Esta expressão serve para designar uma das potentes irrupções do pensamento na arena filosófica da humanidade. Num período de apenas quarenta anos (entre 1790 e 1830) desenvolve-se um movimento intelectual de riqueza e profundidade sem par. Apresenta-se como idealismo, na medida em que, para ele, ser e ideia coincidem, com o que renova, a seu modo, o platonismo. Caracteriza-o como idealismo alemão o fato de ser determinado pela filosofia moderna e sobretudo por Kant. Seus principais representantes são Fichte, Schelling e Hegel. A despeito das profundas diferenças que os separam nos pormenores, concordam eles em dois traços fundamentais: a primazia da razão ou do espírito e o movimento dialético. A razão é a ideia das ideias e o fundamento primitivo absoluto, que se põe a si mesma e em si mesma põe tudo o mais como momentos evolutivos ou manifestações suas; está, portanto, essencialmente sujeita ao devir. O movimento dialético, em que deve também ser levado a cabo o nosso pensamento se, filosofando, quiser realizar a verdade absoluta, traduz o curso recorrido pelo devir. Três são os momentos que entram em jogo neste movimento: a tese, princípio não desdobrado, ainda quiescente; a antítese, entranhada naquele princípio, que o põe em movimento (da “dicção” se separa a “contra-dicção”); a síntese, que reduz ambos os contrários, à sua mais profunda unidade. Este movimento compreende inúmeros degraus, porque toda síntese aparece, por seu turno, como tese num plano superior. Sirvamos-nos da explicação seguinte, para esclarecer esta marcha triádica: uma verdade parcial produz, em virtude de sua unilateralidade, o seu contrário igualmente unilateral; só a compensação e complementação de ambas as não-verdades dão em resultado a verdade propriamente tal ou plena, a qual, por sua vez, de um ponto de vista ulterior, se torna em verdade parcial.
Este fundo básico comum aparece em Fichte (1762-1814) como teoria, da ciência. Elaborada primeiramente em sua obra capital “Fundamento da teoria da ciência” (1794-1795), foi sucessivamente aperfeiçoada, transformada e conduzida a suas esferas de aplicação. Partindo de Kant, Fichte pretende superar a cisão que naquele existe entre o teorético e o prático, entre a consciência e a coisa em si. Por isso coloca tm posição central o Eu prático com sua liberdade, deven-do-se entender por tal o eu puro, que se comporta, perante o eu empírico, como o fundamento primitivo geral perante sua manifestação particular. Como atuação pura, o Eu põe-se a si mesmo na intuição intelectual e põe tudo o mais no movimento dialético. Éste resulta do fato de o Eu, para se desdobrar, necessitar da resistência de uma barreira; por isso coloca, em frente de si, o Não–Eu. Ao Eu prático subordina-se o Eu teorético, porque o mundo dos objetos só se esboça como material da obrigação moral. Posteriormente, Fichte, considerando o Eu mais acentuadamente do ponto dc vista do homem, reduziu-o à razão absoluta, que aparece então como fundamento primitivo de cunho vincadamente panteísta.
Schelling (1775-1854), começando por ser expositor da teoria da ciência e essencialmente influenciado pelo romantismo, cria seu sistema próprio, que sucessivamente submete a importantes variações. Cinco são os períodos que nele geralmente se distinguem. Em primeiro lugar, elabora a filosofia da natureza, a qual, mercê da primazia do ético propugnada por Fichte, pouco se tinha desenvolvido. A natureza é inteligência inconsciente cjue tende à autoconsciência, através da abundância de suas formas. O idealismo transcendental apresenta então o espírito em sua vida consciente, e, com isso, a inclusão da história e da arte assinala nova ascensão acima da posição de Fichte. Encaradas estas duas fases como tese e antítese, a filosofia da identidade constitui a síntese correspondente; no Absoluto ou na Razão absoluta, como indiferença total, são superadas todas as diferenças (inclusive a de natureza e espírito). No atinente ao método, propugnava Schelling a intuição intelectual, que se desdobra segundo o princípio da polaridade ou do movimento dialético e inclui a primazia do estético. Schelling pretende, com sua doutrina da liberdade e sua filosofia da religião, superar o panteísmo contido em todas as doutrinas precedentes. Outorga ao mundo certa substantividade, porque só assim são possíveis a liberdade e a religião. Intimamente relacionada com esta afirmação doutrinal é a derradeira fase da filosofia positiva, que Schelling opõe à filosofia negativa de Hegel. À consideração do essencial acrescenta a do existencial, completando assim a razão e a essência universal com a vontade e com a existência concreta. Aproveita, outrossim, as experiências da consciência religiosa no mito e na revelação e aspira a harmonizar o saber com a fé. Apesar de tudo, os dois últimos períodos continuam lastrados pelo panteísmo primitivo e só pouco a pouco seus geniais esboços chegam a alcançar eficácia histórica (filosofia da existência).
