(gr. gnosis; in. Gnosticism; fr. Gnosticisme; al. Gnosticismus; it. Gnosticismò). Foram assim designadas algumas correntes filosóficas que se difundiram nos primeiros séculos depois de Cristo no Oriente e no Ocidente. A literatura que produziram era rica e variada, mas perdeu-se, à exceção de poucos textos conservados em traduções coptas, chegando até nós apenas através dos trechos mencionados e, ao mesmo tempo, refutados pelos Padres Apologistas. O gnosticismo é uma primeira tentativa de filosofia cristã, feita sem rigor sistemático, com a mistura de elementos cristãos míticos, neoplatônicos e orientais. Em geral, para os gnósticos o conhecimento era condição para a salvação, donde esse nome, que foi adotado pela primeira vez pelos Ofitas ou Sociedade da Serpente, que mais tarde se dividiram em numerosas seitas. Estas utilizavam textos religiosos atribuídos a personalidades bíblicas, tal como o Evangelho de Judas, mencionado por Irineu (Adv. haer., I, 31, 1). Outros textos dessa espécie foram encontrados em traduções coptas; entre eles, o mais importante é Pistis Sophia (publicado em 1851), que expõe em forma de diálogo entre o Salvador ressuscitado e seus discípulos, especialmente Maria Madalena, a queda e a redenção de Pistis Sophia, ser pertencente ao mundo dos eones (vide aion), bem como o caminho da purificação do homem por meio da penitência. Os principais gnósticos dos quais temos notícia são: Basílides, Carpócrates, Valentim e Bardesane, cujas doutrinas são conhecidas pelas refutações feitas por Clemente de Alexandria, Irineu e Hipólito. Uma das teorias mais típicas do gnosticismo é o dualismo dos princípios supremos (admitido, p. ex., por Basilides), ligado a concepções orientais. A tentativa de união entre os dois princípios, bem e mal, tem como resultado o mundo, no qual as trevas e a luz se unem, mas com predomínio das trevas. [Abbagnano]
A ideia de uma gnosis como saber religioso, distinta da pistis, nasceu rapidamente nas comunidades cristãs, em consequência da influência do intelectualismo grego. Visto que tinha de se compreender o cristianismo como regresso decisivo na história do mundo, como solução do enigma do mundo, por princípios mais profundos, a fantasia dos orientais possuía as noções das suas religiões (emanação, distinção entre um princípio do bem e outro do mal, hierarquia celestial, etc.) que, penetrados de temas filosóficos gregos, puderam formar uma imagem do processo cósmico. Entretanto, não se resolveu o problema de quais as influências das teogonias e cosmogonias babilônicas, persas, etc. e quais as doutrinas secretas já existentes e que serviram de base a tal sistema. As fontes principais deste confuso sistema se acham nos escritos polêmicos de Irineu, Tertuliano, Epifânio, no Pseudo-Orígenes (Philosophumena) principalmente, entre outros; a Pistis–Sophia encontrada em tradução copta (ed. Schwartze, Petermann, 1851) não corresponde à época de esplendor da gnosis. A. Schmidt indicou a existência de manuscritos coptas que pertencem à melhor época pré-ireneia do gnosticismo. Schmidt, Gnostische Schriften in koptischer Sprache, 1892 e Berichte der Berl. Akad., 1896, pp. 839-44. Para a crítica das fontes, cf. Lipsius e Harnack. Para a compreensão histórica, Baur, Die christliche Gnosis, 1835 e Harnack Dogmengeschichte, I, 178 ss.; deixam evidente como a gnosis sofreu influência da metafísica grega.
1. A primeira etapa (semita) da gnosis; os ofitas; o gnóstico mais antigo que conhecemos é Cerento, que nos fins do séc. I d. C. aparece em Éfeso e, talvez, também na Síria; o sírio Saturnino, coevo de Adriano.
