inconsciente

O que está privado de consciência ou aquilo de que não se tem consciência, mas que se pode conscientizar. O segundo sentido relaciona-se unicamente com o homem. — A existência do inconsciente está provada pelo fenômeno da memória (só temos consciência, no momento presente, de uma ínfima parte de nossas lembranças), pelo do hábito (agimos sem termos consciência disso), mas manifesta-se sobretudo nos sonhos, onde nossos desejos reprimidos exprimem-se espontaneamente, assim como nos complexos e nas psicoses. A análise do inconsciente foi praticada, depois de Freud, pela psicanálise: esta dedica-se a levar o indivíduo a contar seus sonhos; atrás do “conteúdo manifesto” do sonho (frequentemente incoerente), esforça-se ela por encontrar uma lógica profunda, que é da ordem do sentimento (“conteúdo latente” do sonho). A tomada de consciência das motivações profundas de nossa conduta nos liberta de uma parte de nós mesmos que nos oprimia e dirigia sem sabermos (complexos): permite que nos dominemos e sejamos perfeitamente adaptados a todas as situações. A existência do inconsciente foi posta em dúvida: o inconsciente, dizia-se (behaviorismo, existencialismo), é apenas uma hipótese e nunca uma constatação; só podemos conhecer a consciência etc. Essa hipótese, entretanto, parece estabelecida pelo próprio êxito de certas análises psicanalíticas, que fazem o indivíduo tomar consciência de certas tendências reprimidas, onde ele se “reconhece” efetivamente. Esse fenômeno do “reconhecimento” é uma prova suficiente da existência de fenômenos inconscientes. [Larousse]


O significado deste vocábulo é extremamente oscilante. Fala-se de inconsciente metafísico como núcleo essencial e fundamento primitivo de todo ser, já na acepção de impulso originário cego e destruidor do “sentido” (p. ex., o pessimismo de Schopenhauer), já na acepção de um único palpitar primitivo, cósmico, vital, prenhe de valor (como em Klages). Numa direção de pensamento inteiramente diversa, fala-se de inconsciente fisiológico para designar a base fisiológica do acontecer psíquico individual. Entre ambas acepções encontra-se a expressão inconsciente psicológico para indicar o estrato fundamental portador de toda vivência consciente na vida psíquica do indivíduo (inconsciente individual) e na humanidade (inconsciente coletivo). Enquanto, em sentido lato e muito impreciso, se denomina também inconsciente psicológico (e, ainda subconsciente) a multidão de processos que só muito debilmente ressoam na consciência, são psicologicamente inconscientes, em sentido estrito, só os processos e estados psíquicos “não conscientes na realidade”, quer por não haverem ainda chegado à maturidade consciencial, quer por serem radicalmente incapazes de consciência, quer porque de novo lograram escapar da consciência, como algo esquecido, recalcado. Importa distinguir aqui entre “atos completos” ou “acabados” psicologicamente inconscientes (como o perceber, o pensar, o desejar inconscientes), estados afetivos inconscientes que estão na base dos atos completos ou deles procedem, e, finalmente, a realidade psíquica última (alma, enteléquia, bem como suas potências e disposições).

