é originariamente ele mesmo o sítio instantâneo, assim como esse sítio é a tempo-espacialidade essencial a-bissal da abertura do encobrimento, isto é, do aí. De onde, portanto, se dá a cisão em temporalização e espacialização? A partir do arrebatamento extasiante e do fascinante, que se requisitam de maneira fundamentalmente diversa, ou seja, a partir da unidade da renúncia hesitante. De onde se dá a cisão em arrebatamento extasiante e em arrebatamento fascinante? A partir da renúncia hesitante, e essa se revelando no reacenar como a essência inicial do acontecimento apropriador, de maneira inicial no outro início. Essa essência do SEER única e singular, e, com isso, suficiente para a essência mais íntima do SEER; também a physis é única e singular. (tr. Casanova; GA65: 242)

Se aquela temporalização e aquela espacialização constituem a essência originária de tempo e espaço, então sua proveniência, abissal, fundadora do a-bismo, se tornou visível a partir da essência do ser. Tempo e espaço (originariamente) não “são”, mas se essenciam. Mas a renúncia hesitante mesma tem essa junção fugidia originariamente unificadora da autorrenúncia e da hesitação a partir do aceno. Esse aceno é o reabrir-se do que se encobre enquanto tal, e, em verdade, o reabrir-se para o e como o acontecimento da apropriação, como o clamor do pertencimento ao próprio acontecimento apropriador, isto é, à fundação do ser-aí como o âmbito de decisão para o SEER. Mas esse aceno só chega a se dar na ressonância do SEER a partir da indigência do abandono do ser e só diz uma vez mais: nem a partir do clamor, nem a partir de um pertencimento, mas apenas a partir do entre que atua de maneira vibrante sobre os dois é que se abre o acontecimento apropriador e se torna realizável o projeto da origem do tempo-espaço como unidade originária a partir do abismo do fundamento. Espaço é o a-bismo arrebatadoramente fascinante do repouso. Tempo é o a-bismo arrebatadoramente extasiante da reunião. O arrebatamento fascinante é repouso abissal da reunião. (tr. Casanova; GA65: 242)

O tempo-espaço nessa essência originária ainda não tem nada em si do “tempo” e do “espaço”, que habitualmente se conhece, e, contudo, ele contém o desdobramento em direção a eles em si, e, com efeito, em uma riqueza maior do que a que pôde vir à tona até aqui por meio da matematização de espaço e tempo. Como é se sai de tempo-espaço para “espaço e tempo”? Formulada assim, a questão ainda é muito plurissignificativa e pode ser facilmente mal interpretada. O que precisa ser distinto de antemão é: 1) A história que essencialmente foi de topos e kronos no interior da interpretação do ente como physis com base na aletheia não desdobrada; 2) O desdobramento de espaço e tempo a partir do tempo-espaço expressa e originariamente concebido enquanto a partir do abismo do fundamento no interior do pensar do outro início; 3) O apoderamento do tempo-espaço como essenciação da verdade no interior da fundação por vir do ser-aí através do abrigo da verdade do acontecimento apropriador no ente que se reconfigura por meio daí; 4) A clarificação propriamente dita, a dissolução ou o afastamento das dificuldades, que envolveram desde sempre na história do pensamento até aqui aquilo que se conhece como espaço e tempo; por exemplo, a questão acerca da “realidade efetiva” do espaço e do tempo; acerca de sua “infinitude”, acerca de sua relação com as “coisas”. Todas essas questões permanecem não apenas sem respostas, mas de início inquestionáveis, enquanto espaço e tempo não forem concebidos a partir do tempo-espaço, isto é, enquanto a questão acerca da essência da verdade não for questionada desde o fundamento como a questão prévia à questão fundamental da filosofia (como se essencia o SEER?). (tr. Casanova; GA65: 242)

O aberto do a-bismo não é sem fundamento. Abismo não significa o não em relação a todo fundamento como ausência de fundamento, mas o sim ao fundamento em sua amplitude e distância veladas. O a-bismo é, assim, o sítio em si reciprocamente oscilante que se temporaliza e espacializa do “entre”, como o qual o ser-aí precisa ser fundado. O a-bismo é tão pouco “negativo” quanto a renúncia hesitante; os dois, com efeito, visados imediatamente (“logicamente”), contêm um “não”, e, não obstante, a renúncia hesitante é a primeira e mais elevada reluzência do aceno. Concebida mais originariamente, essencia-se nela naturalmente um “não”. Mas trata-se do não originário, que pertence ao próprio SEER e, com isso, ao acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 242)

O abrigo não é a acomodação ulterior da verdade em si presente à vista no ente, abstraindo-se completamente do fato de que a verdade nunca se acha presente à vista. Abrigo pertence à essenciação da verdade. Essa não é essenciação, se ela nunca se essencia no abrigo. Se, por isso, indicativamente, a “essência” da verdade for denominada como a clareira para o encobrir-se, então isso só acontece para desdobrar pela primeira vez a essenciação da verdade. A clareira precisa se fundar em seu aberto. Ela carece daquilo que ela obtém na abertura, e isso é a cada vez de maneira diversa um ente (coisa – utensílio – obra). Mas esse abrigo do aberto precisa ser ao mesmo tempo e de antemão de tal modo que a abertura se torna essente de tal maneira que, nela, o encobrir-se e, com isso, o SEER se essencie. De acordo com isso, precisa ser possível – com o salto prévio correspondente no SEER com certeza –, a partir do “ente”, encontrar o caminho até a essenciação da verdade e, por essa via, tornar visível o abrigo como pertencente à verdade. Onde é, porém, que esse caminho deve começar? Não precisamos conceber para tanto em primeiro lugar as referências atuais em relação ao ente, tal como nós nos encontramos aí, ou seja, não precisamos ter diante dos olhos algo extremamente corrente? E justamente isso é o mais difícil, uma vez que ele não é nunca realizável sem um abalo, o que significa: sem um tresloucamento da ligação fundamental com o SEER mesmo e com a verdade. É preciso indicar em que verdade e como é que o ente se encontra respectivamente nela. Precisa se tornar claro como é que aqui mundo e terra se encontram em contenda e, com isso, como é que eles mesmos se desencobrem e se encobrem. Esse encobrir-se mais imediato, contudo, é apenas a aparência prévia do a-bismo e, com isso, da verdade do acontecimento apropriador. Mas a verdade só se essencia na clareira mais plena do mais distante encobrir-se sob o modo do abrigo segundo todos os caminhos e maneiras, que pertencem a esse abrigo, que suportam e conduzem historicamente a exposição jurisdicional do ser-aí e que constitui, assim, o ser do povo. (tr. Casanova; GA65: 243)

Precisa sempre haver, porém, a conservação do encobrir-se. Pois somente assim permanece a história fundada em sintonia com o caráter do ser-aí no acontecimento da apropriação e, assim, de maneira pertinente ao SEER. (tr. Casanova; GA65: 244)

Aqueles estrangeiros dotados de um mesmo coração, igualmente decididos pela doação e recusa que lhes foram reservadas. Os que detêm o bastão da verdade do SEER, verdade essa na qual o ente se constrói em direção ao domínio simples da essência de toda e qualquer coisa e respiração. As testemunhas mais silenciosas da mais silenciosa tranquilidade, na qual um empurrão imperceptível retira a verdade da confusão de todas as correções recalculadas e a gira de volta para a sua essência: manter velado o que há de mais velado, o estremecimento do passar ao largo da decisão dos deuses, a essenciação do SEER. (tr. Casanova; GA65: 248)

Os que estão por vir: os lentos fundadores, que escutam por um longo tempo, dessa essência da verdade. Os que resistem ao impulso do SEER. Os que estão por vir são aqueles vindouros, para junto dos quais, enquanto os que esperam retroativamente em uma retenção sacrificial, chegam o aceno e o acometimento do afastamento e da aproximação do último deus. É preciso preparar esses que estão por vir. Serve a tal preparação o pensar inicial como silenciamento do acontecimento apropriador. Mas o pensar é apenas um modo, no qual poucos ressaltam o salto no SEER. (tr. Casanova; GA65: 248)

Ressonância e conexão de jogo, salto e fundação têm sempre a cada vez a sua tonalidade afetiva diretriz, que afina conjuntamente de maneira originária a partir da tonalidade afetiva fundamental. Essa tonalidade afetiva fundamental, porém, não tem tanto como ser descrita. Ela precisa ser mais provocada no todo do pensar inicial. Em uma palavra, porém, não há quase como nomeá-la, a não ser por meio do nome de retenção. Mas, então, essa palavra precisa ser tomada em toda a plenitude originária, que cresce historicamente para a sua significação a partir do repensar do acontecimento apropriador. A tonalidade afetiva fundamental contém a exigibilidade, o ânimo da coragem como a vontade sapiente e afinada do acontecimento apropriador. As tonalidades afetivas diretrizes são afinadas e afinadoras na ressonância uma com a outra. A tonalidade afetiva diretriz da ressonância é o horrorem meio ao abandono do SEER que se desvela e, ao mesmo tempo, o pudor diante do acontecimento apropriador ressonante. Horror e pudor conjuntamente a princípio deixam levar a termo de maneira pensante a ressonância. A consonância originária das tonalidades afetivas diretrizes só é completamente afinada por meio da tonalidade afetiva fundamental. Nela, os que estão por vir são, e, como aqueles que são assim afinados, são de-terminados afinadamente pelo último deus. (Sobre tonalidade afetiva cf algo essencial nas preleções sobre Hölderlin). (tr. Casanova; GA65: 249)

O questionar acerca da essência da verdade e acerca da essenciação do SEER: o que é isso senão o caráter resoluto em nome da mais extrema meditação? Esse caráter resoluto, porém, cresce a partir da abertura para o necessário, que torna incontornável a experiência da indigência do abandono do ser. A experiência dessa indigência, contudo, depende uma vez mais da grandeza da força da lembrança no todo do caráter dominante do saber. Uma questão desse tipo é a retenção da busca, lá onde e como a verdade do ser se deixa fundar e abrigar. (tr. Casanova; GA65: 250)

Hoje já são poucos esses que estão por vir. O seu pressentimento e a sua busca quase não têm como ser conhecidos por eles mesmos e em sua autêntica inquietude; essa inquietude, contudo, é a consistência tranquila da abertura do fosso abissal. Ela sustenta uma certeza que é tocada pelo mais casto e mais distante aceno do último deus e é retida no acometimento do acontecimento apropriador. Como é que, no silêncio retido, esse aceno enquanto aceno é preservado, e como é que tal preservação sempre se encontra ao mesmo tempo na despedida e na chegada, no luto ena alegria ao mesmo tempo, naquela tonalidade afetiva do que experimenta a retenção e que abre e fecha apenas para si a abertura do fosso abissal do SEER. Fruto e acaso, acometimento e aceno. (tr. Casanova; GA65: 252)

Nós voltamos para o tempo-espaço da decisão sobre a fuga e a chegada dos deuses. Mas como é que isso se dá? Será que uma coisa ou outra se tornará um acontecimento por vir? Será que uma coisa ou outra precisa determinar a expectativa construtiva? Ou será que a decisão é a abertura de um tempo-espaço completamente diverso para uma verdade, sim, para a verdade pela primeira vez fundada do SEER, o acontecimento apropriador? O que aconteceria se aquele âmbito da decisão na totalidade, fuga ou chegada dos deuses, fosse justamente o próprio fim? O que aconteceria se, para além disso, o SEER precisasse ser concebido pela primeira vez em sua verdade como o acontecimento da apropriação, acontecimento esse como o qual acontece apropriadoramente aquilo que denominamos a recusa? Isso não é nem fuga nem chegada, nem tampouco tanto fuga quanto chegada, mas algo originário, a plenitude da concessão do SEER na recusa. Aqui se funda a origem do estilo por vir, isto é, na retenção na verdade do SEER. A recusa é a nobreza mais elevada da doação e o traço fundamental do encobrir-se, cuja abertura constitui a essência originária da verdade do SEER. Assim apenas o SEER se torna o próprio estranhamento, a tranquilidade do passar ao largo do último deus. O ser-aí, porém, é apropriado em meio ao acontecimento no SEER como a fundação da guarda dessa tranquilidade. Fuga e chegada dos deuses reúnem agora no sido e são subtraídas ao passado. O porvir, porém, a verdade do SEER como recusa, tem em si a garantia da grandeza, não da eternidade vazia e gigantesca, mas da via mais breve. Mas pertence a essa verdade do SEER, à recusa, o velamento do não ente enquanto tal, o desprendimento e a dissipação do SEER. Agora pela primeira vez, o abandono do SEER precisa permanecer. O desprendimento, contudo, não se mostra como um arbítrio e uma desordem vazios, mas, ao contrário: tudo é agora inserido na direcionalidade planejada e na exatidão do transcurso seguro e do domínio “sem restos”. A maquinação toma sob sua proteção o não ente sob a aparência do ente, e a desertificação do homem imposta incontornavelmente com isso é compensada por meio da “vivência”. Tudo isso precisa se tornar mais necessário do que antes enquanto inessência porque o que há de mais estranho também precisa disso que há de mais corrente e porque a abertura do fosso abissal do SEER não pode ser soterrada pela aparência fictícia do equilíbrio, da “felicidade” e da falsa consumação; pois tudo isso é odiado em primeiro lugar pelo último deus. Mas o último deus não é uma degradação de deus, sim, a blasfêmia pura e simples? O que aconteceria, porém, se o último deus precisasse ser chamado assim porque traz pela última vez a decisão sobre os deuses para um domínio sob e entre os deuses, elevando, com isso, a essência da unicidade do ser de deus ao extremo? O último deus, se pensarmos aqui de maneira calculadora e tomarmos esse “último” apenas como interrupção e fim, ao invés de como decisão extrema e maximamente breve sobre o que há de mais elevado, então naturalmente todo saber sobre ele será impossível. Todavia, como é que se deveria querer calcular no pensamento do ser de deus, ao invés de meditar de maneira radicalmente oposta sobre o perigo de algo estranho e incalculável? (tr. Casanova; GA65: 254)

O que é essa viragem originária no acontecimento apropriador? Apenas o acometimento do ser como acontecimento da apropriação do aí traz o ser-aí para ele mesmo e, assim, para a execução (abrigo) da verdade jurisdicionalmente fundada no ente, que encontra no encobrimento clareado do aí seu sítio. E na viragem: só a fundação do ser-aí, a preparação da prontidão para o arrebatamento extasiante e fascinante em meio à verdade do SEER, traz o que é pertinente e dócil para o aceno do acontecimento da apropriação que acomete. (tr. Casanova; GA65: 255)

Se por meio do acontecimento apropriador o ser-aí como meio aberto da ipseidade que funda a verdade é atirado a si e se torna um si mesmo, o ser-aí precisa, por sua vez, pertencer como possibilidade velada da essenciação fundante do SEER ao acontecimento apropriador. E na viragem: o acontecimento apropriador precisa se valer do ser-aí; por meio da necessidade, ele precisa colocá-lo no clamor e, assim, trazê-lo para diante do passar ao largo do último deus. (tr. Casanova; GA65: 255)

O acontecimento apropriador “é”, assim, o domínio mais elevado enquanto retorno por sobre o direcionamento e a fuga dos deuses que essencialmente foram. O deus extremo carece do SEER. (tr. Casanova; GA65: 255)

Na essência do aceno reside o mistério da unidade da mais íntima aproximação no distanciamento extremo, a mensuração do mais amplo campo de jogo temporal do SEER. Esse extremo da essenciação do SEER exige o mais íntimo da indigência do abandono do ser. Essa indigência precisa pertencer ao clamor do domínio daquele aceno. O que ressoa em tal servidão e prepara a amplitude só consegue preparar para a contenda entre mundo e terra, para a verdade do aí, por meio desse aí mesmo, o sítio instantâneo da decisão e, assim, a contestação e o abrigo no ente. (tr. Casanova; GA65: 255)

Se esse clamor do aceno extremo, a apropriação mais velada em meio ao acontecimento, ainda acontecerá abertamente ou se a indigência a tudo emudecerá e todo domínio permanecerá de fora; e se, caso o clamor aconteça, ele será então ainda apreendido; se o salto para o interior do ser-aí e, com isso, a partir de sua verdade, a viragem ainda vão se tornar história: é aí que se decide o futuro dos homens. O homem pode ainda por séculos espoliar e desertificar o planeta com as suas maquinações, o gigantesco desse impulso pode se “desenvolver” em direção ao irrepresentável e assumir a forma de um rigor aparente, o disciplinamento pelo elemento desértico enquanto tal; a grandeza do SEER pode permanecer vedada porque nenhuma decisão mais é tomada sobre a verdade, a não verdade e sua essência. Somente ainda cálculo do sucesso e do insucesso das maquinações é que são computados. Esse cálculo estende-se para uma “eternidade” arrogada, que não é nenhuma eternidade, mas apenas o e-assim-por-diante sem fim do que há de mais fugidio e desértico. (tr. Casanova; GA65: 255)

Onde a verdade do ser não é querida, onde ela não se volta para o interior da vontade de saber e de experimentar, subtrai-se ao instante enquanto a reluzência do SEER a partir da constância do acontecimento apropriador simples e nunca calculável todo tempo-espaço. Ou, porém, ao instante pertence apenas ainda a solidão mais solitária, a que, contudo, permanece recusado o acordo fundador da instituição de uma história. Mas esses instantes, e eles apenas, podem se tornar as preparações, nas quais a viragem do acontecimento apropriador para a verdade se desdobra e se reúne. Todavia, só a pura constância no inexpugnavelmente simples e essencial está madura para a preparação de tal prontidão, nunca o caráter fugidio das maquinações que se ultrapassam precipitadamente. (tr. Casanova; GA65: 255)

No âmbito de domínio do aceno encontram-se novamente, para a mais simples contenda, terra e mundo: o mais puro fechamento e a transfiguração suprema, o mais temo arrebatamento fascinante e o mais temível arrebatamento extasiante. E isso novamente a cada vez apenas historicamente nos níveis e âmbitos e graus do abrigo da verdade no ente, através do qual somente este se torna novamente mais ente, em meio a todo o extinguir-se no não ente, um extinguir-se que é sem medida, mas dissimulado. Em tal essenciação do aceno, o próprio SEER chega à sua maturidade. Maturidade é prontidão para tornar-se um fruto e uma doação. Nisso se essencia o último, o fim essencial, exigido a partir do início, mas não trazido com ele. Aqui se desentranha a finitude mais íntima do SEER: no aceno do último deus. Na maturidade, na potência do fruto e na grandeza da doação, encontra-se ao mesmo tempo a essência mais velada do não, enquanto ainda-não e não-mais. A partir daqui é que é preciso pressentir a intimidade da intraessenciação do negativo no SEER. De acordo com a essenciação do SEER, porém, no jogo do acometimento e do ficar de fora, o não mesmo possui figuras diversas de sua verdade e, de acordo com isso, também o nada. Se isso só for calculado “logicamente” por meio da negação do ente no sentido do ente presente à vista (cf as observações no manuscrito de “O que é metafísica?”) e explicado extrinsecamente de maneira literal, em outras palavras, se o questionamento em geral não chegar ao âmbito da questão acerca do SEER, então todo discurso em réplica em face da questão acerca do nada não passa de um falatório vão, no qual se subtraem todas as possibilidades de penetrar algum dia no âmbito de decisão da questão acerca da finitude mais essencial do SEER. Mas esse âmbito só é penetrável graças à preparação de um longo pressentimento do último deus. E os que estão por vir do último deus só são preparados pela primeira vez por meio daqueles que encontram, mensuram e constroem o caminho de volta a partir do abandono do ser experimentado. Sem o sacrifício desses que estão voltando, não se chega nem mesmo a um crepúsculo da possibilidade do aceno do último deus. Esses que tomam o caminho de volta são os verdadeiros ante-cessores dos que estão por vir. (Mas esses que estão voltando também são completamente diversos dos muitos apenas “re-ativos”, cuja “ação” só irrompe na cega suspensão junto ao seu elemento até aqui visto de maneira breve. O sido nunca se tornou manifesto para eles em sua antecipação do porvir, assim como o porvir jamais se tornou evidente em seu clamor pelo sido). (tr. Casanova; GA65: 256)

A preparação do aparecer do último deus é a ousadia mais extrema da verdade do SEER, graças à qual apenas tem sucesso para o homem o resgate do ente. (tr. Casanova; GA65: 256)

A maior proximidade do último deus acontece apropriadoramente, quando o acontecimento apropriador ganha a recusa como a autorrenúncia hesitante da elevação. Isso é algo essencialmente diverso da mera ausência. Recusa como pertencente ao acontecimento apropriador só se deixa experimentar a partir da essência mais originária do SEER, no modo como ele reluz no pensar do outro início. (tr. Casanova; GA65: 256)

A distância extrema do último deus na recusa é uma proximidade única, uma ligação, que não pode ser deslocada e afastada por nenhuma “dialética”. A proximidade, porém, ressoa na ressonância do SEER a partir da experiência da indigência do abandono do ser. Essa experiência, contudo, é a primeira irrupção para a tempestade no ser-aí. Pois somente se o homem provier dessa indigência, ele levará as necessidades a luzirem e, com elas, pela primeira vez, a liberdade do pertencimento ao júbilo do SEER. (tr. Casanova; GA65: 256)

Somente quem pensa de maneira curta demais, isto é, somente quem nunca pensa propriamente, permanece preso lá onde uma renúncia e uma negação acometem, a fim de ver aí a ocasião para o desespero. Isso, porém, é sempre um testemunho de que nós ainda não mensuramos a viragem plena do SEER, a fim de encontrarmos aí a medida do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 256)

A recusa obriga o ser-aí a ele mesmo como fundação do sítio do primeiro passar ao largo do deus como o deus que se recusa. Somente a partir desse instante é que pode ser medido como é que o SEER como o âmbito do acontecimento apropriador daquela imposição precisa restituir o ente, em que domínio do ente precisa se realizar a dignificação do deus. (tr. Casanova; GA65: 256)

