O utensílio sacrificial não se deve, porém, apenas à prata. No cálice, o que se deve à prata aparece na figura de cálice e não de um broche ou anel. O utensílio do sacrifício deve também o que é ao perfil (eidos) de cálice. Tanto a prata, em que entra o perfil do cálice, como o perfil, em que a prata aparece, respondem, cada uma, a seu modo, pelo utensílio do sacrifício. (GA7, pag. 14)
O ourives reflete e recolhe numa unidade os três modos mencionados de responder e dever. Refletir diz, em grego, legein, logos. Funda-se no apophainestai, no fazer aparecer. O ourives é também responsável, como aquilo de onde parte e que preserva o apresentar-se e repousar em si do cálice sacrificial. Os três modos anteriores de responder devem à reflexão do ourives o fato e o modo em que eles aparecem e entram no jogo de pro-dução do cálice sacrificial. (GA7, pag. 15)
Para nos precavermos dos mal-entendidos acima mencionados sobre o que é dever e responder, tentemos esclarecer seus quatro modos, a partir daquilo pelo que respondem. Segundo o exemplo dado, eles respondem pelo dar-se e propor-se do cálice, como utensílio sacrificial. Dar-se e propor-se (hipokeistai) designam a vigência de algo que está em vigor. É que os quatro modos de responder e dever levam alguma coisa a aparecer. Deixam que algo venha a viger. (GA7, pag. 15)
Onde, porém, se joga o jogo de articulação dos quatro modos de deixar-viger? Eles deixam chegar à vigência o que ainda não vige. Com isto, são regidos e atravessados, de maneira uniforme, por uma condução que conduz o vigente a aparecer. Platão nos diz o que é essa condução numa sentença do Banquete (205b): (citação em grego) “Todo deixar-viger o que passa e procede do não-vigente para a vigência é poiesis, é pro-dução”. (GA7, pag. 16)
Uma pro-dução, poiesis, não é apenas a confecção artesanal e nem somente levar a aparecer e conformar, poética e artisticamente, a imagem e o quadro. (GA7, pag. 16)
Assim, os modos do deixar-viger, as quatro causas, jogam no âmbito da pro-dução e do pro-duzir. É por força deste último que advém a seu aparecimento próprio, tanto o que cresce na natureza como também o que se confecciona no artesanato e se cria na arte. Mas como é que se dá e acontece a pro-dução e o pro-duzir, seja na natureza, seja no artesanato, seja na arte? O que é a pro-dução e o pro-duzir em que jogam os quatro modos de deixar-viger? O deixar-viger concerne à vigência daquilo que, na pro-dução e no pro-duzir, chega a aparecer e apresentar-se. (GA7, pag. 16)
A usina hidroelétrica posta no Reno dis-põe o rio a fornecer pressão hidráulica, que dis-põe as turbinas a girar, cujo giro impulsiona um conjunto de máquinas, cujos mecanismos produzem corrente elétrica. As centrais de transmissão e sua rede se dis-põem a fornecer corrente. Nesta sucessão integrada de disposições de energia elétrica, o próprio rio Reno aparece, como um dis-positivo. A usina hidroelétrica não está instalada no Reno, como a velha ponte de madeira que, durante séculos, ligava uma margem à outra. A situação se inverteu. Agora é o rio que está instalado na usina. (GA7, pag. 20)
Que desencobrimento se apropria do que surge e aparece no pôr da exploração? Em toda parte, se dis-põe a estar a postos e assim estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-ponível para ulterior disposição. (GA7, pag. 20)
Pois a força de ex-ploração, que reúne e concentra o desencobrimento da dis-posição, já está regendo a própria física, mesmo sem que apareça, como tal, em sua propriedade. (GA7, pag. 25)
A técnica moderna precisa utilizar as ciências exatas da natureza porque sua essência repousa na com-posição. Assim nasce a aparência enganosa de que a técnica moderna se reduz à aplicação das ciências naturais. Esta aparência apenas se deixa manter enquanto não se questionar, de modo suficiente, nem a proveniência da ciência moderna e nem a essência da técnica moderna. (GA7, pag. 26)
A liberdade é o que aclarando encobre e cobre, em cuja clareira tremula o véu que vela o vigor de toda verdade e faz aparecer o véu como o véu que vela. A liberdade é o reino do destino que põe o desencobrimento em seu próprio caminho. (GA7, pag. 28)
Cresce a aparência de que tudo que nos vem ao encontro só existe à medida que é um feito do homem. Esta aparência faz prosperar uma derradeira ilusão, segundo a qual, em toda parte, o homem só se encontra consigo mesmo. (GA7, pag. 29)
A com-posição encobre, sobretudo, o desencobrimento, que, no sentido da poiesis, deixa o real emergir para aparecer em seu ser. Ao invés, o pôr da ex-ploração impele à referência contrária com o que é e está sendo. Onde reina a com-posição, é o direcionamento e asseguramento da dis-ponibilidade que marcam todo o desencobrimento. Já não deixam surgir e aparecer o desencobrimento em sisi mesmo, traço essencial da dis-ponibilidade. (GA7, pag. 30)
Pensemos esta palavra de Hölderlin com todo o cuidado: o que significa “salvar”? Geralmente, achamos que significa apenas retirar, a tempo, da destruição o que se acha ameaçado em continuar a ser o que vinha sendo. Ora, “salvar” diz muito mais. “Salvar” diz: chegar à essência, a fim de fazê-la aparecer em seu próprio brilho. (GA7, pag. 32)
Todo vigente dura. Mas será mesmo que só é duradouro o que perdura e permanece? Será mesmo que a essência da técnica vige no sentido da duração de uma ideia que paira acima de tudo que é técnico, a ponto de se formar a aparência: o termo “a técnica” é uma abstração mítica? Ora, só se pode perceber, como vige a técnica, pela continuidade da duração em que a com-posição se dá e acontece em sua propriedade, no envio de um descobrimento. (GA7, pag. 33)
De outro lado, a com-posição se dá, por sua vez, em sua propriedade na concessão que deixa o homem continuar a ser até agora sem experiência nenhuma mas talvez no porvir com mais experiência o encarecido pela verificação da essência da verdade. Nestas condições é que surge e aparece a aurora do que salva. (GA7, pag. 35)
Será, então, que um desencobrimento concedido de modo mais originário seria capaz de fazer aparecer, pela primeira vez, a força salvadora no meio do perigo que, na idade da técnica, mais encobre do que mostra? (GA7, pag. 36)