lethe

λήθη, ληθε, λανθάνει, lathanei, λανθάνομαι, lanthanomai, lath, λάθε, lathe, ἐλάνθανε, elanthane, λαθών, λαθόν, lathon, λάθρα, lathra

Mas isso parece somente assim, antes de tudo, porque traduzimos uma conhecida palavra grega da raiz λαθ, à qual pertence ἀλήθεια, de modo que ao traduzir λανθάνομαι o essencial se perde. Segundo o dicionário, λανθάνομαι significa “esquecer”. Todo homem entende o que isso significa. Todos experimentam diariamente o “esquecer”. Entretanto, o que é isso? O que pensam realmente os gregos, quando expressam pela palavra λανθάνεσθαι o que chamamos de “esquecer”?

Inicialmente, faz-se necessária uma clarificação de λανθάνειν. Λανθάνω significa “eu estou oculto”. O particípio aoristo deste verbo é λαθών, λαθόν. Aqui temos a palavra contrária procurada para ἀληθές. Λαθόν é o ente que é oculto; λάθρα significa “de modo oculto”, “secretamente”. Λαθόν diz o que permanece oculto, o que se (42) mantém escondido. Entretanto, λαθόν, o ente que é oculto, não é a palavra contrária para ἀληθές, o “desencoberto” – enquanto na palavra contrária para desencoberto se pensa no falso. Pois o oculto não é, imediatamente, o falso. Mas, presumivelmente, de outro lado, το ψεῦδoς, o falso, permanece na sua essência sempre uma espécie de oculto e de ocultamento. Talvez devamos de fato compreender tò ψεῦδoς a partir de ocultar e do ser oculto, especialmente quando as palavras da raiz “ocultar” e “oculto” têm no interior da fala e do pensamento gregos uma força semântica dominante. E, de fato, isso elas têm. Só que esta se perdeu completamente na linguagem latina e românica, como também em nosso modo germânico próprio de falar e pensar. Antes de explicitar a essência do ψεῦδoς assim como é pensada pelos gregos, temos de tomar conhecimento do fato de que e em que medida ο λανθάνειν, o ser oculto, é essencial em todo o aparecer do ente para o homem grego. Λανθάνω significa: eu permaneço oculto. Homero faz (Odisséia Θ (8)) o cantor Demódoco, depois do banquete festivo no palácio do rei dos feácios, contar sobre a pesada sorte que recaiu sobre os gregos diante de Tróia. Por causa de sua tristeza com a lembrança desse tempo, Odisseu cobre sua cabeça com o seu casaco (Θ, 93): (…)

“Mas então ele (Odisseu) derramou lágrimas, sem que todos os outros o percebessem,
Alcino unicamente observou atentamente a tristeza…”

A tradução alemã de Voss aparentemente chega mais perto da palavra grega porque, num certo modo, integra a palavra ἐλάνθανε presente no verso 93:

“A todos os demais hóspedes ele escondeu suas lágrimas borbulhantes.” (43)

Mas ἐλάνθανε não diz transitivamente “ele escondeu”; λανθάνω não significa: eu escondo, e sim: eu estou oculto; ἐλάνθανε, dito de Odisseu, significa: ele (Odisseu) permaneceu oculto. “Literalmente”, e pensado de modo grego, Homero diz: “Mas, lá, em relação a todos os outros, ele permaneceu velado como quem derrama lágrimas”. De acordo com nosso modo de falar e pensar é, linguisticamente, mais correto traduzir: “Odisseu, não percebido pelos outros, derramou lágrimas.” O pensar grego entende de modo oposto e numa tal extensão que “velar” no sentido de permanecer velado é precisamente a palavra normativa. Os gregos dizem: Odisseu permaneceu velado aos outros como alguém que derrama lágrimas.

Numa outra passagem da Ilíada X (22), verso 277, encontramos uma situação semelhante. Num duelo com Heitor, Aquiles não o acertou com seu primeiro golpe de lança, pois Heitor tinha se abaixado. A lança golpeou o chão: (…)

Voss traduz:

“a deusa agarrou-a (a lança) e imediatamente devolveu-a para o pelediano, não percebido pelo belicoso Heitor”.