Nós nos encontramos nessa luta em torno do último deus, isto é, em torno da fundação da verdade do SEER como o tempo-espaço da tranquilidade de seu passar ao largo (não é pelo próprio deus que conseguimos lutar); e isso necessariamente no âmbito de poder do SEER como o acontecimento da apropriação e, com isso, na amplitude extrema do mais intenso redemoinho da viragem. (tr. Casanova; GA65: 256)

Aqui não acontece nenhuma re-denção, isto é, no fundo nenhuma humilhação do homem, mas a inserção da essência mais originária (fundação do ser-aí) no SEER mesmo: o reconhecimento do pertencimento do homem ao SEER por meio do deus, a admissão divina, que não esconde nada de si e de sua grandeza, de que necessita do SEER. (tr. Casanova; GA65: 256)

Aquele pertencimento ao SEER e essa necessidade do SEER desentranham pela primeira vez o SEER em seu encobrir-se como aquele ponto central marcado pela viragem, no qual o pertencimento ultrapassa a necessidade e a necessidade prepondera sobre o pertencimento: o SEER como acontecimento apropriador, que acontece a partir desse excesso revirado de si mesmo e, assim, se torna a origem da contenda entre o deus e o homem, entre o passar ao largo do deus e a história do homem. (tr. Casanova; GA65: 256)

Todo ente, por mais impertinente e único, autônomo e de primeiro nível que ele possa aparecer para o cálculo e para o empreendimento sem deus e desumanos, é apenas a inserção no acontecimento apropriador, inserção essa na qual o sítio do passar ao largo do último deus e a guarda do homem buscam uma estabilização, a fim de permanecerem prontos para o acontecimento da apropriação e não privar o SEER daquilo que, porém, o ente até aqui, esse na verdade até aqui, precisou exclusivamente empreender. (tr. Casanova; GA65: 256)

O repensar da verdade do SEER só tem sucesso se, no passar ao largo do deus, o apoderamento do homem para a sua necessidade se tornar manifesto e, assim, o acontecimento da apropriação no excesso da viragem ganhar o aberto entre o pertencimento humano e a necessidade divina, a fim de revelar seu encobrir-se como meio, a fim de se revelar como meio do encobrir-se, obrigando a reoscilação e, com isso, trazendo ao salto a liberdade para o fundamento do SEER como fundação do aí. (tr. Casanova; GA65: 256)

O SEER como o que há de mais único e raro em contraposição ao nada terá se subtraído do elemento massificado do ente, e toda história só servirá, lá onde ela se estende às profundezas de sua própria essência, a essa subtração do ser em sua plena verdade. Tudo o que é público, porém, se ufanará em seus sucessos e colapsos e caçará a si mesmo, a fim de, ao seu modo, não saber nada daquilo que acontece. Somente entre esse ser massificado e os propriamente sacrificados é que serão buscados e encontrados os poucos e seus laços, a fim de pressentir o fato de que algo velado acontece para eles, aquele passar ao largo, apesar de toda corrosão de todo “acontecimento” em meio à rapidez, ao que é imediatamente manuseável de maneira completa e que precisa ser consumido sem restos. A inversão e a confusão das pretensões e do âmbito de pretensão não serão mais possíveis, porque a verdade do próprio SEER trouxe à decisão na mais extensa exclusão da abertura de seu fosso abissal as possibilidades essenciais. Esse instante histórico não é nenhum “estado ideal” porque esse estado contraria a cada vez a essência da história, mas esse instante é o acontecimento da apropriação daquela viragem, na qual a verdade do SEER chega ao SEER da verdade, uma vez que o deus precisa do ser e o homem como ser-aí precisa ter fundado o pertencimento ao ser. Nesse caso, então, por esse instante, o SEER é, como o entre mais íntimo, igual ao nada; o deus se apodera do homem e o homem ultrapassa o deus, por assim dizer imediatamente e, contudo, os dois somente no acontecimento apropriador, como o qual a verdade do SEER mesmo é. (tr. Casanova; GA65: 256)

Uma história longa, muito reincidente e muito velada, porém, será até esse instante incalculável, que também nunca pode se mostrar como algo de primeiro plano tal como uma “meta”. Somente de hora em hora é que os criadores precisam, na retenção do cuidado, preparar a si mesmos para a guarda no tempo-espaço daquele passar ao largo. E a meditação pensante sobre esse único, a verdade do SEER, só pode ser uma senda, na qual o impensável de antemão é, contudo, pensado, isto é, a transformação da ligação do homem com a verdade do SEER é iniciada. Com a questão do SEER, que superou a pergunta acerca do ente e, com isso, toda “metafísica”, acendeu-se a tocha e se ousou o primeiro passo em direção à ampla caminhada. Onde está o corredor, que recebe a tocha e leva para o seu ante-cessor? Os corredores precisam todos, e quanto mais tardios eles forem, tanto mais eles serão fortes ante-cessores, não pro-seguidores, que apenas “aprimoram” e refutam o que é primeiramente tentado, quando ele vem à tona. Os ante-cessores precisam ser cada vez mais originariamente do que os “ante”– (isto é, aqueles que se encontram atrás deles) – cessores os antecessores iniciais, pensando de maneira mais simples, mais rica e incondicionadamente única o um e o mesmo que precisa ser perguntado. O que eles assumem, na medida em que eles lançam mão da tocha, não pode ser o dito como “doutrina” e “sistema” e coisas do gênero, mas o que se precisou, que só se abre àqueles que, eles mesmos, possuindo uma proveniência abissal, pertencem aos que são impostos. (tr. Casanova; GA65: 256)

O elemento impositivo, no entanto, é apenas o incalculável e o improdutível do acontecimento apropriador, a verdade do SEER. Bem aventurado aquele que pode pertencer à desventura da abertura de seu fosso abissal, a fim de ser dócil no diálogo sempre inicial dos solitários, diálogo esse para o qual acena o último deus porque ele é reacenado através dele em seu passar ao largo. (tr. Casanova; GA65: 256)

O fim é apenas lá onde o ente se arranca da verdade do SEER, tendo negado aquela questionabilidade, isto é, toda e qualquer diferenciação, a fim de se portar em possibilidades infinitas do que é assim solto em meio ao tempo sem fim. O fim é o incessante e-assim-por-diante, ao qual se subtraiu o derradeiro desde o início e há muito como o mais inicial. O fim nunca vê a si mesmo, mas se considera como a consumação e se tornará e estará, por isso, o menos possível pronto, de tal modo que ele nem esperará nem experimentará o derradeiro. (tr. Casanova; GA65: 256)

Provindo de uma posição em relação ao ente determinada pela “metafísica”, nós só poderemos saber de modo difícil e lento o outro, segundo o qual o deus ainda não aparece nem na “vivência” “pessoal” nem na “vivência” “massificada”, mas unicamente no “espaço” abissal do próprio SEER. Todos os “cultos” e “igrejas” e coisas como essas em geral até aqui não têm como se tornar a preparação essencial do dar-se um com o outro do homem e de deus no meio do SEER. Pois a verdade do SEER mesma precisa ser primeiro fundada e, para isso que é entregue, toda criação precisa tomar um outro início. (tr. Casanova; GA65: 256)

O quão pouco sabemos do fato de que o deus espera pela fundação da verdade do SEER e, com isso, pelo salto do homem no ser-aí. Ao invés disso, tudo se dá como se o homem é que precisasse e fosse esperar por deus. E talvez essa seja a forma mais fatídica da mais absoluta falta de deus e o atordoamento da impotência para o sofrimento do acontecimento da apropriação daquele aí enquanto estada temporária do SEER, que oferece pela primeira vez ao encontrar-se do ente na verdade um sítio, atribuindo a ele o elemento justo de se achar na mais ampla distância em relação ao passar ao largo do deus, elemento justo, cuja atribuição só acontece como história; na recriação do ente em meio à essencialidade de sua determinação e em meio à libertação do abuso das maquinações, que, invertendo tudo, esgotam o ente no usufruto. (tr. Casanova; GA65: 256)

O pensar. O visar do ser. O ser e a diferenciação em relação ao ente. O projeto do SEER. O re-pensar do SEER. A essenciação do SEER. A história. O ser-aí. A linguagem e a saga. O “ente”. A questão transitória (por que é em geral o ente e não antes o nada?) A história do SEER. O ponto de vista da história do SEER. O incalculável. (tr. Casanova; GA65: 257)

A concepção agora e futuramente essencial do conceito de filosofia (e, com isso, também a determinação prévia da conceptualidade de seu conceito e de todos os seus conceitos) é a concepção histórica (não uma concepção historiológica). “Histórico” significa aqui: pertencente à essenciação do SEER mesmo, inserido na indigência da verdade do SEER e, assim, ligado à necessidade daquela decisão, que dispõe em geral sobre a essência da história e sua essenciação. De acordo com isso, a filosofia é agora pela primeira vez preparação da filosofia sob o modo da edificação dos átrios mais imediatos, em cuja estrutura espacial a palavra de Hölderlin se torna audível, tendo a resposta por meio do ser-aí e em tal resposta tendo sido fundada como a língua do homem por vir. Assim, pela primeira vez, o homem entra na próxima vereda lenta em direção ao SEER. A unicidade de Hölderlin em termos da história do SEER precisa ser fundada anteriormente e toda comparação marcada por uma historiologia da “literatura” e da poesia, todo julgamento e gozo “estéticos”, toda avaliação “política” precisam ser superados, para que os instantes dos “criadores” conservem seu “tempo” (Cf. Reflexões VI, VII, VIII). (tr. Casanova; GA65: 258)

A determinação histórica da filosofia tem seu ápice no conhecimento da necessidade de criar a escuta para a palavra de Hölderlin. O poder ouvir corresponde a um poder dizer, que fala a partir da questionabilidade do SEER. Pois isso é o mínimo que pode ser realizado para a preparação do espaço da palavra. (Se é que tudo não foi invertido ainda e transformado no elemento “científico” e “historiológico-literário”, seria preciso dizer: uma preparação do pensamento para a interpretação de Hölderlin precisa ser criada. “Interpretação” com certeza não tem em vista aqui tornar “compreensível”, mas sim fundar o projeto da verdade de sua poesia na meditação e na tonalidade afetiva, nas quais o ser-aí por vir vibra) (cf Reflexões VI e VII Hölderlin). Essa caracterização histórica da essência da filosofia a concebe como pensar do SEER. Esse pensar nunca pode fugir para o interior de uma figura do ente e experimentar nela toda a luz do simples a partir da riqueza reunida de sua obscuridade estruturada em suas junções. Esse pensar também não tem como seguir jamais a dissolução em meio ao amorfo. Esse pensar precisa capturar em um ponto aquém da distinção entre figura e ausência de figura (o que só se dá no ente), no abismo do fundamento da figura, o ímpeto de jogada de seu caráter de jogado e suportá-lo no aberto do projeto. O pensar do SEER precisa pertencer ao que tem de ser pensado mesmo de uma maneira completamente diversa de todo e qualquer ajuste em relação ao elemento objetivo porque o SEER não tolera a própria verdade como suplemento e como algo trazido para junto de si, mas “é” ele mesmo a essência da verdade. A verdade, aquela clareira do encobrir-se, em cujo aberto os deuses e o homem são apropriados em meio ao acontecimento para a sua contra-posição, abre ela mesma o SEER como história. Nós talvez precisemos pensar essa história, se é que devemos aprontar o espaço que em seu tempo precisa resguardar em ressonância a palavra de Hölderlin, que denomina uma vez mais os deuses e o homem; e isso para que essa ressonância afine aqueles tonalidades afetivas fundamentais, que determinam o homem por vir em meio à guarda da indigencialidade dos deuses. Essa caracterização da filosofia em termos da história do SEER carece de uma explicitação, que auxilie o surgimento de uma lembrança do pensar até aqui (a metafísica), mas retransporte ao mesmo tempo o porvir para o interior da copertinência histórica. (tr. Casanova; GA65: 258)

A meta-física é a justificação da “física” do ente por meio da fuga constante diante do SEER. A “meta-física” é o impasse não admitido em relação ao SEER e o fundamento do abandono final do ser do ente. A diferenciação do ente e do ser é deslocada para o caráter inofensivo de uma diferença apenas representada (de uma diferençalógica”), se é que efetivamente essa diferença mesma ganha o espaço do saber enquanto tal, o que, considerado rigorosamente, fica e precisa ficar de fora, uma vez que o pensar metafísico só se mantém de fato na diferença, mas de tal modo que, de certa maneira, o ser mesmo se mostra como um tipo de ente. Somente a transição para o outro início, a primeira superação da metafísica, em meio a uma retenção necessariamente transitória de seu nome, eleva essa diferença ao nível do saber e a coloca, com isso, pela primeira vez na questão: não em uma questão arbitrária qualquer, mas na questão acerca do que há de mais digno de questão. Por mais extrinsecamente que a diferença enquanto “diferença ontológica” venha a ser introduzida, e por mais que ela seja introduzida de saída completamente no sentido do pensar representacional, o estabelecimento da meditação junto a essa diferença é a tal ponto necessário. Pois nessa diferenciação “ontológica” aparentemente precária e inofensiva, isto é, nessa diferenciação “ontológica” que suporta a ontologia, a riqueza originária e o perigo de todos os perigos do ser humano, da fundação de sua essência e da destruição de sua essência, se tornam visíveis. Essa diferenciação é o encobrimento superficial do espaço da mais elevada ousadia pensante, que permanece reservada ao homem. (tr. Casanova; GA65: 258)

A diferenciação toma a essência da metafísica conjuntamente com vistas ao acontecimento decidido nela, mas nunca decidido nem tampouco decidível por ela, suporta a história velada da metafísica (não a historiologia das opiniões doutrinárias metafísicas), passando para a história do SEER, e volta essa história para o espaço efetivo do primeiro início do pensar ocidental do ser, que porta o nome de “filosofia”, cujo conceito se transforma sempre de acordo com o modo e com o caminho do questionamento acerca do ser. (tr. Casanova; GA65: 258)

Desde Descartes, contudo, o a priori não é “subjetivo”, mas precisamente “objetivo”, ele é aquilo que sustenta a objetividade do objeto, o caráter contraposto do que se contrapõe no re-presentar e para o que re-presenta. Somente quando o sujeito é falsamente interpretado como a coisa egoica presente à vista particularizada e o re-presentar, ao invés de permanecer em sua essência, é degradado e transformado em uma propriedade que ocorre, é que o “apriorístico” (a entidade no sentido do caráter do que se encontra contraposto) pode ser mal compreendido subjetivisticamente como o “meramente” subjetivo. Por maior que possa ter sido o passo dado por Kant, por maior que possa permanecer a diferença entre o idealismo absoluto da filosofia pós-kantiana e Kant, por mais confusamente que tudo possa ter decaído em um elemento parcial e árido característico da interpretaçãológica” e “biológica” do a priori e ainda venha à tona dessa forma em Nietzsche, todas essas diferenças não podem ocultar a uniformidade simples de toda a história desse questionamento acerca do ser (acerca da entidade, sob a forma da questão o que é o ente). A história dessa questão acerca do ser é a história da metafísica, do pensar, que pensa o ser<ser como ser<ser do ente a partir desse e com instas a ele. O fato de essa questão acerca do ser não ser apenas apoderada em seu início pelo ente (o que se mostra como o fundamento da despotencialização da physis e da aletheia); o fato de esse primado do ente atravessar a história da metafísica, como essencial para ela, se mostra da maneira mais impressionante possível lá onde desde os gregos a questão do ser foi levada a termo da maneira mais pura possível: em Kant. Juntamente com a descoberta do transcendental temos o estabelecimento da experiência como o único âmbito normativo do ente. A entidade como “condição de possibilidade” do objeto da experiência e essa experiência mesma é, por sua parte, condicionada pelo primado do ente na dotação de medida para aquilo que deve vigorar como ser. O ente no questionamento transcendental kantiano, a “natureza”, é, com efeito, visto à luz da física newtoniana, mas ele é visado metafisicamente (histórico-metafisicamente) no sentido do physei ón e, por fim, da physis. Todavia, o idealismo absoluto parece superar o primado do ente. Pois a determinação exclusiva do objeto a partir da objetualidade (isto é, o afastamento da “coisa em si”) não significa, de qualquer modo, outra coisa senão o erigir do primado da entidade em relação ao ente. Por isto, por exemplo, é impossível pensar concomitantemente a Fenomenologia do espírito de Hegel precisamente em seu começo (“a certeza sensível”), sem que já se tenha pensado de antemão absolutamente a vinculação do objeto sensível à realidade efetiva do espírito absoluto. O que significa isso senão que o ente perdeu o seu primado diante do ser? E, contudo, reside nessa interpretação a má interpretação propriamente dita do idealismo. Também ele se retém junto ao primado do ente diante da entidade, só que ele esconde essa relação e desperta a aparência do inverso. Toda objetualidade, todo nível de objetualidade enquanto tal é, de fato, determinada a partir da objetualidade absoluta. A objetualidade enquanto tal já está, contudo, segundo a sua essência, para não falar de sua proveniência em termos da história do ser, não apenas ligada ao objeto, mas também determinada a partir do objeto como uma interpretação determinada do ente e com base no ponto de partida no ente. Por meio da suspensão no saber absoluto, a objetualidade parece desaparecer. Todavia, ela é apenas estendida em direção à autoconsciência e à razão. E precisamente isso, o fato de a entidade se fundar na subjetividade absoluta, diz, sim, que esse ente, o sujeito, como meio referencial de todo re-presentar-se, decide sobre a entidade e sobre o que pode pertencer a ela, sobre as formas essenciais e os níveis da representidade. Assim, mostra-se no idealismo absoluto até mesmo um privilégio do ente em relação à entidade, diferentemente do que acontece com os gregos, na medida em que o SEER se determina a partir do sujeito e isso significa ao mesmo tempo a partir do objeto. Em termos da história do ser, essa determinação é apenas uma modulação da presentidade constante em meio ao ter-sido-colocado-diante-de-si do sujeito. Por isso, no idealismo absoluto, que parece dissolver tudo de volta no ser, realiza-se a completa despotencialização do ser em favor do predomínio indiscutível e ilimitado do ente. É somente por meio da ingenuidade filosófica da “teoria do conhecimento” e da interpretação “epistemológica” do idealismo que pôde surgir a falsa opinião de que o “idealismo” estaria distante da realidade efetiva e de que uma conversão ao “realismo” precisaria ajudá-lo nesse ponto. Ora, o “realismo” do século XIX vive inteiramente do idealismo absoluto. Nenhuma conversão pode ser levada a termo, mas apenas o degradar-se em meio à interpretação não filosófica do idealismo, interpretação essa por meio da qual, então, com certeza, a despotencialização nele velada do ser parece justificada a partir do empreendimento do ente, que precisa se salvar na ideia de valor, lá onde lhe restou ainda tanto em termos de circunspecção que ele reconhece como é que a afirmação incondicional do real e efetivo e da “vida” (do ente, portanto) carece de um rastro do não-ente, que não se consegue mais naturalmente saber como ser. Caso a “consideração” da história da metafísica se enrijeça nas perspectivas do “idealismo” e do “realismo”, então o “idealismo” aparecerá a qualquer momento como a postura filosoficamente mais autêntica, na medida em que, nela, o ser ainda ganha voz em face do ente. Apesar disso mantém-se o fato de que, no “idealismo”, se realiza a despotencialização filosófica (no realismo, porém, a desprovida de filosofia) do ser. Saber disso é necessário para não se interpretar de maneira equivocada imediatamente a transição da metafísica para o outro modo de questionamento acerca do ser. (tr. Casanova; GA65: 259)

A questão acerca do ser torna-se agora a questão acerca da verdade do SEER. A essência da verdade é inquirida agora a partir da essenciação do SEER, ela é concebida como a clareira do encobrir-se e, com isso, como pertencente à essência do SEER mesmo. A questão acerca da verdade “do” SEER desentranha-se na questão acerca do SEER “da” verdade. (O genitivo é aqui um genitivo originariamente próprio, que nunca tem como ser apreendido por meio do genitivo “gramatical” até aqui). Agora, a questão acerca do SEER não pensa mais a partir do ente, mas é requisitada necessariamente como o re-pensar do SEER por meio do SEER mesmo. O re-pensar do SEER emerge desse ser como o entre, em cuja essenciação autoclareadora os deuses e o homem se re-conhecem, isto é, se decidem quanto à sua pertinência. Como esse entre, o SEER não “é” nenhum adendo ao ente, mas aquele elemento essenciante, em cuja verdade pela primeira vez o (ente) pode chegar ao resguardo de um ente. Mas esse primado do entre não pode ser mal interpretado idealisticamente no sentido do “a priori”. A questão acerca do ser sob o modo do questionamento acerca da verdade do SEER não chega mais em geral a um plano, no qual uma diferenciação como a entre idealismo e realismo poderia conquistar um fundamento possível. A consideração permanece com certeza aquém da pergunta sobre se, afinal, seria possível algo assim como pensar o SEER mesmo em sua essenciação, sem partir do ente; se, afinal, toda e qualquer questão acerca do ser já não precisaria se mostrar inexoravelmente como uma réplica a partir do ente. Aqui se encontra de fato obstruindo o caminho a longa tradição da metafísica e o hábito daí emergente do pensar; sobretudo quando ainda a “lógica”, ela mesma uma descendente da despotencialização inicial do ser e da verdade, permanece sendo considerada como um tribunal absoluto, caído do céu, sobre o pensar. Neste caso, encontra-se definido “lógica” e definitivamente que o ser é conquistado como o universal a partir do ente; e isso mesmo quando se procura assegurar o ser em sua consistência também como um ente. Mas o SEER, que precisa ser repensado em sua verdade, não “é” aquele elemento universal e vazio, mas se essencia como aquele elemento único e abissal, no qual se decide algo singular da história. Não se pode ficar naturalmente parado aqui sobre o solo da questão metafísica sobre o ser e exigir a partir desse ponto de vista um saber, que encerre em si, segundo a sua essência, o abandono desse ponto de vista, isto é, espacializar um espaço e temporalizar um tempo, que não foram apenas esquecidos ou não chegaram a ser suficientemente pensados na história da metafísica, mas que, ao contrário, são insuficientes para essa história, além de não serem necessários para ela. (tr. Casanova; GA65: 259)

