(do lat. ingenium, disposições naturais), natureza própria do indivíduo. — O gênero designa mais particularmente qualidades excepcionais da pessoa (lat. genius, divindade que presidia o nascimento). Mais precisamente ainda, o gênio é a aptidão para inventar. Um espírito verdadeiramente criador parece tirar sua pujança de uma força que ultrapassa o homem: Kant definiu o gênio como uma “força da natureza, exprimindo assim essa comunhão com o universo, ou a participação na vida, ou com Deus, onde o gênio deve encontrar o princípio de seu super poder. Efetivamente, em quase todos os domínios da atividade humana, salvo talvez as matemáticas (Evaristo Galois é o fundador da teoria dos grupos com dezenove anos), “o gênio é uma longa paciência”, o resultado da maturação e do trabalho contínuo em uma especialidade. — O gênio mau designa em geral a má sorte: aquele que deseja obter um efeito determinado e obtém o efeito contrário (por ex., quem estende o braço para se servir de beber e quebra a garrafa; quem dá um conselho de moral que, contra suas previsões, conduz o indivíduo ao suicídio etc.) pode se considerar possuído por um mau gênio. Descartes empregou o termo, na primeira Meditação, para evocar a existência de um Deus enganador (tudo o que nos parece verdadeiro, as mais vivas percepções do mundo, seriam apenas ilusão) e para justificar uma dúvida radical ou “metafísica” (distinta da mera dúvida “natural”). (v. gênio malígno) [Larousse]
(in. Genius; fr. Génie; al. Genie; it. Genió).
A partir da segunda metade do séc. XVII passou-se a indicar com esse termo (que, segundo Varrão, na origem indicava “a divindade que é preposta a cada uma das coisas geradas e que tem a capacidade de gerá-las”, S. Agostinho, De civ. Dei, VII, 13) o talento inventivo ou criativo nas suas manifestações superiores. Pascal já usa essa palavra com esse sentido: “Os grandes gênios têm seu império, seu esplendor, sua grandeza, suas vitórias e não precisam das grandezas carnais, que não têm relação com o que eles procuram” (Pensées, 793). E La Bruyère dizia: “E menos difícil para os grandes gênios topar com coisas grandes e sublimes do que evitar qualquer espécie de erro” (Caracteres, 1687, cap. 1). A estética do séc. XVIII reduziu a noção de gênio ao domínio da arte. Kant (provavelmente inspirado numa obra inglesa de Gerard, Essay on Genius, 1774) defende este ponto de vista: “O talento de descobrir chama-se gênio. Mas esse nome só se dá ao artista, àquele que sabe fazer alguma coisa, não àquele que conhece e sabe muito; e não se dá ao artista que imita apenas, mas àquele que é capaz de produzir sua obra com originalidade; enfim, só se dá quando seu produto é magistral, quando, por mérito, merece ser imitado” (Antr., § 57). Esse é o sentido da definição de gênio que Kant dá na Crítica do Juízo como de “talento (dom natural) que dita regras à arte”. Gomo talento, o gênio foge a qualquer regra; mas como criador de exemplares distingue-se de qualquer extravagância. É natureza porque não age racionalmente; e é natureza que dita regras à arte. Kant observa que, justamente devido a estas últimas características, “a palavra gênio derivou de genius, que significa o próprio espírito do homem, o que lhe foi dado ao nascer, que o protege e o dirige, dé cuja sugestões provêm as ideias originais” (Crítica do Juízo, § 46). Esse ponto de vista era aceito por Schopenhauer, que, considerando a arte como a visão das ideias platônicas, que são a primeira “objetivação” da vontade de viver, vê na arte a “contemplação pura” e, por isso, a essência do gênio na preponderante aptidão para tal contemplação. “Visto que esta”, diz ele, “requer esquecimento total de si mesmo e de suas relações, decorre daí que a genialidade é a mais completa objetividade, ou seja, a direção objetiva do espírito, que se opõe à direção subjetiva tendente à própria pessoa, à vontade.” Por conseguinte, enquanto para o homem comum o patrimônio cognoscitivo é “a lanterna que ilumina o caminho”, para o gênio ele é “o sol que revela o mundo” (Die Welt, I, § 36). Essas observações de Schopenhauer constituem uma contribuição para aquilo que poderíamos chamar de culto romântico do gênio. Obviamente, esse culto não se limita ao gênio artístico. Fichte