2. Transferindo-se para o Egito o sírio Basilides, na época de Adriano, a sede do movimento gnóstico muda-se também da Síria para o Egito, dá as costas ao judaísmo e recolhe substanciais elementos do pensamento grego. Principal sistema: Brasílides e o alexandrino Valentino, que aparece em Roma em 141. Sistema clássico da gnosis: Valentino: do Pai, reconhecido como o silêncio, desprendem-se em emanações descendentes as Potências (Eones) (contidas juntamente com o Pai, no Pleroma); da última destas Potências, a Sophia nasce, como resultado de culpa sua, o “ser amorfo”; e, desde este momento e por uma ação também escalonada do mundo superior (o Pleroma), o amorfo toma forma e restabelece-se, gradualmente, a ordem na modulação do mundo e na revelação.
3. Dentro do gnosticismo aproxima-se do desenvolvimento doutrinal cristão mais corrente o pôntico Marcião, que aparece em Roma aproximadamente em 160 e que, pela sua ideia da gnosis, não corresponderia inteiramente a este movimento, segundo Harnack e Holzmann; é muito importante porque o seu paulinismo opõe-se ao Velho Testamento e ao racionalismo na formação dos dogmas; o edesênio Bardesanes e o autor do livro que tem por título Pistis Sophia, redigido no Egito nos meados do século III, tomam agora maior relevância porque, segundo Schmidt, se alicerçam entre outras na primeira obra achada no papiro bruciano.
4. Nessa mesma metade de séc. III Mani, criador da seita maniqueia, cujo dualismo nos remete ao persismo. A luta entre os princípios cósmicos do bem e do mal verifica-se também em nós como a luta entre a alma somática, que procede do mal, e a alma luminosa, e a libertação é obtida abstendo-nos do alimento animal, do casamento e da propriedade. Este dualismo influiu no pensamento medieval, através, particularmente, da sua ação sobre Santo Agostinho. (Cf. Kessler, Mani, I “Voruntersuchungen und Quellen”, 1889).
O sentido filosófico da gnosis tem raízes na introdução de um novo esquema do desenvolvimento cósmico, ignorado pelo Ocidente: a emanação, isto é, da divindade fluem forças na escala descendente; o mundo origina-se pelo seu desprendimento ou queda, da divindade.
Assim a gnosis deu, tanto a Plotino como a Orígenes, o esquema da disposição do mundo. Pela vez primeira, a história da religião é concebida como história evolutiva da divindade. [Dilthey]
Define-se de um modo geral o gnosticismo como toda a tendência e pretensão de conseguir o saber absoluto, sem que isso signifique sempre o acesso ao mesmo por via puramente racional ou intelectual: mas antes mística e estética. Usualmente chamam-se gnósticos a uma série de pensadores que elaboraram grandes sistemas teológico-filosóficos durante os primeiros séculos da era cristã, nos quais se encontram misturadas as especulações do tipo neoplatônico com os dogmas cristãos e as tradições judaico-orientais.
Historicamente, costumam distinguir-se entre três tipos de gnoses: a gnose mágico-vulgar, a gnose mitológica e a gnose especulativa. Embora haja consideráveis diferenças entre as três, alguns dos temas de cada uma podem enlaçar-se com outros temas das restantes. Assim, há traços mágicos na gnose especulativa e sobretudo na mitológica, traços mitológicos na especulativa e traços especulativos na mitológica. Além disso, estas duas últimas têm caraterísticas comuns muito vincadas, tais como a tendência para descrever o cosmos mediante imagens embebidas simultaneamente em motivos orientais (principalmente bíblicos) e gregos (principalmente míticos); a suposição de que há dois polos – o positivo e o negativo ou o bem e o mal – entre os quais a alma se move, e a crença na possibilidade de operar – através de ritos ou através do pensamento – sobre o processo cósmico. Na gnose especulativa acentuou-se o caráter dualista destas doutrinas. Assim, o universo do gnóstico não é estático, nem sequer dialéctico, mas dinâmico, ou melhor ainda, dramático. A luta entre o Deus do mal e o Deus da bondade, e a definitiva vitória deste último, formam a trama e a dramática peripécia em que consiste a história da natureza do homem. O gnosticismo pressupõe antes de tudo não só a importância do Deus criador para ser plenamente bom – e daí o seu fracasso na criação -, como além disso, coloca frente a ele, como algo preexistente, uma matéria que o Deus criador não pode dominar por completo. [Ferrater]