Na transição da questão do ser metafísica para a questão do ser por vir, é preciso sempre pensar e questionar de maneira transitória. Com isso, a possibilidade de um juízo apenas metafísico do outro questionar é excluída. O outro questionar, porém, também não se revela aí como verdade “absoluta”; e isso já não se mostra assim porque tal demonstração de tal “verdade” vai de encontro à essência desse questionamento. Pois esse questionamento é histórico porque, nele, a história do SEER mesmo enquanto a história do fundamento mais abissal e único da história se transforma no acontecimento apropriador. Além disso, o pensar transitório realiza sempre pela primeira vez a preparação do outro questionamento, ou seja, a preparação daquele ser humano, que deve ser em sua atividade como fundador e como guardião antes de tudo forte o suficiente e sapiente o suficiente para acolher o impulso há muito tempo indicado, mas ainda mais longamente recusado do SEER, reunindo o apoderamento do SEER para a sua essenciação em um instante único da história. O pensar transitório, por isso, também não pode abalar o hábito metafísico por meio de um gesto de violência. Sim, por causa da comunicação, ele precisa com frequência ainda caminhar na via do pensar metafísico e, contudo, saber constantemente o outro. Como é que o pensar propriamente histórico deveria poder desconsiderar também que, se a transição deve ser fundadora de história, lhe é reservado tanto o caráter repentino do não pressentido quanto o caráter discreto do que se lança lentamente para além de si. E como é que o pensar transitório também não deveria saber que muitas coisas, sim, a maioria daquilo que permanece atribuído a ele em termos de esforço será um dia algo supérfluo e recairá no elemento incidental, para abrir o seu caminho único para a corrente da história do único. Apesar disso, o pensar transitório não pode atemorizar a precariedade de diferenças e clarificações preparatórias, contanto que elas sejam movidas pelo vento de uma decisão que é tomada desde muito tempo. Só a frieza da ousadia do pensar e a noite da errância do questionamento emprestam ao fogo do SEER ardor e luz. (tr. Casanova; GA65: 259)

A história do pensar metafísico e do pensar da história do ser acontece apropriadoramente sobretudo em suas diversas eras segundo potências diversas do primado do ser diante do ente, do ente diante do ser, da confusão dos dois, da extinção de cada primado na era da compreensibilidade calculável de tudo. Nós sabemos o futuro da história do ser, nós sabemos que, se ela quiser permanecer história, o SEER mesmo precisará se apropriar do pensar em meio ao acontecimento. Mas ninguém conhece a figura do ente vindouro. Só uma coisa é certa: que todo e qualquer re-pensar do SEER e toda criação a partir da verdade do SEER, sem a assistência já protetora do ente, jamais pôde produzir outras forças de questionamento e de dizer, de jogo e de sustentação, diversas das que foram produzidas pela história da metafísica. Pois esses outros precisam inserir ainda em nome do que lhes é mais próprio o diálogo questionador com o primeiro início, que emergiu em uma clara profundidade, e sua história no pensar. Equipando-se com esse diálogo, eles precisam se tornar, juntamente com os mais solitários do primeiro pensar, os ainda mais solitários do abismo, que não apenas suporta no outro início todos os fundamentos, mas também os sopra. Para aqueles que simplesmente vierem depois, o que se mantém objeto de uma erudição e de uma pesquisa historiológicas e que, por fim, se mostra ainda meramente como instrução escolar, a história do pensar metafísico em suas “obras”, precisa se tornar primeiro história, na qual cada coisa é reunida em sua unicidade e irradia como uma visão luminosa do pensar uma verdade do SEER em seu espaço não mensurado próprio. Como uma grandeza do ser-aí pensante é requisitada aí pelo próprio SEER, cuja figura nós quase não pressentimos a partir da existência poética de Hölderlin e a partir da viandança horrível de Nietzsche; como no espaço do pensar da história do ser só há ainda essa grandeza, razão pela qual mesmo o discurso sobre a grandeza permanece pequeno demais, a preparação de tal pensar precisa reunir toda inexorabilidade e se movimentar nas mais claras distinções. Pois somente tais distinções garantem a coragem para a insistência no âmbito do impulso do que há de mais questionável, que é usado pelos deuses e esquecido pelo homem, e que nós denominamos o SEER. (tr. Casanova; GA65: 259)

A diferença na questão acerca do ser pode ser retida formalmente por dois títulos; o primeiro diz: ser e pensar, o outro: ser e tempo. No primeiro título, o ser é compreendido como a entidade do ente; no outro, como o ser, cuja verdade é inquirida. No primeiro, “pensar” significa o fio condutor, ao longo do qual o ente é interrogado com vistas à sua entidade: o enunciar representativo. No outro, “tempo” designa a primeira indicação da essência da verdade no sentido da clareira aberta de acordo com o arrebatamento extasiante do campo de jogo, no qual o SEER se oculta e, se ocultando, se doa pela primeira vez expressamente em sua verdade. Em sua relação, por conseguinte, os dois títulos não podem ser interpretados de maneira alguma de tal modo que não seria necessário senão substituir no segundo o “pensar” que aparece no primeiro pelo “tempo”, como se a mesma questão acerca da entidade do ente devesse a partir de então, ao invés de ser levada a termo a partir do fio condutor da representação enunciativa, ser realizada a partir do fio condutor do tempo, sendo que o “tempo”, então, continuaria sendo pensado imediatamente segundo o seu conceito usual. Ao contrário, o “papel” do pensar e aquele do “tempo” são a cada vez papéis fundamentalmente diversos; sua determinação dá ao “e” nos dois títulos uma inequivocidade a cada vez própria. Ao mesmo tempo, porém, por meio da questão acerca do ser no sentido do título “ser e tempo”, é criada uma possibilidade de conceber mais originariamente, isto é, em termos da história do ser, a história da questão do ser no sentido do título “ser e pensar”, e de tornar visível pela primeira vez a verdade do ser, necessariamente inquestionada no interior da metafísica, no caráter temporal do ser por meio da referência à vigência da presentação e da constância na essência da physis, da idea e da ousia. Essa referência é tanto mais decisiva em termos da história do ser, uma vez que, na história ulterior da questão do ser, o caráter temporal da entidade é cada vez mais velado, de tal modo que a tentativa de unir o ser (e a atemporalidade das categorias e dos valores) com o “tempo”, indiferentemente de como isso possa vir a se dar, se depara imediatamente com uma resistência, que tem sua força naturalmente apenas na cegueira do não querer questionar. Como o caráter “temporal” do próprio ser, com base na não concepção da questão acerca da verdade (do “sentido”) do SEER, permanece completamente estranho, as pessoas se salvam por meio da equiparação do ser com o ser-aí, que, então, uma vez que ele designa de algum modo o ser<ser humano, é compreensível em sua “temporalidade”. Assim, porém, tudo se evade da via da questão do ser e se comprova ao mesmo tempo que um título por si, caso faltem o empenho e o saber interpretá-lo ao menos em sua intenção, não consegue nada. Todavia, esse saber nunca pode ser comunicado e difundido como os conhecimentos de algo presente à vista. Já na transição devem seguir aqueles que trazem esse saber uns para os outros, na medida em que eles, pressentindo as decisões, se aproximam uns dos outros e, contudo, não se encontram. Pois ele precisa dos particulares dispersos, para deixar amadurecer a decisão. Mas esses particulares trazem consigo ainda o sido da história do ser velado, aquele desvio, tal como poderia se mostrar, que a metafísica precisou pegar pelo ente, a fím de não atingir o ser e, assim, chegar a um fim, que é forte o suficiente para a indigência em relação ao outro início, o qual auxilia imediatamente a voltar para o cerne da originariedade do primeiro início e que transforma o passado no que não foi perdido. (tr. Casanova; GA65: 259)

A questão é que o des-vio não é nenhum des-vio no sentido de que se teria perdido um caminho imediato e mais curto em direção ao SEER. O des-vio conduz sim, porém, pela primeira vez para a indigência da recusa e para a necessidade de elevar à decisão aquilo que só era em termos do primeiro início o aceno de um presente (physis, aletheia), que não se deixa captar e conservar. (tr. Casanova; GA65: 259)

Os pensadores transitórios e ambíguos segundo a essência também precisam saber ainda expressamente o seguinte: que seu questionamento e seu dizer são incompreensíveis para o hoje não calculável em sua duração. E isso não, por exemplo, porque os homens de hoje seriam pouco inteligentes demais e estariam muito precariamente instruídos, mas porque a compreensibilidade já significa a destruição de seu pensamento. Pois compreensibilidade obriga tudo a seguir de volta para a esfera do representar até aqui. A missão dos transitórios é tornar ignorantes aqueles que desejam de maneira tão “ardente” o “compreensível” e deixar como ainda não versados aqueles que não sabem para onde ir porque eles realizam um primeiro passo necessário: não esperar de um ente a verdade, sem cair nas garras da dúvida e do desespero. Aqueles que ainda não se acham versados aí, que não asseguraram ainda para si o acordo sobre tudo, mas mantiveram no âmbito da questão o elemento primeiro e único, o SEER, são aqueles que perambulam de maneira inicial, que vêm de mais longe e, por isso, portam em si o mais elevado porvir. (tr. Casanova; GA65: 259)

O desprendimento da filosofia dos enredamentos na fundamentação da ciência, na interpretação cultural, na servidão à visão de mundo, na metafísica como a sua própria essência primeira que se degrada em inessência é apenas a consequência do outro início e só pode ser dominado verdadeiramente como tal consequência. O outro início é a assunção mais originária da essência velada da filosofia, que emerge ela mesma da essência do SEER e, de acordo com a respectiva pureza da origem, permanece próximo da essência da decisão do pensar “do” SEER. (tr. Casanova; GA65: 259)

A filosofia no outro início pergunta sob o modo do questionamento da verdade do SEER. Olhando a partir da esfera de visão da diferenciação que se tornou expressa entre ser e ente e computando a partir de uma comparação historiológica com a metafísica e seu modo de sair do ente, o questionar no outro início (o pensar da história do SEER) poderia aparecer como uma simples inversão, o que significa aqui o mesmo que uma tosca inversão. Mas precisamente o pensar da história do SEER sabe em relação à mera inversão que, nela, a mais tenaz e mais fatídica escravidão se faz valer; que ela não supera nada, mas que, na inversão, é apenas o inverso que chega pela primeira vez ao poder, de tal modo que se cria para ele a fixação e a completude até aqui faltantes. (tr. Casanova; GA65: 259)

A inquirição do SEER realizada em termos da história do SEER não é inversão da metafísica, mas de-cisão como projeto do fundamento daquela diferenciação, na qual ainda precisa se manter mesmo a inversão. Com tal projeto, esse questionamento em geral chega ao exterior daquela diferenciação entre ser e ente; e ela também escreve, por isso, agora ser como “SEER”. Esse termo deve indicar que o ser aqui não é mais pensado metafisicamente. (tr. Casanova; GA65: 259)

O pensar da história do SEER pode se tornar questionável a partir de sua necessidade na interpretação prévia em quatro aspectos: 1) A partir dos deuses. 2) A partir do homem. 3) Com vistas à história da metafísica. 4) Como o pensar “do” SEER. Esses quatro aspectos só se deixam perseguir aparentemente de maneira isolada. Em relação a (1) Conceber o pensar do SEER a partir dos deuses parece de imediato algo arbitrário e “fantástico”, na medida em que se parte aqui por um lado precisamente do divino, como se ele fosse “dado”, como se qualquer um estivesse em acordo com todos os outros quanto a isso; ainda mais estranhamente, porém, na medida em que se partiu, por outro lado, de “deuses” e em que é estabelecido um “politeísmo” como “ponto de partida” da “filosofia”. Todavia, o discurso acerca dos “deuses” não tem em vista aqui a afirmação decidida de algo presente à vista de uma pluralidade em face de um único, mas significa antes a indicação para a indecidibilidade do ser dos deuses, quer um ou muitos. Essa indecibilidade encerra em si a questionabilidade em relação a se em geral algo do gênero do ser pode ser atribuído aos deuses, sem destruir tudo o que é divino. A indecidibilidade de qual deus surgirá e em relação a se um deus – sem levar em conta para que essência do homem – um dia novamente surgirá para a indigência extrema: é ela que é designada com o nome “os deuses”. Mas essa indecidibilidade não é apenas re-presentada como possibilidade vazia de decisões, mas de antemão como a decisão, a partir da qual algo decidido ou a ausência completa de decisões têm a sua origem. O pensamento prévio como derivado em meio a essa decisão de tal indecidibilidade não pressupõe deuses quaisquer como presentes à vista, mas ousa se lançar em uma região daquele elemento questionável, para o qual a resposta só pode vir dele mesmo, mas nunca daquele que pergunta. Na medida em que, de antemão, o SEER é re-cusado “aos deuses” em tal pensamento prévio, diz-se que todo enunciado sobre “ser” e “essência” dos deuses não apenas não diz nada sobre eles, isto é, sobre aquilo que precisa ser decidido, mas produz ilusoriamente algo objetivo, junto ao qual todo pensar é aviltado porque é ao mesmo tempo coagido a seguir por desvios. (Na consideração metafísica, o deus precisa ser representado como o maximamente ente, como o primeiro fundamento e a causa do ente, como o in-condicionado, in-finito, absoluto. Todas essas determinações emergem não do caráter divino de deus, mas da essência do enteente enquanto tal, na medida em que esse ente, como constantemente presente, como algo objetivo, é pensado pura e simplesmente em si e, na explicação re-presentativa, o que há de mais claro é atribuído ao deus como aquilo que se encontra contraposto). (tr. Casanova; GA65: 259)

A negação do ser aos “deuses” só significa de início que o ser não se encontra “acima” dos deuses; mas também que esses não se encontram “acima” do ser. Com certeza, porém, “os deuses” necessitam do SEER, com cuja sentença já é pensada a essência “do” SEER. “Os deuses” precisam do SEER não como a sua propriedade, na qual eles mesmos encontram um apoio. “Os deuses” precisam do SEER, a fim de pertencerem por meio do SEER, que não lhes pertence, efetivamente a si mesmos. O SEER é o que é usado pelos deuses; ele é sua indigência, e o caráter indigente do SEER nomeia a sua essenciação, o que é exigido pelos “deuses”, mas que não é nunca causável e condicionável. O fato de “os deuses” precisarem do SEER lança eles mesmos no abismo (a liberdade) e exprime o fracasso de toda e qualquer fundamentação e demonstração. E por mais obscuro que possa permanecer o caráter indigente do SEER para o pensar, ele fornece de qualquer modo o primeiro ponto de apoio, para pensar “os deuses” como aqueles que precisam do SEER. Nós levamos a termo, com isso, os primeiros passos na história do SEER, de tal modo que o pensar da história do SEER desponta, assim, pela primeira vez e todo empenho por se dispor a obrigar o dito nesse começo a alcançar uma compreensibilidade habitual se revela como vão e, antes de tudo, contra o modo de ser desse pensamento. Se, porém, o SEER é o caráter indigente do deus, por mais que o SEER mesmoencontre no re-pensar a sua verdade e por mais que esse pensar seja a filosofia (no outro início), então “os deuses” precisam do pensar da história do SEER, isto é, da filosofia. Todavia, “os deuses” não carecem da filosofia como se eles mesmos precisassem filosofar e o fizessem em virtude de sua deização, mas é preciso que a filosofia se dê, se é que “os deuses” devem ganhar uma vez mais o espaço da decisão e se é que a história deve alcançar o fundamento de sua essência. A partir dos deuses determina-se o pensar da história do SEER como aquele pensar do SEER que concebe o abismo da indigência do SEER como o primeiro e nunca busca no divino mesmo como o supostamente mais essente a essência do SEER. O pensar da história do SEER encontra-se fora de toda e qualquer teologia e também não conhece, porém, nenhum ateísmo no sentido de uma “visão de mundo” ou de uma doutrina configurada de outro modo qualquer. (tr. Casanova; GA65: 259)

Conceber o abismo do caráter de indigência do SEER significa: ser transposto para o cerne da necessidade de fundar para o SEER a verdade, não resistindo às consequências essenciais dessa necessidade, mas pensando ao encontro delas e, com isso, sabendo que todo pensar do SEER é subtraído por meio dessa necessidade a toda instituição meramente humana, sem decair na pretensão de “absolutidade”. (tr. Casanova; GA65: 259)

Conceber a partir dos deuses o pensar da história do SEER é, contudo, “o mesmo” que a tentativa de uma indicação essencial desse pensar a partir do homem. (tr. Casanova; GA65: 259)

Se, então, porém, o ser, apesar de desconhecido, empresta à essência da razão o fundamento e não é nada arbitrário, mas se ele mesmo em sua essenciação poderia re-quisitar o homem de maneira fundamental; e se o homem devesse reconquistar uma vez mais sua própria essência inteiramente desgastada e confusa em uma outra originariedade; e se essa conquista essencial precisasse mesmo consistir nisso, em ser requisitado pela essenciação do SEER; e se o SEER mesmo só pudesse fundar a verdade de sua essência em tal transformação do homem, que consegue ousar um pensar originário “do” SEER, então anuncia-se a partir do homem um pensar modificado do ser. Agora, contudo, também fica imediatamente claro que essa determinação da filosofia a partir do homem nunca tem em vista “o” homem em si, mas antes o homem histórico, cuja história é, em verdade, velada para nós, mas é de qualquer modo corrente e urgente na re-presentação historiológica. (tr. Casanova; GA65: 259)

O gigantesco foi determinado como aquilo, por meio do que o “quantitativo” se transforma em uma “qualidade” própria, em uma espécie de grandeza. O gigantesco não é, com isso, algo quantitativo, que começa com um número relativamente alto (um grande número e a extensão). Ao contrário, ele pode parecer, em contrapartida, “quantitativo” no primeiro plano. O gigantesco funda-se na decidibilidade e na ausência de exceções do “cálculo” e se enraiza em um recurso à re-presentação subjetiva com vistas ao todo do ente. Nisso reside a possibilidade de um tipo de grandeza, que é visado aqui no sentido histórico (historiológico). Grandeza significa aqui: o erigir do SEER que se enraiza em um fundamento fundado por meio de si mesmo, SEER esse do qual precisa emergir aquilo que quer viger como sendo. No gigantesco se mostra a grandeza do “subjectum” certo de si mesmo, que constrói tudo com vistas ao representar e ao produzir. (tr. Casanova; GA65: 260)

O gigantesco desdobra-se no elemento calculador e sempre traz, assim, algo “quantitativo” à tona. Todavia, enquanto domínio incondicionado do representar e do produzir, ele mesmo é uma negação, que não se apodera de si mesma e nunca se sabe precisamente na mais elevada certeza de si, da verdade do SEER em favor do “racional” e do “dado”. O gigantesco leva a termo a consumação da posição metafísica fundamental do homem, que volta para o interior da inversão de sua figura e interpreta todas as “metas” e “valores” (“ideais” e “ideias”) como “expressão” e como um aborto da mera “vida” “eterna” em si. Os fenômenos de primeiro plano do gigantesco devem tornar essa “origem” representável na “vida” da maneira o mais penetrante possível, isto é, devem con-statar historiologicamente para a era do gigantismo, e ratificar isso diante dele mesmo em sua “vitalidade”. Se os “valores” e as “metas” são substituídos pela “razão” ou se eles emergem em si a partir do “instinto” da vida “natural” e “saudável”, desdobra-se por toda parte aqui o “subjectum” (homem) em direção ao ponto central do ente; e isso de tal modo, em verdade, que todas as formas culturais e políticas de configuração trazem da mesma maneira e de modo igualmente necessário o gigantesco ao poder, empreendendo o cálculo historiológico com a história e a contabilização da história como encobrimento da ausência de metas e assegurando o desvio em relação às decisões essenciais por toda parte de maneira discreta e inconsciente. (tr. Casanova; GA65: 260)

Junto ao gigantesco torna-se reconhecível o fato de que todo e qualquer tipo de “grandeza” emerge na história da interpretaçãometafísica” inexpressa do acontecimento (ideais, atos, criações, sacrifícios) e, por isso, não possui uma essência propriamente histórica, mas antes historiológica. A história velada do SEER não conhece o elemento calculador em termos de “grande” e “pequeno”, mas “apenas” o elemento conforme com o SEER do decidido, não decidido e desprovido de decisão. (tr. Casanova; GA65: 260)

O SEER, quem se preocupa com o SEER? Tudo se lança em direção ao ente. Como é possível também se preocupar com o SEER? Onde tal preocupação acontece, aí sempre se estabelece apenas aquele “ente”, com o qual não é preciso se preocupar, uma vez que essa preocupação tem o direito de decidir normativamente sobre aquilo que é e deve ser. O ser permanece, então, ainda que se admita por fim que ele não “seria” o ente, uma “representação” vazia, um trazer para diante de si, que não produz nada, um dar voltas sobre si mesma da representação, que, como é possível a qualquer momento e por toda parte em toda e qualquer ocasião em face do ente, se mostra em relação a todo ente como o que há de mais comum a tudo o que é como ele – o que, porém, o torna “nulo”. Por fim, ele ainda é válido como um nome, que não denomina nada mais, mas que, de qualquer modo, ainda está em uso como sinal para o que há de mais indiferente no ente. Essa opinião sobre o SEER não precisa fundamentar em um primeiro momento de modo pormenorizado sua correção. A ela é trazida a melhor ratificação através daquelas tentativas que, talvez estando ainda contra essa opinião, mas, contudo, acorrentadas em seu campo de visão, gostariam de arranjar a esse nome vazio um mínimo em plenitude. Toma-se o ente no sentido daquilo que é objetivamente presente à vista enquanto o inquestionável e intangível, a que se permanece do modo mais conforme quando o presente à vista é transformado correntemente no pura e simplesmente à mão, e este é erigido em um sentido inteiramente técnico. (tr. Casanova; GA65: 261)

