Comumente o vocábulo ‘ontologia’ é entendido como “outro nome da metafísica”, isto é, estudo do ser enquanto ser, com independência de suas determinações particulares, ou seja, ciência do ser considerado em si mesmo, independentemente de seus modos ou fenômenos. Em termos gerais, portanto, a ontologia se ocuparia do ser, porém não deste ou daquele ser concreto e determinado, senão do ser em geral, do ser na mais vasta e ampla acepção desta palavra.
Todavia, como adverte Manuel Garcia Morente, “a ontologia e a metafísica não são conceitos que se sobrepõem exatamente”, porquanto “existem intercâmbios problemáticos entre uma e outra esfera”. Por outro lado, não obstante o vocábulo ‘ontologia’ significar ‘teoria do ser’, esta significação não é absolutamente exata se analisada com rigor. Para o citado autor, “em rigor, ontologia significa teoria do ente e não teoria do ser, pois há uma diferença notável entre ambos”, tendo a ontologia como missão a determinação daquilo no qual os entes consistem, sendo pois uma ciência das essências e não das existências, ou melhor, é teoria dos objetos. Daí Husserl considerar a ontologia como uma ciência das essências, divi-dindo-a em formal e material. A ontologia formal trata das essências formais, ou seja, daquelas essências que convém a todas as demais essenciais. A ontologia material trata das essências materiais e, consequentemente, constitui um conjunto de ontologias regionais, isto porque cada região ontológica tem suas características ônticas próprias. Assim, se a inteligência humana, desejosa de conhecer os objetos de dada região — digamos, da biologia — e não tem em conta a estrutura ôntica peculiar dessa região e aplica a ela métodos que não lhe são próprios ou peculiares, porque são métodos tirados de outras regiões onde existem outras estruturas distintas — digamos, da física — desta aplicação de métodos inadequados às estruturas peculiares de uma região nascerão forçosamente equívocos, erros ou más interpretações, conduzindo as ciências a faltas irremediáveis. Portanto, as chamadas ‘categorias regionais’ significam que cada uma das regiões em que a totalidade dos objetos pode dividir-se tem sua própria categoria, que não é nada mais que a expressão, em palavras, da própria estrutura dessa região ôntica, enquanto as ‘categorias ontológicas’ são aquelas que não respondem à própria estrutura do objeto que se procura estudar, já que respondem antes à transformação que esse objeto sofre tão logo entra no trabalho específico do conhecimento científico.
A distinção entre ‘categorias ônticas’ e ‘categorias ontológicas’ é feita por Manuel Garcia Morente nestes termos: “chamaremos categorias ônticas a essas estruturas próprias de cada região do ser; a essas estruturas que marcam com um tipo característico, com um modo característico do ser, a cada uma destas regiões ontológicas”, “chamá-la-emos ônticas para sublinhar que estas categorias são as próprias estruturas das regiões objetivas”. Assim, a diferença que se estabelece entre ‘categorias ônticas’ e ‘categorias ontológicas’ é que o termo ‘ôntico’ é empregado para designar aquelas propriedades características, estruturas e formas que são dos objetos enquanto seres; e a expressão ‘objetividade ontológica’ é empregada para designar aquelas formas, estruturas ou modalidades que convém aos objetos enquanto forem incorporados a uma teoria científica ou filosófica. “O objeto, enquanto ser, tem sua estrutura própria: e essa a chamamos ôntica. Mas depois o objeto é elaborado de uma certa maneira pelo esforço do conhecimento; é elaborado pela filosofia, pela psicologia, pelas ciências particulares; e essa elaboração faz o objeto sofrer algumas modificações, e as modificações que o objeto sofre pelo fato de ingressar na relação específica do conhecimento, essas modificações são as que chamaremos ontológicas. Mas, por baixo das modificações ontológicas, perduram sempre as estruturas ônticas, pois estas não podem ser modificadas nem transformadas pelo fato de que o objeto entra a formar na relação de conhecimento”, conclui Manuel Garcia Morente. Deste modo, ‘ôntico’ se refere a um determinado ente, a uma certa região dos entes ou inclusive à totalidade dos entes enquanto tais, distinguindo-se assim de ‘ontológico’ uma vez que este se refere não ao que é, mas a seu ser, ou então ao ser em geral. Em suma, enquanto o ontológico exprime o que é, o ôntico exprime o fato de ser, sendo este — o ôntico — relativo ao ser singular e concreto, por oposição àquele — o ontológico — relativo ao ser em geral. [LWVita]