criticismo

toda doutrina fundamentada unicamente sobre a auto-reflexão. (Opõe-se ao dogmatismo.) — Kant foi o promotor do criticismo: substituiu a questão da origem do mundo (que era a da teologia e (que é, objeto da ciência), analisa do fundamento de nosso conhecimento. Toda filosofia que, em lugar de querer conhecer o mundo (que é o objeto da ciência), analisa nosso conhecimento do mundo, é uma filosofia crítica. Vê-se que o criticismo remonta a Platão e que sua vocação é de ser um idealismo. Os filósofos críticos, depois de Kant, foram principalmente Fichte (a filosofia crítica opõe-se então à filosofia da natureza, de Schelling), H. Cohen (para quem ela se reduz à teoria lógica do conhecimento), Dilthey (que estende a reflexão crítica ao domínio das ciências humanas), Husserl (que fundamenta o conhecimento intelectual sobre a intuição, a crítica sobre a fenomenologia), Lask (que faz a síntese do criticismo e da fenomenologia). [V. Kant.] (Larousse)


Em oposição ao dogmatismo, que pressupõe sem exame a validade de nosso conhecimento, especialmente do conhecimento metafísico, e ao ceticismo, para o qual a dúvida universal continua sendo a última palavra, o criticismo em geral (1) é aquela atitude mental, que torna dependente de uma prévia investigação da capacidade e limites do nosso conhecimento o destino da filosofia especulativa, e principalmente o da metafísica. Na maior parte dos casos, o termo “criticismo” (como frequentemente os terminados em -ismo) tem um sentido acessório censurável, denota um excesso de crítica, uma super-acentuação unilateral da atitude crítica. Na acepção (2) estrita, histórica, criticismo designa a filosofia, nomeadamente a epistemologia, de Kant. Como muitos de seus conceitos fundamentais passaram para o léxico filosófico universal, e o sentido dos mesmos dificilmente poderá ser compreendido, a não ser dentro do arcabouço de todo o edifício doutrinal, passamos a dar, numa visão de relance, os pontos mais importantes de sua doutrina e uma interpretação de seus conceitos fundamentais, uma vez que estes não são objeto de estudo peculiar noutro lugar desta obra.

A confusão existente nas doutrinas metafísicas mostrou a Kant a necessidade de preliminarmente inquirir se a nossa razão, em geral, é apta para o conhecimento metafísico. Dando a este exame o nome de Crítica da razão pura, pretende com isso indicar desde logo uma importante pressuposição, que ele estabelece já tacitamente desde o início: toda metafísica, e em geral todo conhecimento universal absolutamente válido, deve fundamentar-se num “conhecimento puro”, numa “razão pura”, isto é, num conhecimento ou razão independente da experiência (sensação). Todos os conteúdos conscienciais que se verificam mediante uma “afeção”, um “ser afetado” dos sentidos, ou seja, mediante uma impressão que os sentidos recebem das coisas em si, são e permanecem meramente sensíveis, meramente “empíricos” e acidentais: Kant afastou para longe a ideia de que o entendimento, por meio de uma abstração criadora possa extrair daqueles um conteúdo intelectual. Donde procedem pois os conhecimentos absolutamente necessários, tais como surgem nos juízos sintéticos a priori (síntese) da matemática e, como Kant admite, também da ciência natural “pura” ? Uma “intuição intelectual” puramente espiritual, como fonte dos mesmos conhecimentos, não vem ao caso, porque nosso entendimento não é um “entendimento intuitivo” (tal é, para Kant, apenas a inteligência divina, na medida em que faz brotar de si as coisas reais). Ao nosso entendimento pertence tão-somente a espontaneidade do pensamento, isto é, a unificação (a síntese) ativa da multiplicidade dada na intuição sensorial em ordem à unidade de um objeto, o que acontece pelo fato de o múltiplo ser reduzido a um só conceito. Deve, portanto, haver “conceitos puros”, que se baseiem no entendimento independentemente de toda experiência (a priori) e sejam o fundamento primitivo da necessidade e da universalidade incondicionadas dos conhecimentos científicos: tais conceitos são as categorias. Mas também a intuição sensível, caracterizada por sua receptividade (capacidade de receber impressões), em oposição à intuição intelectual criadora e ao pensamento, deve basear-se em formas da “intuição pura”, porque, p. ex., na geometria, relações espaciais intuitivas são conhecidas como absolutamente necessárias. Surge, assim, para Kant a tarefa de descobrir, por meio de uma investigação transcendental de nossas faculdades cognitivas, o número completo das formas a priori da intuição e do pensamento.

