ERASMO, em latim Desiderius Erasmus, Roterodamus, humanista e filósofo holandês (Rotterdam c. 1469 _ Bale 1536). Filho ilegítimo, escolheu chamar-se Erasmus, isto é, “Amável”. Obtém uma bolsa para estudar em Paris, escreve na Inglaterra (1502) seu Elogio da loucura, que publicará em Paris (1511), fixa-se em Bale desde 1521, corresponde-se com Lutero, com os papas Júlio II e Clemente VII e compõe os Colóquios. Curioso em relação às ideias novas, humanismo e protestantismo, preocupou-se em sublinhar simultaneamente seus méritos (o que afastou dele os partidários da tradição) e seus limites (o que afastou dele os partidários da Reforma). Para o homem moderno, é um dos pioneiros do espírito de tolerância. (V. Elogio da loucura.) (Larousse)
Erasmo de Rotterdam, Desidério (1467-1536)
Conhecido como “o príncipe dos humanistas cristãos”, recebeu sua primeira educação entre os Irmãos da vida comum em Gouda (Holanda). Depois foi a Deventer, onde estudou a fundo o latim para ingressar mais tarde e fazer seus primeiros votos como cônego regular de Santo Agostinho (1486). Ordenou-se sacerdote e foi nomeado secretário do bispo de Cambrai. Praticamente desligado de seus compromissos monásticos e sacerdotais, durante vários anos deslocou-se para Paris (1495), Itália, Oxford, Lovaina, Inglaterra, onde visitou Oxford, e foi o primeiro professor de grego na Universidade de Cambridge (15111514). Durante esse tempo observou e estudou os movimentos humanísticos da Europa, criando uma rede de amigos e colaboradores de sua obra. Merece destacar-se a amizade que sempre professou, desde sua primeira visita à Ilha (1494), a Tomás Morus. Essa amizade, partilhada pelo inglês, deu lugar a estadas prolongadas de Erasmo em Londres e também a uma colaboração estreita entre ambos os humanistas no campo da tradução. A casa de Morus era o lar de Erasmo, onde escreveu sua famosa obra o Elogio da loucura em oito dias.
A partir de 1521, Erasmo mudou-se para Basileia, onde morou na casa de seu impressor J. Froben. Mudou sua residência para Friburgo (1529-1535), e voltou para morrer em Basileia.
Sua vida e atividade se ambientaram na Europa de seu tempo. Da Europa dessa época, Erasmo se preocupou com a política, a educação, os homens e a religião. De frente para essa Europa que bem conheceu, podemos traçar os temas e problemas objeto de sua preocupação:
a) Começa pelo problema do humanismo em sua primeira acepção: o retorno às letras antigas gregas e romanas. Erasmo encontrou nos modelos clássicos greco-latinos o modelo perfeito da humanitas. Durante os primeiros anos dedicou-se com paixão e fervor ao estudo do latim e do grego. A leitura, o comentário e a tradução dos autores clássicos serão o passatempo e exercício constante ao longo de toda a sua vida. Leu Homero, de quem “somente ao ver a obra dá-lhe alegria e o devora avidamente com os olhos”. Leu e traduziu Cícero: De officiis (1501); De amicitia (1520); De senectute (1520). A partir de 1509, fez edições de Plauto, Terêncio, Platão, Píndaro, Eurípides etc. Foi leitor assíduo de Sêneca e de Plutarco, de quem fez traduções e comentários. Riu com a graça e a ironia de Aristófanes, Marcial, Juvenal e, principalmente, de Luciano, seu autor favorito, cujos Diálogos traduziu a quatro mãos com Tomás Morus.
b) Esse retorno às fontes transformou-o no mais prestigiado editor dos clássicos de seu tempo. Junto com seus dois impressores Aldo Manúcio (Veneza) e J. Froben (Basileia), preparou, revisou, fez o prólogo de edições de Cícero, Suetônio, Tito Lívio, Plínio, Aristóteles, Demóstenes e Ptolomeu, além das já mencionadas. Para a compreensão e estudo dos clássicos, escreveu várias de suas primeiras obras, como o Antibarbarorum liber (1494), contra os que falam mal o latim; os Colloquia, para o exercício do latim (1495); os Adagia (1500); e, ao final de seus dias, Ciceronianus (1527).
c) Essa preocupação pelas fontes levou-o ao estudo dos documentos da Bíblia, particularmente o Novo Testamento, e da tradição cristã, refletida nos escritos dos padres. Já em 1516 publicou o Novum Instrumentam ou Novum Testamentum: uma edição bilíngue — grego e latim — do NT. Dos textos gregos fez sua própria versão latina, resultado de um confronto com os textos mais confiáveis.
