Face à explicação mecanicista do psiquismo, encontrava Aristóteles a doutrina, de que um dia participou, do dualismo platônico das substâncias. Se a alma não pode ser confundida com os elementos corporais ou com seu comportamento, não se poderia então dizer que é uma entidade espiritual separada do corpo e cuja ação sobre este se exerceria do exterior, como a ação de um motor?
“Platão e os que o seguiram pretenderam que a alma intelectiva não é unida ao corpo como a forma à matéria, mas somente como um motor ao móvel; diziam que a alma está no corpo como um piloto no navio, e que não havia união entre a alma e o corpo somente por um contato de ordem dinâmica”. Cont. Gentil. II, c. 57
Entre os numerosos argumentos colocados pela crítica aristotélica para rechaçar a fórmula dualista do homem, dois parecem ter sido decisivos:
1. Se alma e corpo constituem cada qual uma unidade substancial autônoma, não se vê como, de sua associação, possa resultar uma verdadeira unidade de ser. Nesta hipótese, só se pode falar em unidade acidental: “relinquitur igitur quod homo non sit unum simpliciter, et per consequens nec ens simpliciter, sed ens per accidens” (Loc. cit.). De nada serve pretender, para escapar a esta dificuldade, que a alma é o homem, aparecendo o corpo somente como um instrumento usado pela alma pois, neste caso, o homem, cuja essência total seria de ordem espiritual, não pertenceria mais ao mundo das coisas físicas, o que é contrário à experiência. Não se pode deixar de compreender o componente corporal na definição mesma do ser humano.
2. Também não se vê como, na solução platônica, é ainda possível falar de operações comuns à alma e ao corpo, como temer, irritar-se ou ter sensações que, sendo psíquicas, determinam modificações corporais. É, pois, necessário que haja entre a alma e o corpo uma verdadeira unidade de ordem ontológica. Note-se que não se escapa, no platonismo, à dificuldade da explicação dos movimentos comuns ao corpo e à alma, dizendo que ativamente eles procedem da alma enquanto que são passivamente recebidos no corpo. É bem verdade que os seres espirituais, os puros espíritos por exemplo, podem agir sobre os corpos, e neste caso falar-se-á de contato, mas de um contato somente dinâmico, e que não realiza a função dos dois termos: “as coisas que se unem segundo um contato deste gênero não são absolutamente unas: são unas na atividade e na passividade, o que não é ser uno absolutamente” (Con. Gent. II, c. 56). Sendo agir e padecer dois predicamentos distintos, cai-se realmente no plano da ação, no dualismo do espiritual e do corporal.
A unidade do vivente, manifestada de tantas maneiras, requer, pois, que entre os dois princípios que se deve nele distinguir, a alma e o corpo, haja mais que a simples associação do motor e daquele que se move. É então que se nos apresenta a solução original e tão notável de Aristóteles. [Gardeil]