esquema

Na teoria kantiana (criticismo) do conhecimento, o esquema desempenha o papel de membro intermédio entre os puros conceitos do entendimento (as “categorias”) e os fenômenos mutáveis da sensibilidade e possibilita a aplicação das categorias aos dados sensoriais. Ele próprio é de ordem sensível, “produto da imaginação”, ou seja, um determinado modo de ser dado no tempo; mercê de sua universalidade, tem afinidade com o conceito. Assim, por exemplo, o esquema correspondente ao conceito de causalidade é a sucessão regular dos fenômenos no tempo, a qual possibilita pensar como causa o fenômeno que regularmente antecede, e como efeito o que se segue. Ocasionalmente, fala Kant não só de esquemas dos conceitos puros do entendimento (“esquemas transcendentais”), mas também de esquemas dos conceitos empíricos (p. ex., do conceito “cão”), que apresentam simplificados os traços essenciais da forma. A “maneira de o entendimento proceder com os esquemas” dá Kant o nome de esquematismo do entendimento puro. Na teoria escolástica do conhecimento, ao esquematismo de Kant corresponde a atividade da “vis cogitativa” (conhecimento sensorial), a qual reúne de tal sorte as impressões sensoriais, que as formas intuitivas surgem como representações de “coisas”, às quais se refere a atividade abstrativa do entendimento. VIDE instinto (sobre as junções do esquema no instinto) — De Vries [Brugger]


Os conceitos puros do entendimento, em Kant, são heterogêneos das intuições e mais ainda das intuições sensíveis. Contudo, esses conceitos devem aplicar-se, de certo modo, aos fenômenos se os juízos formulados acerca deles tiverem de ter um caráter universal e necessário (isto é, conter um elemento a priori sem o qual não seria possível uma ciência da natureza). Estabelece-se assim aquilo a que Kant chamado problema da subsunção das intuições nos conceitos puros. Em suma, há que investigar como podem aplicar-se os conceitos puros do entendimento (categorias) à experiência. Kant assinala que deve haver um elemento que seja homogêneo, por um lado, da aparência, de modo que se torne possível a aplicação da primeira à segunda. Trata-se de um elemento mediador, de uma representação mediadora que seja, num aspecto, intelectual, e, num outro aspecto, sensível. “Essa representação é o esquema transcendental”.

“O conceito do entendimento, diz Kant, contem a pura unidade sintética da diversidade em geral. O tempo, como condição formal da diversidade do sentido interno e, portanto, da conexão de todas as representações, contem uma diversidade a priori na intuição pura. Ora, uma determinação transcendental do tempo é homogénea da categoria que institui a sua unidade porquanto é universal e se baseia numa regra a priori. Mas, por outro lado, é homogênea da aparência enquanto o tempo está contido em qualquer representação empírica da diversidade. Assim se torna possível uma aplicação da categoria às aparências por meio da determinação transcendental do tempo, o qual, como esquema dos conceitos do entendimento, efetua a sua subsunção das aparências na categoria.

O esquema é sempre um produto da imaginação, mas não é uma imagem. O esquema de um conceito é “a ideia de um procedimento universal da imaginação” que torna possível uma imagem do conceito. Enquanto “a imagem é um produto da faculdade empírica da imaginação reprodutiva”, o “esquema dos conceitos sensíveis, como das figuras no espaço, é um produto e, por assim dizer, um monograma da pura imaginação a priori” por meio da qual se tornam possíveis as imagens.

São exemplos de esquemas: o esquema da grandeza (quantidade, enquanto conceito do entendimento, é o número – enquanto unidade devida ao engendramento do tempo no decurso da apreensão da intuição; o esquema da substância é a permanência do real no tempo; o esquema da necessidade é a existência permanente de um objeto; o esquema da causalidade é a sucessão temporal do diverso de acordo com uma regra.

Se considerarmos agora a causalidade, poderemos ver melhor em que consiste um esquema e, além disso, reparar num aspecto básico da epistemologia kantiana. Uma pura forma lógica do juízo, como a forma hipotética, não diz nada sobre a realidade. É mister derivar a categoria de relação (causalidade e dependência). Esta, por sua vez, não pode aplicar-se diretamente aos fenômenos. mas os fenômenos não revelam (como Hume afirmara) mais que a sucessão temporal sem um laço causal necessário e universal. A produção do esquema de causalidade mediador entre a categoria e a sucessão temporal permite, em contrapartida, afirmar que há sucessão temporal, de acordo com uma regra a priori.

O próprio Kant frisou a dificuldade do esquematismo do entendimento na sua aplicação às aparências, ao escrever que se trata de “uma arte oculta nas profundezas da alma humana cujos modos reais de atividade a Natureza nunca nos permitirá descobrir e abrir aos nossos olhos”. Kant afirmou, além disso, que o esquema é “só o fenômeno ou conceito sensível de um objeto de acordo com a categoria”. A dificuldade de aplicar a doutrina do esquematismo e a própria ideia de esquema suscitaram inúmeros comentários, em cujo pormenor não vamos entrar. [Ferrater]


(gr. skema; in. Scheme; fr. Schéma; al. Schema; it. Schemd).

No significado simples de forma ou figura, essa palavra é empregada comumente pelos filósofos. Foi Kant quem deu sentido específico a esse termo, entendendo com ele o intermediário entre as categorias e o dado sensível; esse intermediário teria a função de eliminar a heterogeneidade dos dois elementos da síntese, sendo geral como a categoria e temporal como o conteúdo da experiência. Nesse sentido o esquema ou, mais precisamente, o esquema transcendental, é “a representação de um procedimento geral graças ao qual a imaginação oferece sua imagem a um conceito” (Crít. R. Pura, Anal. dos Princ, cap. I). Kant distingue vários tipos de esquema, segundo os quatro grupos de categorias, e inclui neles o número (esquema da quantidade) e a coisalidade (esquema da qualidade). Em geral, os esquema são determinações do tempo e constituem, por isso, fenômenos ou conceitos sensíveis de objetos de acordo com uma categoria determinada Ubid., Anal. dos Princ, cap. I). O esquema foi entendido por Schelling de modo semelhante, distinguindo-se de imagem (em relação à qual é mais geral) e de símbolo; para Schelling, esquema era a “a intuição da regra segundo a qual o objeto pode ser produzido”, esclarecendo-se essa noção com o exemplo do artífice que deve criar um objeto de forma determinada e em conformidade com um conceito (System des transzendentalen Idealismus, 1800, III, cap. II, 3a época; trad. it., p. 183). Esse significado atribuído por Kant e Schelling é o único significado técnico dessa palavra, que às vezes ainda reaparece (cf., p. ex., Lewis, An Analysis of Knowledge and Valuation, p. 134). Fora dele, esse termo significa simplesmente modelo, imagem geral, forma (como ocorre, p. ex., em Bergson, Matière et mémoire, pp. 130 ss.; Énergie spirituelle, p. 161; La pensée et le mouvant, p. 216) ou projeto geral. [Abbagnano]