Segundo Malmberg os fundadores da Fonologia seriam os membros do chamado “Círculo Linguístico de Praga”: Trubetzkoy, Jakobson, Karcevsky, Mukharovsky, Matesius, Trinka, Havránek e outros. Nas teses de 1929 vê-se que o “Círculo” se afasta do psicologismo vigente na Linguística, afirmando que o que o sujeito falante visa é a imagem acústica e não a imagem motriz. Jespersen em 1904, afirmava que não existem “tipos” naturais no mundo da língua como existem nos mundos vegetal e animal. Um som pode ser considerado típico numa língua e variante numa outra língua. Para ele “a escolha dependerá essencialmente da medida na qual os sons podem ser utilizados para diferenciar significações”. Então, cada língua é que deve decidir o que é essencial. Por exemplo, bad e bed em inglês, onde o som vocálico (que não pode ser transcrito aqui por falta de tipos gráficos) não constitui uma variação mas sim dois tipos distintos, já que diferenciam dois significados — mau e cama. Se esta operação distintiva é necessária para a constituição do alfabeto fonético, o número de sons obtido é muito grande e suas propriedades físicas infinitamente numerosas.
Trubetzkoy vai tentar superar estes problemas. Partindo da distinção saussureana entre língua e fala , ele diz que, “no ato da fala o significado é sempre uma comunicação completamente concreta, só formando sentido como um todo. Na língua, ao contrário, o “significado é representado através de regras abstratas — sintáticas, fraseológicas, morfológicas e lexicais. Pois mesmo as significações das palavras, tais como existem na língua, não são senão regras abstratas ou esquemas de conceitos, aos quais se relacionam as significações concretas que figuram no alto da fala”. E se pergunta se não será possível a mesma relação — de um fato individual no plano da fala a uma lei ou norma no plano da língua — no nível significante . Mostra como enquanto “a corrente fônica do ato da fala concreta é uma sucessão ininterrompida, sem ordem aparente, de movimentos sonoros se imbricando uns nos outros”… as unidades da face ‘significante’ da língua formam um sistema ordenado”. Ele denominará a esta “ciência dos sons da língua” de “fonologia”, por oposição à fonética, “ciência dos sons da fala”. Os “elementos” que a fonologia estuda são os fonemas. “O som não é para o fonólogo senão a realização fonética do fonema, um símbolo material do fonema. O foneticista procura descobrir tais diferenças de sons que um homem comum, falando sua língua materna, não se da conta delas. O fonólogo, ao contrário, não quer estudar senão as diferenças que cada um deve observar na sua língua materna, pois são elas que servem para diferenciar o sentido das palavras e das frases…”. Trubetzkoy definirá o fonema a partir do “Projeto de Terminologia Fonológica Estandardizada” da “Reunião Fonológica de 1930:” uma oposição fonológica é uma diferença fônica suscetível de servir numa dada língua para a diferenciação das significações intelectuais; cada termo de uma oposição fonológica qualquer é uma unidade fonológica; o fonema é uma unidade fonológica não suscetível de ser dissociada em unidades fonológicas menores e mais simples. Vai tentar se afastar completamente do psicologismo, afastando de fonema qualquer referência à consciência linguística (no nível da fala). Passa para o nível do discurso, mostrando que o reconhecimento de um som é um momento consequente de sua estatuição fonológica como tal. O fonema é a menor unidade fonológica da língua estudada (e não da língua expressa). “A face significante de cada palavra existente na língua se deixa analisar em fonemas e pode ser representada como uma sequência determinada de fonemas”. Ele enuncia quatro regras para determinar os fonemas: 1) — “Se dois sons da mesma língua aparecem exatamente na mesma entourage fônica, e se eles podem se substituir mutuamente sem que se produza assim uma diferença na significação intelectual da palavra, então estes dois sons não são senão variantes facultativas de um fonema único”. 2) — “Se dois sons aparecem exatamente na mesma posição fônica e não podem sé substituir mutuamente sem modificar a significação das palavras, ou sem que a palavra se torne irreconhecível, então esses dois são realizações de dois fonemas diferentes.” 3) — “Se dois sons de uma língua, parentes entre si do ponto de vista acústico ou articulatório, jamais se apresentam na mesma entourage fônica, devem ser considerados como variantes combinatórias do mesmo fonema.” 4) — dois sons, ainda que satisfazendo às condições da regra 3), não podem, apesar disto, ser considerados como variantes de um mesmo fonema se na língua em questão puderem se encontrar um ao lado do outro, ou seja, serem os termos de um grupo fônico, e isto nas condições onde um dos dois sons aparece isoladamente.
Malmberg, apesar de reconhecer as contribuições dos precursores de Trubetzkoy (Baudoin de Courtenay, Winteler, Saussure, Jespersen, Noreen) vê no seu livro “a primeira tentativa, elaborada lógica e exaustivamente, de definir o fonema, de criar uma sistemática fonemática e de classificar as distinções linguisticamente pertinentes utilizadas pela língua humana”.
