Nosso corpo é o primeiro objeto que encontramos no mundo. No entanto, embora quotidianamente possamos “separar” com facilidade o “nosso” corpo das “coisas do mundo”, uma rápida análise nos mostra que tal separação não é muito clara em seus fundamentos. Quotidianamente, o que “eu sou” e o que “não sou” são experiências “óbvias”, mas um alucinogênico forte ou um estado psicótico são suficientes para modificar ou mesm eliminar a fronteira entre o “eu” e “mundo”: em casos patológicos clássicos o paciente deixa de experimentar partes de seu corpo (as mãos, ou as pernas, por exemplo) como sendo ligadas a seu “eu”; por outro lado, uma pessoa drogada pode experimentar os móveis do quarto, a própria casa e até o mundo como parte de seu corpo. A “realidade” do corpo, conforme a conhecemos, é função da ontologia do quotidiano, pois só no quotidiano ela se manifesta. E no quotidiano, o nosso corpo possui extensões no mundo: são os objetos. Enquanto que a pertinência a meu “eu” de meus braços, pernas e órgãos constantemente se reafirma pelo influxo de sensações, a pertinência a meu “eu” do objeto só se revela em sua ausência: “sinto falta” do relógio favorito, ou da caneta preferida. São objetos ligados a mim. “Lamento” que meu carro novo esteja quebrado; andar de táxi não é a mesma coisa, desde que o carro (em sua existência como objeto) é um “símbolo do status”. O objeto se liga a nós, porque em sua ausência “sentimos sua falta”, nos sentimos mutilados, um pouco desequilibrados. Mas por que o objeto se liga a nós? E com que ele nos liga? [Francisco Doria – DCC]