Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo

Tanto no seu grande tratado Economia e sociedade (basta ver o capítulo “Tipos de comunidade religiosa”) como nos Escritos de sociologia da religião, Weber estudou a relevância social das formas religiosas de vida. O ponto de partida da história religiosa da humanidade é um mundo repleto do sagrado e, em nossa época, o ponto de partida é aquilo que Weber chama de desencantamento do mundo (Entzauberung der Welt).

Como comenta Raymond Aron, “O mundo no qual o capitalista vive, no qual vivemos todos nós, soviéticos e ocidentais, é feito de matéria ou de seres à disposição dos homens, destinados a serem utilizados, transformados, consumidos e desprovidos de toda sedução carismática”. Essencialmente, o que tipifica a civilização contemporânea, na opinião de Weber, é precisamente o desencanto do mundo: “A ciência nos faz ver na realidade externa unicamente forças cegas, que podemos dispor a nosso serviço, mas não pode fazer sobreviver nada dos mitos e da divindade com que o pensamento dos primitivos populava o universo. Nesse mundo desprovido de encantos, as sociedades humanas evoluem para uma organização mais racional e sempre mais burocrática”.

Não podemos nos deter aqui nos interessantíssimos problemas levantados no grande tratado Economia e sociedade. Entretanto, é obrigatório pelo menos acenar ao famoso livro de Weber A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de 1905. Weber define o capitalismo como a existência de empresas que têm como objetivo o máximo lucro a atingir através da organização racional do trabalho. A característica distinta do capitalismo é a união da vontade de lucro com a disciplina racional. O auri sacra fames encontra-se mais ou menos em todas as sociedades, mas o que talvez só tenha acontecido uma única vez é a satisfação desse desejo não pela conquista, a aventura ou a especulação, mas com a disciplina e a ciência. Uma empresa capitalista visa à acumulação indefinida recorrendo à organização burocrática (que, ademais, sustenta Weber, não pode deixar de se desenvolver na sociedade moderna, qualquer seja a forma da propriedade dos meios de produção).

Weber está persuadido de que o capitalismo moderno deve a sua força propulsora à ética calvinista. A concepção calvinista em questão é a que se pode encontrar no texto da Confissão de Westminster, de 1647, resumida por Weber nos seguintes cinco pontos: 1) Existe um Deus absoluto e transcendente, que criou o mundo e o governa, mas que o espírito finito dos homens não pode captar. 2) Esse Deus, onipotente e misterioso, predestinou cada um de nós à salvação ou à danação, sem que, com nossas obras, possamos modificar um decreto divino já estabelecido. 3) Deus criou o mundo para a sua glória. 4) Esteja destinado à salvação ou à danação, o homem tem o dever de trabalhar pela glória de Deus e criar o reino de Deus sobre esta terra. 5) As coisas terrenas, a natureza humana e a carne pertencem ao mundo do pecado e da morte; a salvação não pode ser para o homem senão dom totalmente gratuito da graça divina.

Esses diferentes elementos podem-se encontrar dispersos em outras concepções religiosas, mas a combinação de tais elementos, precisa Weber, é original e única, com consequências verdadeiramente de grande importância. Antes de mais nada, encontra aqui sua conclusão aquele grande processo históricoreligioso de eliminação do elemento mágico do mundo (Entzauberung), processo que se iniciou com as profecias judaicas e prosseguiu com o pensamento grego. Não há comunicação entre o espírito finito e o espírito infinito de Deus. Em segundo lugar, a ética calvinista está ligada a uma concepção anti-ritualista que leva a consciência ao reconhecimento de uma ordem natural que a ciência pode e deve explorar (R. Aron).

Ademais, há o problema da predestinação. Para os calvinistas, “a certitudo salutis, no sentido do reconhecimento do estado de graça, devia assumir importância absolutamente predominante. Em toda parte onde se afirmou a doutrina da predestinação apareceu o problema de saber se havia sinais certos pelos quais se pudesse reconhecer a pertença aos electi”. Pois bem, os calvinistas viram o sucesso mundano na própria profissão o sinal da certeza da salvação. Essencialmente, as seitas calvinistas acabaram por encontrar no sucesso temporal, sobretudo no sucesso econômico, a prova da eleição divina. Por outros termos, o indivíduo é impelido a trabalhar para superar a angústia em que é mantido pela incerteza de sua salvação.

Há mais, porém: a ética protestante ordena ao crente desconfiar dos bens deste mundo e praticar conduta ascética. A essa altura, está claro que trabalhar racionalmente em função do lucro e não gastar o lucro, mas reinvesti-lo continuamente, constitui comportamento inteiramente necessário ao desenvolvimento do capitalismo. Aí está, portanto, a afinidade espiritual entre um comportamento protestante e o comportamento capitalista. Como dizia Marx em O Capital: “Acumulai, acumulai, dizem a Lei e os profetas”. Pois bem, segundo Max Weber, a ética protestante fornece uma explicação e uma justificação para aquela estranha conduta— da qual não há exemplo nas civilizações não ocidentais — caracterizada pela busca do máximo lucro, não tendo em vista o seu desfrute, e sim o seu reinvestimento. [Reale]