família

(in. Family; fr. Famille, al. Familie; it. Famiglia)

O pai, a mãe, os filhos. — Os primeiros teóricos da família, os estoicos, representam-na como a célula natural da sociedade. Os laços serão tanto mais fortes quanto forem biologicamente próximos, e, quanto mais numerosos forem, mais terão tendência a se afrouxar. A psicologia moderna confirmou esta visão teórica: observou-se, pois, que, havendo mais de seis crianças numa família, a mãe não pode mais dedicar-se a cada um de seus filhos, sentindo-se esses então, “frustrados” e mal amados. Por conseguinte, denomina-se família, o conjunto de pessoas provenientes do mesmo sangue e da mesma raça: esse princípio da família rege toda a sociedade de “clãs” tal como existia no tempo da família romana agnatícia e existindo ainda hoje em muitos países — notadamente na África e nos Balcãs. A clã ou família grande compreende um conjunto de indivíduos consanguíneos que moram num determinado espaço, sob a autoridade de um patriarca. Independente de sua extensão, a família constitui o núcleo de qualquer sociedade. (Larousse)


A família, disse Hegel, não é somente uma comunidade natural vivente. Ela é uma essência espiritual. Mas cujo espírito é inteiramente constituído e constituinte assim como aquela da cidade. É o homem que deu leis às cidades. A família é de essência religiosa e sua lei é divina. Ela religa a natureza, em particular o elemento natural do homem, sua singularidade contingente, à universalidade de uma essência oculta. Esta universalidade é aquela do mundo daqui de baixo, onde o sangue e a raça têm seu arche, seu começo primordial que atualizam a cada vez os ritos (aqui aqueles da sepultura). A oposição do humano e do divino é aquela de dois espíritos divididos sobre o espírito, quer dizer tanto sobre o sentido do Universal e do singular quanto sobre o movimento que os une. [Maldiney]


Coulanges (A cidade antiga, Anchor, 1956) afirma: “O verdadeiro significado de familia é propriedade: designa o campo, a casa, dinheiro e escravos” (p. 107). Mas essa “propriedade” não é vista como vinculada à família; pelo contrário, “a família é vinculada ao lar, o lar é ligado ao solo” (p. 62). O importante é que “a fortuna é imóvel como o lar e o túmulo aos quais está vinculada. O homem é que se vai” (p. 74). [ArendtCH, 8, Nota]


Coulanges menciona uma observação de Aristóteles de que, nos tempos antigos, o filho não podia ser cidadão enquanto o pai estivesse vivo; quando este morria, somente o filho mais velho gozava de direitos políticos (A cidade antiga, Anchor, 1956, p. 228). Coulanges afirma que a plebs romana consistia originalmente de pessoas sem lar e que, portanto, era claramente distinta do populus Romanus (p. 229 ss.). [ArendtCH, 8, Nota]


A expressão “o uso dos corpos” (he tou somatos chresis) aparece no início de Política (1254b 18) de Aristóteles, na parte em que se define a natureza do escravo. Aristóteles acabara de afirmar que a cidade é composta de famílias ou casas (oikiai) e que a família, em sua forma perfeita, é composta de escravos e homens livres (ek doulon kai eleutheron; os escravos são mencionados antes dos homens livres — 1253b 3-5). Três espécies de relações definem a família: a relação despótica (despotike), entre o senhor (despotes) e os escravos; a relação matrimonial (gamike), entre marido e mulher; e a relação parental (technopoietike), entre o pai e os filhos (7-11). Aquela entre senhor e escravo, se não for a mais importante, pelo menos é a mais evidente, e isso é sugerido — além de ter sido a primeira a ser mencionada — pelo fato de Aristóteles esclarecer que as duas últimas relações são “anônimas”, carecem de nome próprio (o que parece implicar que os adjetivos gamike e technopoietike sejam apenas uma denominação imprópria forjada por Aristóteles, enquanto todos sabem o que é uma relação “despótica”). [Agamben; AgambenUC:21]


Aqui só nos interessa registrar o uso lógico e metodológico desse conceito, que é recentíssimo. Uma “família de conceitos” é um conjunto de conceitos entre os quais se estabelecem relações diversas que não sejam redutíveis a um só conceito ou princípio. É precisamente o que ocorre entre os membros de uma família humana, os quais nem sempre têm uma única propriedade comum, e, mesmo quando têm, ela não resume nem esgota toda a semelhança familiar. O uso dessa noção implica, portanto, o esforço de procurar sempre novas relações entre os conceitos, sem que seja necessário reduzir essas relações a um só tipo. O primeiro a propor e a empregar essa noção foi Wittgenstein (Philosophical Investigations, § 110). Essa obra foi publicada em 1953, mas alguns anos antes seus conceitos fundamentais já eram conhecidos; o conceito de família foi utilizado por Weismann em Introdução ao pensamento matemático (Einführung in das mathematische Denken, 1936; trad. it., 1939). Cf. sobre o mesmo conceito: Abbagnano, Possibilita e liberta, 1956, passim. (Abbagnano)