(gr. ἀνδρεία, andreia; lat. fortitudo; in. courage; fr. courage; al. Muth; it. coraggio).
Uma das quatro virtudes enumeradas por Platão, chamadas depois de cardeais, e uma das virtudes éticas de Aristóteles. Platão define-a como “a opinião reta e conforme à lei sobre o que se deve e sobre o que não se deve temer” (República, IV, 430 b). Aristóteles define-a como o justo meio entre o medo e a temeridade (Ética a Nicômaco, III, 6, 1.115 a 4). Mas como virtude que constitui a firmeza de propósitos, a coragem é, de certo modo, privilegiada e considerada uma das virtudes principais. Foi o que fez Aristóteles (Ibid., III, 7). Cícero afirmava: “Virtude deriva de vir (homem), sendo a coragem sobretudo viril, ou seja, própria do homem; seus principais atributos são dois: desprezo pela morte e desprezo pela dor” (Tusc, II, 18, 43). O mesmo é dito por S. Tomás (Suma Teológica, II, II, q. 123, a. 2). Em sentido biológico-filosófico, a coragem foi definida por K. Goldstein: “A coragem, em sua forma mais profunda, é um sim dito à laceração da existência aceita como necessidade, para que possamos realizar plenamente o ser que nos é próprio”. Nesse sentido, a coragem é o contrário da angústia, sendo uma atitude orientada para o possível, ainda não realizada no presente (Der Aufbau des Organismus, 1934, p. 198). [Abbagnano]
Do grego andreia, virtude consistindo, segundo Platão, na força da alma face aos perigos exteriores e a paciência nas provações. A coragem é a segunda das quatro virtudes cardeais (sabedoria, coragem, temperança e justiça) cuja posse define a perfeição moral. Na análise platônica, estas virtudes, postas como condição da ciência moral, são pensadas como conceitos dos quais se trata de estabelecer a universalidade por via indutiva (Laches 190d-193d; Protágoras 358b-359e). [Notions philosophiques]
Nesta medida, da declaração socrática segundo a qual a coragem é um saber e, em particular, o saber do que há a temer e a ousar o que resulta de concreto para a prática é que tal homem só é, em sentido socrático, corajoso, i. e., só pode manifestar coragem em situação, se de uma forma ou de outra souber o que, nessa situação, deve ousar e deve temer, quer dizer, se souber calcular o que é mais temível nessa mesma situação e o que, portanto, deve ousar, justamente para se furtar ao mais temível. Pelo contrário, aquele outro que se atira intempestivamente para diante, por exemplo em tempo de guerra, não é necessariamente corajoso; na realidade, pode até ser, do ponto de vista psicológico, um timorato, que anula o seu medo-pânico do ruído e da morte por uma irrefletida fuga para a frente. O corajoso é apenas aquele que, na mesma circunstância, manifesta uma postura tranquila e que só avança se de alguma forma souber que aquilo que o espera, se ficar, é mais temível (e. g., o vício, para a alma) do que o que o pode aguardar, se avançar (e. g., a morte, para o corpo). E, deste modo, nenhuma instância empírica particular pode ameaçar esta lição, porque justamente só pode alegar em seu favor a aparência exterior dos comportamentos e das ações, que aqui justamente nada provam: com efeito, pela mera avaliação do espetáculo exterior, poderíamos catalogar como corajoso aquele que para Sócrates é um simples temerário ou mesmo um covarde e caracterizar tragicamente como covarde aquele que é, na circunstância, o verdadeiro corajoso. Numa palavra, não é a avaliação das condutas, mas tão-só o exame socrático dos saberes, que pode decidir da coragem ou da covardia dos agentes.
Todavia, esta identificação do corajoso com o que sabe o que há a temer e a ousar não redunda na drástica redução dos corajosos a um único presumível, i. e., o próprio Sócrates. Na verdade, se um primeiro critério (o que acabámos de ver) permite conciliar a instância com a explicação negando pura e simplesmente a sua coragem e mostrando-a como mera temeridade ou covardia, existe um outro modo de operar essa conciliação, qual é o de aceitar a descrição de tal homem como uma instância de coragem, desde que ela seja outrossim uma instância do saber, i. e., do saber «o que há a temer e a ousar».
Nesta perspectiva, todos aqueles homens corajosos de que Vlastos nos falava [«os homens mais corajosos que conheci», diz ele, «teriam certamente reprovado o exame Socrático da coragem»; e continua, um pouco mais adiante: «Para [afirmar] isto, preciso apenas de me cingir ao fato; que um homem pode possuir uma grande coragem e no entanto fazer figura de tolo quando abre a boca para explicar o que é isso que possui»] podem até ser tal, de um ponto de vista socrático: mas isso só é possível porque todos eles sabem, de algum modo, o que há a temer e a ousar. E o simples fato de esses verdadeiros corajosos, i. e., os que, em situação, sabem o que há a temer e a ousar, eventualmente não saberem que o sabem (quer dizer, não o saberem de modo plenamente consciente), que é o que na realidade a objeção finalmente objetaria, é neste ponto marginal, porque o saber que é aqui necessário supor não é tanto um critério exterior e objetivo, pelo qual os outros e o próprio pudessem discriminar uma ação ou uma pessoa corajosa, mas algo cuja radicação no sujeito deve ser tão naturalmente suposta como a naturalidade que imediatamente atribuímos à própria coragem no entendimento vulgar; e isso é, evidentemente, aquilo mesmo a que nos obriga a identificação da coragem com o saber, enquanto explicação da empiria, pois que as condições que anteriormente estávamos dispostos a atribuir à coragem tout court devem agora ser integralmente transferidas para esta «coragem-que-é-saber». [MesquitaPlatão:60-61]