Pela amplidão da matéria e rigor do método, Hegel (1770-1831) representa o ponto culminante do idealismo alemão. Assim o mostram suas obras capitais. “Fenomenologia do espírito” (1807), “Lógica” (1812-1816) e “Enciclopédia” (1817), nas quais se defende a primazia do pensamento. O fundamento primordial mais íntimo é a ideia que, no saber absoluto, se eleva a ideia absoluta e, em marcha necessária, desdobra todas as realidades como manifestações de si mtsma. Expõe Hegel este processo de duas maneiras: a fenomenologia (doutrina do “fenômeno”, do “que aparece”) conduz ao saber absoluto através dos fenômenos, dentro do saber absoluto o sistema propriamente dito move-se desde o ser indeterminado até à profusão de suas formas. Neste sistema, a lógica visa o ser pré-cósmico da ideia, a filosofia da natureza visa o ser-fora-de-si da ideia, e a filosofia do espírito visa o ser-permanecendo-em-si da ideia. Este compreende três estádios: o espírito subjetivo no sujeito humano individual, o espírito objetivo nas formas reais existentes da comunidade (direito, eticidade, história) e o espírito absoluto que na arte, na religião e na filosofia, se volve sobre si mesmo. — Do ponto de vista do método, Hegel leva o movimento dialético à sua perfeição. A filosofia da reflexão, que elabora suas arbitrárias “reflexões” por sobre os contrários unilaterais, é superada por ele mediante a absorção dos mesmos, absorção que não os extingue mas os conserva em sua unidade mais elevada. As expressões em si, para si e em e para si, correspondem â tese, a qual “em si”, ou seja, em forma não desdobrada, é já todas as coisas; à antítese, na qual os contrários se afirmam “para si”, isto é, separados e, por isso, aparecem só Daquilo que eles são “para si”; e à síntese, que com a unidade dos contrários manifesta sua verdade, desdobrando no “para si” a oculta plenitude do “em si”. — Enquanto Fichte e Schelling não formaram escola, houve um hegelianismo que se cindiu numa ala direita fiel ao mestre e numa ala esquerda que desc iiu no materialismo, não obstante, também o hegelianismo se extinguiu como escola propriamente dita, sobrevivendo tão-sò-mente no materialismo dialético.
Posteriormente continuou mantendo sua influência a doutrina hegeliana do Estado. O século XX, principalmente depois da primeira guerra mundial, assistiu a uma poderosa revivescência do pensamento hegeliano; muito embora um neo-hegelianismo, como corrente intelectual definida, não se tenha ainda imposto, é inegável que por toda a parte se percebe a profunda influência de Hegel.
No idealismo alemão empolga a grandiosa força construtiva, com que, segundo rigorosíssima lei, faz brotar de um único fundamento primordial a multiplicidade do real. Compreendeu outrossim, como talvez nenhuma outra corrente filosófica, a essência do espírito o sua significação metafísica, segundo a qual mesmo o corpóreo deve ser concebido a partir do espírito. Mas aqui se encontram também os limites deste idealismo. Segundo se nos afigura, seu erro básico reside na afirmação da primazia do devir sobre o ser, como salta à vista principalmente no princípio da Lógica de Hegel; o ser é apenas um momento parcial a par do nada, dentro da realidade propriamente dita, que é o devir. Como também o fundamento primordial absoluto está, consequentemente, sujeito ao devir, é imanente ao mundo do devir, e só pelo devir alcança o desdobramento de sua plenitude, encontramo-nos perante o panteísmo. Desse modo, o espírito primitivo divino chega à consciência de si mesmo unicamente no espírito do homem; pelo que, a mais elevada realização do saber humano coincide com o saber divino e o homem crê poder compreender exaustivamente no saber absoluto o processo do universo. De fato, porém, o homem perde-se numa construção ilusória, incapaz de justificar a substantividade do fundamento primordial infinito nem a do ser finito e que, além disso, não deixa espaço algum para a genuína liberdade. — O idealismo alemão começou a superar-se a si mesmo com Schelling na última fase deste filósofo, ao tender para a realidade integral. Esta ensina que a verdadeira natureza do espírito exige a transcendência do espírito infinito, o qual num ato livre criador produz essências finitas subsistentes, que nem por isso deixam de participar da nobreza do espírito e de Deus. — Lotz. [Brugger]