Toma-se o ente de tal modo e admite-se o ser apenas como aquilo que é justamente ainda passível de ser visado no “pensamento” e prova-se então que o ser é precisamente isso que é o mais universal. Por que, no entanto, não nos reunimos para abalar uma vez esses “pressupostos” (o fato de que o ente é o objetivo e de que o apreender do SEER é um visar vazio do que é mais universal e de suas categorias), “pressupostos” esses que são naturalmente os mais correntes e os mais amplamente postos “de antemão”? Porque nós dificilmente reconhecemos até mesmo aquilo que é necessário para isso: o abalo desse “nós”, do homem moderno, que enquanto “subjectum” se tornou o refúgio daqueles pressupostos, e isso de tal modo que o caráter de sujeito do próprio homem tem sua origem e o amparo de seu firme poder no predomínio concedido àqueles pressupostos (os pressupostos da compreensão de ser ocidental e sedimentada na Modernidade). Como é que se deveria chegar aí a um abalo, que precisaria ser essencialmente mais do que a mera alteração de um visar sobre o conceito de SEER no interior do “sujeito”, que, de resto, continua atuante sem qualquer distúrbio? Na visada através desses “pressupostos”, como se torna claro que aquele não se preocupar com o SEER está no direito em todos os tempos e, então, inteiramente, quando ele entrega generosamente a ocupação com o ser às divisões de conceitos da “ontologia” novamente apta à escola, ou, o que significa o mesmo, quando ele concorda com a opinião que declara como impossível toda “ontologia” enquanto “racionalização” do ser. Pois com esse ou-ou está a cada vez decidido sobre o solo da ontologia acerca do ser e do visar do ser, e tão evidentemente decidido que não se seria capaz de encontrar e de admitir aqui de modo algum, e de fato com direito, ainda necessidades “especiais” do decidir. (tr. Casanova; GA65: 261)

Por que oferecemos, então, em geral ainda a mínima atenção a esse não se preocupar com o ser sob a forma de ontologia? Certamente não para colocar em discussão ou até mesmo alterar a respectiva opinião e doutrina do SEER apresentada, ou a recusa de uma tal doutrina, mas sim para dirigir a meditação para o fato de que todo o visar habitual sobre o ser mesmo (incluindo aí as ontologias e antiontologias) tem sua origem no domínio do ser e de sua “verdade” histórica determinada. (Nas antiontologias, a indiferença em face da questão do ser é levada ao extremo.) Aqui, contudo, há a ameaça de uma outra incompreensão: a concepção de que se deveria agora indicar o pressuposto “antropológico” daquele visar sobre o ser e, com essa demonstração, considerar aquele visar como “refutado”. Essa concepção é, contudo, justamente apenas uma consequência ulterior daquela opinião sobre o ser. (tr. Casanova; GA65: 261)

Outra coisa também importa: reconhecer no não se preocupar com o SEER um estado necessário, no qual se encobre um estágio insigne da história do próprio SEER. E auscultar a partir desse que é talvez o mais indiferente de todos os eventos no interior dos acontecimentos atuais a ressonância do acontecimento apropriador decisivo. (tr. Casanova; GA65: 261)

Ocorrências no ente não conseguem já de modo algum trazer o homem moderno para o âmbito da verdade do SEER. O que, contudo, é mais essencial do que visualizar o estado da história ocidental, no qual nós já nos encontramos, como o estado decisivo, e que nós não apenas obscurecemos, por exemplo, por meio da indecidibilidade daquele visar indiferente, mas que nós também elevemos em meio à gestação da decisão até o ponto em que a meditação ou não meditação já caem sob o domínio da decisão e não se fazem mais valer de maneira alguma como formas de uma observação casual, que se acrescenta aí ou que permanece de fora. (tr. Casanova; GA65: 261)

Aqui temos a posição, na qual o SEER mesmo, por força de sua história, obriga o saber sobre o ser a entrar na indigência de uma necessidade de decisão e exige dele ter clareza quanto àquilo que acontece nele como “projeto” do ser. (tr. Casanova; GA65: 261)

O salto pensante para o “interior” da verdade do SEER precisa ressaltar ao mesmo tempo a essência da verdade, fixar-se no jogo de um projeto e se tornar insistente. (tr. Casanova; GA65: 262)

Para a experiência do ente e para o abrigo de sua verdade, o “projeto” é apenas o elemento provisório, o que transitoriamente se transpõe, ao prosseguir, para aquilo que é edificável e resguardável e que, enquanto guarda, recebe o selo do SEER. (tr. Casanova; GA65: 262)

No saber pensante, o projeto não é o elemento provisório para algo diverso, mas o elemento único e derradeiro e, por isso, o que há de mais raro que se essencia em si como verdade fundada do SEER. (tr. Casanova; GA65: 262)

Aqui, o projeto não é nada que estivesse apenas estabelecido “sobre” o ente, ele não é nenhuma “perspectiva”, que seria apenas aduzida ao ente. Pois toda e qualquer per-spectiva já requisita o que é corrente para o seu eixo de visada. E justamente isso, o fato de que de antemão e decidindo tudo um rasgo integral explode aquilo que, então, só se anuncia no aberto como um “ente”, o fato de que um equívoco arrebata para si tudo, clareando-se, em nome da possibilidade da guarda: é isso que o projeto pensante do SEER tem de levar a termo. “Levar a termo”? Com certeza, mas nenhum fazer e nenhum engenho de acordo com o significado de uma reflexão desprendida. (tr. Casanova; GA65: 262)

O projeto do SEER só pode ser conquistado pelo próprio SEER, e, além disso, é preciso que tenha sucesso um instante daquilo que se apropria do SEER como acontecimento apropriador em meio ao acontecimento, daquilo que se apropria do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 262)

Quem quer seguir algum dia a história do SEER sob os seus olhos e experimentar como o SEER permanece de fora em seu próprio espaço essencial, entregando esse espaço por um longo tempo à sua inessência, que impele para frente a expansão do “ente”, a fim de conservar até mesmo a in-essência para a essência, à qual ela de fato pertence, precisa poder compreender em primeiro lugar que projetos são jogados naquilo que, graças à sua clareira, se transforma posteriormente no ente e que só passa a tolerar o SEER como um adendo a ele, que é meditado pela “abstração”. (tr. Casanova; GA65: 262)

Apesar disso, é difícil em todos os aspectos para os homens de hoje experimentar o projeto como acontecimento apropriador a partir da essência do acontecimento da apropriação como recusa. Não se exige para tanto outra coisa senão manter longe do SEER toda perturbação e saber que esse elemento maximamente poderoso se torna na esfera de obras mal feitas humanas o que há de mais frágil, sobretudo porque o homem está há muito tempo habituado a medir o domínio do SEER com os pesos para a mensuração da violência do ente, só pesando assim e nunca ousando o que há de mais digno de questão. (tr. Casanova; GA65: 262)

Além disso, nós nos movimentamos, então, há muito tempo em um projeto do SEER, sem que esse projeto tenha podido algum dia se tornar experimentável enquanto projeto. (A verdade do SEER não era nenhuma pergunta possível.) (tr. Casanova; GA65: 262)

Entrementes, porém, o ente se tornar cada vez mais poderoso sob a forma do elemento objetivo e do elemento presente à vista. O SEER foi restrito à derradeira palidez do mais subtraído conceito universal e tudo o que é “universal” está submetido à suspeita de ser impotente e efetivamente irreal, do que é apenas “humano” e, por isso, também “alheio à essência”. Na medida em que o SEER é colocado sob a máscara do que há de mais universal e vazio, ele não carece mais nem mesmo de uma rejeição expressa em favor do ente. Chega-se ao ponto de “prosseguir” sem o ser. Esse estado singular da história do homem “felizmente” quase não é reconhecido por ele, para não falar de ele ser concebido ou mesmo acolhido na vontade da história. De saída, ele impele severamente para as suas próximas consequências. Logo se prossegue agora mesmo sem o ente e se satisfaz com os objetos, isto, se encontra toda “vida” e toda realidade efetiva no empreendimento do elemento objetivo. De uma vez só, o procedimento e o erigir, a mediação e a expulsão se mostram como mais essenciais do que aquilo para o que tudo isso está voltado. A “vida” é tragada para o cerne da vivência e essa vivência mesma se eleva em direção à instituição do vivenciar. A instituição do vivenciar é a mais elevada vivência, na qual “o impessoal” se reúne. O ente só se mostra ainda como um ensejo para essa instituição, e o que pode ser nesse caso ainda o SEER? Nesse ponto, contudo, o ponto decisivo da história é vislumbrado para a meditação e desperta o saber de que só na travessia pelas decisões extremas é possível salvar ainda uma história em face do gigantesco da ausência de história. Por isso, procuramos em vão pela história, isto é, por sua tradição historiológica, a fim de nos depararmos com o SEER mesmo como projeto. Se é que um aceno para essa essência do SEER nos tocará um dia, nós precisaremos estar já equipados para experimentar a aletheia de maneira consonante com o primeiro início. De qualquer modo, porém, o quanto estamos distantes disso e, com certeza, definitivamente distantes? (tr. Casanova; GA65: 262)

O domínio ainda íntegro, ainda que inteiramente perturbado e agora irreconhecível da “metafísica” levou-nos a imaginar o SEER apenas como o resultado concomitante da representação do ente enquanto um ente, a partir de cuja determinação fundamental ocidental, então, (de saída ainda autenticamente como ousia) todas as modulações da interpretação do ente se dão. (tr. Casanova; GA65: 262)

Aqui também reside a razão pela qual nós, mesmo no interior da necessidade de experimentarmos (re-pensarmos) a verdade do SEER, nos movimentamos ainda aparentemente em meio ao elemento re-presentacional. Nós concebemos o “ontológico”, ainda que, em verdade, isso aconteça como condição do “ôntico”, de qualquer modo apenas como um adendo ao “ôntico” e repetimos o “ontológico” (projeto do ente com vistas à entidade) uma vez mais como autoaplicação sobre ele mesmo: projeto da entidade como projeto do SEER com vistas à sua verdade. De saída, não há absolutamente nenhum outro caminho para tornar compreensível em geral, provindo do círculo de visão da metafísica, a questão do ser como tarefa. Por meio desse procedimento, o SEER mesmo é aparentemente transformado ainda em objeto e se alcança o contrário mais decidido daquilo que o impulso da questão do SEER já abriu para si. “Ser e tempo”, porém, busca revelar justamente o “tempo” como o âmbito projetivo para o SEER. Com certeza, mas se ele tivesse devido permanecer aí, então a questão do ser teria sido desdobrada enquanto questão e, com isso, enquanto o repensar do que há de mais questionável. Por isso, o importante era superar na passagem decisiva a crise da questão do ser de saída necessariamente estabelecida assim e, antes de tudo, evitar uma objetivação do SEER; por um lado por meio da retenção da interpretaçãotemporal” do SEER, e, ao mesmo tempo, por meio da tentativa de tornar “visível” a verdade do SEER independentemente disso (Liberdade para o fundamento em “Da essência do fundamento”, mas precisamente na primeira parte desse ensaio se acha inteiramente retido o esquema ôntico-ontológico). A crise não tem como ser controlada por meio de um mero prosseguimento do pensamento na direção estabelecida da questão, mas o salto múltiplo na essência do SEER mesmo precisou ser ousado, o que exigiu ao mesmo tempo uma inserção mais originária na história. A referência ao início para a clarificação da aletheia como um caráter essencial da própria entidade, a fundamentação da diferenciação entre ser e ente. O pensar tornou-se cada vez mais histórico, isto é, a diferenciação entre consideração historiológica e sistemática se tornou cada vez mais caduca e inadequada. (tr. Casanova; GA65: 262)

O SEER mesmo anunciou a sua essência histórica. Mas permaneceu e permanece de qualquer modo uma dificuldade fundamental: o SEER deve ser projetado em sua essência, e o próprio projeto é, porém, a “essência” do SEER, o pro-jeto como acontecimento da apropriação. (tr. Casanova; GA65: 262)

O desdobramento da questão do ser no repensar do SEER precisa, quanto mais insistente se torna esse repensar no SEER, abdicar tanto mais incondicionadamente de toda e qualquer aproximação representacional e saber aprender que o importante é preparar uma de-cisão histórica, que só pode ser experimentada historicamente, ou seja, a tentativa do re-pensar não pode ultrapassar sua própria medida histórica e, com isso, recair no que se tinha até aqui. (tr. Casanova; GA65: 262)

A posição de transição precisa ter de maneira igualmente clara na meditação: o elemento tradicional do projeto do SEER e o outro: o SEER como projeto, por mais que a essência projetiva não possa mais se determinar da mesma maneira a partir do elemento representacional, mas precise se determinar a partir do caráter de apropriação em meio ao acontecimento do SEER. (tr. Casanova; GA65: 262)

O repensar do SEER, contudo, logo que e na medida em que tem sucesso o salto, determinou a sua própria essência como “pensar” a partir daquilo de que o ser se apropria em meio ao acontecimento enquanto acontecimento apropriador, a partir do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 262)

Projeto: que o homem já se jogue do ente, sem que esse já estivesse aberto como tal, em direção ao SEER. Todavia, tudo resta obscuro aqui. Será que o homem é, afinal, um homem aprisionado? No (ente) com certeza e isso porque ele se comporta ao mesmo tempo em relação ao “ser” (por exemplo, a linguagem), porque essa ligação com o SEER em geral é o fundamento de uma relação em um comportamento de uma postura. (tr. Casanova; GA65: 263)

O homem até aqui: o que retornou imediatamente em meio ao arremesso para fora do ente e que mensura, assim, pela primeira vez, a diferenciação do ente e do SEER, sem poder experimentá-la e mesmo fundá-la. Mas o re-torno! É preciso saber antes o tipo da estada e do dote e o modo como no re-torno o que havia outrora se depara com o elemento cativante, como o que o ente é encontrado e que é encontrado como o ente; que visada do ser o homem retém como aquele que retornou. Como, então, esse retorno, como a jogada para fora é esquecida e como tudo se transforma na posse re-quisitável e produtível presente à vista; como, por fim, o homem mesmo se declara como tal (subjectum); como, então, tudo é destruído; como uma perturbação descomunal atravessa todo progresso do homem; como o SEER mesmo se estabelece em sua inessência como maquinação. E tudo isso porque o homem não conseguiu se tornar senhor do retorno; esse não é o fundamento de sua história ocidental até aqui, na qual talvez a essência da história ainda precisou se esconder; esse “não”, por isso, também não é nada meramente nulo. (tr. Casanova; GA65: 263)

Jogar-se para fora, ousar o aberto, não pertencer nem a algo em face de si nem a si e, contudo, pertencer aos dois ao mesmo tempo, mas não como objeto e sujeito; saber e pressentir-se como ré-plica no aberto que aquilo que se joga para fora e do que ele se evade possuem a mesma essência do que o em face de. A ré-plica é o fundamento do vir ao encontro, que aqui ainda não é de modo algum buscado. A ré-plica é o arrancar do entre, no qual acontece a contrariedade, como carente de abertura. O que pertence aqui, porém, ao “homem” e o que é deixado para trás? No lançar-se para fora, ele se funda naquilo que ele não consegue fazer, mas apenas consegue ousar enquanto possibilidade, ele se funda no ser-aí. Isso naturalmente apenas se ele não volta nunca mais a si enquanto alguém que apareceu na primeira jogada extática como o em face de, como physei ón, como um zoon. Isso é importante: lançar para fora e fundar a essência do homem no estranhamento do aberto. Agora pela primeira vez se inicia a história do ser e a história do homem. E o ente? Ele não chega mais à sua verdade em um retorno, mas? Como o resguardo do estrangeiro, e o estrangeiro traz a si mesmo ao encontro do acontecimento da apropriação e deixa se encontrar nele o deus. O jogar para fora nunca acontece de maneira exitosa a partir do mero impulso e do desenraizamento do homem. Esse lance é jogado na vibração do acontecimento da apropriação. Isso significa: o ser toca o homem e o volta para a transformação, para a primeira conquista, para a longa perda de sua essência. Essa mensuração da errância essencial como história do homem independente de toda historiologia. E se os deuses afundam no não outorgado da recusa do SEER. (tr. Casanova; GA65: 263)

Sob o modo de uma introdução, a compreensão de ser tem em Ser e tempo um caráter transitoriamente ambíguo; de maneira correspondente, o mesmo vale para a caracterização do homem (“ser-aí humano”, o ser-aí no homem). A compreensão de ser é por um lado, olhando retrospectivamente por assim dizer de maneira metafísica, concebida como o fundamento de qualquer modo não fundado do transcendental e em geral da re-presentação da entidade (remontando até a idea). A compreensão de ser é, por outro, (uma vez que a compreensão é concebida como pro-jeto e esse projeto como projeto jogado) a indicação da fundação da essência da verdade (caráter manifesto; clareira do aí; ser-aí). A compreensão de ser pertencente ao ser-aí – esse discurso se torna supérfluo, ele diz duas vezes e até mesmo de maneira atenuada o mesmo. Pois o ser-aí “é” justamente a fundação da verdade do SEER como acontecimento apropriador. A compreensão de ser movimenta-se na diferenciação entre entidade e ente, sem já fazer “valer” a origem da diferenciação a partir da essência da decisão do SEER. Compreensão de ser, porém, é por toda parte o contrário, sim, ainda algo essencialmente diverso disso: tornar o SEER dependente do visar humano. Onde vigora a destruição do sujeito, como é que o ser ainda pode se transformar em algo “subjetivo”? (tr. Casanova; GA65: 264)

(O repensar do SEER) Com isso, deve ser denominado um modo e talvez o modo decisivo na transição, modo esse por meio do qual o homem ocidental por vir assume a essenciação da verdade do SEER e se torna, assim, pela primeira vez histórico: o re-pensar do SEER. Tornar-se histórico significa: emergir da essência do SEER e permanecer, por isso, pertencente a ele; não tem em vista: ser remetido para o passado e para o historiologicamente constatável. (tr. Casanova; GA65: 265)

Ora, a meditação histórica aponta para a história da metafísica, para o fato de que a realização da questão diretriz tem através de toda a sua história o pensar como fio condutor (entidade e pensamento). Dessa meditação emerge a intelecção de que o predomínio do pensar (de que ele mesmo se tornou fio condutor sob a forma do representar de algo em geral) impeliu cada vez mais a interpretação da entidade do ente na direção, a partir da qual, então, finalmente, precisou surgir a equiparação do ser com a objetualidade do ente (da representacionalidade em geral). E a intelecção nos dá a saber que o pensar e seu predomínio (no tratamento da questão diretriz e na escolha do fio condutor) obstaculizou por fim todo e qualquer caminho para a questão ou para a coerção possível em direção à questão acerca da verdade do SEER. E agora, contudo, o re-pensar deve se tornar o curso em direção à verdade do SEER: não apenas simplesmente o pensar, mas por assim dizer a mais extrema elevação de seu domínio, o re-pensar, no qual se enuncia por assim dizer a completa dependência do SEER em relação ao pensar? Assim parece e precisa parecer, caso tenhamos chegado até aqui a partir da meditação histórica sobre a questão diretriz e a partir de seu fio condutor. Mas as coisas apenas parecem ser assim. Para escapar aqui da aparência de que se teria requisitado apenas com maior razão para a questão fundamental o fio condutor da questão diretriz, o que seria um contrassenso de acordo com o que dissemos anteriormente, é preciso que se encontre presente no começo uma diferenciação, cuja desconsideração também acaba por confundir a meditação sobre a história da questão diretriz e da escolha de seu fio condutor. (tr. Casanova; GA65: 265)

Se, então, aqui, na preparação do outro início, a essência da filosofia é retida como questionamento acerca do ser (na ambiguidade: questão acerca do ser do ente e questão acerca da verdade do SEER), tal como ela precisa ser retida, precisamente porque o questionamento do primeiro início acerca do ser chegou, com efeito, ao seu fim e, assim, não ao seu início, a denominação do filosofar enquanto pensar também precisa ser mantida. Isso, porém, ainda não decide de maneira alguma se o fio condutor do pensar (1) também seria agora o pensar (2), se em geral aqui algo do gênero de um fio condutor, tal como no tratamento da questão diretriz, entraria em jogo. Agora, na transição para o outro início, a questão acerca do ser se transforma efetivamente na questão acerca da verdade do SEER, de tal modo que essa verdade enquanto essência da verdade pertence à essenciação do SEER. A escolha do fio condutor torna-se supérflua, sim, é desde o início impossível. O ser não é considerado mais agora como a entidade do ente, como o adendo representado a partir do ente, que se expõe ao mesmo tempo como o a priori do ente (do que se presenta). Ao contrário, o SEER se essencia agora de antemão em sua verdade. Isso inclui o fato de que, então, o pensar (1) também é determinado exclusivamente e antes de tudo a partir da essência do SEER e não, por exemplo, tal como desde Platão, como a representação purificada do ente a partir do ente. A a-preensão do ser não é determinada a partir da concepção da entidade no sentido do koinon e da idea, mas a partir da essenciação do próprio SEER. Esse precisa ser ressaltado de maneira originariamente inicial, a fim de decidir por assim dizer por si mesmo qual precisa “ser” a essência do pensar (1) e do pensador. Essa “necessidade” múltipla anuncia uma necessidade originariamente própria de uma indigência, que só pode pertencer ela mesma à essência do SEER. (tr. Casanova; GA65: 265)

