Ferreira da Silva

Vicente Ferreira da Silva nasceu na cidade de São Paulo, a 10 de janeiro de 1916. Fez seus estudos secundários no Colégio São Bento, ingressando a seguir na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Porém, a princípio, não o direito, mas a matemática é que o seduziu. Tanto que em 1933 já havia se aproximado do grande matemático italiano Fantappié, então professor em São Paulo. Torna-se logo um dos primeiros leitores dos Principia Mathematica de Russell e Whitehead, e, com a publicação de seu primeiro livro, Elementos de Lógica Matemática, em 1940, o primeiro a introduzir a lógica matemática no Brasil. Com a vinda, em 1942, do lógico Orman Quine, da Universidade Harvard, Vicente é convidado para ser seu assistente.

Mas o contato com a filosofia alemã promove uma guinada em seu pensamento, que o aproxima cada vez mais das reflexões de cunho existencial e conscienciológico, que tomam corpo em seu segundo livro, Ensaios Filosóficos (1948), bem acolhido pela crítica e que, segundo José Geraldo Vieira, colocava Vicente como a maior vocação filosófica brasileira desde Farias Brito. Nesse mesmo ano, estabelece contato com o Colégio Libre de Estúdios Superiores, na Argentina, que lhe inspira a criação do Colégio Livre de Estudos Superiores, em São Paulo, um dos mais importantes centros livres de conferências e (poucos lembram disso) um dos germes do futuro ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), no Rio de Janeiro.

Pensador filosoficamente solitário, mas incansável interlocutor, Vicente não só estabelecia correspondência com pensadores brasileiros e estrangeiros das mais diversas correntes e ideologias, como promovia condições para a vinda destes a São Paulo. Dentre eles, alguns dos principais nomes do pensamento contemporâneo, como Von Rintelen, Bagolini, Grassi, Gabriel Marcel. Isso para não falar dos diálogos infinitos com intelectuais amigos, como Vilém Flusser, Eudoro de Sousa, Agostinho da Silva, Miguel Reale, Hélio Jaguaribe, Guimarães Rosa, Renato Cirell Czerna.

Paralelamente, desenvolveu uma atividade importante que o aproxima da pedagogia filosófica de Ortega y Gasset: o jornalismo. O seu debate filosófico público tinha começado a se esboçar em 1945, no suplemento Letras e Artes e no jornal A Manhã, mas tornou-se assíduo e impetuosamente presente com os artigos filosóficos publicados na Folha da Manhã, no Diário de São Paulo, no Jornal do Comércio e no Jornal de Letras.

É eleito membro da Allgemeine Gesellschaft für Philosophie in Deutschland em 1949 e, nesse mesmo ano, representa o Brasil no Congresso de Filosofia de Mendonza, ao lado de Eugen Fink, Abbagnano, Delfim Santos, além de exercer o cargo de diretor da Divisão de Difusão Cultural da Reitoria da USP e de organizar os Seminários de Filosofia do Museu de Arte Moderna. Também é nesse ano que funda, com Miguel Reale e outros intelectuais, o Instituto Brasileiro de Filosofia e, em seguida, a Revista Brasileira de Filosofia.

Seu terceiro livro, Exegese da Ação, sai em 1950, ano em que também finaliza um de seus mais importantes trabalhos, Dialética das Consciências, onde expressa de modo definitivo sua fenomenologia da existência. Essa obra é apresentada na Faculdade de Filosofia da USP para concurso de professor, mas Vicente é impedido de concorrer ao cargo, com o aviltante pretexto de não possuir diploma de Filosofia, o que gera protesto público de diversos intelectuais. Também é desse ano Ideias para um Novo Conceito do Homem e, de 1953, Teologia e Anti-Humanismo, o último livro publicado em vida.

Em 1954, colabora na organização do primeiro Congresso Internacional de Filosofia realizado no Brasil, nos quais se reúnem Paci, Julián Marías e Leopoldo Zea, e Vicente é escolhido para fazer parte do Conselho Científico da coleção Rowohlts Deutsche Enzyklopaedie, ao lado de Eliade, Guardini, Kerényi, Oppenheimer, Walter Otto, Sedlmayr, Uexküll. Nesse mesmo ano funda em São Paulo, juntamente com sua esposa, a poeta Dora Ferreira da Silva, e com Milton Vargas, a revista Diálogo, onde publicou seguidamente seus ensaios mais importantes sobre filosofia da arte e da religião. A revista acaba se tornando o palco de uma nova guinada de seu pensamento, que havia sido deflagrada em inícios da década de 1950, e que encontra seu vértice no ensaio “introdução à Filosofia da Mitologia”. É no desenrolar dessa nova metanoia filosófica que o destino o intercepta, em um acidente automobilístico, em 1963. [Aba do livro FERREIRA DA SILVA, Vicente. Transcendência do Mundo. São Paulo: É Realizações, 2010]