O tempo é, portanto, a sucessão infinita; a vida que apenas está no tempo e só pertence ao tempo não tem nenhum presente. É verdade que se costuma, às vezes, para definir a vida sensual, dizer que ela é (vivida) no instante e somente no instante. Compreende-se então por instante a abstração do eterno que, se quisermos tomar como presente, é uma paródia dele. O presente é o eterno ou, mais corretamente, o eterno é o presente, e o presente é o pleno. Neste sentido, afirmava o latino da divindade que estava praesens (praesentes dii) com cuja palavra, usada a propósito da divindade, indicava também a sua vigorosa assistência.
O instante designa o presente como um tal que não tem pretérito nem futuro; pois é aí que reside justamente, aliás, a imperfeição da vida sensual. O eterno significa igualmente o presente, que não possui nenhum passado e nenhum futuro, e esta é a perfeição do eterno.
Se se quiser usar agora o instante para com ele definir o tempo, e fazer o instante designar a exclusão puramente abstrata do passado e do futuro e, como tal, o presente, então o instante não será exatamente o presente, pois o intermediário entre o passado e o futuro, pensado de maneira puramente abstrata, simplesmente não é nada. Mas assim se vê que o instante não constitui uma mera determinação do tempo, dado que a determinação do tempo é apenas que ele passa (e se vai), razão por que o tempo – se há de ser definido por qualquer das determinações que se manifestam no tempo – é o tempo passado. Se, ao invés, o tempo e a eternidade se tocarem um no outro, então terá de ser no tempo, e agora chegamos ao instante.
“O instante” é (na língua dinamarquesa) uma expressão figurativa, e até aí não é tão bom ter de lidar com ela. Contudo, é uma bela palavra para examinar. Nada é tão rápido quanto uma olhadela e, contudo, ela é comensurável com o conteúdo do eterno. Assim, quando Ingeborg mira o oceano à procura de Frithiof, temos uma imagem para o que esta expressão figurativa significa. Um arroubo de seu sentimento, um suspiro, uma palavra, por serem sonoros, já teriam neles, como som, antes a determinação do tempo, e seriam mais presentes como algo que se esvai, e não têm tanto a presença do eterno em si, como, aliás, também por isso, um suspiro, uma palavra, etc., têm poder para aliviar a alma de um peso que acabrunha, justamente porque este peso acabrunhante, apenas expresso, já começa a tornar-se algo de passado. Uma olhada, por isso, constitui uma designação do tempo, porém, bem entendido, do tempo nesse conflito fatal em que é tocado pela eternidade. Aquilo que denominamos o instante, Platão chama τὸ ὲξαίφνης [o súbito]. Qualquer que seja sua explicação etimológica, sempre estará relacionada afinal com a categoria do invisível; porque o tempo e a eternidade eram entendidos de modo igualmente abstrato, dado que se carecia do conceito de temporalidade, e o motivo era que faltava o conceito de espírito. Em latim, ele se chama momentum, que pela derivação (de movere) expressa apenas o mero desaparecer.
Entendido dessa forma, o instante não é, propriamente, um átomo do tempo, mas um átomo da eternidade. É o primeiro reflexo da eternidade no tempo, sua primeira tentativa de, poderíamos dizer, fazer parar o tempo. Por isso o mundo grego não compreendia o instante, pois, ainda que chegasse a entender o átomo de eternidade, não chegava a entender que este equivale ao instante; não o definia como avançando, mas como o que recuava, porque, para o mundo grego, o átomo de eternidade era essencialmente a eternidade, e assim não se fazia verdadeiramente justiça nem ao tempo nem à eternidade.
A síntese do temporal e do eterno não é uma outra síntese, mas é a expressão daquela primeira síntese, segundo a qual o homem é uma síntese de alma e corpo, que é sustentada pelo espírito. Tão logo o espírito é posto, dá-se o instante. Por isso, pode-se dizer, com justiça, de um homem, como uma censura, que ele vive apenas no instante, dado que isso só ocorre por uma abstração arbitrária. A natureza não se situa no instante.
O que vale para a temporalidade vale para a sensualidade; pois a temporalidade parece ainda mais imperfeita e o instante ainda mais insignificante do que a aparentemente segura persistência da natureza no tempo. E, contudo, é o contrário, pois a segurança da natureza baseia-se no fato de que o tempo não tem absolutamente nenhuma importância para ela. Só com o instante inicia a história. Pelo pecado, a sensualidade humana vem a ser posta como pecaminosidade e, portanto, inferior à do animal e, contudo, isso é justamente porque o superior inicia aqui, pois agora inicia o espírito.
O instante é aquela ambiguidade em que o tempo e a eternidade se tocam mutuamente, e com isso está posto o conceito de temporalidade, em que o tempo incessantemente corta a eternidade e a eternidade constantemente impregna o tempo. Só agora adquire seu significado a mencionada divisão: o tempo presente, o tempo passado, o tempo futuro. [KIERKEGAARD, Søren Aabye. O conceito de angústia. Tr. Álvaro Luiz Montenegro Valls. Petrópolis: Vozes, 2017 (epub)]