(in. Fulguration; fr. Fulguration; it. Fulgurazioné).
Termo com o qual Leibniz indicou o modo como as mônadas dimanam de Deus, porquanto nascem “por assim dizer por meio de fulgurações contínuas da divindade de momento em momento” (Monad., § 47). Esse termo pretende ressaltar a continuidade da criação divina. [Abbagnano]
Assim consideradas, as religiões constituem-se, portanto, como que em forma a priori de todas as possíveis ou efetivas configurações culturais. Mas temos de atenuar um pouco o sabor kantiano desta terminologia, de converter este significante em mera sugestão de outro significado. Temos, sobretudo, de subtraí-lo à precária vigência do Mito do Homem. O a priori tenta sugerir, não o não–experimental que condicionaria a nossa experiência, mas a [200] primeira experiência ou a primeira ordem de experiência da «Fulguração Ofuscante», em que «Fulguração» corresponde ao mostrar-se uma daquelas contenções da Excessividade Caótica, um desses subprodutos do Caos Excessivo, e o «Ofuscante», ao ocultar-se, por virtude da mesma Fulguração, o que só a outras Fulgurações ficou reservado desocultar, ou, em mais perfeita consonância com o Heidegger tão bem interpretado, quanto parcialmente refutado por Vicente Ferreira da Silva, a primeira forma em que se instaura um «Regime de Fascinação», em que o «Fascinator» é o Ser, o Real, o Absoluto ou não importa como se designe a Divindade que «quer e não quer ser chamada pelo nome de Zeus».
No uso desta linguagem ou, antes, desta codificação, à medida em que se propõe, para além da relação sujeito–objeto, o conjugarem-se, na mesma projeção entitativa, o homem que está para o mundo e o mundo que está para o homem, desvanece-se a ilusão do «progresso», que ficou para trás, como preferido arranjo das escórias residuais do mesmo incêndio, provocado por uma, e só uma, de todas as possíveis Fulgurações que põem a nossa irredutível subjetividade como um Absoluto em relação direta com o Absoluto. Porque a nossa subjetividade irredutível, o ponto central e indiferente, a condição incondicionada de todas as objetivações, dentro e fora das nossas diversas individuações ou personificações, é a que tem por objeto o próprio Real. Para ela, e só para ela, Objetividade e Realidade são uma e a mesma coisa. Diante de qualquer das esferas nela concentradas, por maior que seja o seu raio (contando que não exceda o da nossa «personalidade», por muito que ela se dilate) há sempre um mundo «objetivo» que oculta ou em que se oculta a transobjetividade do Real e do Absoluto, isto é, do Secretum ou do Separado, que não deixará de sê-lo, senão quando, descendo nós em nós mesmos, até ao ínfimo de todos os Infernos, virmos que ele se casou com o supremo de todos os Céus. [Eudoro de Sousa. Horizonte e Complementaridade. Sempre o mesmo acerca do mesmo. Lisboa, INCM, 2002, p. 200-201]