A Estética transcendental realiza esse propósito, no que tange à sensibilidade, cujas formas apriorísticas se deduz serem as intuições de espaço e de tempo. A Analítica transcendental investiga o “entendimento” julgador e deduz das diversas classes de juízos os conceitos puros do entendimento ou categorias. Como tais conceitos não são abstraídos de um objeto dado, a validade dos mesmos não pode fundamentar-se na experiência; pelo contrário, sua justificação {“dedução”) só pode ser transcendental, isto é, eles são apresentados como princípios constitutivos do conhecimento; sem eles não pode haver “objeto” do conhecimento, isto é, não pode haver unidade universalmente válida de uma multiplicidade sensorial, nem juízo universalmente válido. A condição suprema de todo conhecimento objetivo é a apercepção transcendental, ou a autoconsciência, à qual são referidos todos os conteúdos conscienciais; e por tal motivo ela é a suprema condição de toda unidade objetiva. Da dedução transcendental infere-se a limitação de nosso conhecimento ao mundo dos sentidos, o qual, enquanto tal, não existe em si, mas unicamente como mundo de fenômenos, constituído por nossa intuição espacial e temporal. Porque, sem a matéria sensível, as categorias são conceitos ocos, pelos quais podemos, sem dúvida, pensar, de maneira inteiramente indeterminada, a coisa em si, nunca porém “conhecê-la”, isto é, determiná-la em sua essência, em sua maneira de ser. Contudo o conceito de coisa em si e de todo o mundo inteligível, ou seja, do mundo real, cognoscível apenas mediante uma intuição intelectual, continua sendo um “conceito limitenecessário para “delimitar as pretensões da sensibilidade” (visto que, se não houvesse coisa alguma por detrás dos fenômenos, estes mesmos seriam o ser último, incondicionado). Portanto, segundo Kant, o ente em si não está sujeito às condições da sensibilidade (espaço e tempo). Isto aplica-se também ao eu em si e ao seu “caráter inteligível”, o qual, na livre atuação própria, sem qualquer sucessão temporal, põe o “caráter empírico” do indivíduo e a série inteira das ações empíricas temporais entre si enlaçadas com rigorosa necessidade causal.

Sendo assim, devido aos resultados da analítica transcendental, toda metafísica científica se torna impossível. A dialética transcendental, que se lhe segue, mediante a investigação dos conceitos da razão ou ideias orientadoras do pensamento raciocinante, discute explicitamente com a metafísica racionalista coeva, procurando apresentar como ilusão transcendental os argumentos racionais por ela invocados. Estas ideias deduzidas (bastante artificiosamente) dos modos de raciocínio, são: a ideia cosmológica, ou ideia do mundo como súmula de todos os fenômenos; a ideia psicológica, ou ideia do eu como unidade incondicionada do sujeito pensante; e a ideia teológica ou, ideia de Deus como condição incondicionada de todos os objetos do pensamento em geral. Não se chega a demonstrar teoreticamente que a estas ideias corresponda um ser em si. A tentativa conduz necessariamente a antinomias, paralogismos, isto é, a raciocínios falsos (sobretudo na psicologia especulativa, que confunde o sujeito transcendental indeterminado com a substância simples da alma) e às provas da existência de Deus (VIDE provas da existência de Deus) que, segundo Kant, são outrossim falazes. O sentido positivo das ideias é apenas o de serem princípios reguladores do conhecimento; isto é, devem incitar-nos a aproximar-nos, mediante um constante progresso do pensamento, da unidade incondicionada de um sistema, embora nunca logremos alcançar esse objetivo. Sem dúvida, a razão teorética ou especulativa não pode descobrir nas ideias qualquer espécie de contradição; de sorte que a ideia de Deus, em especial, continua sendo o “ideal da razão pura”. Por esta forma fica patente o caminho para uma metafísica irracionalística, que deve mostrar a liberdade da vontade, a imortalidade da alma e a existência de Deus como postulados da razão prática.

Para a influência histórica do criticismo, idealismo, idealismo alemão, neokantismo. A crítica do criticismo deve atender principalmente às suas bases e pressuposições: consciência, abstração, conhecimento da essência, princípios do conhecimento. — De Vries. (Brugger)


(in. Criticism; fr. Criticisme, al. Kritizismus; it. Criticismo).

