crítica da razão histórica

A obra de Wilhelm Dilthey (1833-1911) representa uma articulada e tenaz tentativa de construção de “crítica da razão histórica”. Em outros termos, a intenção de Dilthey é a de fundamentar a validade das ciências do espírito (Geisteswissenschaften). Contrário à filosofia da história de Hegel, ele também é avesso ao positivismo, que reduz o mundo histórico à natureza ao pretender aplicar ao mundo histórico o esquema causal-determinista, que, para Dilthey, só é válido para a natureza.

E, embora Dilthey esteja de acordo com os neocriticistas em relação ao “retorno a Kant”, ele pretende levar a problemática do criticismo ao interior das ciências histórico-sociais, que tratam de homens que não são apenas conhecimento, mas também sentimento e vontade. Dilthey, portanto, pretendeu concluir uma “crítica da razão histórica”. E não devemos de modo algum esquecer que ele próprio foi historiador, como atestam os seus trabalhos Vida de Schleiermacher (1867-1870), A intuição da vida no Renascimento e na Reforma (1891-1900), A história do jovem Hegel (1905-1906), Experiência vivida e poesia (sobre o romantismo, 1905) e As três épocas da estética moderna (1892).

Já na Introdução às ciências do espírito (que é de 1883), Dilthey sustentava que as ciências da natureza e as ciências do espírito se diferenciam antes de mais nada por seu objeto. O objeto das ciências da natureza constituem-no os fenômenos externos ao homem, ao passo que as ciências do espírito estudam o mundo das relações entre os indivíduos, mundo do qual o homem tem consciência imediata. A diferença dos objetos de estudo implica na diferença gnosiológica: é a observação externa que nos dá os dados das ciências naturais, ao passo que é a observação interna, isto é, o Erlebnis (experiência vivida), que nos dá os dados das ciências do espírito.

E também são diferentes as categorias ou conceitos de que se servem as ciência do espírito: as categorias de significado, objetivo, valor e assim por diante não pertencem às ciências da natureza. Escreve Dilthey: “Nós compreendemos os fatos sociais do interior: é-nos possível reproduzi-los até certo ponto em nós, baseando-nos na observação dos nossos próprios estados; e, intuindo-os, acompanhamos a representação do mundo histórico com o amor e o ódio, com toda a gama dos nossos afetos. A natureza, porém, é muda para nós (…). A natureza nos é estranha. Ela é para nós algo de externo, não de interior. A sociedade é o nosso mundo”. E esse mundo humano, que tem o seu centro no indivíduo, se configura — através das relações dos indivíduos — em sistemas de cultura e de organizações sociais que possuem existência histórica. A estrutura do mundo humano é estrutura histórica.

Nas Ideias para uma psicologia descritiva e analítica (1894) e nas Contribuições ao estudo da individualidade (1895-1896), Dilthey enfrenta respectivamente o problema da psicologia analítica (diferente da psicologia explicativa de tipo possitivista) como fundamento das outras ciências do espírito e o problema da relação entre uniformidade e identificação histórica: as ciências do espírito estudam tanto as leis e a uniformidade dos fenômenos como os acontecimentos em sua singularidade e o “tipo” tem a função de ligar esses dois opostos. Por outro lado, neste último escrito, Dilthey parece persuadido de que o Erlebnis não pode ser considerado como fundamento exclusivo das ciências do espírito: a experiência interna deve ser integrada com o Verstehen (entender), que é reviver (Nacherleben) e reproduzir (Nachbilden), porque só assim se terá a compreensão dos outros indivíduos. [Reale]