êxtase

(gr. ekstasis, ação de estar fora de si), movimento pelo qual nosso espírito parece sair de nós mesmos e participar de uma realidade superior e universal (Deus, a natureza ou a história). — Os neoplatônicos (particularmente Plotino) viam no êxtase o ato pelo qual a alma se aniquila em Deus. Contudo, distingue-se o êxtase positivo (segundo o qual a alma realiza-se e expande-se em Deus, ou na natureza. . .) e o êxtase negativo (segundo o qual a alma aniquila-se em Deus). A teologia distingue o êxtase natural, o êxtase diabólico e o êxtase divino, reconhecíveis respectivamente pela lassidão, desordem ou alegria que os acompanham. A psico-fisiologia reduz a um só os três casos acima e limita seu domínio à análise do comportamento extático: fixidez do olhar contrastando com um estado geral de exaltação intensa, “inaccessibilidade’ do indivíduo aos outros seres e, de maneira geral, ao mundo exterior. A filosofia moderna, e principalmente o existencialismo, retomou o termo “êxtase” num novo sentido: ele não mais consiste em sair fora da existência (êxtase “evasivo”); identifica-se ao próprio ato de existência (do lat. ex-sistere, sair de si), que consiste em manifestar-se exteriormente e, em geral, em agir, em sair do próprio ser, mas precisamente para fazer alguma coisa de novo (êxtase “fundante”, na medida em que designa um caráter fundamental da existência humana). (Larousse)


G. ekstasis L. Ecstasis, éxtasis; F. Êxtase; It. Estasi; I. Ecstasy; A. Ekstase.

Psicfisl.: Estado particular do espírito de tal forma absorvido por uma ideia ou certa ordem de ideias, que as sensações e percepções permanecem suspensas, como inibidas por atuação estranha, e a própria ação vital mostra-se muitas vezes amortecida. Assim, pode considerar-se, cientificamente, o êxtase como simples estado de monoideísmo, de aniquilação da vontade e da personalidade.

Filos.: Segundo B. de Saint-Hilaire, o sentido filosófico não se afasta do etimológico: mudança de estado; o que quer dizer: outra situação anímica. Para Franck, Dic, a palavra “êxtase” não se encontra na língua filosófica antes de Fílon e dos alexandrinos. Em Plotino, consiste numa intuição simplificadora e unitiva do entendimento; conhecimento superior ao sensível e ao intelectual comum, que diviniza a alma. Para alguns historiadores, a palavra “êxtase” basta para explicar completamente todo o misticismo.

Em Mysticisme paien et mysticisme chrétien, in Mystique, 68, trata-se de três espécies de misticismo, correspondentes a três formas de êxtase: 1.°) O que, por processos físicos e fisiológicos, confina com o delíquio cataléptico do pensamento; é o êxtase ritual do paganismo; 2.°) o que, por um processo de contenção mental, obtém um monoideísmo vizinho do inconsciente: é o êxtase intelectual dos alexandrinos; 3.°) o que, por um “élan” espontâneo da atividade afetiva, ultrapassa e ofusca por um tempo a atividade sensorial e discursiva do espírito, para produzir um “super-pensamento” enriquecedor: é o êxtase judaico-cristão. [Soares]


(gr. ekstasis; lat. extasis; in. Ecstasy; fr. Êxtase, al. Ekstase; it. Estasi).