A questão é que nós estamos de qualquer modo há muito tempo e de maneira muito firme presos à tradição, para que de saída, onde quer que se venha a denominar “o pensar”, não tivéssemos em vista no mínimo concomitantemente ao ouvir esse nome a representação de algo em geral e, com isso, a representação de uma unidade de elementos diferentes especificamente subordinados. Ao contrário, quando o pensar é concebido como o pensar do ser: o ser é considerado como o que há de mais universal entre tudo. Toda e qualquer pergunta acerca do ser se encontra sob essa aparência da questão acerca do que há de mais universal, do qual nós só nos apoderamos por meio da concepção de suas particularidades e de suas ligações. Tomar esse elemento maximamente universal não significa, então, outra coisa senão deixá-lo em sua indeterminação e em seu vazio, estabelecendo a indeterminação como a sua única determinação, isto é, representando ele mesmo de maneira imediata. Então, por meio do conceito habitual do pensar (o conceito “lógico) é decidido previamente de novo sobre a essência do SEER, no que, igualmente, a essência é visada de antemão como o elemento objetivo de uma representação. Mas também precisamos ainda nos libertar disso, a fim de deixarmos completamente para o próprio SEER o poder afinador-determinante na caracterização da essência do pensar (re-pensar). Aquela interpretação grega do ón he ón como hen, aquele primado até aqui obscuro, que o uno e a unidade tiveram por toda parte no pensamento do ser, não pode ser naturalmente deduzido da lógica e do papel de fio condutor do logos como enunciado porque esse primado pressupõe, sim, uma determinada interpretação do ón (hypokeimenon). Visto de maneira mais profunda, aquela unidade é apenas o primeiro plano visto a partir da representação reunidora (legein) da presentação enquanto tal, na qual já se reuniu o ente justamente em seu quid e em seu fato-de-que. A presentidade pode ser concebida como reunião e, assim, compreendida como unidade e ela precisa também ser compreendida assim junto ao primado do logos. A própria unidade não é, contudo, por si mesma uma determinação essencial originária do ser do ente. Os pensadores originários se deparam, no entanto, necessariamente com ela porque, para eles e para o seu início, a verdade do ser precisa permanecer velada e porque é importante, para apreender em geral o ser, reter a presentação como o elemento primeiro e mais imediato de sua irrupção; por isso, o hen, mas sempre e ao mesmo tempo em ligação com os muitos como o que vem à tona, como o que emerge (vindo a ser) e como o que se evade e se dissipa (se essenciando aqui e se ausentando na presentidade mesma: Anaximandro, Heráclito, Parmênides). A partir do outro início, aquela determinação inabalada e nunca questionada do ser (unidade) precisa ainda se tornar algo questionável, e, então, remeter de volta a unidade ao “tempo” (o tempo abissal do tempo-espaço). Então, porém, também se mostra que, com o primado da presentidade (presente), na qual a unidade é fundada, algo se decidiu, que nesse elemento maximamente autoevidente a decisão mais espantosa se encontra velada, que esse caráter de decisão pertence até mesmo à essenciação do SEER e fornece o aceno para a respectiva unicidade e para a historicidade mais originária do SEER mesmo. (tr. Casanova; GA65: 265)

A partir daí podemos deduzir, mesmo junto a um saber apenas aproximado sobre a história do SEER, que o SEER precisamente nunca é definitivamente e, por isso, também nunca é apenas dizível de maneira “provisória”, tal como poderia nos induzir a pensar de maneira ilusória aquela interpretação (que transforma o SEER no que há de mais universal e vazio). (tr. Casanova; GA65: 265)

O fato de a essência do SEER nunca se deixar dizer definitivamente não significa nenhuma falha, mas, ao contrário, o saber não definitivo mantém precisamente o abismo e, com isso, a essência do SEER. Essa manutenção do abismo pertence à essência do ser-aí como a fundação da verdade do SEER. Manter o abismo é ao mesmo tempo saltar para o interior da essenciação do SEER, de tal modo que esse SEER mesmo desdobra o poder de sua essência como o acontecimento apropriador, como o entre para a coação do deus e a guarda do homem. (tr. Casanova; GA65: 265)

O re-pensar do SEER, a denominação de sua essência, não é outra coisa senão a ousadia de auxiliar o lançar-se para além dos deuses em direção ao SEER e deixar pronta para o homem a verdade do verdadeiro. Com essa “definição” do pensar por meio daquilo que ele “pensa” realiza-se a completa saída de toda interpretaçãológica” do pensar. Pois esse é um dos maiores preconceitos da filosofia ocidental: achar que o pensar precisaria ser determinado “logicamente”, isto é, com vistas ao enunciado (a explicação “psicológica” do pensar é de fato apenas um adendo à explicaçãológica” e pressupõe essa explicação; e isso mesmo lá onde ela visa a poder substituir a explicação lógica; a noção do “psicológico” se encontra aqui no lugar de biológico-antropológico). Um reverso daquele preconceito, porém, se dá quando se é acometido em meio à recusa da interpretaçãológica” do pensar (isto é, da ligação com o ser; cf “O que é metafísica?”) pela angústia, ou melhor, pelo temor de que isso colocaria em risco o rigor e a seriedade do pensar e entregaria tudo ao sentimento e ao seu “juízo”. Quem diz, afinal, e quem foi que demonstrou algum dia que o pensar logicamente visado seria o pensar “rigoroso”? Isso só é válido, se é que é em geral válido, sob o pressuposto de que a interpretação lógica do ser poderia ser a única interpretação possível; o que, porém, com maior razão, é um preconceito. Com vistas à essência do SEER, precisamente a “lógica” talvez seja o procedimento menos rigoroso e sério para a determinação da essência e apenas uma ilusão, que possui naturalmente uma essência ainda mais profunda do que a “ilusão dialética”, que Kant tornou visível no âmbito da objetivação possível do ente na totalidade. A “lógica” mesma, no que concerne à fundação da essência da verdade do SEER, é uma ilusão, mas a mais necessária ilusão, que a história do SEER até agora conheceu. A essência da própria “lógica”, que atingiu sua figura suprema na metafísica de Hegel, só se deixa conceber a partir do outro início do pensar do SEER. A abissalidade desse pensamento, porém, também deixa o assim chamado rigor da argúcia lógica (como forma do encontro da verdade, não apenas da expressão do que foi encontrado) vir à tona como uma brincadeira que não se apodera de si mesma, a qual, então, também poderia se degradar e se constituir como uma erudição filosófica, na qual qualquer um, dotado com uma argúcia qualquer, pode se movimentar de um lado para o outro, sem jamais ser tocado pelo SEER e sem nunca pressentir o sentido da questão acerca do SEER. Mas o repensar do SEER também é, então, correspondentemente raro e talvez só nos seja concedido no passo tosco de uma preparação sua, se a ousadia desse salto abissal puder ser chamada de um favor. (tr. Casanova; GA65: 265)

Somente esse pensar do SEER é verdadeiramente in-condicionado, isto é, somente ele não é condicionado e determinado por algo condicionado fora de si e pelo que precisa ser pensado por ele, mas unicamente determinado por aquilo que precisa ser pensado nele, por meio do SEER mesmo, que, contudo, não é “o absoluto”. Na medida em que o pensar (no sentido do re-pensar), porém, conserva a essência a partir do SEER; na medida em que até mesmo o ser-aí, cujo re-pensar precisa ser uma insistência, só é apropriado em meio ao acontecimento pelo ser, o pensar, isto é, a filosofia, tem sua origem mais própria e mais elevada a partir dela mesma, a partir daquilo que precisa ser pensado nela. Somente agora é que ela se mostra de maneira pura e simplesmente inatacável frente a avaliações e valorações, que calculam tudo de acordo com metas e utilidades, isto é, que abusam correspondentemente tanto da filosofia quanto da arte como uma realização cultural ou mesmo por fim apenas ainda como expressão cultural, colocando-as sob o domínio das suposições, que, ao que parece, dominam a filosofia, mas que, com efeito, permanecem muito abaixo dela, desfigurando a sua essência em meio ao compreensível e impelindo em tal desfiguração para o interior daquilo que ainda é precisamente tolerado e ridicularizado. (tr. Casanova; GA65: 265)

Visto a partir de tal rebaixamento, que arrogância não parece estar presente na afirmação da origem incondicionada da filosofia. Todavia, mesmo a partir de um plano mais elevado de avaliação, sim, mesmo a partir de toda e qualquer avaliação experimentada, nós não atingimos nenhuma visão essencial da filosofia, que não precise olhar ao mesmo tempo para o elemento “titânico”. Na metafísica e através de sua história, isso permanece velado e é atenuado por fim, transformando-se em uma mera transgressão de limites epistemologicamente grave. Se, contudo, na transição a partir da metafísica, o pensar precisa se decidir a repensar o SEER, então se eleva o perigo da desmedida incontornável em meio ao essencial. O saber em relação a esse perigo também se transforma naturalmente, na medida em que, quase não denominando tal perigo, silencia quanto ao risco essencial. A indicação pertence à ambiguidade da transição, na qual a meditação precisa sempre tocar tangencialmente aquilo que, na execução da transição, se transpõe cada vez mais para o interior do simples fazer. Esse elemento ambíguo retém na filosofia uma tenacidade particular porque a filosofia precisa, enquanto questionar pensante, voltar a si mesma necessariamente para o seu saber; e isso precisamente na medida em que ela possui uma origem incondicionada e quanto mais originariamente ele a possui. (tr. Casanova; GA65: 265)

A unicidade do SEER, na transição da metafísica, para a qual ele é considerado como o que há de mais universal e corrente, chegará à essenciação em uma estranheza e obscuridade correspondentemente únicas. No pensar transitório, tudo aquilo que pertence à história do ser traz consigo o elemento inabitual do singular e conjuntural. O re-pensar do SEER alcança, por isso, onde e quando ele acontece de maneira exitosa, uma rigidez e uma agudeza da historicidade, para a qual ainda falta a linguagem ao dizer, isto é, o poder denominar e ouvir que satisfaça a ele, ao SEER. (tr. Casanova; GA65: 265)

O re-pensar do SEER não inventa para si um conceito, mas conquista aquela libertação do apenas ente, que torna a-propriado para a determinação do pensar a partir do SEER. O re-pensar expõe na direção daquela história, cujos “acontecimentos apropriadores” não são outra coisa senão os choques do acontecimento da própria apropriação. Só podemos dizer isso, por sua vez, na medida em que dizemos: que isso acontece apropriadoramente: e o que significa esse “isso”? O fato de Hölderlin ter criado poeticamente o poeta por vir; o fato de ele mesmo “ser” como o primeiro, que coloca em decisão a proximidade e a distância dos deuses sidos e dos deuses por vir (cf o lugar em termos da história do SEER). (tr. Casanova; GA65: 265)

Quem se espantaria se essa indicação do primeiro fato-de-que da história do SEER fosse tomada na transição da metafísica para o repensar do SEER como completamente arbitrária e incompreensível? Todavia, não adianta praticamente nada, se fôssemos de encontro a isso com esclarecimentos quanto ao fato de que todos os modos de consideração ligados à “historiologia da literatura”, à história da poesia e à “história do espírito” precisam permanecer de fora. Já se exige aqui o salto para o SEER e sua verdade, a experiência de que, sob o nome de Hölderlin, acontece apropriadoramente aquele movimento de colocar em decisão – notemos bem: acontece, não aconteceu algo apropriadoramente. Nós podemos tentar destacar historicamente esse “acontecimento apropriador” em sua unicidade, na medida em que o vemos em meio àquilo que ainda se mostra como o que se tinha até aqui em sua mais extrema elevação e em seu mais rico desdobramento: em meio à metafísica do Idealismo alemão e em meio à configuração da imagem de mundo de Goethe, em meio àquilo que permanece separado de Hölderlin por abismos (no “Romantismo”), ainda que ele o tenha “influenciado” historio logicamente, a ele, o portador do nome, mas não o guardião do SEER. Mas o que adianta esse alijamento? No máximo, ele alcança apenas uma nova incompreensão, como se, no interior daquela história da metafísica e da arte, Hölderlin fosse algo “próprio”; sendo que o que está em questão não é saber se ele está “dentro”, nem tampouco somente se ele se mostra como o “fora” excepcional, mas antes se abrir para o impulso indedutível do próprio SEER, impulso esse que precisa ser capturado em seu mais puro fato-de-que, o fato de que agora e sempre aquela decisão se encontra na história do Ocidente, sem levar em conta se ela é e pode em geral ser apreendida pela era ainda duradoura ou não. Essa decisão posiciona pela primeira vez o tempo-espaço em torno do próprio SEER, tempo-espaço esse como o qual o SEER se estende a partir desse espaço juntamente com o tempo, que o temporaliza na unidade originária desse campo de jogo temporal. Desde então, todo pensamento que visa à entidade a partir do ente e para além dele permanece fora da história, na qual o SEER enquanto acontecimento apropriador se apropria do pensar em meio ao acontecimento sob a figura do que é consonante com o ser-aí e do que lhe pertence. Salvar a unicidade de sua história para o SEER é a vocação do pensar e nunca mais a diluição de sua essência nas disciplinas da “universalidade” esmaecida das categorias. Por isso, porém, os sapientes sabem que a preparação dessa história do SEER no sentido da fundação da prontidão para o resguardo da verdade do SEER no ente que assim vem a ser será uma preparação muito longa e amplamente desconhecida. Separados por uma longa distância precisam estar ainda os preparadores em relação aos fundadores, ainda que eles sejam tocados mesmo que apenas de longe pelo choque da recusa do SEER e, por meio daí, queiram se tornar aqueles que pressentem. Continua sendo uma ousadia o dizer sobre o repensar do SEER, a ponto de ele ser chamado de auxílio para a acomodação dos deuses no espaço fora e no estranhamento do homem (cf o SEER como acontecimento apropriador). (tr. Casanova; GA65: 265)

(O SEER e a “diferença otológica”. A “diferenciação”.) Essa diferenciação suporta a questão diretriz da metafísica: o que é o ente? Mas essa diferenciação não é elevada expressamente enquanto tal ao nível do saber na realização da questão diretriz ou mesmo retida enquanto algo digno de questão. É a diferenciação que suporta a questão diretriz ou será que é essa questão diretriz que leva a termo primeiramente, apesar de isso acontecer de maneira inexpressa, a diferenciação? Manifestamente esse é o caso. Pois ela aparece no campo de visão da questão diretriz e, de saída, também para a meditação clarificadora sobre a questão diretriz como algo derradeiro. Mas ela só pode ser de qualquer modo o elemento de primeiro plano (por quê?), no qual o estabelecimento da questão fundamental (acerca da verdade do SEER) pode ser elucidado de maneira condutora. (tr. Casanova; GA65: 266)

A questão do SEER enquanto questão fundamental não seria concebida de maneira alguma a partir de seu caráter mais digno de questão, se ela não fosse imediatamente impelida para a questão acerca da origem da “diferença ontológica”. A diferenciação entre “ser” e “ente”, o fato de o SEER se destacar do ente, só pode ter sua origem, se é que o ente enquanto tal é fundado pelo SEER, na essenciação do SEER. A essência e o fundamento desse destaque é o obscuro, aquilo que reside cerrado em toda metafísica; e de maneira tanto mais estranha, quanto mais decididamente a metafísica se cristaliza na pensabilidade da entidade e, sobretudo, no sentido do pensar absoluto. A essência e o fundamento desse destaque é o SEER como acontecimento da apropriação. Esse SEER se volta como o entre clareador para o interior dessa clareira e é, por isso, sem jamais ser reconhecido e pressentido como o acontecimento da apropriação, a partir do pensar representativo como ser em geral, algo diferenciável e diferenciado. Para a essenciação do SEER que se dá no primeiro início, isso é considerado como physis, que vem à tona como aletheia, mas ao mesmo tempo acima do ente, que é apreensível por meio dela como um tal, que é esquecido e reinterpretado como o maximamente ente, como um modo de ser e como o modo de ser mais elevado do ente. Aqui reside ao mesmo tempo o fundamento pelo qual a diferença ontológica enquanto tal não ganha o espaço do saber, uma vez que, no fundo, uma diferenciação é sempre exigida apenas entre ente e ente (maximamente ente). Vê-se a consequência na confusão amplamente difundida no uso dos nomes “SEER” e “ente”, que se encontram reciprocamente um para o outro de maneira arbitrária, de tal modo que, apesar de ter em vista o SEER, só se re-presenta de qualquer modo um ente e se o apresenta como o que há de mais universal de todo re-presentar. O ser (enquanto ens qua ens – ens in comune) é apenas a mais fina diluição do ente e mesmo ainda um tal e, como ele determina todo ente a se mostrar enquanto ente, o mais essente do ente. Mesmo que agora, depois da denominação decidida dessa diferenciação em Ser e tempo, as pessoas se empenhem por uma terminologia mais cuidadosa, nada é alcançado e não atesta de maneira alguma que um saber e um questionar acerca do SEER teriam se vivificado. Ao contrário, o risco é agora mais elevado de que o ser mesmo seja tomado por si e elaborado como algo presente à vista. (tr. Casanova; GA65: 266)

Em geral, o realçar dessa “diferenciação” só pode dizer algo de maneira pensante, se ela emergir desde o início da questão acerca do “sentido do SEER”, isto é, acerca da sua verdade; e se essa questão não for concebida como uma questão qualquer, mas se ela for questionada como a questão que decide historicamente a metafísica e que decide sobre a metafísica e seu questionar, ou seja, se o SEER mesmo se transformar em indigência, uma indigência que afina pela primeira vez uma vez mais por si em sua determinação o “pensar” que lhe é pertinente. (tr. Casanova; GA65: 266)

A “diferença ontológica” é uma travessia, que se mostra como incontornável, se é que a necessidade do questionamento da questão fundamental deve se tornar visível a partir da questão diretriz. E a questão diretriz ela mesma? Essa tarefa, porém, não se deixa contornar, enquanto precisar permanecer assegurado ainda em geral um caminho, que dirige ainda de maneira muito precária do pensar metafísico questionador para o interior da questão necessariamente inquestionada da verdade do SEER. Mas essa caracterização da “diferença ontológica” enquanto tal e o seu estabelecimento a partir da intenção de superação da metafísica parece provocar de saída o contrário: agora se obtém com maior razão a fixação na “ontologia”. Toma-se a diferenciação como uma peça doutrinária e como chave de uma consideração ontológica e se esquece do decisivo: o caráter próprio à travessia dessa diferenciação. (tr. Casanova; GA65: 266)

As pessoas se despem, por isso, de antemão de todo e qualquer esforço por levar a termo essa diferenciação em geral não como uma diferenciação re-presentacional, na qual o diferenciado é posto homogeneamente no mesmo plano, apesar de esse plano da diferencialidade ser deixado completamente indeterminado; por outro lado, porém, essa diferenciação considerada e exposta formalmente não pode ser senão um sinal de que a ligação com o ser é uma ligação diversa da com o ente, e de que essa alteridade das ligações pertence ao ligar-se diferenciador com os diferenciados. A ligação com o ser é, como uma ligação fundada, a insistência no ser-aí, o ser imanente à verdade do SEER (como acontecimento apropriador). A ligação com o ente é a conservação criativa da preservação do SEER naquilo que se coloca na clareira do aí de acordo com tal preservação enquanto o ente. (tr. Casanova; GA65: 266)

Na transição para o ser-aí no interior do questionamento acerca da verdade do SEER não resta nenhuma outra possibilidade senão mudar de saída a representação até o ponto em que a ligação com o ser como projeto e, por isso, como o caráter da compreensão for fixado (a compreensão de ser do ser-aí). Mas essas determinações, por mais decisivas que elas permaneçam para uma primeira elucidação do questionamento completamente outro da questão do ser, são, porém, vistas a partir da questionabilidade do ser e de sua essenciação, apenas um primeiro passo tateante em uma longa prancha de salto, um passo no qual quase não se pressente a presença de algo da exigência, que é feita no final da prancha para o salto. Todavia, toma-se esse passo não apenas como o primeiro em um longo estar “a caminho”, mas já como o passo derradeiro, a fim de erigir-se no dito como uma “doutrina” e “perspectiva” determinada e de organizar com ela todo tipo de coisas em um aspecto historiológico. Ou, porém, se recusa essa “doutrina” e se imagina que, com ela, se teria decidido algo sobre a questão do ser. (tr. Casanova; GA65: 266)

O fato, porém, de essa diferenciação poder ser denominada como a estrutura de campo da metafísica ocidental e o fato de ela precisar ser denominada sob essa forma indeterminada têm sua razão de ser na história inicial do próprio SEER. Na physis encontra-se implicado o fato de que, para a representação maximamente universal (pensar), o ser é o que mais se presenta de maneira mais constante e, enquanto um tal ente que se presenta, o fato de que ele é o vazio da atualidade mesma. Na medida em que o pensamento se embrenhou no domínio da “lógica”, esse elemento atual de tudo o que se presenta (do presente à vista) se transforma no que há de mais universal, e, apesar da rejeição de Aristóteles, que afirma que ele não seria um genos, no “que há de mais genérico”. Se levarmos em consideração essa proveniência histórica da diferença ontológica a partir da própria história do ser, então o saber dessa proveniência já impõe uma distância prévia em relação ao pertencimento à verdade do ser, a experiência de que nós, sustentados pela “diferença ontológica” em todo ser do homem enquanto ligação com o ente, permanecemos expostos ao poder do SEER por meio daí de maneira mais essencial do que em toda e qualquer ligação ainda “próxima da vida” com qualquer coisa “real e efetiva”. E isso, o ter sido inteiramente afinado do homem pelo próprio SEER, precisa ser levado à experiência por meio da denominação da “diferença ontológica”; a saber, caso a questão do ser mesma tenha de ser desperta enquanto questão. Por outro lado, porém, com vistas à superação da metafísica (a conexão de jogo histórica do primeiro e do outro início), é preciso que tenha ficado clara a “diferença ontológica” em seu pertencimento ao ser-aí; visto a partir daí, ela nos volta para uma, sim, para a “estrutura fundamental” do próprio ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 266)

O SEER é o acontecimento apropriador. Essa expressão denomina o SEER de maneira pensante, funda sua essenciação em sua própria estrutura, que se deixa indicar na multiplicidade do acontecimento apropriador. (tr. Casanova; GA65: 267)

