(in. Fanaticism; fr. Fanatisme, al. Fanatismus; it. Fanatismo).
Esta palavra (de fanum = templo) foi empregada a partir do séc. XVIII com o mesmo valor de entusiasmo para indicar o estado de exaltação de quem se crê possuído por Deus e, portanto, imune ao erro e ao mal. No uso moderno e contemporâneo, “fanatismo” acabou prevalecendo sobre “entusiasmo” para indicar a certeza de quem fala em nome de um princípio absoluto e, portanto, pretende que suas palavras também sejam absolutas. Já Shaftesbury dizia: “E é esse [entusiasmo] que dá origem à denominação fanatismo no sentido inicial, usado pelos antigos, de aparição que arrebata o espírito” (Letter on Enthusiasm, 7; trad. it., Garin, pp. 78-79)- Na verdade, Cícero já fala de “filósofos supersticiosos e quase fanáticos” (De divin., 2, 57, 118). Leibniz chamava de fanática a filosofia que atribui todos os fenômenos a Deus “imediatamente, por milagre” (Nouv. ess., Avant-propos, Op., ed. Erdmann, p. 204). Mas certamente a melhor definição filosófica do fanatismo foi dada por Kant. No sentido mais geral, fanatismo “é uma transgressão, em nome de princípios, dos limites da razão humana”. Há, além disso, o fanatismo moral, que é “o ultrapassar dos limites que a razão pura e prática impõe à humanidade, que impede de atribuir o motivo determinante e subjetivo das ações ditadas pelo dever, ou seja, o móvel moral delas, em qualquer outra coisa que não seja a própria lei”. O fanatismo moral consiste na pretensão de fazer o bem por inspiração, por entusiasmo, por um impulso benéfico da própria natureza, portanto em substituir a virtude, que é “a intenção moral em luta”, pela “pretensa santidade de quem acredita possuir perfeita pureza de intenções da vontade” (Crít. R. Prática, 1,1, 3). O fanatismo, nesse sentido, sempre foi objeto de polêmica na obra de Kant, que identificou e combateu suas principais manifestações no esforço de determinar os limites dos poderes humanos e a validade desses poderes nos seus limites. Num texto de 1786, O que significa orientar-se no pensar, Kant advertia contra a pretensão de superar os limites da razão recorrendo a faculdades ou poderes supostamente “superiores”. Sua polêmica referia-se a Jacobi e a Mendelssohn, mas ele via a mesma pretensão no spinozismo, e, contra este e o fanatismo, reafirmava a exigência de determinar com precisão os limites da razão. Essas observações de Kant, para quem as considere hoje, parecem uma crítica antecipada ao romantismo, que, nesse aspecto, foi o grande retorno ao spinozismo. Todavia, o próprio Hegel falou de fanatismo, restringindo-o, porém, ao campo político e religioso. No campo político, “o fanatismo quer uma coisa abstrata, não uma organização”: seu exemplo é a Revolução Francesa (Fil. do dir, § 5, Zusatz). No campo religioso, o fanatismo consiste em subordinar o Estado à religião, de tal modo que seu lema é: “Aos religiosos não se imponha nenhuma lei” (Ibid., § 270, Zusatz). Mas Hegel não se dá conta de que a onipotência do Estado, que ele teorizou, é um fanatismo.
A palavra fanatismo conserva hoje o significado de atitude, ponto de vista ou doutrina que, em qualquer campo ou domínio, despreze ou ignore as limitações humanas. Nossa época conheceu outra forma de fanatismo mais sinistra: o fanatismo político, que, embora não sendo uma novidade do ponto de vista doutrinal, aboliu os limites humanos em política e, consequentemente, exaltou ou divinizou certas concepções políticas e os indivíduos que as encarnavam. A própria palavra fanatismo, na terminologia de alguns movimentos políticos, perdeu a conotação negativa que recebera desde a Antiguidade, passando a ter o valor de fidelidade a toda prova, que ignora objeções ou limites. A experiência mostrou que essa fidelidade é a mais frágil de todas e, na primeira oportunidade, transforma-se em seu contrário. Como já dizia Kant, a razoabilidade, com o reconhecimento dos limites que ela implica, é a única garantia de compromisso autêntico, seja ele teórico ou prático. (Abbagnano)
A adesão extremada a uma opinião, em geral, religiosa ou política. — Foi o fanatismo que conduziu às guerras de Religião, à Inquisição, e que pode ainda hoje conduzir às guerras ideológicas. Seu princípio consiste em não considerar como seres humanos aqueles que são de outra religião, de outro partido ou de outra ideologia. O fanatismo religioso foi condenado pelo concílio das Igrejas cristãs de 1962, que estabeleceu o princípio da unidade do gênero humano; o fanatismo ideológico foi condenado por Krutchev, que preconizou a coexistência pacífica entre as duas ideologias (comunista e capitalista) que dividem o mundo. O contrário do fanatismo é a tolerância. O fanatismo, fenômeno humano universal, é, a grosso modo, inversamente proporcional à competência (fanatismo político), ao saber e à cultura de um indivíduo ou de um povo. Permanece ligado às paixões que podem suscitar, entre os indivíduos e os povos, diferenças de nível de vida, especialmente a miséria e o sub-desenvolvimento. (Larousse)