Fase supra-intelectual da ascensão mística para Deus, fase em que a busca intelectual de Deus cede lugar a um sentimento de estreita comunhão ou mesmo de identificação com ele. Essa palavra (que na linguagem comum significa, além de arrebatamento, pasmo ou exaltação) foi empregada no sentido acima enunciado por várias correntes religiosas da filosofia alexandrina e especialmente pelos neoplatônicos. Fílon caracterizava o êxtase como “transformação da inteligência”, uma transformação que não é realizada pela própria inteligência, mas diretamente por Deus (Ali. leg., II, 31-32). Plotino caracteriza o êxtase como a supressão da alteridade entre aquele que vê e a coisa vista, e como identificação total e entusiástica da alma com Deus. “Não é mais uma visão”, diz ele, “mas um modo diferente de ver: êxtase é simplificação e doação de si mesmo, desejo de contato, repouso e compreensão de conjunção” (Enn., VI, 9, 11). A linguagem do amor, especialmente do amor entendido como unidade, é frequentemente empregada pelos místicos para descrever o estado de êxtase. E o que muitas vezes faz Plotino (p. ex., Enn., VI, 7, 34), e o que farão os místicos medievais, para quem essa noção foi transmitida sobretudo graças às obras do pseudo Dionísio Areopagita. Para ele, o grau mais elevado da ascensão mística é a deificação(v), ou seja, a transformação do homem em Deus (De mystica theol., I, 1). É desse modo que Bernardo de Clara vai (séc. XI) entende o êxtase, chamando-o também de excessus mentise considerando-o supremo grau da contemplação, em que a alma se une a Deus assim como uma gota d’água que cai no vinho dissolve-se e adquire o sabor e a cor do vinho (De diligendo Deo, 11, 28). É também dessa maneira que os místicos de S. Vítor consideram o êxtase Segundo Ricardo de S. Vítor, êxtase é o ápice do último grau da ascensão a Deus, ou seja, da alienação da mente de si mesma (De prae-paratione ad contemplationem, V, 2). E S. Boaventura, por sua vez, vê no êxtase a elevação acima de si mesmo, até a fonte do amor supra-intelectual. É um estado de douta ignorância, no qual a obscuridade dos poderes cognoscitivos transforma-se em luz sobrenatural (Breviloquium, V, 6)”. Essa noção passou sem mudanças para os místicos alemães do séc. XIV (Eckhart, Suso, Tauler). Giordano Bruno utilizou a terminologia mística do êxtase (raptus mentis, excessus mentis) no seu diálogo Degli eroici furori para indicar a conjunção do intelecto “heroico” com “o seu objeto, que é a primeira verdade ou a verdade absoluta” (I, 4), aliás, a própria natureza.

Na Idade Moderna, o êxtase nesse sentido atraiu sobretudo a atenção dos psicólogos e dos psiquiatras, que não conseguiram perceber nenhuma diferença, a não ser no conteúdo intelectual, entre o êxtase religioso e o êxtase produzido por condições anormais da vida psíquica ou por drogas (cf. J. H. Leuba, The Psychology of Religious Mysticism, 1925, especialmente cap. IX). Segundo Pierre Janet, em todos os casos o êxtase caracteriza-se por: 1) supressão quase completa da atividade motora e disposição à imobilidade; 2) atividade mais ou menos intensa do pensamento interno; 3) grande sentimento de alegria (De l’angoisse à l’extase, 1928, p. 497). (Abbagnano)


Êxtase é um termo cobrindo esferas de significação bastante distintas: dá-se o mesmo nome a experiências dissemelhantes como aquelas dionisíacas, dos xamãs Tongus, dos medicine-men australianos, dos dervixes ou de Teresa de Ávila.

Alguns autores utilizam como equivalente de «transe», dando assim uma conotação de experiências e técnicas que têm em comum um estado de «dissociação mental». Para outros autores, se aplica a três situações diferentes:

  • aquela da possessão, onde o sujeito está sob o domínio de uma ou várias atividades insólitas;
  • aquela do transe hipnótico ou mediúnico, onde o sujeito é passivo, mas concretamente vivo;
  • aquela da catalepsia, onde o sujeito está tão privado de todas as suas faculdades, até a parada da respiração e do pulso, e ter a aparência de um morto, embora depois após seus retorno à vida seja capaz de contar suas percepções e conhecimentos adquiridos «em espírito».