Acontecimento apropriador é: 1) O acontecimento da apropriação, o fato de que, na urgência, a partir da qual os deuses necessitam do SEER, o SEER com-pele o ser-aí à fundação de sua própria verdade e, assim, deixa o entre se essenciar, o acontecimento da apropriação do ser-aí por meio dos deuses e a apropriação dos deuses para eles mesmos em relação ao acontecimento apropriador. 2) O acontecimento apropriador do acontecimento da apropriação encerra em si a de-cisão: o fato de a liberdade como o fundamento abissal deixar surgir uma indigência, a partir da qual, como o impulso excessivo do fundamento, os deuses e o homem vêm à tona em sua separação. 3) O acontecimento da apropriação como de-cisão traz os cindidos para a contra-posição: para o fato de que esse um em relação ao outro da mais ampla e urgente decisão precisa se encontrar na mais extrema “oposição”, porque ele transpassa o a-bismo do SEER usado. 4) A contra-posição é a origem da contenda, que se essencia, na medida em que ela desloca o ente de sua perdição para o interior da mera entidade. O des-locamento caracteriza o acontecimento apropriador em sua ligação com o ente enquanto tal. O acontecimento da apropriação do ser-aí deixa tal ente se tornar insistente no inabitual em face de todo e qualquer ente. 5) O des-locamento, porém, é, concebido a partir da clareira do aí, ao mesmo tempo a re-tração do acontecimento apropriador; o fato de ele se retrair em relação a todo cálculo representacional e se essenciar como recusa. 6) Por mais ricamente e sem imagem que o SEER se essencie, ele se baseia de qualquer modo nele mesmo e em sua simplicidade. Com certeza, o caráter do entre (entre os deuses e o homem) poderia induzir em erro e levar a que tomássemos o SEER como mera ligação e como consequência e resultado da ligação com o ligado. Mas o acontecimento apropriador é, sim, de qualquer modo, se já a caracterização é ainda possível, esse ligar, que traz os ligados pela primeira vez para si mesmos, para colocar no aberto dos decididos em contra-posição sua urgência e guarda, que eles não assumem pela primeira vez como propriedade, mas a partir dos quais, ao contrário, eles haurem sua essência. O SEER é indigência dos deuses e, como essa indigência compelidora do ser-aí, ele é mais abissal do que tudo aquilo que pode se chamar de sendo e não se deixa mais denominar por meio do SEER. O SEER é usado, a urgência dos deuses, e, contudo, ele não pode ser deduzido a partir deles, mas é precisamente de maneira inversa superior a eles, na a-bissalidade de sua essência como fundamento. O SEER se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento e, no entanto, não possui a sua origem. Imediatamente, o entre se essencia como o fundamento dos contra-postos nele. Isso determina a sua simplicidade, que não se mostra como vazio, mas como o fundamento da plenitude, que emerge da contra-posição como contenda. 7) O simples do SEER tem em si a cunhagem da unicidade. Essa não carece de modo algum do destaque e das diferenças, nem mesmo da diferença em relação ao ente. Pois essa diferença só é exigida, se o ser mesmo for marcado como uma espécie de ente e, com isso, não for nunca preservado como o único, mas sim vulgarizado e transformado no que há de mais universal. 8) A unicidade do SEER fundamenta a sua solidão, de acordo com a qual ele lança unicamente em torno de si o nada, cuja vizinhança permanece sendo a mais autêntica e cuja solidão é resguardada da maneira mais fiel possível. De acordo com ela, o SEER só se essencia constantemente de maneira mediatizada por meio da contenda de mundo e terra em relação ao “ente”. Em nenhuma dessas denominações a essência do SEER deve ser pensada e, de qualquer modo, ele é pensado “completamente” em cada uma delas; “completamente” significa aqui: a cada vez, o pensar “do” SEER é arrancado pelo SEER mesmo e trazido para o interior de sua inabitualidade e priva de todos os auxílios buscados em explicações do ente. (tr. Casanova; GA65: 267)

Acontecimento apropriador tem em vista sempre o acontecimento apropriador como acontecimento da apropriação, de-cisão, contra-posição, des-locamento, retração, simplicidade, unicidade, solidão. Não objetiva é a unidade dessa essenciação e ela só pode ser sabida naquele pensar, que não precisa ousar aquele elemento inabitual como o particular do que chama a atenção, mas como necessidade do que há de mais inaparente, no qual se abre o fundamento abissal da falta de fundamento dos deuses e da atividade de fundação do homem, e no qual é atribuído ao SEER aquele pensar que a metafísica nunca tinha podido saber, o ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 267)

A partir da lembrança de diferenciações antigas que se tornaram usuais até o seu fim em Nietzsche (ser e devir), poder-se-ia tomar a determinação do SEER como acontecimento apropriador do mesmo modo como uma interpretação do ser enquanto “devir” (“vida”, “movimento”). Para não falar de modo algum da recaída inevitável na metafísica e da dependência das representações do “movimento”, da “vida” e do “devir” em relação ao ser como entidade, tal interpretação do acontecimento apropriador afastaria completamente desse acontecimento, uma vez que ela fala do acontecimento apropriador como um objeto, ao invés de deixar que essa essenciação mesma e apenas ela fale, para que o pensar permaneça um pensar do SEER, que não enuncia algo sobre o SEER, mas fala em meio a um dizer, que pertence ao re-dito e que alija de si todas as objetivações e falsificações em algo situativo (ou “fluente”); e isso porque se entraria imediatamente com isso no plano do re-presentar e porque a inabitualidade do SEER é negada. (tr. Casanova; GA65: 267)

A plena essenciação do SEER na verdade do acontecimento apropriador nos deixa reconhecer que o SEER e apenas o SEER é e que o ente não é. Com esse saber acerca do SEER, o pensar alcança pela primeira vez o rastro do outro início na transição a partir da metafísica. Para esta é válido dizer: o ente é e o não-ente “é” também e o SEER é o ente maximamente essente. (tr. Casanova; GA65: 267)

Em contrapartida temos: o SEER é único, e, por isso, ele nunca “é” um ente e é o que é menos o maximamente ente. O ente, porém, não é, e precisamente por isso cabe a ele o pensar esquecido do SEER da entidade, essa entidade como propriedade maximamente universal. Essa atribuição tem sua razão de ser no representar habitual, e, por isso, é preciso que digamos em face desse representar: o SEER se essencia; o ente “é”. (tr. Casanova; GA65: 267)

O SEER é. Parmênides não diz o mesmo: estin gar eivai? Não; pois justamente aqui o eivai já se encontra no lugar do eon, o ser já é aqui o ente maximamente essente, ontos ón, que logo se transforma em koinon, em idea, no katholou. O SEER é – isso quer dizer: o SEER essencia apenas a essência de si mesmo (acontecimento apropriador). O SEER se essencia – assim precisa ser naturalmente dito, quando se fala a partir da metafísica, para a qual é válido: o ente “é” (a ambiguidade do pensar transitório). (tr. Casanova; GA65: 267)

O ente é; aqui se fala com frequência a partir da posição fundamental na maioria das vezes inexpressa da metafísica, que traz consigo homens que encontram previamente o ente como o mais próximo e partem dele, a fim de retornarem uma vez mais a ele. Por isso, o caráter de enunciado da proposição é aqui um caráter diverso do que no dizer: o SEER é. “O ente é” precisa ser levado a termo como e-nunciado, que tem sua correção; dirigido para o ente, a entidade é relatada por ele. O e-nunciar (logos) não é considerado aqui apenas como a expressão linguística ulterior de um re-presentar, mas o e-nunciar (apo-phansis) é aqui ele mesmo a forma fundamental da ligação com o ente como um tal e, com isso, com a entidade. De acordo com o dizer, o dito “o SEER é” é completamente diverso. Com efeito, podemos tomar a qualquer momento o dito como uma proposição e como uma proposição enunciativa. Nesse caso, pensado metafisicamente, precisa ser concluído o seguinte: o SEER se transforma, assim, no ente e, de maneira consequente, se mostra como o maximamente ente. A questão é que o dizer não fala a partir do SEER algo que lhe cabe em geral, algo que se encontra nele presente à vista, mas enuncia o SEER mesmo a partir dele mesmo; ele diz que o SEER é o único que pode se apoderar de sua essência e, precisamente por isso, o “é” nunca pode ser simplesmente algo a ser atribuído. Nesse dito, o SEER é dito a partir do “é” e redito por assim dizer no “é”. Com isso, contudo, se caracteriza ao mesmo tempo a forma fundamental, na qual todo dizer “sobre” o SEER, melhor, todo dizer do SEER precisa se manter. Pois esse dizer “do” SEER não tem o SEER como objeto, mas emerge dele como sua origem e fala, por isso, caso ele o deva denominar, sempre de volta para essa origem. Aqui, por isso, toda “lógica” pensa de maneira curta demais, uma vez que o logos enquanto enunciado não pode permanecer mais o fio condutor da representação do ser. Ao mesmo tempo, porém, o dizer é arrastado para o interior da ambiguidade do enunciado e o pensar “do” SEER se torna essencialmente mais difícil. Isso, porém, atesta apenas a primeira proximidade em relação à distância do SEER: o fato de que esse “é” a recusa e o deslocamento mesmos e enquanto tal precisa ser resguardado no acontecimento apropriador e, por isso, precisa ser sempre difícil e uma luta, que se torna manifesta na mais extrema profundidade como o jogo do abissal. Mas se o ente não é, então isso significa: o ente permanece pertencente ao SEER como o resguardo de sua verdade, nunca consegue, porém, se transpor para a es-senciação do SEER. O ente, contudo, distingue-se enquanto tal com vistas ao respectivo pertencimento à verdade do SEER e à exclusão de sua essenciação. (tr. Casanova; GA65: 267)

O que é feito agora da diferenciação entre ente e SEER? Agora, nós a compreendemos como o primeiro plano metafisicamente concebido e, com isso, já mal interpretado de uma de-cisão, que é o SEER mesmo (cf acima n. 2). Essa diferenciação não pode mais ser lida a partir do ente e em prosseguimento em direção à generalização isoladora de seu ser. Por isto, ela também não pode ser justificada, por exemplo, pelo aceno para o fato de que “nós” (quem?) precisamos compreender o ser, para que possamos experimentar um ente enquanto tal. Isso é, com efeito, correto, e o aceno para tanto pode servir a qualquer momento como uma primeira indicação do ser e da diferenciabilidade entre ente e SEER, mas: o que resulta daqui, o que aqui já é pressuposto, o pensar metafísico da entidade, não pode subsistir enquanto o rasgo fundamental, no qual se deixariam conceber em termos da história do SEER, em conformidade com o ser-aí, a essência do SEER e de sua verdade em sua essenciação. Apesar disso, a transição não tem como ser preparada de outro modo senão pelo fato de que, nela, a coragem para o antigo (em termos do primeiro início) se faz valer e, assim, se busca de saída impelir esse antigo mesmo para além de si: o ente, o ser, o “sentido” (verdade) do ser (cf Ser e tempo). Desde o início, contudo, em meio a essa repetição mais originária, é preciso saber que ela exige uma completa transformação do homem no ser-aí e já alcançou por um salto tal transformação, uma vez que a verdade do SEER, que deve se abrir, não trará outra coisa senão a essenciação mais originária do próprio SEER. E isso significa: que tudo é transformado e que as veredas que ainda conduziam justamente ao SEER precisam ser interrompidas, porque outro tempo-espaço é aberto por meio do SEER, que torna necessária uma nova edificação e fundação do ente. Em parte alguma no ente, somente uma vez no SEER, se volta em direção ao homem e aos deuses, a cada vez de maneira diversa, como uma tempestade, a suavidade do terrível na intimidade de todos os seres. É somente no SEER que se essencia como a mais profunda abertura de seu fosso abissal o possível, de tal modo que é sob a forma do possível que o ser precisa ser pensado em primeiro lugar no pensar do outro início. (A metafísica, contudo, torna o “real e efetivo” enquanto ente ponto de partida e meta da determinação do ser). (tr. Casanova; GA65: 267)

Algo possível, e até mesmo o possível pura e simplesmente, só se abre para a tentativa. A tentativa precisa ser atravessada de maneira soberana por uma vontade antecipativa. A vontade como o colocar-se para além de si se encontra em um estar para além de si. Esse estado é a espacialização originária do campo de jogo temporal, no qual impera o SEER: o ser-aí. Ele se essencia como ousadia. E somente na ousadia, o homem chega ao âmbito da de-cisão. E somente na ousadia ele consegue pesar. (tr. Casanova; GA65: 267)

O fato de que o ser é e de que, por isso, ele não se torna nenhum ente se expressa da maneira mais aguda possível no seguinte: o SEER é a possibilidade, o nunca presente à vista e o que sempre outorga e renuncia na recusa por meio do acontecimento da apropriação. (tr. Casanova; GA65: 267)

Somente quando o pensar tiver ousado pensar o próprio SEER, sem falsificá-lo e sem transformá-lo em um mero eco do ente, é que o homem poderá se aperceber de que o ente nunca é suficiente para deixar mesmo que apenas pressentir o SEER. (tr. Casanova; GA65: 267)

Se, por isso, o SEER for pensado como o entre, no qual os deuses são compelidos, de tal modo que ele se mostre como uma indigência para o homem, então os deuses e o homem não podem ser tomados como algo “dado”, como algo “presente à vista”. No projeto daquele pensar, eles são, sempre a cada vez de maneira diversa, assumidos como o histórico, que, ele mesmo, só chega à sua essenciação a partir do acontecimento apropriador do entre. Isso, contudo, significa: que ele chega à luta em torno da própria essência, à consistência da decisão de uma das possibilidades veladas. (tr. Casanova; GA65: 267)

“O homem” e “o deus” são cápsulas de palavras sem história, se a verdade do SEER não ganha voz nelas. (tr. Casanova; GA65: 267)

O SEER se essencia como o entre para o deus e o homem, mas de tal modo que esse espaço intermediário só arranja espacialmente para o deus e para o homem a possibilidade essencial, um entre que se choca contra sua margem e que a deixa ressurgir pela primeira vez a partir do choque como margem, sempre pertencendo à corrente do acontecimento apropriador, sempre velada na riqueza de suas possibilidades, sempre o de lá para cá e o de cá para lá das ligações inesgotáveis, em cuja clareira se juntam fugidiamente e afundam mundos, se descerram terras, suportando a destruição. Mas também de tal e tal modo antes de tudo, o SEER precisa permanecer sem interpretação, a ousadia contra o nada, que deve apenas ao SEER a sua origem. (tr. Casanova; GA65: 267)

O maior risco do SEER, uma vez que esse se mostra como um risco emergente constantemente dele mesmo, o risco que pertence a ele como seu tempo-espaço, é ele se fazer “ente” e tolerar a ratificação a partir do ente. A história da metafísica, a metafísica mesma no sentido do processo do ente diante do ser, atesta esse perigo e a dificuldade de suportá-lo. A ambiguidade da diferenciação do ente e do ser remete o ser para o ente e cria ilusoriamente de qualquer modo uma cesura, que não é fundada a partir do próprio SEER. (tr. Casanova; GA65: 267)

O SEER, contudo, impede todas as “metas” e condena ao fracasso toda e qualquer explicabilidade. (tr. Casanova; GA65: 267)

O SEER se essencia como o acontecimento da apropriação dos deuses e do homem para a sua contra-posição. Na clareira do encobrimento do entre, que emerge do acontecimento da apropriação e com ele, acontecimento esse que se contrapõe à clareira, desponta a contenda entre mundo e terra. E somente no campo de jogo temporal dessa contenda chega-se à preservação e à perda do acontecimento da apropriação, entrando no aberto daquela clareira aquilo que é denominado o ente. (tr. Casanova; GA65: 268)

O SEER e o ente não têm de modo algum como ser imediatamente distintos, porque eles em geral não se encontram imediatamente ligados um ao outro. O SEER está, apesar de o ente enquanto tal só vibrar unicamente no acontecimento da apropriação, distante de maneira abissal de todo ente. As tentativas de, já ao modo da denominação, representar os dois juntos provêm da metafísica. Sim, a metafísica tem por toda parte a sua característica no fato de que a diferenciação entre ser e ente, por menos clara e expressa que ela possa ser levada a termo, é considerada como uma diferenciação imediata. O ser é tomado como a generalização do ente; de maneira consonante com a representação, ele é tão palpável quanto o ente, só que justamente “mais abstrato”. O ser é, por assim dizer apenas diluidamente, o ente uma vez mais e de qualquer modo não, porque permanece reservado ao ente ser o real e efetivo. Por outro lado, com base no predomínio do pensar (representação de algo no koinon e no katholou), é adequado ao ser enquanto entidade, porém, um primado, que, então, vem à tona na respectiva determinação da ligação entre os diversos. (tr. Casanova; GA65: 268)

O ser é condição do ente, que permanece preso, com isso, de antemão já como coisa (o subsistente que se presenta). O ser con-diciona o ente ou bem como sua causa (summum ens – demiourgos) ou como fundamento da objetualidade da coisa na re-presentação (condição de possibilidade da experiência ou de saída em geral como o “anterior” por força de sua constância e presentidade mais elevadas de acordo com a sua universalidade). Aqui, pensado em termos platônico-aristotélicos, o condicionar enquanto caráter do ser corresponde o mais diretamente possível ainda à sua essência inicial mais próxima (presentidade e constância), mas ela também não se deixa explicar. Por isso, ele permanece sempre de viés e destrói a originariedade e cautela do pensar grego, quando se reinterpreta esse elemento consonante com a causa ou mesmo o condicionar “transcendental” na relação visada de maneira grega entre ser e ente. Mas mesmo os modos postedores de con-dicionar o ente e transformá-lo em um ente tal por meio do ser são prelineados e exigidos naturalmente pela interpretação grega, na medida em que a entidade (idea) é o propriamente produzido (poioumenon) e, por isso, o que con-stitui e faz o ente; na medida em que, por outro lado e ao mesmo tempo, a idea é o nooumenon, o re-presentado enquanto tal, o que é anteriormente visto em todo representar. A metafísica nunca vai além desses modos de diferenciação entre ser e ente e da apreensão dessa ligação; sim, sua essência, na mistura desses modos dê pensar, é criar para si saídas e oscilar de um lado para o outro entre posições extremas, entre a incondicionalidade da entidade e a incondicionalidade do ente enquanto tal; a partir daí é possível atribuir aos títulos plurissignificativos “idealismo” e “realismo” um significado metafísico inequívoco. Uma consequência da apreensão metafísica do ser e do ente é a distribuição dos dois em áreas (regiões) e níveis, o que contém ao mesmo tempo o pressuposto para o desdobramento da ideia do sistema na metafísica. De maneira incomparável, em contrapartida, e nunca tangível em conceitos e modos de pensar metafísicos, temos o projeto do SEER como acontecimento da apropriação, projeto esse que experimenta a si mesmo como jogado e se mantém distante daquela aparência de ser um produto. Aqui se desentranha o SEER naquela essenciação, com base na qual a abissalidade faz com que os contra-postos (deuses e homem) e os querelantes (mundo e terra) alcancem em sua história originária a sua essência entre o SEER e o ente e admitam a denominação conjunta do SEER e do ente apenas como o que há de mais questionável e de mais cindido. (tr. Casanova; GA65: 268)

Na medida, porém, em que os deuses e o homem ganham a contra-posição na indigência do SEER, o homem é jogado para fora de sua posição até aqui, modernamente ocidental, sendo colocado em uma posição aquém de si mesmo em espaços de determinação completamente diversos, nos quais a animalidade tanto quanto a racionalidade não têm como assumir uma posição essencial, por mais que, no futuro, a constatação dessas propriedades junto ao homem presente à vista tenham a sua correção (ainda que seja sempre preciso perguntar quem são aqueles que acham algo assim correto e até mesmo constroem com vistas a tais correções “ciências” como a biologia e a doutrina das raças e estabelecem ao mesmo tempo com isso supostamente os fundamentos da “visão de mundo”; o que é sempre a ambição de toda e qualquer “visão de mundo”). Com o projeto do SEER como acontecimento apropriador também se pressente pela primeira vez o fundamento e, com isso, a essência e o espaço essencial da história. A história não é nenhum privilégio do homem, mas é a essência do próprio SEER. A história só se desenrola no entre da contraposição dos deuses e do homem como o fundamento da contenda de mundo e terra; e ela não é outra coisa senão o acontecimento da apropriação desse entre. A historiologia nunca alcança, por isso, a história. A diferenciação entre o SEER e o ente é uma de-cisão tomada a partir da essência do próprio SEER que se estende muito para além, uma de-cisão que só pode ser pensada assim. (tr. Casanova; GA65: 268)

O SEER, como quer que ele venha a ser elevado ao nível de uma condição, já é assim degradado à serventia e à ulterioridade em relação ao ente. (tr. Casanova; GA65: 268)

O pensar no outro início não conhece a explicação do ser por meio do ente e não sabe nada sobre o condicionamento do ente por meio do SEER; condicionamento esse que sempre também coisifica o SEER junto ao ente, a fim de emprestar-lhe, então, de qualquer modo uma vez mais, sob a forma do “ideal” e dos “valores” (agathon é o começo), uma elevação. Com certeza, então, segundo a forma e de acordo com um longo hábito de representação através da metafísica e apoiado pela linguagem cunhada a partir dela e pela sua fixação significativa, todo e qualquer discurso acerca do SEER pode ser mal interpretado em meio à relação corrente da condição para o condicionado. Não temos como ir ao encontro imediatamente desse perigo; sim, ele precisa ser assumido como um dote da metafísica, cuja história, então, não pode ser afastada, se no projeto originário do SEER a essência da história entra pela primeira vez em jogo. (tr. Casanova; GA65: 268)

O caráter completamente inabitual do SEER em face de todo ente precisa ser “experimentado” pelo homem, ele precisa ser apropriado por ele em meio ao acontecimento e levado à verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 269)

O SEER não nos lembra de “nada”, menos do que tudo, porém, ele nos lembra do “ente”: todo ente alude, em contrapartida, ao seu igual e leva adiante. Esse ente cria um hábito de representação, que logo em seguida decai, o hábito de tomar mesmo o ser (como o que há de mais universal e como o que é inteiramente lembrado, cf a anamnesis de Platão, que enuncia tal hábito) como um ente, como o “maximamente ente”. (tr. Casanova; GA65: 269)

O SEER não nos lembra de “nada”, e, por isso, o nada pertence ao SEER. Sabemos muito pouco desse pertencimento. Todavia, conhecemos uma de suas consequências, que talvez só seja aparentemente superficial, tal como ela se apresenta: nós nos intimidamos e talvez abominemos o “nada”, achando que precisamos nos empenhar incessantemente por tal condenação, porque o nada é pura e simplesmente algo nulo. O que acontece, porém, se o fundamento propriamente dito da fuga diante do nada (mal interpretado) não for a vontade de sim e do “ente”, mas a fuga diante do caráter inabitual do ser; de tal modo que, no comportamento habitual em relação ao nada, só estaria escamoteado o comportamento habitual em relação ao SEER e o desvio diante da ousadia daquela verdade, na qual todos os “ideais”, “estabelecimentos de metas”, “desejabilidades” e “resignações” são frustradas como pequenas e supérfluas? (tr. Casanova; GA65: 269)