Doutrina de Kant, nos pontos básicos pelos quais agiu na filosofia moderna e contemporânea, e que podem ser assim resumidos: 1) Formulação crítica do problema filosófico e, portanto, condenação da metafísica como esfera de problemas que estão além das possibilidades da razão humana. 2) Determinação da tarefa da filosofia como reflexão sobre a ciência e, em geral, sobre as atividades humanas, a fim de determinar as condições que garantem (e limitam) a validade da ciência e, em geral, das atividades humanas. 3) Distinção fundamental, no domínio do conhecimento, entre os problemas relativos à origem e ao desenvolvimento do conhecimento no homem e o problema da validade do próprio conhecimento, isto é, distinção entre o domínio da psicologia (Kant disse “fisiologia”, Crít. R. Pura, § 10) e o domínio lógico-transcendental ou lógico-objetivo, onde tem lugar a questão de jure da validade do conhecimento, insolúvel no terreno de facto. Essa distinção equivale à descoberta da dimensão lógico-objetiva do conhecimento que deveria inspirar a filosofia dos valores, a Escola de Marburgo, o logicismo de Frege e, através de Bolzano, a fenomenologia de Husserl. Em geral, pode-se dizer que a polêmica da matemática e da lógica moderna contra o psicologismo tem origem histórica no criticismo kantiano; 4) Conceito de moralidade fundada no imperativo categórico e conceito de imperativo categórico como forma da razão em seu uso prático.

Esses pontos constituem as características comuns de todas as formas de criticismo e de neo-criticismo. Não constituem, porém, traços característicos ou dominantes do criticismo os fundamentos da doutrina kantiana de arte, teleologia e religião; sobre eles, v. verbetes correspondentes. (Abbagnano)


Um erro só se encontra verdadeiramente ultrapassado e superado no momento em que nele se descobriram as razões profundas e os secretos encaminhamentos. Tendências tão fortes como aquelas que conduziram, desde a antiguidade, tantos espíritos eminentes na direção do ceticismo, do criticismo ou do idealismo, não podem estar desprovidas de fundamento. O que se encontra, pois, na origem destas filosofias?

A certeza de nosso conhecimento se funda originariamente na percepção sensível. Ora, tanto devido à modalidade do seu objeto como às condições subjetivas demasiado complexas, esta percepção permanece envolvida em uma grande obscuridade e, portanto, sujeita a inúmeros erros. Donde essas hesitações e essas incertezas que, não tendo sido dominadas por uma visão mais compreensiva das coisas, conduziram numerosos espíritos ao ceticismo. Por uma reação bastante compreensível, um Platão ou um Descartes, para citar apenas os maiores, creram reencontrar a evidência destacando do mundo dos sentidos um mundo inteligível perfeitamente distinto. A clareza é aparentemente obtida, mas conhecimento sensível e conhecimento intelectual dissociados um do outro se opõem novamente como dois universos bastante difíceis de harmonizar. Se não nos prendermos então a um paralelismo bem pouco esclarecedor, ou se deslizará, seguindo a via do empirismo inglês, na direção de um sensualismo inveterado, ou, de preferência, voltando as costas ao sensível e ao mundo que representa, rumar-se-á na direção das ideias; daí a afirmar que só as ideias existem, não há senão um passo. Dissociação demasiado radical entre o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual, tal é a razão primeira, e sem dúvida a mais ativa, da gênese das filosofias idealistas.

Venha juntar-se a esses primeiros discernimentos a hipótese de que, na elaboração do seu objeto, o espírito seria talvez uma potência ativa de determinação e, com Kant, comprometemo-nos com o caminho do idealismo construtor. E se nos dermos conta então — o que não é inexato — de que o pensamento perfeito é aquele que se toma a si mesmo como objeto, será suficiente apenas uma certa audácia para nos persuadir de que somos este pensamento perfeito, ou pelo menos de que somos participantes deste pensamento, trazendo assim tudo a esta perspectiva: a filosofia confunde-se com a ciência de Deus. Este último passo, no rastro de Fichte e Schelling, Hegel o deu.

Na origem de todo este processo, cujos momentos se organizam com uma certa lógica, se encontra, portanto, esta dissociação entre natureza e espírito, entre a sensação e a ideia, contra a qual Aristóteles houvera já tão vivamente tomado partido. O conhecimento humano, é preciso afirmar com este filósofo e em conformidade com a experiência, é, de maneira indissolúvel, sensível e intelectual: tema do realismo solidamente estabelecido fora do reconhecimento deste fato primitivo. (Gardeil)