Depois da doutrina leibniziana sobre a estrutura do psíquico e do universo, as teorias acerca do inconsciente metafísico desempenharam importante papel entre os representantes do romantismo, na doutrina pessimista schopenhaueriana da vontade cósmica, em Ed. von Hartmann, e recentemente na metafísica anti-espiritual de Klages. Após os trabalhos preliminares do médico e escritor romântico C. G. Canis, as teorias sobre o inconsciente receberam seu mais potente impulso e adquiriram sua fisionomia peculiar na psicologia e na psicopatologia modernas, no dealbar do século XX, devido principalmente à psicanálise de S. Freud. Freud viu no inconsciente (pessoal), no “se” e em suas energias tendenciais, o estrato fundamental da vida psíquica, que maior importância tinha para a vida consciente do “eu”, estrato ao qual se sobrepõe a vivência cônscia, a modo de tênue camada superficial. As energias tendenciais (libido) mascaradas sob a forma de sintomas neuróticos ou sublimadas, como forças criadoras de cultura, e “recalcadas” pela consciência, ao mesmo tempo que configuram a vivência consciente, constituem também a força modeladora da vida espiritual. Por outro lado, certos fenômenos da parapsicologia ( Ocultismo), do hipnotismo (“ordens pós-hipnóticas”), bem como da psicologia normal (p. ex., da memória, do pensamento produtivo, das tendências determinantes das ações voluntárias, etc.) levaram a uma ulterior ampliação das teorias sobre o inconsciente. Partindo da parapsicologia ou meta-psíquica, chegou-se à hipótese de uma segunda consciência que só difere do “euconsciente, ou seja, da vida ordinária da consciência, pela dissociação de suas funções. Esta segunda consciência é considerada ou como disposição natural normal (M. Dessoir) ou como desdobramento patológico (Janet). C. G. Jung continuou a teoria do inconsciente pessoal com a do inconsciente coletivo, o qual é concebido como estrato profundo da vida psíquica, sempre sadio e desigualmente amplo, que contém o sedimento da dilatada vida consciente da humanidade (os arquétipos). Os arquétipos, entre os quais o primeiro lugar cabe ao religioso, influem por sua parte no indivíduo, estimulando e determinando ulteriormente (embora não de maneira exclusiva), a modo de “forma a priori” psicológica (não epistemológica), a modelação de ideias básicas e importantes para a vida (psicologia da religião).

Na verdade, não se demonstrou nem é compreensível a existência de atos perfeitos (actus secundi da escolástica) inconscientes de conhecer e querer, desde que se dê aos termos o sentido usual. Pelo contrário, fatos de quase todos os domínios da vida psíquica (a memória, o pensamento produtivo e a inspiração, os sonhos, as atividades mediúnicas, os desdobramentos da personalidade, etc.) assinalam a existência de estados e de processos inconscientes que exercem influxo sobre a vida da consciência. Finalmente, a última realidade psíquica, a alma substancial, não pode ser intuitivamente sentida em sua essência espiritual, mas só (no estado de união com o corpo) indiretamente deduzida. — WlLLWOLL. [Brugger]


(in. Unconscious; fr. Inconscient; al. Unbewusst; it. Inconsció). O ingresso dessa noção em filosofia deve-se a Leibniz, que frisou a importância das “percepções insensíveis” ou “pequenas percepções”, de que não se toma ciência e sobre as quais não se reflete. Para Leibniz, são essas percepções que “formam o não-sei-quê, os gostos, as imagens das qualidades sensíveis, claras no conjunto mas confusas nos detalhes, as impressões que os corpos que nos rodeiam exercem sobre nós e que envolvem o infinito, os vínculos que cada ser tem com o restante do universo” (Nouv. ess., Avant-propos, op., ed. Erdmann, p. 197). A existência dessa zona inconsciente tornou-se lugar-comum na escola wolffiana (cf. Wolff, Psychol. rationalis, §§ 58 ss.) e foi admitida por Kant, que respondeu à objeção de Locke de que não se pode ter representações das quais não se tenha consciência, porque as ter significa exatamente estar consciente delas (Ens., I, 1, 5), afirmando que “podemos estar conscientes mediatamente de uma representação da qual não estejamos conscientes imediatamente’ (Antr., § 5). Mas foi só com Schelling que o inconsciente tornou-se elemento fundamental das concepções metafísicas, ou seja, um dos aspectos essenciais do Absoluto como Identidade entre natureza e espírito (entre inconsciente e consciência). “Esse eterno inconsciente”, dizia Schelling, “que, como o sol eterno do reino dos espíritos, esconde-se em sua própria luz serena e, apesar de nunca se tornar objeto, imprime sua identidade às ações livres, é o mesmo para toda a inteligência e é ao mesmo tempo a raiz invisível de que todas as inteligências são apenas potências; é o eterno intermediário entre o subjetivo, que se autodetermina em nós, e o objetivo ou intuinte e é o fundamento da uniformidade na liberdade e da liberdade na uniformidade objetiva” (System der transzendentalen Idealismus, IV, F; trad. it., p. 280). Ainda mais radicalmente, Schopenhauer considerava inconsciente a vontade que constitui o númeno do mundo: “A vontade considerada em si mesma é inconsciente: é um impulso cego e irresistível o qual vemos aparecer na natureza inorgânica e vegetal, bem como na parte vegetativa da nossa vida” (Die Welt, I, § 54). E como síntese do Espírito Absoluto de Hegel, da Vontade de Schopenhauer e do inconsciente de Schelling, Edward Hartmann apresentava o princípio de sua filosofia: um princípio que ele denominava precisamente inconsciente e do qual o espírito e a matéria teriam sido duas diferentes manifestações (Philosophie des Unbewussten, 1869). Pode-se considerar que a filosofia de Bergson pertence a essa mesma linha; ele defendia o inconsciente ao observar que a repugnância em conceber estados psicológicos inconscientes vem do fato de se considerar a consciência como propriedade essencial dos estados psíquicos. “Mas” — observava ele — “se a consciência é somente o sinal característico do presente, daquilo que está sendo vivido, daquilo que está agindo, então o que não está agindo poderá deixar de pertencer à consciência sem deixar necessariamente de existir de qualquer modo” (Matière et mémoire, cap. III, p. 147). Para Bergson, o inconsciente assim entendido identifica-se com a recordação pura, ou a corrente da consciência que é o próprio ímpeto vital.

