Em lógica chama-se gênero a uma classe que tem maior extensão que outra, chamada espécie. Assim, por exemplo, a classe dos animais é um gênero em relação à classe dos homens, a qual é uma espécie do referido gênero. Mas a classe dos animais é uma espécie do gênero que constitui a classe dos seres vivos. Quando o gênero abarca todas as espécies chama-se gênero supremo ou generalismo. Exemplos deste gênero são (segundo os autores), a substância, a coisa, ou o ser. Alguns autores, porém, falam de gêneros supremos (no plural) e consideram-nos como gêneros indefiníveis que servem para definir os outros gêneros, não sendo eles mesmos espécies de nenhum outro gênero; tais gêneros equivalem então às categorias como noções primordiais e irredutíveis. O gênero usa-se, na lógica clássica, para a definição combinando-o com a diferença específica; em tal caso o gênero comummente usado é o chamado gênero supremo. [Ferrater]
grupo de seres ou de objetos tendo entre eles propriedades comuns. — O gênero designa um grupo biológico mais vasto que a espécie. Deste modo, o gênero cão (em lat. canis) envolve várias espécies, dentre as quais o lobo, a raposa e a espécie “doméstica” dita propriamente “cão”. A noção de gênero não tinha para Aristóteles nenhum fundamento nas coisas, diferenciando-se da noção de espécie (o “gênero” cão seria apenas um nome comum, uma ideia geral no espírito, enquanto o lobo, a raposa etc. seriam “realidades”). Em lógica, faz-se uma definição pelo “gênero” e a “diferença específica”. (V. definição.) [Larousse]
(gr. genos; lat. Genus; in. Genus; fr. Genre; al. Gattung; it. Genere).
Aristóteles distinguiu três significações desse termo: 1) geração, particularmente “a geração contínua de seres que têm a mesma espécie”, e neste sentido diz-se “gênero humano”; 2) estirpe ou raça como “primeiro motor” ou “aquilo que deu ser às coisas de uma mesma espécie”; neste sentido fala-se do gênero dos helenos porque descendem de Heleno ou do gênero dos jônios porque descendem de Jônio; 3) o sujeito ao qual se atribuem as oposições ou as diferenças específicas, e neste sentido o gênero é o primeiro constituinte da definição (Met., V, 28, 1024 a 30 ss.). Essas três significações já haviam sido usadas ocasionalmente por Platão (para a primeira delas, v., p. ex., O Banq., 190 c; para a segunda, O Banq., 191 c; Ale. I., 120 e). Platão deu maiores explicações sobre o terceiro sentido, que é o mais estritamente filosófico, dizendo: “Cada figura é semelhante a outra figura, porque no gênero todas as figuras formam um todo. No entanto, as partes do gênero ou são contrárias umas às outras ou são diferentissimas entre si” (Fil., 12 e). Para Aristóteles essa significação também é a mais importante e, em vista disso, pode-se dizer que o gênero (juntamente com a espécie) é substância segunda. Aristóteles diz: “Só as espécies e os gênero, além das substâncias primeiras, são chamadas substâncias segundas: só eles manifestam a substância primeira das coisas às quais se atribuem predicados. Será possível explicar o que é um homem só aduzindo a espécie ou o gênero; e dizendo-se que é um homem, estaremos explicando melhor do que se o chamássemos simplesmente animal? No caso de se aduzir algum outro predicado, dizendo, p. ex., que ele é branco ou que corre, estar-se-á dizendo alguma coisa que é alheia ao objeto em questão” (Cat., 5, 2 6 28 ss.). Em outros termos, os gênero e as espécies são “substâncias segundas” porque entram na composição da definição da “substância primeira”, ou seja, da essência necessária. “Como a substância é a essência necessária e a expressão desta é a definição (…) e como a definição é um discurso e um discurso tem partes, foi necessário distinguir quais são as partes da substância e quais não são, e se estas também são partes da definição; assim vemos que nem o universal nem o gênero é substância” (Met., VIII, I, 1042 a 16 ss.). O gênero não é substância, mas componente necessário da essência necessária, que é a substância. [Abbagnano]
Na ontologia é costume considerar-se o conceito de ser como um conceito universal, genérico ou específico. Neste caso, ser seria apenas um esquema abstrato das notas universalizantes que têm todos os entes.
Duns Scotus opunha-se a essa opinião, afirmando a univocidade do conceito de ser.
O conceito de gênero inclui o das espécies, que entram na sua extensão, no que elas têm de comum, mas exclui o que elas têm de próprio, que é a diferença específica, que permanece fora do conceito, como, por exemplo, homem e cavalo estão implicados no gênero animal, enquanto seres animados, mas a diferença específica de homem, a de ser racional, não a possui o cavalo, que dele é ausente.