Isso é “bem” pensado e falado na língua portuguesa: não percebido por Heitor, Atenas devolveu a Aquiles sua lança. Pensado, entretanto, no modo de ser grego, isso significa: Atenas manteve-se velada diante de Heitor ao devolver a lança. Vemos uma vez mais como “velado” perfaz o traço fundamental do comportamento da deusa; este traço fundamental é que dá à sua ação particular o caráter do seu “ser”. Talvez, a precisa e clara inversão de nosso modo de experimentar, pensar e dizer, em relação aos gregos, venha à luz no exemplo do bem conhecido provérbio epicurista: λάθε βιώσας. Traduzimos em “português correto”: “Viva veladamente”. O grego diz: “Permaneça velado no modo como conduzes tua vida”. Aqui o velar-se determina o caráter da presença do homem entre homens. O “velado” (44) e o “desvelado” é um caráter do próprio ente, e não caráter de nosso noticiar e apreender. No entanto, a percepção e a fala têm também, para os gregos, o traço fundamental da “verdade” ou da “não-verdade”.

Dessas poucas indicações pode ficar bem claro como, decididamente, o âmbito e a ocorrência do retraimento e do ocultamento vigem para os gregos sobre o ente e sobre o comportamento humano com os entes. Se agora, depois desse comentário e de sua luz, considerarmos mais uma vez a palavra grega comum proveniente da raiz λαθ, isto é, λανθάνομαι, então fica claro que a tradução usual e de fato “correta” de nossa palavra portuguesa “esquecer” simplesmente nada reproduz do modo grego de pensar.

Pensada com base no modo grego de ser, λανθάνομαι diz: Eu permaneço encoberto em relação a mim com respeito a algo que de outro modo seria desencoberto para mim. Assim, isso é, então, encoberto, na medida em que eu sou na minha relação para isso. O ente está submerso no velamento de tal modo que neste velamento do ente permaneço velado de mim mesmo. Dito de modo unitário, esse retraimento é, ele próprio, oculto. Algo semelhante de fato acontece, quando dizemos ter esquecido isto ou aquilo. No esquecer não somente algo escapa de nós, mas o esquecer decai para um ocultamento, de tal modo que nós mesmos caímos no ocultamento precisamente em relação ao esquecido. Assim, os gregos dizem mais precisamente έτπλανθάνομαι para captar o ocultamento no qual o homem acaba caindo, ao mesmo tempo que, no ocultamento, capta o que se retrai ao homem. Dificilmente se pode pensar numa possibilidade mais ampla de imaginar a essência do esquecer em uma única palavra.

Tanto o modo como a língua grega usa simplesmente o λανθάνει (ser e estar oculto) como verbo “regente”, como também na interpretação da essência do esquecimento, mediante justamente esta ocorrência do velamento, mostra-se de modo suficientemente claro que na “existência” (Dasein) dos gregos, isto é, no seu habitar no interior dos entes como tais, vige a essência do velamento de modo essencial. Daí já intuirmos, então, por que a verdade é experimentada e pensada no sentido do “desencobrimento”. Mas, tendo em vista esse (45) evento dominante do velamento, não deveria a essência da oposição mais comum à verdade, isto é, a essência da falsidade, ou seja, tò ψεῦδoς, também ser determinada a partir do velamento, mesmo se no som da palavra ψεῦδoς a raiz λαθ- não pode ser escutada?

Nessa suposição somos confirmados, se considerarmos que o falso e o nãoverdadeiro, por exemplo, um juízo incorreto, é uma espécie de não-saber, no qual o “verdadeiroestado de coisas se retrai de nós, e isso não exatamente do mesmo modo como “esquecer”, mas certamente de um modo correspondente, que os gregos experimentavam a partir do velamento, do retraimento, da latência. Se, então, o pensar grego apreende a essência do ψεῦδoς a partir do velar-se, isso só pode ser evidenciado se estivermos atentos à autoexpressão imediata da experiência grega e, a princípio, simplesmente não nos interessarmos pelo que os pensadores gregos, eles próprios, dizem explicitamente sobre ψεῦδoς. (GA54SMW:42-46)