O verbo grego ex-istano (existao, existemi), de onde o nome ek-stais, indica a ação de deslocar, levar para fora, mudar algo ou um estado de coisas, em seguida sair, deixar, se afastar, abandonar. O elemento comum a toda família lexical é aquele de separação e por vezes degenerescência. O campo semântico tão amplo da palavra se relaciona a ideia de disjunção, com a implicação psico-sociológica de: «sair dos quadros que regram, em circunstâncias históricas dadas, os critérios de normalidade». Em todo caso, parece que a hipótese de E. Rhode, segundo a qual ekstasis teria designado, na antiga Grécia, a separação da alma do corpo, não tem nenhum fundamento filológico: «a palavra designa desvios mentais mais ou menos acentuados, mas não aparece jamais nos contextos onde se esperaria se Rhode tivesse razão».

De todo modo, a experiência de separação da alma do corpo é familiar à Grécia antiga. Isto pressupões, certamente, uma certa concepção, explícita ou implícita, da alma e de suas relações com o corpo. Arbman distingue dois tipos de alma: alma corporal, cuja função exclusiva é manter as funções vitais do vivente, e alma livre, que pode abandonar o corpo em estado de catalepsia ou de inconsciência (transe).

Quanto à possessão, se discute se seria pela perda da alma e sua substituição pelos espíritos, ou em sem perda da alma.


Do grego ek = fora de; stasis = estado.

Segundo Pierre Riffard, estado de consciência vivido como uma separação da alma do corpo e como uma união da alma com um princípio, a sensibilidade sendo suspensa.

Formas:
*êxtase comum: exaltação
*êxtase mórbido: delírio, alucinação, fantasma.
*êxtase místico: união com Deus ou um Princípio, acompanhada de beatitude.
*êxtase xamânico: ascensão celeste ou descida infernal ou viagem espacial com uma objetivo prático (ver os ancestrais, cura, etc.)


Particularmente criativas foram as experiências de êxtase dos xamãs, ou seja, suas viagens ao céu ou ao mundo dos mortos. Representando uma separação momentânea da alma e do corpo, o êxtase era, e ainda o é, considerado uma antecipação da morte. O xamã era capaz de viajar por mundos espirituais e ver seres sobrenaturais (deuses, demônios, espíritos dos mortos) e, por isso, contribuir extensivamente para o conhecimento da morte.

Com toda probabilidade, muitas características da “geografia funerária” assim como de temas da mitologia da morte, resultam de experiências extáticas dos xamãs. As terras vistas por ele e as personagens que encontra em suas viagens extáticas ao outro mundo são minuciosamente descritas pelo próprio xamã, durante ou após seu transe. Dessa forma, o mundo desconhecido e terrificante da morte adquire forma e é organizado segundo padrões especiais. Finalmente ele se estrutura e, com o passar do tempo, torna-se familiar e aceitável. Por sua vez, os habitantes sobrenaturais do mundo da morte tornam-se visíveis, mostram uma forma, uma personalidade, mesmo uma biografia. Aos poucos, o mundo dos mortos torna-se cognoscível. Em suma, os relatos das viagens extáticas dos xamãs contribuem para a “espiritualização” do mundo dos mortos, ao mesmo tempo que o enriquecem com formas e configurações fabulosas.

Há também uma semelhança impressionante entre as narrações de êxtase xamânicos e alguns temas épicos das literaturas orais da Sibéria, Ásia Central, Polinésia e algumas tribos norte-americanas. Da mesma forma que o xamã desce aos infernos em busca da alma de um doente, também o herói épico vai ao mundo dos mortos e, após vencer várias provas, consegue resgatar a alma da pessoa morta, como na conhecida lenda da luta de Orfeu para trazer de volta a alma de Eurídice.

Além do mais, um grande número de motivos dramáticos míticos e folclóricos envolve viagens às regiões fabulosas de além-mar ou aos confins do mundo. Obviamente, essas terras míticas representam o reino dos mortos. É impossível traçar a origem ou “história” dessas geografias funerárias, mas elas relacionam-se direta ou indiretamente com as diversas concepções do outro mundo, as mais conhecidas das quais são a subterrânea, a celestial e as terras de além-mar. (Eliade)