constituição

O vocábulo “constituição” tem significados muito diferentes que, embora centrados na ação de fundar, oscilam entre a criação e a simples ordenação dos dados. Isto acontece sobretudo quando o ato de constituir e o caráter constitutivo se referem a certas formas de relação entre o entendimento e o objeto apreendido por este. Kant chama, por exemplo, constitutivos aos conceitos puros do entendimento ou categorias porquanto constituem “fundam, estabelecem” o objeto do conhecimento; a função das categorias é, portanto, a de fazer do dado algo constituído “disposto, ordenado” em objeto de conhecimento em virtude do que nele é estabelecido. Em contrapartida, as ideias – em sentido kantiano – são reguladoras; não constituem o mencionado objeto por funcionar no vazio, mas são diretrizes mediante as quais pode prosseguir-se até ao infinito a investigação. As categorias estão situadas entre as intuições e as ideias; as primeiras são necessárias ao conhecimento; porque são sua condição; as segundas não facilitam o conhecimento, porquanto não são leis da realidade, mas permitem que o conhecimento possa apresentar os seus problemas e solucioná-los dentro dos limites traçados pelo uso regulador. Esta significação primeiramente gnoseológica, da constituição levanta problemas de tal índole que, a partir de Kant especialmente dentro do chamado idealismo pós-kantiano, a questão torna-se decididamente metafísica. Com efeito, na medida em que prime o construtivismo do eu transcendental e em que se acentue, como em Fichte, o primado do estabelecido sobre o dado, o constituir não será já só o estabelecer o objeto enquanto objeto. Neste sentido, podemos dizer que o construtivismo idealista fez aproximar a constituição da criação. O problema da constituição e do constitutivo converteu-se desde então num problema capital para muitas correntes filosóficas, mesmo para aquelas que rejeitaram explicitamente as bases construtivas do idealismo. Por exemplo, as investigações de Husserl têm em conta a questão do significado do estabelecido do objeto na consciência e, por conseguinte, destacam o problema levantado pela constituição da realidade. E isso a tal ponto que o livro segundo das ideias é consagrado uma série de “investigações fenomenológicas para a constituição”, no decurso das quais se procede a uma descrição da constituição da natureza material, da natureza animal, da realidade anímica através do corpo, da realidade anímica na empatia e do mundo espiritual. O problema da constituição foi examinado também – embora num sentido predominantemente epistemológico – nos debates em torno do primado do constitutivo ou do regulador que tiveram lugar, explícita ou implicitamente, em várias correntes filosóficas contemporâneas, desde as neokantianas às pragmatistas, dando assim origem a duas opiniões opostas: o realismo metafísico-gnoseológico da constituição e o nominalismo quase radical da pura regulação e convenção. [Ferrater]


A redução transcendental, que não infringe o princípio da evidência, não abandona o plano da essência em benefício da existência. Tratar-se-á sempre de uma ciência «essencial», permitindo desenvolver sistematicamente todas as estruturas a priori do vivido, sendo dado que a exploração do eidos, do sujeito tem por corolário a do mundo. Esta exploração, tendo em vista que a intencionalidade é um ato, Husserl designá-la-á também «constituição». A fenomenologia transcendental é constituição transcendental de todos os sentidos de ser dos objetos existentes: «Quem quer que seja que se oponha a mim como objeto existente recebeu para mim… todo o seu sentido de ser da minha intencionalidade efetuante e não haverá o mais pequeno aspecto deste sentido que permaneça subtraído à minha intencionalidade. Explicitar esta intencionalidade é tornar compreensível o próprio sentido a partir do caráter original da efetuação que constitui o sentido» (Logique, p. 315).

Uma das consequências mais notáveis do princípio da constituição — que nunca é construção ou produção reais, mas «produção» na evidência — é a nova dimensão que a fenomenologia transcendental confere à análise intencional. [Schérer]