Será a estética uma ciência unitária, ou antes um aglomerado de investigações particulares, heterogêneas e absolutamente independentes? Ao que se pode responder que as investigações estéticas devem estender-se a quatro domínios diferentes, para a estética satisfazer ao seu objetivo:
1.° A estética tem por objetivo analisar e explicar psicologicamente a emoção estética (em função das suas condições internas e externas); tal é o objetivo especial da estética psicológica.
2.° A estética deve fornecer ao mesmo tempo uma teoria da criação artística, já analisando-a psicologicamente, já investigando as suas condições individuais e sociais, já estudando a sua origem na espécie humana ou nos mais remotos esboços e nas relações primitivas da arte e da civilização humana.
3.° A estética, como ciência objetiva, trata da arte, do sistema das diversas artes e das obras de arte, das suas propriedades, dos seus meios especificamente artísticos, das suas leis, da sua técnica, e, adentro de cada arte, trata ainda do sistema das formas fundamentais (no sentido mais lato do termo).
4.° A investigação estética estende-se igualmente ao vasto domínio da cultura estética. O nosso instinto estético não se exterioriza de forma alguma apenas na criação de obras de arte. O senso artístico do homem manifesta-se muito mais e muito mais diretamente quando procuramos impregnar esteticamente toda a nossa existência e embelezar a sua forma externa. Revestimos esteticamente e embelezamos o nosso corpo, o nosso vestuário, os nossos instrumentos e utensílios e todas as condições externas da vida.
De maneira nenhuma se deve identificar este quarto domínio da estética com o mencionado em terceiro lugar; só um exame superficialíssimo nos induziria a semelhante identificação. Criar obras de arte, que por si mesmas devem agradar e imprimir uma forma esteticamente agradável aos objetos que quotidianamente nos rodeiam, ou procurar embelezar a nossa vida, são coisas completamente diferentes. Nos dois casos manifestam-se tendências «toto genere» diferentes; no primeiro, a tendência puramente artística, sem subordinação a qualquer fim utilitário; no segundo, a tendência cultural propriamente dita, que tem em vista um fim prático. A cultura do belo subordina-se inteiramente às necessidades práticas da vida; a criação duma obra de arte prescinde totalmente delas. Estes dois lados da atitude estética devem, portanto, ser examinados independentemente. Uma estética que desejar satisfazer realmente ao seu objetivo deverá elaborar todos domínios, e da precedente síntese das tendências estéticas da atualidade vemos que elas se estendem de fato a todos estes problemas.
Mas não são estes diversos domínios da estética de natureza totalmente diferente?
Que tem que ver, por exemplo, a psicologia da emoção estética com o estudo da obra de arte ou com a cultura estética?
Basta pôr está questão para vermos claramente que, isoladamente consideradas, nenhuma das concepções da estética acima expostas é capaz de satisfazer a estes objetivos. Nem a estética puramente psicológica nem a objetiva podem, do seu ponto de vista, tratar todos estes problemas sem os subsumir a pontos de vista totalmente inadequados.
A única concepção possível da estética por meio da qual se satisfaça simultaneamente a toda a sua extensão e à natureza específica dos seus diversos ramos é aquela que encara, como seu problema fundamental, a compreensão e a explicação omnímoda da atitude estética do homem para com o mundo, na sua caraterística diferença da atitude teórica e prática.
A atitude estética do homem, porém, tanto pode ser fruir como criar, e entre a emoção estética e a criação artística existe um nexo íntimo.
Mas, para se compreender plenamente a criação artística, é naturalmente necessário compreender também o seu produto, a obra de arte, e bem assim a sua influência geral sobre a nossa forma de vida (a cultura estética).
Por isso, concebo o objetivo da estética em geral e a unidade interna dos seus objetivos particulares da seguinte maneira: no domínio dos fatos estéticos não se trata apenas duma espécie particular de fenômenos conscientes, como sustenta a estética psicológica, mas duma atitude «sui generis» do homem para com o mundo, que deve ser examinada pela estética científica sob o seu aspecto objetivo e subjetivo e cuja natureza específica é mister separar e distinguir da atitude cognitiva, prática e moral do homem, mediante determinados caracteres.
Daqui se deduz facilmente como, por meio desta simples fórmula, a aparente heterogeneidade dos domínios estéticos desaparece completamente e se estabelece a sua unidade.
Com efeito: olhando do nosso ponto de vista, o domínio estético a investigar em primeiro lugar é a atitude do homem na emoção e apreciação estética; o segundo objeto da estética é a atitude produtiva ou representativa e criadora do artista e do diletante; o terceiro domínio abrange então os diversos produtos ou «obras» da criação artística, que se agrupam em determinados domínios da representação e criação estética segundo a unidade do seu objetivo e dos seus meios (o mundo da arte, das artes e as diversas obras de arte). As obras de arte também são, por sua vez, objetos de apreciação e emoção estética e devem, portanto, ser examinados sob um duplo aspecto: como produtos da criação artística e como objetos de apreciação e emoção estética.
O quarto domínio é a atitude estética em relação a todas as condições externas e internas da nossa existência, ou a extensão da atitude estética a essas condições vitais (a cultura estética).
0 sistema completo de investigações estéticas que resulta desta concepção forma o tronco duma estética empírica com os seus diversos ramos.
Pode-se todavia questionar se, a par desta estética empírica, não será possível construir ainda uma estética filosófica, no sentido dum sistema de juízos e noções estéticas, ou até mesmo uma metafísica do belo? Deixamos essa questão por solucionar; mas, se uma estética filosófica é possível, ela só se poderá construir sobre os alicerces duma estética empírica.
E. Meumann, A Estética Contemporânea, trad. do Dr. Feliciano dos Santos, pp. 63-67.