O caráter completamente inabitual do SEER em relação a todo ente também exige, afinal, o caráter inabitual da “experiência” do SEER; a raridade de tal experiência e saber, por isso, também não é espantosa. Tal saber não se deixa pura e simplesmente produzir. Ao invés de estimular um empenho falso e infrutífero em torno de tal meta, precisamos tentar pensar simplesmente o que pertence a tal saber do inteiramente inabitual. (tr. Casanova; GA65: 269)

Se denominarmos o SEER o inabitual, então apreendemos o ente de todo e qualquer tipo e amplitude como o habitual; e isso mesmo então quando, no seu interior, algo até aqui desconhecido e novo emerge e o que se tinha até aqui cai por terra; com o tempo, nós sempre nos havemos também com ele e inserimos o ente no ente. O SEER, porém, é aquele elemento in-habitual que não apenas nunca vem à tona no interior do ente, mas também se subtrai essencialmente a todo acordo com ele. (tr. Casanova; GA65: 269)

O SEER é o in-habitual no sentido de que ele permanece intocável por tudo o que é habitual. Por isso, para saber sobre o SEER, nós precisamos sair de tudo o que é habitual. E uma vez que esse elemento habitual é nossa parte e nosso empreendimento, nós nunca conseguimos realizar algo assim por nós mesmos. O próprio SEER precisa nos lançar para fora do ente, nos des-locar, enquanto aqueles que se encontram no ente e que são cercados por ele, desse cerco. Esse cerco do homem por meio do ente consiste no elemento duplo de que ele enquanto ente pertence ele mesmo ao ente e se encontra sob o seu domínio, de que ele ao mesmo tempo, porém, tem aberto em torno de si, diante de si, sob si e atrás de si o ente enquanto tal, e isso sempre a cada vez na esfera de um todo (mundo). Esse “cerco” não significa, no entanto, nada que se precisasse alijar no sentido de uma sobrecarga casual e impertinente, mas pertence antes concomitantemente àquilo que constitui a con-frontação do homem enquanto um ente em meio ao ente com esse ente, uma con-frontação que não caracteriza, por exemplo, apenas o modo da atuação do homem (no sentido da “luta pela existência”), mas também uma estrutura essencial do seu ser. Não obstante, há aquele des-locamento do ente, que não suspende a con-frontação, mas que fundamenta e lhe doa, por isso, as possibilidades para embasamentos, nos quais o homem se cria para além de si. Esse des-locamento, porém, acontece de maneira apropriadora somente a partir do próprio SEER, sim, esse SEER não é outra coisa senão o elemento des-locador e re-pulsivo. (tr. Casanova; GA65: 269)

O des-locamento consiste no acontecimento da apropriação do ser-aí; e isso de tal modo, com efeito, que no aí que se clareia (no a-bismo do que não possui apoio nem proteção) o acontecimento da apropriação se subtrai. Des-locamento e retração se ligam ao SEER enquanto acontecimento apropriador. Neste caso, não acontece nada no interior do ente, o SEER permanece inaparente, mas pode acontecer com o ente enquanto tal de ele, voltado para a clareira do in-habitual, lançar por terra seu caráter habitual e precisar se colocar em relação à de-cisão sobre como ele satisfaz ao SEER. Isso não significa, porém, dizer como é que ele se ajustaria e corresponderia ao SEER, mas como ele, o ente, resguarda e perde a verdade da essenciação do SEER, chegando aí à sua própria essência, que consiste em tal resguardo. As formas fundamentais desse resguardo, contudo, são a abertura de uma totalidade do mundo (mundo) e o fechar-se diante de todo projeto (terra). Essas formas fundamentais só deixam emergir o resguardo e são elas mesmas na contenda, que se essencia a partir da intimidade do acontecimento da apropriação do acontecimento apropriador. Sempre a cada vez em cada um dos lados dessa contenda se encontra aquilo que nós conhecemos metafisicamente como o sensível e o não sensível. Por que, contudo, precisamente essa contenda entre mundo e terra? Porque, no acontecimento apropriador, o ser-aí acontece de maneira apropriadora e se transforma na jurisdicionalidade do homem, porque o homem é chamado para a guarda do SEER a partir da totalidade do ente. Como, porém, o elemento querelante, a partir do qual nós temos de pensar em termos da história do SEER o homem e seu “corpo”, a “alma” e o “espírito”? (tr. Casanova; GA65: 269)

O SEER des-loca, na medida em que se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento. Esse des-locamento é uma afinação, sim, o rasgo originário do próprio elemento afinador. A tonalidade afetiva fundamental da angústia suporta a exposição ao des-locamento, na medida em que esse des-locamento anula em um sentido originário, de-põe o ente enquanto tal, isto é, na medida em que esse niilizar não é nenhuma negação, mas, se é que ele pode ser interpretado a partir do comportamento que assume uma posição, uma afirmação do ente enquanto tal como o de-posto. A questão é que a niilização é justamente a própria de-posição, por meio da qual o SEER se sobreapropria enquanto de-posição da clareira do aí apropriado em meio ao acontecimento. E, por sua vez, a niilização do SEER na re-tração, inteiramente irradiada pelo nada, essencia o SEER. E somente quando tivermos nos libertado da falsa interpretação do nada a partir do ente, somente quando determinarmos a “metafísica” a partir da niilização do nada e por meio daí, ao invés de, ao contrário, degradarmos o “nada” a partir da metafísica e a partir do primado nela vigente do ente, transformando-o no mero não da determinação e mediação do ente como Hegel e todos metafísicos antes dele: somente então teremos pressentido que força da insistência no ser humano entretece a partir do “deslocamento”, agora visado como tonalidade afetiva fundamental da “ex-periência” do SEER. Por meio da metafísica, e isso significa ao mesmo tempo por meio do cristianismo, somos desencaminhados e nos habituamos a supor no “deslocamento”, ao qual pertence a angústia como o nada ao SEER, apenas o elemento desértico e sombrio, ao invés de experimentarmos nela a determinação em meio à verdade do SEER e a partir dela saber jurisdicionalmente o estado de sua essenciação. (tr. Casanova; GA65: 269)

No primeiro início, uma vez que a physis se iluminou na aletheia e como ela, o es-panto era a tonalidade afetiva fundamental. O outro início, o início do pensar da história do SEER, é a-finado e previamente determinado pelo deslocamento. Esse abre o ser-aí para a indigência da falta de indigência, em cuja proteção se esconde o abandono do ser<ser do ente. (tr. Casanova; GA65: 269)

Essenciação significa o modo como o SEER mesmo é, a saber, o SEER. O dizer “do” SEER. O SEER se essencia como a urgência do deus na guarda do ser-aí. Essa essência é o acontecimento apropriador enquanto o acontecimento apropriador, em cujo entre se estende por um lado de maneira querelante a contenda entre mundo e terra. Por outro lado, é só a partir dessa contenda que a terra chega até a sua essência (de onde e como a contenda?): o SEER, o acontecimento da apropriação que entra uma vez mais em combate para a contraposição entre os deuses e o homem. (tr. Casanova; GA65: 270)

O SEER não é nadaem si” e nada “para” um “sujeito”. Enquanto tal “em si”, a entidade só pode vir à tona, sob a figura da physis despotencializada, como idea, kathauto, como re-presentado e como objeto. Todas as tentativas, que procuraram encontrar previamente o “ser” e suas “determinações” (categorias) como algo presente à vista, decaíram em um aprisionamento radical no elemento objetivo. (tr. Casanova; GA65: 270)

Todo dizer sobre o SEER precisa denominar o acontecimento apropriador, aquele entre do entrementes de deus e ser-aí, de mundo e terra, ;empre elevando ao cerne da obra afinadora com uma clareza intermediária e de maneira decisiva o fundamento-entre como a-bismo. Esse dizer não é nunca inequívoco no sentido da inequivocidade do discurso habitual, mas ele também não é como esse discurso apenas plurissignificativo e multissignificativo. Ao contrário, ele é unicamente denominador de maneira jurisdicional daquele entre do acontecimento querelante da apropriação. (tr. Casanova; GA65: 270)

O entre é a implosão simples, que se apropria do SEER em meio ao acontecimento naquele ente até então reservado para a sua própria essência que ainda não pode ser denominado assim. Essa implosão é a clareira para o velado. A implosão, contudo, não dispersa, e a clareira não é nenhum mero vazio. (tr. Casanova; GA65: 270)

O entre implosivo reúne aquilo que ele volta para o aberto de seu pertencimento contestável e marcado pela recusa, em direção ao a-bismo, a partir do qual tudo (o deus, o homem, o mundo, a terra) se essencia de volta em si e, assim, deixa ao SEER a única decidibilidade do acontecimento da apropriação. O SEER de tal essenciação é ele mesmo nessa essência único. Pois ele se essencia como aquele choque, que talvez já tenha se anunciado como a mais extrema possibilidade de decisão da história ocidental, a possibilidade de que o SEER mesmo venha a emergir de tal essência como a urgência do deus, que precisa da guarda do homem. Essa possibilidade é ela mesma a origem “do” SEER. E o que aparece aqui comprovado com o nome do que há de mais universal e supra-histórico, segundo a opinião até aqui sobre o SEER, é por completo e antes de tudo o histórico e pura e simplesmente único. (tr. Casanova; GA65: 270)

Em que se apoia em tudo o que há de desprovido de apoio dessa questão acerca da verdade do SEER a suposição de que o choque do SEER já poderia ter lançado um primeiro abalo em nossa história? Uma vez mais em algo único: no fato de que Hölderlin precisou se tornar aquele dizente que ele é. (tr. Casanova; GA65: 270)

O SEER é o acontecimento apropriador contestador, que reúne originariamente o que é por ele apropriado em meio ao acontecimento (o ser-aí do homem) e o que é por ele recusado (o deus) no abismo daquele entre, em cuja clareira mundo e terra contestam um ao outro o pertencimento de sua essência ao campo de jogo temporal, no qual chega à preservação aquele verdadeiro que se encontra em tal preservação como o “ente”. (tr. Casanova; GA65: 270)

Enunciar desse modo o SEER não significa aprontar uma determinação conceitual, mas preparar a tonalidade afetiva do salto, a partir da qual e na qual o SEER mesmo é ressaltado como projeto para o saber que também mantém a sua essência em um primeiro momento atribuída a partir dessa verdade do SEER. (tr. Casanova; GA65: 270)

O acontecimento da apropriação e a contestação, a fundação da história e a decisão, a unicidade e a unidade, o caráter de entre e o fosso aberto: todos eles jamais denominam a essência do SEER como propriedades, mas eles nomeiam na essenciação respectivamente total de sua essência. Falar sobre um significa não apenas covisar aos outros, mas levá-los ao saber em uma unicidade histórica do poder de sua essência. Tal saber não dá a conhecer nenhum objeto, também não é nenhuma evocação e convocação de estados e posturas morais, mas é sim a transmissão do choque do próprio SEER, que funda enquanto acontecimento apropriador o campo de jogo temporal para o verdadeiro. (tr. Casanova; GA65: 270)

Caso a denominação do intuível conseguisse prestar aqui algum auxílio, seria preciso dizer do fogo que seu próprio forno se queima em um primeiro momento na dureza reunida de um sítio de sua chama, cuja labareda crescente se consome na claridade de sua luz e deixa arder aí o escuro de sua brasa, a fim de proteger como um fogareiro o meio do entre, que se torna para os deuses a morada indesejada, mas de qualquer modo necessária, assim como se torna para o homem o espaço livre da conservação daquilo que, de maneira terrena-mundana, preservando o verdadeiro, surge e perece nessa liberdade enquanto o ente. Somente se aquilo que o homem enquanto homem histórico denomina subsequentemente como ente se quebra junto ao SEER, SEER esse que é a urgência do deus, é que todo ente é retrojetado para o peso da essência que lhe cabe e, assim, chega a algo nomeável da linguagem e pertencente ao silenciamento, no qual o SEER se subtrai a todo cálculo sob o ente e, não obstante, dissipa sua essência na fundação abissal da intimidade de deuses e mundo, de terra e homem. (tr. Casanova; GA65: 270)

O SEER, a fogueira no meio da morada dos deuses, morada essa que se mostra ao mesmo tempo como o estranhamento do homem (o entre, no qual ele permanece um (o) estranho, precisamente quando ele conquista um solo natal no ente). Como encontrar o SEER? Para encontrar o fogo, não precisamos acender um fogo? Ou será que não precisamos nos contentar em antes proteger em primeiro lugar a noite? Para que evitemos os falsos dias da cotidianidade, na qual os mais falsos são aqueles que acham que também conhecem e possuem a noite, quando eles iluminam e afastam essa noite com sua luz protegida. (tr. Casanova; GA65: 270)

Tal deixar viger da abdicação a destaca essencialmente de toda e qualquer mera negação e de todo e qualquer mero negado. Abdicação é um modo de estar originário: sem apoio no desprotegido (a insistência do ser-aí). Esse modo de ficar mantém a posição da possibilidade; não de uma possibilidade qualquer e não “da” possibilidade em geral, mas da sua essência. Isso, porém, é o próprio acontecimento apropriador como a faculdade que se subtrai ao extremo para o que há de mais único do acontecimento da apropriação. Tal retração envia a mais aguda tempestade contra a abdicação e doa a ela a proximidade do a-bismo e, assim, a abertura do fosso do SEER. Isso naturalmente se mostra como a distinção do ser-aí de se “encontrar” através do desprotegido e do sem apoio descendo até o a-bismo e ultrapassando aí os deuses. (tr. Casanova; GA65: 271)

A excedência dos deuses é o ocaso na fundação da verdade do SEER. O SEER, porém, se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento para a fundação de sua verdade, isto é, de sua clareira, porque, sem essa de-cisão clareadora de si mesmo na urgência do deus e na guarda do ser-aí, ele precisaria consumir a si mesmo no fogo da própria brasa não dissolvida. Como podemos saber o quão frequentemente isso já não aconteceu? Se nós o soubéssemos, então não haveria a necessidade de pensar o SEER na unicidade de sua essência. (tr. Casanova; GA65: 271)

O ser-aí funda enquanto insistência o a-bismo ejetado no acontecimento da apropriação pelo SEER e, contudo, suportado por ela naquele ente, como o qual o homem é. Mas o ser desse ente só determina a si mesmo a partir do ser-aí, na medida em que, a partir dele, o homem é transformado na guarda da urgência dos deuses. O homem que é marcado por tal essência ainda por vir não “é” enquanto ente originariamente, mas apenas o SEER é. No entanto, o homem determinado de acordo com o modo de ser do ser-aí se distingue, de qualquer modo, uma vez mais de todo ente, na medida em que sua essência é fundada no projeto da verdade do SEER, verdade essa cuja fundação assume a responsabilidade por ele como o que é mediatamente apropriado em meio ao acontecimento para o SEER. Desse modo, o homem é excluído do SEER e, contudo, jogado precisamente na verdade do SEER, de tal modo que a exclusão é suportada de acordo com o caráter de ser-aí na rejeição como uma exclusão que se encontra ligada ao ser. O homem é como uma ponte constante no entre, como o qual o acontecimento apropriador atribui a indigência dos deuses para a guarda do homem, na medida em que ele assume a responsabilidade pelo homem e o entrega ao ser-aí. Tal assunção da responsabilidade atributiva, da qual emerge o caráter de jogado, traz o ser-aí para o arrebatamento extasiante em meio ao SEER, que aparece para nós em primeiro plano como o projeto da verdade do SEER e, em primeiríssimo lugar e antes de tudo, como o primeiro plano voltado para a metafísica como compreensão de ser. Por toda parte, entretanto, não permanece aqui nenhum lugar para a interpretação do homem como “sujeito”, nem no sentido do sujeito egoico, nem no sentido do sujeito social. O arrebatamento extasiante, porém, também não é nenhum estar-fora-de-si do homem sob a forma de um desprender-se de si. Ele fundamenta muito mais a essência da ipseidade, que significa: o homem tem sua essência (guarda do SEER) como sua proprie-dade, na medida em que ele se funda no ser-aí. Ter a essência como proprie-dade, contudo, significa: precisar levar a termo de maneira jurisdicional a apropriação e a perda do fato de que ele é e como ele é o apropriado em meio ao acontecimento (o arrebatado de maneira extasiante para o interior do SEER). Ser próprio, proprietário expresso da essência, e suportar e não suportar de maneira jurisdicional esse caráter próprio sempre de acordo com a a-bissalidade do acontecimento da apropriação: isso é o que constitui a essência da ipseidade. O caráter de si mesmo não tem como ser concebido nem a partir do “sujeito”, nem mesmo a partir do “eu” ou da “pessoalidade”. Ao contrário, ele só tem como ser concebido a partir da insistência no pertencimento de guarda ao SEER, o que significa, no entanto, a partir de um lançamento na direção da urgência dos deuses. Ipseidade é o desdobramento da propriedade da essência. O fato de o homem ter sua essência como sua propriedade diz que essa sua essência se encontra sob o risco constante da perda. E esse risco é a ressonância do acontecimento da apropriação, a entrega da responsabilidade ao SEER. (tr. Casanova; GA65: 271)

No ser-aí, para o qual o homem volta a tomar pé sobre si por meio da transformação transitória de sua essência, só tem sucesso uma preservação do SEER naquilo que aparece pela primeira vez por meio daí como um ente. Se é dito em Ser e tempo que, através da “analítica existencial”, o ser<ser do ente não humano se torna pela primeira vez determinável, então isso não significa que o homem seria o ente em primeiro lugar e de saída dado e que seria de acordo com a sua dotação de medida que os outros entes obteriam a cunhagem de seu ser. Tal “interpretação” supõe que o homem continuaria sendo sempre pensado ao modo de Descartes e de todos os seus sucessores e meros adversários (mesmo Nietzsche está entre eles) como sujeito. Isso, porém, é para nós a meta mais imediata: não estabelecer mais em geral o homem como um subjectum, uma vez que nós o compreendemos de antemão a partir da questão do SEER e apenas assim. Se, contudo, apesar disso, o ser-aí ganhar o primeiro plano, então isso significa: o homem, concebido de acordo com o ser-aí, funda sua essência e o caráter próprio de sua essência no projeto do ser e se mantém, por isso, em todo comportamento e em todo modo realizado de se comportar no âmbito da clareira do SEER. Esse âmbito, no entanto, não é inteiramente humano, isto é, não é determinável e sustentável por meio do animal rationale, nem tampouco por meio do subjectum. O âmbito não é em geral nenhum ente, mas pertence à essenciação do SEER. Concebido de acordo com o ser-aí, o homem é aquele ente que, sendo, pode perder a sua essência e, com isso, sempre está certo de si mesmo da maneira mais incerta e ousada possível, o que acontece, porém, com base na entrega à responsabilidade pela guarda do SEER. O primado do ser-aí não é apenas o oposto de todo e qualquer tipo de humanização do homem, ele também fundamenta uma história completamente diversa da essência do homem, que nunca tem como ser concebida a partir da metafísica e, por isso, também não a partir da “antropologia”. Isso não exclui, mas inclui o fato de que o homem agora ainda é mais essencial para o SEER, por mais que ele venha a ser avaliado como mais desimportante a partir do “ente”. (tr. Casanova; GA65: 271)

O ser-aí é a fundação do abismo do SEER por meio da requisição do homem como aquele ente, que assume sobre si a responsabilidade pela guarda da verdade do SEER. Com base no ser-aí, o homem se transforma pela primeira vez naquele ente, para o qual a ligação com o SEER destina o decisivo, o que ao mesmo tempo indica que o discurso sobre uma ligação com o SEER expressa na verdade aquilo que deve ser pensado em seu contrário. Pois a ligação com o SEER é em verdade o SEER, que volta, enquanto acontecimento apropriador, o homem para a sua ligação. Por isso, múltiplas interpretações falsas cercam aquela “relação”, que se indica por meio do título “O homem e o SEER”. (tr. Casanova; GA65: 271)

1) A que pico devemos subir para que possamos visualizar livremente o homem em sua indigência essencial? Ao fato de sua essência ser para ele uma propriedade e, por isso, uma perda, e, em verdade, a partir da essenciação do SEER. Por que tais picos são necessários e ao que eles visam? 2) O homem se desencaminhou de maneira obtusa no que é “apenas” ente ou ele foi impelido a isso pelo SEER? Ou será que ele foi simplesmente pendurado pelo SEER e entregue a um egoísmo? (Essas questões movimentam-se na diferenciação entre ser e ente). 3) O homem, o animal pensante, como fonte subsistente das paixões, impulsos, dos estabelecimentos de metas e valorações, dotado de um caráter etc. Esse elemento a qualquer momento constatável, que pode contar seguramente com a concordância de todos, sobretudo quando todos estão de acordo em não perguntar mais e não deixar ser senão aquilo que para cada um é: a) Como o que nós nos deparamos com o homem. b) O fato de que nós nos deparemos com ele. 4) O homem é o que retorna no livre lançamento (projeto jogado); nós precisamos compreender ser, quando… 5) O homem, o guardião da verdade do SEER (fundação do ser-aí). 6) O homem, nem “sujeito”, nem “objeto” da “história”, mas apenas o ente mobilizado pelo vento da história (acontecimento apropriador) e arrastado concomitantemente para o interior do SEER, pertencente ao SEER. Clamor da urgência, assunção da responsabilidade em meio à guarda. 7) O homem como o estrangeiro no lance livre expelido, o estrangeiro que não retorna mais do abismo e mantém nessa estrangeiridade a vizinhança longínqua. (tr. Casanova; GA65: 272)