Individualmente, o mesmo se observaria, pois um indivíduo, Paulo, que está incluído como ser racional, em homem, não está enquanto louro.
Mas o conceito de ser é diferente, porque ele engloba, não apenas o que as espécies têm de comum, bem como os indivíduos, mas também as diferenças específicas e individuais.
Assim, no indivíduo Paulo, o ser animal é, o ser homem é, o ser louro é.
Como chamam os ontologistas de conceito transcendental aquele que é atribuído aos seres que entram na sua extensão, não somente no que têm de comum, mas também no que têm de próprio, o conceito ser é um conceito transcendental.
Entretanto, algumas observações decadialéticas caberiam aqui.
Se homem pertence, como espécie, ao gênero animal, podemos dizer que todo homem é um animal, mas nem todo animal é um homem, porque homem tem uma diferença específica que o diversifica das outras espécies de animal.
Mas precisamos distinguir: o gênero, como esquema abstrato, construção operatória da nossa razão, e o gênero como real–real.
Esta macieira, aqui, e aquela macieira, ali, e as macieiras dispersas em todo o mundo, topicamente consideradas, estão separadas umas das outras. Mas a forma da macieira é a mesma em todas elas. Todas elas atualizam uma forma da macieira comum, que as distingue das outras árvores. E essa distinção não é uma mera lucubração do espírito humano, porque as macieiras têm, em si, aquele número (no bom sentido pitagórico de plethos, número de conjunto), que as torna, embora quimicamente compostas dos mesmos elementos que as outras árvores, diferentes das outras, o que permitiu ao ser humano classificá-las, segundo normas científicas, como procede, por exemplo, a botânica.
Como série, as macieiras do mundo estão englobadas num esquema abstrato, que é apenas um esquema do esquema da forma concreta da macieira. Há, assim, esquemas eidéticos, esquemas abstratos, construídos pelo homem, e esquemas da forma concreta dos fatos da natureza, que a ciência procura captar.
Pode o esquema abstrato do homem, o eidético, não corresponder totalmente (totaliter) ao esquema da forma concreta do fato (tensão concreta). Assim o que estruturamos abstratamente no conceito macieira não tem tudo quanto é na macieira o seu plethos, que lhe dá a tensão de macieira, e que cabe à ciência estudar.
Assim o nosso conceito de animal, que é um esquema abstrato, contém as notas que encontramos em comum nos animais, mas o animal, enquanto tal, que há também no homem, isto é, como esquema da forma concreta biológica, não se esgota naquele conceito, que é um esquema (intentionaliter) de um esquema (realiter). Neste caso, no animal, perguntamos, como gênero na natureza e não nos esquemas abstratos, não está contido em ato as notas comuns e, em potência, o que corresponde às diferenças específicas?
As diferenças específicas são atualizações de possibilidades que permitem distinguir, diferenciar as espécies, mas elas, como componentes da realidade, estão implicadas no gênero. Tanto o animal podia ser homem que o homem, sendo animal, é também racional. Portanto, ao animal cabia a possibilidade de receber uma alma, como o afirmam as religiões, outorgadas pela divindade, não importa, mas o que importa é poder a animalidade alcançar a hominilidade, por providência divina ou por evolução, ou por outro meio qualquer. E se podia, continha em si, em potência, a capacidade, pelo menos, de receber a hominilidade. E essa hominilidade, em potência, não seria um mero nada, pois se o fosse não se atualizaria.
E aqui se esclarece nossa crítica feita à razão em “Filosofia e Cosmovisão”. Como a razão tem dificuldades para racionalizar a potência, sempre obscura e misteriosa para ela, dando mais atenção ao ato, nos conceitos, que são elaborados operatoriamente, são consideradas, quase sempre, apenas as notas que em todos se atualizam. Ela prefere considerar como diferença específica (que o é na verdade), aquelas que se atualizam em alguns e que, por isso, distinguem a estes de todos os outros.
Esse divórcio entre o esquema abstrato da razão e o esquema da forma concreta dos fatos, criou uma verdadeira crise nas especulações filosóficas, (crisis = abismo, no genuíno sentido etimológico), que a decadialética, pela sua visão global, procura ultrapassar. E para tanto é preciso distinguir os conceitos nos planos e campos em que são aplicados, como nos casos que estudamos, evitando-se, assim, as confusões que daí decorrem, e que obscurecem o pensamento filosófico, em vez de clareá-lo. [Mário Ferreira dos Santos – Ontologia e Cosmologia]