Junto a esse estudo da Bíblia, citamos a série de estudos, comentários e edições dos padres, principalmente de Jerônimo, João Crisóstomo, “Cipriano, Agostinho etc.
d) Sua atividade literária não se encerrou aqui. Ao longo de sua vida, junto às edições de clássicos greco-latinos e cristãos, sucedeu-se uma série de obras nas quais apareceu o chamado erasmismo. Com seus livros, dirigiu-se às diversas classes e condições sociais de seu tempo — crianças, casais, príncipes, papas, cristãos em geral — , aos quais transmitiu uma nova forma de educação cristã e humana. Nesta linha estão De civilitate morum puerilium (1526); Declamatio de pueris statim ac libenter instituendis (1529); Institutio Christiani Matrimonii (1526); Vidua Christiana (1529). Estes foram precedidos por obras mais conhecidas como o Enchyridium Militis Christiani (1503); o Encomium stultitiae — Elogio da loucura — (1511), e Institutio Principis Christiani (1516).
e) A atividade literária de Erasmo dirigiu-se, finalmente, para os problemas políticos e religiosos de seu tempo. Odiou visceralmente a guerra, que para ele era antimoral e anti-evangélica, sejam guerras internacionais, sedições ou guerras civis. A paz, ao contrário, era um fim em si mesmo que se deve conseguir a qualquer custo. Em todas as suas obras volta a esse tema da paz e da guerra como um obsessão. O Evangelho é uma mensagem de paz, a guerra é o anti-Evangelho. Por isso escreveu seus dois livros sobre a paz contra as guerras de Júlio II: Julius exclusus e coelis (1513) e em especial o Querellapacis (1516).
f) A situação religiosa, todavia, causou-lhe maior preocupação. Para ele, a Igreja de seu tempo apresentou a distopia: a corrupção e a desordem máxima na hierarquia eclesiástica, as ordens religiosas, os reis e príncipes que se diziam cristãos. A experiência de uma Igreja e de uma sociedade afastadas do ideal do cristão fará com que ele deixe as palestras para lançar-se contra papas, bispos, abades e clérigos que desmentiam em sua pessoa e em seu ofício o nome e o ideal de cristãos. Sua correspondência epistolar e suas obras pediram e prepararam uma reforma da Igreja in capite et in corpore. Lutero verá nele um de seus mais fortes aliados, mas perceberá também de quanto se diferenciava dele na sua maneira de entender a reforma cristã.
— Que nos resta de Erasmo? Evidentemente, Erasmo não é um teólogo profundo nem um reformador social radical. Seu pensamento religioso segue uma linha de evolução que o leva a amadurecer, em uma cada vez mais meditada ortodoxia.
— Fica para nós sua radical sinceridade que o leva a detestar o farisaísmo. Esse homem paradoxal e polêmico amou e defendeu a pura espiritualidade do cristianismo. Sua philosophia Christi, baseada na Christi sodalitas, tem um conteúdo profundo capaz para armar o cristianismo e defender-se de seus inimigos. Advoga por uma religião de conversão interior, de retorno à Escritura e aos padres, assim como de exigência, de harmonia social e de paz entre as nações.
— Deixa-nos sua crítica à sociedade e à Igreja, principalmente no Elogio da loucura. “A publicação da Moria — diz Bataillon — tão agressiva, sob o véu da ironia, contra tudo o que parecia morto no catolicismo, põe Erasmo na vanguarda dos inovadores.” Esse livro representa um novo estilo e um novo modo de compreensão das ideias. Através da sátira aos soldados, mercadores, príncipes, sábios, teólogos, monges e prelados, conduz-nos ao paradoxo de uma sabedoria mais elevada: a sabedoria cristã.
— Permanece, finalmente, a “excepcional eficácia dos livros de Erasmo. Carregado com os tesouros da Antiguidade cristã e com tudo o que a cristandade poderia reivindicar da herança greco-romana, Erasmo soube administrar esses bens com surpreendente consciência das necessidades do mundo moderno. Falou a esse mundo com a linguagem familiar; séria o necessário para seduzi-lo. Foi sábio e edificante, refinado e popular” (Bataillon).
— Para a Espanha, concretamente, Erasmo “gozará de maior crédito intelectual entre os espanhóis do que em nenhum outro povo europeu” (J. L. Abellan). Foi ao mesmo tempo iluminação e progresso das luzes. Ofereceu à Espanha o que tem de mais íntimo e universal. Enriqueceu o seu patrimônio de forma imperecedoura” (Bataillon).
BIBLIOGRAFIA: Opera. Leyden 1703-1706,11 vols.; reimpressão em Hildesheim 1961-1962; Opus epistolarum. Oxford 1906s., 9 vols.; Obras escogidas. Tradução, comentários e notas de L. Riber. Madrid 1971; Elogio de la locura. Tradução de Pedro R. Santidrián. Madrid 31985; M. Bataillon, Erasmo en Espana. México. (Santidrián)