Os gregos, porém, expressam a vigência do encobrimento (Walten der Verbergung) antes de tudo na palavra λανθάνεσθαί ou ἐπιλανθάνεσθαι, que traduzimos usualmente por “esquecer” (Vergessen) e com isso a reinterpretamos de uma tal forma que a essência grega se perde. Nossa meditação anterior já mostrou que, no “esquecer”, ocorre, para os gregos, um encobrimento. O esquecido é, na experiência dos gregos, o que afundou num encobrimento (numa latência), especificamente de maneira que o afundar, isto é, o encobrimento, permanece encoberto para aquele próprio que esqueceu. De modo mais exato e ainda mais grego: aquele que esquece permanece para si mesmo encoberto em sua relação com o que acontece aqui, no que diz respeito ao que nós, então, em consequência desse evento, chamamos de o esquecido. Aquele que esquece não esquece somente o esquecido, mas, no decorrer, esquece a si próprio como aquele para quem o esquecido se subtraiu. Toma lugar aqui um encobrimento que atinge igualmente o esquecido e, também, aquele que esquece sem, entretanto, fazer esquecer ambos.

Esse encobrimento mostra uma irradiação toda própria. Para o evento de um tal encobrimento temos apenas a palavraesquecimento”, a qual diz realmente aquilo no que o esquecido afunda – como a ocorrência que exclui o homem do esquecido. Em geral concebemos a ação de esquecer como o comportamento de um “sujeito”: nós o compreendemos como quem não retém a coisa e falamos então de “esquecimento” como aquilo pelo que algo nos “escapa” quando, por causa de uma coisa, esquecemos a outra. A tendência de esquecer, aqui, significa pouca capacidade de atenção. Ao lado disso, existe o esquecimento, que explicamos como consequência de “distúrbios de memória”. A psicopatologia chama isso de “amnésia”. Mas a palavraesquecimento” é por demais fraca para nomear o esquecimento que pode atingir o homem; pois esquecimento é somente a inclinação para a distração. Se acontece que esquecemos o que é essencial e o deixamos de lado, o perdemos e o riscamos de nossa mente, então não podemos mais falar de “esquecimento” (Vergesslichkeit) mas de “obliteração” (Vergessenheit). (GA54; GA54SMW:107)


Furthermore, it is to be noted that ἀληθεύειν, as it exists in δόξα, in μάθησις, and in ἐπιστήμη, has a peculiar character of fallenness (Verfallen). What I experience, notice, or have learned, I can forget; in this possibility, ἀληθεύειν is subject to λήθη (where the stem of the verb λανθάνειν lies hidden) — what is disclosed can sink back into concealment. The ability to become forgotten (VergessenwerdenKönnen) is a specific possibility of that ἀληθεύειν which has the character of θεωρεῖν. For the ἔξις μετὰ λόγου is a ἔξις of ἀληθεύειν into which Dasein places itself explicitly. In the case of φρόνησις things are different. This is manifest in the fact that I can experience, notice, and learn what has already been experienced, noted, and learned, whereas φρόνησις is in each case new. Hence there is no λήθη in relation to φρόνησις: (…). As regards φρόνησις, there is no possibility of falling into forgetting (Vergessen) (Nic. Eth. VI, 5, 1140 b28ff.). Certainly the explication which Aristotle gives here is very meager. (GA19RS:39)


VIDE: lethe


LETHE = ESQUECIMENTO


OLVIDO (gr. lethe): es el olvido de los grandes beneficios de Dios, de su amor, de sus juicios, y es, al mismo tiempo, el olvido de nuestro mal y, por lo tanto, de nuestra necesidad de ser salvados. Éste paraliza la vida del espíritu, eliminando la oración, la acción de gracias y la confesión, y torna el alma siempre más opaca, inerte, incapaz de buscar a Dios. Es uno de los mayores enemigos de la vida espiritual, en la medida en que el recuerdo es, por otro lado, una de las más eficaces ayudas para progresar.