mostrava já a conexão do gênio com a filosofia. A inventividade do filósofo requer “um obscuro sentimento da verdade” e esse sentimento é exatamente o gênio. Para Fichte, mesmo que um dia a filosofia progredisse a ponto de conter uma “teoria da invenção, não seria possível chegar a isso a não ser por meio do gênio” (Werke, ed. Medicus, I, p. 203). Fichte reconheceu no gênio as mesmas características que Kant lhe atribuíra: inventividade e naturalidade. O gênio “é um favor especial da natureza, que não se pode explicar ulteriormente” (Ibid., ed. Medicus, III, p. 92; cf. Pareyson, A estética do idealismo alemão, I, pp. 333 ss.). O obscuro sentimento da verdade, que Fichte atribui ao gênio, transforma-o naquilo que Schlegel chamava de “mediador entre o Infinito e o finito”, aquele que “percebe em si o divino e, anulando-se, dedica-se a anunciar esse divino a todos os homens, a participar dele e a representá-lo nos costumes e nas ações, nas palavras e nas obras” (Ideen, 1800, § 44). É verdade que, assim como Kant, Schelling afirmava que o gênio é sempre e somente estético, mas ao mesmo tempo considerava a intuição estética o órgão da filosofia e, em geral, da ciência. O gênio é, pois, o absoluto que se revela no homem e não pertence só a uma parte do homem (Werke, I, III, pp. 618 ss.). Hegel, por sua vez, dizia que a palavra gênio era empregada para designar não só os artistas, mas também os grandes líderes e os heróis da ciência (Vorlesungen über die Ästhetik, ed. Glockner, I, p. 378), mas pessoalmente reservava esse vocábulo para os artistas, definindo o gênio como “a capacidade geral de produzir autênticas obras de arte, acompanhada pela energia necessária à sua realização” (Ibid., p. 381). Na realidade, aqueles que Fichte chamava de “doutos” ou de “videntes” (cf. Vorlesungen über die Bestimmung des Gelehrten, 1794), Hegel de “indivíduos da história cósmica” e outros de heróis são simplesmente expressões diferentes do mesmo conceito que, no domínio da arte, o Romantismo designou com o termo gênio, ou seja, encarnação do Infinito no mundo, mediadores entre o finito e o Infinito (como dizia Schlegel), instrumentos da realização ou da revelação do Absoluto. O próprio Kierkegaard, que por muitos aspectos pode ser considerado antagonista do Romantismo, partilhou esse conceito de gênio Disse: “O gênio é um An-sich onipotente que, como tal, gostaria de sacudir o mundo inteiro. Por isso, para salvar a ordem, nasce com ele outra figura: o destino. Mas o destino é nulo, porque é ele mesmo que o descobre, e quanto mais profundo for o gênio, mais profundamente o descobre; porque o destino nada mais é que a antecipação da providência” (Der Begriff der Angst, III, § 2; trad. Fabro, p. 123).
Na cultura contemporânea, o conceito do gênio se manteve com essas características românticas, que não desapareceram nem com a aproximação entre gênio e loucura, tentada por alguns antropólogos, particularmente por Cesare Lombroso. Essa aproximação baseava-se na consideração dos chamados “fenômenos regressivos da evolução”, em virtude dos quais os grandes avanços em uma certa direção são acompanhados, na maioria das vezes, por uma parada nas outras direções. Por isso, Lombroso julgava encontrar formas mais ou menos atenuadas de loucura ou perversão nos indivíduos geniais (gênio e degeneração, 1897), mas com isso não punha em dúvida a realidade do conceito, sem dúvida pressuposta. Por outro lado, quando, no fim de Duas fontes da moral e da religião (1932), Bergson auspicia o advento de um “gênio místico”, que possa “arrastar atrás de si uma humanidade imensamente encorpada”, vê nesse gênio a encarnação ou a realização do elã vital que é o princípio do mundo (Deux sources, IV; trad. it., pp. 343 ss.). Como todo gênio romântico, o gênio preconizado por Bergson também é a encarnação do Absoluto e destina-se a realizar o Absoluto no mundo. Todavia, Kant já havia advertido para o perigo inerente ao uso desse conceito, que parece dispensar alguns homens da aprendizagem, da pesquisa e dos deveres comuns, e propusera a questão sobre quem contribui mais para o progresso efetivo do homem: os grandes gênios ou “os cérebros mecânicos” que se apoiam na bengala da experiência (Antr., § 58). [Abbagnano]