Mas enquanto assim o inconsciente era utilizado na metafísica e enquanto, do outro lado, a psicologia admitia-o, mesmo se contra vontade, como um dado de fato, ele recebia um conteúdo completamente novo graças a Freud. O próprio Freud assim apresentava as duas teses fundamentais da psicanálise: “A primeira destas premissas é que os processos psíquicos são em si mesmos inconscientes e que conscientes são somente atos isolados, frações da vida psíquica total”. A segunda proposição que a psicanálise proclama como uma de suas descobertas é a afirmação de que tendências que só podem ser classificadas como sexuais, em sentido estrito ou amplo da palavra, agem como causas determinantes de doenças nervosas ou psíquicas e que as mesmas emoções sexuais têm uma parte importante nas criações do espírito humano nos campos da cultura, da arte e da vida social” (Einführung in die Psychoanalyse, 1917, Intr., trad. franc., págs. 32-33). Desta forma a psicanálise tirava ao inconsciente o caráter indeterminado ou amorfo que ele havia até aquele momento conservado nas interpretações dos filósofos e dos psicólogos para adquirir um conteúdo exato e identificar-se com as tendências sexuais inibidas ou negadas ou de qualquer forma camufladas ou escondidas. Inicialmente o grande sucesso, além da importância científica que a psicanálise conservou e conserva no mundo contemporâneo (v. psicanálise), relegaram para um segundo plano a dificuldade teórica conexa com o mesmo reconhecimento da existência do inconsciente. Obviamente, a objeção de Locke, tantas vezes repetida, que “existir”, para um estado mental significa “ser percebido” ou “ser objeto de consciência” e que portanto um estado mental inconsciente é uma contradição em termos, perdeu todo o seu valor. Um estado mental, por ex., uma emoção, uma tendência, uma volição, pode “existir”, mesmo se não for “percebida”, no sentido que ela pode ser oportunamente posta à mostra e reconhecida, com procedimento apropriados (que são exatamente aqueles empregados pela psicanálise), com a condição de uma situação psíquica normal ou patológica. O próprio Freud insistiu a este propósito sobre a noção de sintoma: “Um sintoma, diz ele, forma-se a título de substituição em lugar de qualquer coisa que não conseguiu manifestar-se exteriormente. Certos processos psíquicos, não tendo podido desenvolver-se normalmente, de forma a chegar até a consciência, deram vida a um sintoma nevrótico” (Ibid., trad. franc., pág. 303). O inconsciente portanto existe em primeiro lugar a título de sintoma. Trata-se da mesma solução teórica que Kant vira dizendo que o inconsciente mesmo não sendo percebido imediatamente, pode ser percebido mediatamente ; mas esta solução teórica melhorou sobremaneira porque em Freud o inconsciente, como sintoma, nem necessita ser “percebido”: é um fato que a observação clínica pode constatar. [Abbagnano]