Jakobson mostra como há dois níveis linguísticos e que devem ser estudados separadamente. Ambos possuem unidades significativas que, no nível semântico vão do morfema ao discurso e no nível dos traços fonológicos “servem tão somente para diferenciar, cimentar e separar ou pôr em relevo as múltiplas unidades significativas”. Mas para ele o fonema não é uma unidade mínima, e sim um traço distintivo:” Cada um dos traços distintivos envolve uma escolha entre dois termos de uma oposição que apresenta uma propriedade específica diferencial em divergência com as propriedades de todas as demais oposições”. Então, em relação à altura do som, grave e agudo se oporão na percepção do receptor como um tom baixo se opõe a um tom alto. Se oporão quanto ao aspecto físico pela distribuição de energia nas extremidades do espetro. E se oporão, no nível articulatório, pela dimensão e forma da cavidade ressonadora. “Isto determina a hierarquia operacional dos níveis em sua pertinência decrescente: perceptual, auditivo, acústico e motor. . . A experiência auditiva é o único aspecto da mensagem de que o emissor e o receptor participam, visto que normalmente o falante ouve a si mesmo”. Isto permitirá classificar os fonemas nos diversos níveis — perceptivo, articulatório, acústico, nervoso — afastando o psicologismo nas análises. E com isto elimina o atomismo ainda existente em Trubetzkoy, pois os fonemas se determinam fundamentalmente através de leis de oposição e contraste que podem ser tratadas binariamente. Eles aparecem como traços distintivos, onde o elemento de um par recebe um sinal [+] e o outro um sinal [—]’. O fonema só pode ser estudado como traço distintivo, sua lei sendo, não a combinação de elementos quaisquer, mas seus afastamentos diferenciais: “Isto se observa em qualquer língua: (…) [Jakobson] repele o velho ponto de vista de que cada língua é um mundo à parte, em face de todas as outras, e que se podem encontrar, portanto, as mais inesperadas combinações. Para Jakobson, ao contrário, há um substrato comum ‘invariante’ de traços fonéticos na base de todas as línguas humanas. E esses traços se combinam num número limitado de oposições. É a seleção dos sinais de mais e de meno que faz de cada língua um ‘variante’ fonológica”. (…) “Quando operamos com um fonema ou com um traço distintivo, estamos primariamente interessados numa constante que se acha presente nas várias línguas particulares. Se estabelecemos que em inglês o fonema /k/ ocorre antes de /u/ não se trata de toda a família de seus vários submembros, mas apenas do feixe de traços distintivos comuns a todos eles que aparece nessa posição. A análise fonêmica é um estudo de propriedades que ficam invariantes através de certas transformações”. Jakobson acredita poder hierarquizar os traços distintivos. A progressão do aprendizado fonêmico da criança corresponde à regressão no afásico. Quer dizer que q afásico vai deixar de emitir primeiramente os fonemas que aprendeu por último e saberá emitir aqueles fonemas que aprendeu primeiramente. Esta hierarquização, que se dá numa gama enorme de culturas, pode ser testada teoricamente. Jakobson mostra como a linguagem da criança não tem, a princípio, qualquer hierarquia de unidades linguísticas, vigorando apenas a equação: uma enunciação — uma frase — uma palavra — um morfema — um fonema — um traço distintivo. O par mama-papa é um vestígio desse estágio de enumerações em uma consoante. No balbucio infantil os sons são erráticos, enquanto os fonemas têm que ser reconhecíveis, distinguíveis. E por isso têm que ser suscetíveis de repetição”. Essa capacidade de repetição encontra a sua expressão mais concisa e sucinta em Papa por exemplo. A apresentação sucessiva de um mesmo fonema consonântico, repetidamente apoiado na mesma vogal, melhora a inteligibilidade de ambos e concorre para a mensagem ser corretamente entendida. O antropólogo Murdock mostrara como há 85% de oclusivas e nasais para os fonemas assilábicos e mais de 75% de todos os termos catalogados — entre 1072 — incluem uma labial ou uma dental em contraste com mais de 10% apenas com velares e palatais e pedia uma interpretação linguística para o fato.. . Nesta perspectiva Jakobson mostra como um leve murmúrio nasal acompanha a sucção da criança e que é “a única fonação que pode se produzir quando os lábios se comprimem sobre o seio materno, ou sobre a mamadeira, e a boca está cheia. . . quando a boca não está empenhada na nutrição, o murmúrio nasal pode ser suplementado por uma descarga oral, particularmente de natureza labial, e pode ainda receber um opcional apoio vocálico. . . A prioridade dos termos para ‘pai’ e ‘mãe’ com oclusiva oral em relação aos termos para mãe com nasal, fundamenta-se tanto no plano semântico como no fonológico”. (CSK)