!
Padres da Igreja — em nosso site francês


Filosofia
A verdade (aletheia) é a negação do esquecimento, segundo a tradição grega.


Jean-Claude Larchet: TERAPIA DAS ENFERMIDADES ESPIRITUAIS

Junto con la ignorancia de Dios, con la cual corre parejo, el olvido de Dios juega en la caída del hombre un papel central. Por eso s. Gregorio Palamás ve en el abandono «de la memoria y de la contemplación de Dios» la esencia del pecado ancestral. Y s. Marcos el Monje señala: «La Escritura dice: “el infierno y la perdición están al descubierto delante del Señor” (Salmo 15, 11). Se refiere a la ignorancia del corazón y el olvido. La ignorancia es el infierno y el olvido la perdición» y ambas matan al hombre espiritualmente. S. Marcos el Monje y, después de él, s. Juan Damasceno, consideran, como lo hemos señalado, que el olvido (léthe) es, con la ignorancia (agnoia) y la negligencia espiritual (rathymía), uno de los tres «gigantes del diablo» de los cuales proceden todas las pasiones y todos los males que afectan al hombre caído. S. Marcos el Monje describe así esas tres enfermedades espirituales fundamentales e indisociables, sus relaciones y sus efectos: «Son tres gigantes extranjeros, poderosos y fuertes, que tú debes considerar: sobre ellos se apoya todo el poder de nuestro temible enemigo espiritual ( … ) Los que se consideran como los poderosos gigantes del Maligno son: la ignorancia, la madre de todos los males; el olvido, su hermana, su asociada y su auxiliar; la negligencia, que teje en el alma un vestido y un velo tenebroso de nubes negras; ella afirma y fortifica a los otros dos; labra su consistencia introduciendo el mal al estado endémico y enraizando en el alma particularmente descuidada. El resto de las pasiones crece y se fortifica gracias a la negligencia, el olvido y la ignorancia. Ellas se apoyan mutuamente y no pueden mantenerse las unas sin las otras. Por ellas se manifiesta el poder de las fuerzas enemigas, así como el vigor de los príncipes del mal; por ellas todo el ejército de los espíritus de malicia se insinúa, se afirma y puede realizar sus designios».

Teofano o Recluso
Si nuestro espíritu se separara de Dios, el poder de libre arbitrio que nos ha sido dado, nos sería quitado. Entonces, en efecto, el hombre no podrá ya dominar sus inclinaciones, ni las necesidades de su cuerpo, ni los contactos exteriores. Será desgarrado por los deseos de su alma, de su cuerpo, y por la vanidad de su vida exterior, aunque parezca, a primera vista, que todas esas cosas deban contribuir a su placer y a su felicidad. Comparad esos dos estados, y veréis que, en el primero, el hombre permanece enteramente ante Dios en el interior de sí mismo y, en el segundo, está enteramente fuera de sí, olvidando a Dios. Ese estado empeora más aún con la invasión de las pasiones que se arraigan en el yo y que penetran el alma y el cuerpo, imprimiendo, a todo lo que allí se encuentra, una falsa dirección, no ya constructiva, sino destructora, separándolo del camino del Espíritu y del temor de Dios, llevándolo a obrar contra su propia conciencia. El hombre llega a ser, de ese modo, cada vez más superficial.


Frithjof Schuon: O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA
Nenhum conhecimento fenomenal é um mal em si; mas a grande questão é saber primeiro se esse conhecimento é conciliável com a finalidade da inteligência humana; segundo, se é útil e, terceiro, se o homem o admite espiritualmente. Está sobejamente provado que o homem não admite um saber que perturbe determinado equilíbrio natural e providencial, e que as consequências objetivas desse saber correspondem exatamente à sua anomalia subjetiva. A ciência moderna só pôde se desenvolver em função do esquecimento de Deus e dos nossos deveres para com Deus e para com nós mesmos. Da mesma forma, o naturalismo artístico que surgiu na Antiguidade e foi redescoberto no começo da era moderna, só se explica pela eclosão explosiva de uma mentalidade apaixonadamente exteriorizada e exteriorizante.