Até aqui, o homem nunca foi historicamente. Muito ao contrário, ele “teve” e “tem” uma história. A questão é que esse ter história revela ao mesmo tempo o modo de ser da “história”, que é a única a ser visada aqui. A história é determinada por toda parte a partir do “historiológico”; e isso lá onde se acredita apreender por si mesmo a efetividade histórica e demarcá-la em essência; isso acontece em parte “ontologicamente”: a realidade efetiva histórica como realidade efetiva do devir, em parte “epistemologicamente”: a história como o passado constatável. As duas interpretações são dependentes daquilo que tornou possível a “ontologia” e a “teoria do conhecimento”, isto é, elas são dependentes da metafisica. É aqui que precisam ser procurados os pressupostos para a historiologia. Mas se o homem deve ser histórico e se a essência da história deve ganhar o espaço do saber, então é preciso sobretudo que a essência do homem se torne questionável e o ser se torne digno de questão, pela primeira vez digno de questão. Somente na essência do próprio SEER, o que significa ao mesmo tempo em sua ligação com o homem, que está à altura de tal ligação, é que a história pode ser fundada. (tr. Casanova; GA65: 273)

Se o homem alcança naturalmente a história e se sua essência se abate sobre o ente, se a historiologia pode ser aniquilada, isso é algo que não tem como ser calculado; isso se acha junto ao próprio SEER. (tr. Casanova; GA65: 273)

Em suas formas prévias, em sua formação em direção à ciência, na trivialização e no acordo que transformam a ciência em um cálculo comum, a historiologia é inteiramente uma consequência da metafísica. Isso, porém, significa: uma consequência da história do SEER, do SEER como história, por mais que o SEER e a história permaneçam completamente velados, sim, se retenham até mesmo no velamento. (tr. Casanova; GA65: 273)

O SEER como acontecimento apropriador é a história; a partir daqui, sua essência precisa ser determinada independentemente da representação do devir e do desenvolvimento, independentemente da consideração e explicação historiológicas. Por isto, a essência da história também não tem como ser apreendida, caso se esteja dirigido para o “objeto” historiológico e para o que se encontra contraposto historiologicamente, ao invés de se partir do “sujeito” historiológico (investigador). O que deve ser, afinal, o objeto da historiologia? A “historiologia objetiva” é uma meta in-alcançável? Ela não é absolutamente nenhuma meta. Então também não há nenhuma historiologia “subjetiva”. Na essência da historiologia está o fato de que ela se funda na relação sujeito-objeto; ela é objetiva, porque ela é subjetiva, e, na medida em que ela é subjetiva, ela também precisa ser objetiva; por isso, uma “oposição” entre historiologia “subjetiva” e “objetiva” não tem absolutamente nenhum sentido. Toda historiologia termina no biografismo antropológico-psicológico. (tr. Casanova; GA65: 273)

Preservação do SEER (preservação em termos da história dotada do caráter do acontecimento apropriador). Por quê? Para chegarem à verdade no ente, os deuses são inteiramente afinados por si tanto quanto o SEER vai se apagando, sem se extinguir. Mas o perigo. O ente “na totalidade”? A “totalidade” ainda tem agora uma necessidade? Ela não se decompõe como o derradeiro resto do pensar “sistemático”? O quão velho é na história do ser o holon? Tão velho quanto o hen? (O primeiro conceito, por meio do qual a physis é reunida na constância da presentação.) (tr. Casanova; GA65: 275)

O Romantismo ainda não foi levado até o fim. Ele busca uma vez mais uma transfiguração do ente, que, porém, só está agora empenhada em se construir como re-ação contra a explicação corrente e o cálculo sobre ela ou em se anexar a eles. A renovação historiológica da “cultura” é “conclamada” para essa transfiguração e seu enraizamento no “povo” é empreendido, assim como a comunicação para todos é aspirada. Essa popularização da “metafísica” provoca uma vivificação do que se tinha até aqui; o que tinha sido deixado alquebrado cai uma vez mais no campo da atenção e é protegido, de tal modo que ele é elevado ao nível de um gozo e de uma elevação. E na comparação com aquilo que aparentemente envelheceu, algo novo parece se erigir. Não obstante, tudo se movimenta na ausência de decisão, na medida em que o ente mesmo permanece inquestionado com vistas ao SEER e desaparece sem chamar a atenção apesar de sua difusão e vivificação, só deixando para trás o elemento objetual como a sua aparência. (tr. Casanova; GA65: 275)

1) A linguagem como enunciado e como dito. 2) O dizer do SEER. 3) O SEER e a origem da linguagem. A linguagem é a ressonância que pertence ao acontecimento apropriador, ressonância essa na qual ele se doa como contestação da contenda em meio a essa contenda mesma (terramundo) (a consequência: o desgaste e o mero uso da linguagem). 4) A linguagem e o homem. Será que a linguagem é dada com o homem ou será que é com o homem que a linguagem é dada? Ou será que uma coisa não se torna e não é por meio da outra de modo algum duas coisas diversas? E por quê? Porque os dois pertencem de maneira cooriginária ao SEER. Por que o homem pertence “essencialmente” à determinação da essência da linguagem – o homem como? Guardião da verdade do SEER. 5) O animal rationale e a falsa interpretação da linguagem. 6) Linguagem e lógica. 7) A linguagem, a entidade e o ente. (tr. Casanova; GA65: 276)

Se levarmos em consideração o fato de que “a” linguagem em geral nunca é, mas que a linguagem só pode ser como a-histórica (“linguagem” dos assim chamados povos naturais) e como histórica, então mensuraremos para além daí o quão obscura permanece para nós a essência da história, apesar da compreensibilidade da historiologia; então, todas as tentativas de apreender a “essência” da linguagem parecerão se confundir imediatamente no começo do caminho; e toda reunião historiológica de pontos de vista até aqui sobre a linguagem pode até ser instrutiva, mas ela nunca consegue nos lançar para além do campo de ligação metafisicamente fixado da linguagem com o homem e com o ente. Isso, porém, já se mostra de qualquer modo como a primeira questão: saber se, então, com a interpretação histórica e até mesmo inicialmente necessária da linguagem a partir do logos e com a inserção assim prelineada no campo de ligação metafísico, a possibilidade da determinação essencial da linguagem não teria sido restrita ao espaço de meditação da metafísica. Se, então, porém, a metafísica mesma e seu questionamento em sua restrição essencial à questão acerca da entidade são reconhecidos e se se consegue alcançar a intelecção de que, em meio a essa questão metafísica acerca do ente na totalidade, nem tudo e precisamente o mais essencial dentre tudo o que é ainda não pôde ser de modo algum interrogado, a saber, o SEER mesmo e sua verdade, então se abre aqui uma outra perspectiva: o SEER e nada menos do que a sua essenciação mais própria poderia até mesmo constituir aquele fundamento da linguagem, a partir do qual ela criou o caráter apropriado de determinar pela primeira vez por si mesma aquilo, em relação ao que ela é explicada metafisicamente. (tr. Casanova; GA65: 276)

A primeira questão efetiva, com a qual toda filosofia da linguagem enquanto tal (isto é, enquanto metafísica da linguagem e, consequentemente, enquanto psicologia da linguagem etc.) se torna imediatamente caduca, é a questão acerca da ligação da linguagem com o SEER, uma questão que, naturalmente, sob essa forma, não toca naquilo que ela questiona. Essa ligação, porém, se deixa elucidar em uma via que ainda vislumbra ao mesmo tempo aquele âmbito, que sempre foi diretriz na consideração da linguagem até aqui. (tr. Casanova; GA65: 276)

Segundo a determinação bem compreendida e até hoje válida do homem como animal rationale, a linguagem é dada com o homem e isso de maneira tão certa que se pode dizer mesmo na inversão que é apenas com a linguagem que o homem é dado. Linguagem e homem se determinam de modo alternante. Por meio do que isso se torna possível? As duas coisas são em certo aspecto o mesmo? E em que aspecto elas são o mesmo? Por força de seu pertencimento ao SEER. O que significa isso: pertencer ao SEER? O homem pertence enquanto um ente ao ente e está submetido, assim, à mais universal determinação de que ele é e de que ele é de tal e tal modo. A questão é que isso não distingue o homem enquanto homem, mas apenas o equipara enquanto ente a todo ente. O homem, porém, pode pertencer ao SEER (não apenas ao ente), na medida em que ele cria a partir desse pertencimento e precisamente a partir dele a sua essência mais originária: o homem compreende o SEER (cf Ser e tempo); ele é o guarda-posto do projeto do SEER, a guarda da verdade do SEER constitui isso a partir do SEER e “apenas” a partir dessa essência concebida do homem. O homem pertence ao SEER como aquele que é apropriado pelo próprio SEER em meio ao acontecimento para a fundação de sua verdade. Assim apropriado, ele é entregue à responsabilidade do SEER; ao mesmo tempo, tal responsabilidade remete a conservação e a fundação da essência do homem para aquilo que o homem precisa primeiro transformar para si em propriedade, aquilo com relação ao que ele precisa ser mais próprio e mais impróprio: para o ser-aí, o que significa a própria fundação da verdade, o a-bismo exposto e sustentado pelo SEER (acontecimento apropriador). Como é, contudo, que a linguagem se comporta em relação ao SEER? Se não podemos computar a linguagem como algo dado e, com isso, já estabelecido na essência, uma vez que o que importa é “encontrar” a essência, e se o SEER mesmo é “mais essencial” do que a linguagem, na medida em que ela é tomada como um dado (ente), então a pergunta precisa ser formulada de outro modo. Como é que o SEER se comporta em relação à linguagem? Mas mesmo assim a questão é ainda capaz de induzir em uma falsa interpretação, na medida em que aparece agora como mera inversão da relação anterior e a linguagem, por sua vez, é considerada como um dado, com o qual o SEER entra em ligação. Como é que o SEER se comporta em relação à linguagem – o que está em questão aqui é: como emerge na essenciação do SEER a essência da linguagem? Com isso, porém, uma resposta já não é antecipada: justamente que a linguagem emerge do SEER? Mas toda e qualquer autêntica questão acerca da essência, determinada como projeto a partir do que precisa ser projetado, antecipa a resposta. A essência da linguagem nunca pode ser determinada de outro modo senão por meio da denominação de sua origem. Por isso, não se pode fornecer definições da essência da linguagem e declarar a questão acerca de sua origem irrespondível. A questão acerca da origem encerra naturalmente em si a determinação essencial da origem e do próprio emergir. Emergir, contudo, significa: pertencer ao SEER no sentido da questão por último colocada: como se essencia na essenciação do SEER a linguagem? Que, contudo, essa ligação com o SEER não seja em geral nenhuma exposição arbitrária, isso foi algo que a consideração prévia deixou claro. Pois, em verdade, aquela dupla ligação metafísica (só que não pensada de volta à origem) da linguagem com o ente enquanto tal e com o homem (como animal rationale, ratio – fio condutor da interpretação do ente com vistas à entidade, isto é, o ser) não indica outra coisa senão: a linguagem está inteiramente ligada ao ser; e isso precisamente nos aspectos, segundo os quais a metafísica a determina. Mas como a metafísica só é em geral a partir do impasse em relação ao SEER o que ela é, precisamente essa ligação e completamente a sua concepção correta nunca pode alcançar o âmbito de seu questionamento. (tr. Casanova; GA65: 276)

A linguagem emerge do SEER e pertence, por isso, a ele. Assim, tudo reside uma vez mais no projeto e no pensamento “do” SEER. Mas agora precisamos pensar o SEER de tal modo que nos lembremos aí ao mesmo tempo da linguagem. Mas como é que devemos agora conceber “a linguagem”, sem nos atermos antecipadamente à determinação da essência que precisa ser primeiro conquistada? Segundo tudo aquilo que foi insinuado, naturalmente de tal modo que a linguagem se torne experimentável em sua ligação com o SEER. Como é, porém, que isso acontece? “A” linguagem é “nossa” linguagem; “nossa” não apenas como a linguagem materna, mas como a linguagem de nossa história. E, com isso, se abate sobre nós o que há de derradeiramente questionável da meditação sobre “a” linguagem. (tr. Casanova; GA65: 276)

Nossa história – não como o transcurso historiologicamente conhecido de nossos envios destinamentais e de nossas realizações, mas nós mesmos no instante de nossa ligação com o SEER. Pela terceira vez caímos no abismo dessa ligação. E, dessa vez, não sabemos nenhuma resposta. Pois toda meditação sobre o SEER e sobre a linguagem é apenas um impulso prévio, para tocarmos nosso “posto” no próprio SEER e, com isso, nossa história. Mas mesmo se nós quisermos apreender nossa linguagem em sua ligação com o SEER, o que há de mais corrente da determinação metafísica até aqui da linguagem se aferroa a esse questionamento, uma determinação da qual também não pode ser dito francamente que ela seria inteiramente não verdadeira; e isso sobretudo porque ela, porém, ainda que veladamente, tem em vista precisamente a linguagem em sua ligação com o SEER (com o ente enquanto tal e com o homem que representa e pensa o ente). Bem próximo do caráter enunciativo da linguagem (enunciado considerado aqui no sentido mais amplo possível, no sentido de que a linguagem, o dito e o não dito, visa a, representa, configura ou encobre de maneira representacional algo (o ente) etc.) é a linguagem conhecida como posse e como instrumento do homem e como “obra” ao mesmo tempo. Esse nexo da linguagem com o homem, porém, é considerado como sendo tão íntimo que até mesmo as determinações fundamentais do próprio homem (como animal rationale por sua vez) são escolhidas para tanto, a fim de caracterizar a linguagem. A essência espiritual-corpóreo-anímica do homem é reencontrada na linguagem. O corpo (vernáculo) da palavra, a alma da linguagem (tonalidade afetiva, tom sentimental e coisas do gênero) e o espírito da linguagem (o representado-pensado) são determinações correntes de toda filosofia da linguagem. Essa interpretação da linguagem poderia ser denominada interpretação antropológica e ela tem seu ápice no fato de se ver na própria linguagem um símbolo da essência do homem. Se aqui a questionabilidade da ideia de símbolo (um filho autêntico do impasse em relação ao SEER que vigora na metafísica) é recolocada, então o homem precisaria ser concebido de acordo com isso como aquele ser que tem sua essência em seu próprio símbolo ou na posse desse símbolo (logon echon). Permanece em aberto até que ponto essa interpretação simbólica – pensada metafisicamente até o fim – da linguagem pode ser levada no pensar da história do ser para além de si e até que ponto algo frutífero pode nascer daí. É inegável que, juntamente com aquilo que fornece na linguagem o apoio para o fato de que ela pode ser concebida como símbolo do homem, se toca em algo que é de algum modo próprio à linguagem: o teor da palavra e a sua casca, a afinação da palavra e o significado da palavra, por mais que já pensemos uma vez mais no campo de visão dos aspectos que emergem da metafísica com vistas ao sensível, ao não sensível e ao suprassensível; e isso mesmo que não tenhamos em vista pela “palavra” as palavras particulares, mas o dizer e o silenciar do dito e não dito e esse não dito mesmo. A casca da palavra também pode ser reconduzida a elementos da constituição anatômico-fisiológica do corpo humano e explicada a partir daí (fonética – acústica). Algo desse gênero é a afinação da palavra e a melodia da palavra, assim como o acento sentimental do dizer é objeto da explicação psicológica e o significado da palavra é uma questão da decomposição lógico-poético-retórica. A dependência dessa explicação e decomposição da linguagem em relação à concepção do homem é patente. (tr. Casanova; GA65: 276)

Se, então, porém, com a superação da metafísica, a antropologia também cai por terra, se a essência do homehomem é determinada a partir do SEER, então aquela explicação antropológica da linguagem não pode mais permanecer normativa; ela perde aí seu fundamento. Não obstante, agora permanece até mesmo em pleno poder aquilo que foi captado como corpo, como alma, como espírito da linguagem junto a essa explicação. O que é isso? Pensando de maneira correspondente à história do ser, não podemos proceder agora simplesmente de um modo tal, que interpretemos a essência da linguagem a partir da determinação do homem em termos da história do ser? Não; pois sempre permanecemos com isso ainda presos na ideia de símbolo; antes de tudo, no entanto, não se estaria levando a sério assim a tarefa de ver a partir da essenciação do próprio SEER a origem da linguagem. (tr. Casanova; GA65: 276)

Eras, que conhecem muitas coisas e quase tudo por meio do historicismo, não compreenderão que um instante de uma história sem arte pode ser mais histórico e mais criador do que tempos de um funcionamento artístico extenso. A ausência de arte não emerge aí da incapacidade e da decadência, mas da força do saber sobre as decisões essenciais, por meio das quais esse saber precisa progredir, o que aconteceu até aqui, de maneira bastante rara, como arte. Na esfera de visão desse saber, a arte perdeu a ligação com a cultura; ela só se manifesta aqui como um acontecimento apropriador do SEER. A ausência de arte funda-se no saber de que o exercício de capacidades consumadas a partir do domínio maximamente perfeito das regras até mesmo segundo os critérios de medida e os paradigmas supremos até aqui nunca pode se mostrar como “arte”; de que o erigir planificado de uma produção daquilo que corresponde a “obras de arte” até aqui e às suas “finalidades” pode alcançar resultados abrangentes, sem que uma necessidade originária da essência da arte de levar à decisão a verdade do SEER jamais se imponha a partir de uma indigência; de que uma empresa com “a arte” enquanto meio de funcionamento já se coloca por si só fora da essência da arte e, por isso, já permanece cega e fraca demais, para experimentar a ausência de arte em seu poder preparador da história e atribuído ao SEER ou mesmo para deixá-lo “vigorar”. A ausência de arte se funda no saber de que a ratificação e concordância daqueles que gozam e vivenciam a “arte” não podem de modo algum decidir se o objeto do gozo em geral provém da esfera essencial da arte ou é apenas um construto aparente de uma habilidade historiológica, sustentada pelo estabelecimento de metas dominantes. (tr. Casanova; GA65: 277)

I. A sentença de Schinkel: “Foi junto ao sentido do povo grego, deixando para trás por toda parte a recordação de sua existência e de sua atuação para o mundo posterior, que surgiu a atividade artística multifacetada…” 1) Junto ao sentido: “ocasionalmente” ou “a partir” do sentido? 2) Só se está colocando um peso sobre a explicação do surgimento do caráter multifacetado da arte ou sobre a própria explicação da arte? 3) Atividade artística: deixar surgir “a arte” e o ser ativo nela ou a própria essência da arte pela primeira vez como necessários? O ser ativo nela, diferente de “fundamento”, direções e camadas diversas da fundamentação como “surgimento”: a) Fundamento da essência (origem da essência a partir da essenciação do SEER) cf abaixo VI. b) Ocasião, encargos, imitação. c) Choques e impulsos (carências e pulsões). d) Condições (disposições, habilidades). e) agon, o exceder-se, mas isso também não como recorde, mas doxa. f) O fundamento humano do agon. 4) “Mundo posterior”, indeterminado: a) pensado de maneira modernamente historiológica, Ocidente, formação histórica, “eternizar”. b) grego, para o próprio povo, o que significa, porém, então, nenhuma “eternidade”, não que justamente os posteriores (quaisquer ou mesmo o Ocidente) tenham disso historiologicamente uma memória, “recordação” (pensamento rememorante), mas manter junto a si os próprios gregos como sua posse; permanecer presente em sua presentação (doxa), também não “nacional”, mas metafísico. (tr. Casanova; GA65: 278)

Não a partir da “religião”; não como algo presente à vista; não como saída de emergência do homem, mas a partir do SEER, mas como sua decisão, futuramente na unicidade do último. Por que precisamos ousar essa decisão? Porque, com isso, a necessidade do SEER é alçada ao nível da mais elevada questionabilidade e a liberdade do homem, segundo a qual ele pode estabelecer o preenchimento de sua essência no que há de mais profundo, é precipitada na a-bissalidade porque, assim, o ser é trazido para a verdade da mais simples intimidade do acontecimento de sua apropriação. E o que “é” então? Então essa questão se torna pela primeira vez impossível; então, por um instante, o acontecimento da apropriação se mostra como acontecimento apropriador. Esse instante é o tempo do ser. (tr. Casanova; GA65: 279)

O SEER, porém, é urg-ência do deus, urg-ência essa na qual o deus se encontra pela primeira vez. Por que, contudo, o deus? Por que a urg-ência? Porque o abismo permanece velado? Como há uma ex-cedência, os ex-cedidos são apesar de tudo os mais elevados. De onde provém a ex-cedência, o a-bismo, o fundamento, o ser? Em que consiste a divindade dos deuses? Por que o SEER? Porque se têm os deuses? Por que os deuses? Por que o SEER? (tr. Casanova; GA65: 279)

O acontecimento apropriador e a possibilidade do porquê! Será que o porquê ainda pode ser transformado em um tribunal, diante do qual precisamos colocar o SEER? Por que, porém, a verdade do SEER? Ela pertence à sua essência! Por que ente? Porque um ente supremo provoca, produz tal ente? Mas sem levarmos em conta o elemento desmedido da fabricação, o ente supremo, o summum ens, pertence com maior razão ao ente. Como é que, a partir daí, a pergunta sobre o porquê pode ser respondida? Por que ente? Por quê? Em razão do quê? Em que medida? Razões! Razão e origem do porquê. A cada vez para além do ente. Para onde? Porque o ser se essencia. Por que SEER? A partir dele mesmo. Mas o que é esse mesmo? A sondagem do fundamento do SEER, a sondagem de seu fundamento, é o entre do SEER como a-bismo. O saber abissal como ser-aí. Ser-aí como apropriado em meio ao acontecimento. Sem fundamento; abissal. (tr. Casanova; GA65: 279)

A questão transitória (por que há em geral ente e não antes nada? Cf. Semestre de verão de 1935) pergunta sobre o ente e é assim de saída que ela precisa ser desdobrada, a fim de nos colocar de repente diante de um passo essencial – o pairar do SEER. Assim como já acontece com o questionar metafísico dessa questão, uma vez que ele é levado ao seu extremo (diferença em relação à Idade Média e Leibniz, Schelling), uma vez que ele é colocado no “espaço” do SEER, o mesmo se dá com o curso em direção ao salto no SEER. A figura metafísica da questão: causa suprema, ens entium! Nenhuma resposta, porque não questionado. E o nada? Sua consistência? E o porquê? Seu fundamento? E a questão mesma? Como pensar “do” SEER. (tr. Casanova; GA65: 280)