coisa

O termo alemão correspondente “Ding” relaciona-se com “denken”: pensar, e portanto significa: “o pensado”. Corresponde-lhe, em latim, “res”, que se filia na mesma raiz do verbo “reor”: pensar, crer, e que portanto designa: “o que se pensa ou crê”. De fato. podemos distinguir, no significado do termo “coisa”, três etapas. Em primeiro lugar, coisa designa o ser individual concreto, tópico-temporal, que se nos apresenta na experiência sensível; assim falamos, p. ex., do “mundo das coisas”. Sem dúvida, pode também o homem ser denominado coisa; contudo habitualmente opomos o mundo das coisas ao homem, porque, dada a sua qualidade de pessoa espiritual, não o contamos entre as puras coisas. Em sentido mais amplo, coisa denota o objeto, acerca do qual falamos ou pensamos, formulamos proposições ou emitimos juízos. Assim compreendido, o termo “coisa” é sinônimo de algo, alguma coisa; abarca igualmente o abstrato (o número, a justiça) e o supra-sensível (Deus). Neste plano surge a questão epistemológica: É-nos acessível a coisa em si ? No mais profundo sentido metafísico, “res” (coisa) pertence às determinações fundamentais transcendentais do ser (Transcendentais) e, portanto, de todo ente em geral. “Coisa”, unida tão intimamente quanto possível ao “ente”, tem como conteúdo a essência estática, o “ser tal” do ente, ao passo que “ente” põe em destaque a existência dinâmica. — Lotz. [Brugger]


Os escolásticos consideraram o conceito de coisa como um dos conceitos dos transcendentais. A coisa é um dos cinco modos de ser e o seu modo de ser corresponde, em geral, ao de todo o ente. O conceito de coisa distingue-se do de ente só por uma distinção de razão raciocinante. Em contrapartida, o conceito de qualquer dos outros transcendentais não é de modo algum sinônimo do conceito de ente.

Por vezes, considera-se que as coisas são as entidades individuais, e em particular as existências materiais individuais. Estas definições têm o inconveniente de ser demasiado vagas (e o conceito de entidade individual não é de modo algum preciso) ou demasiado restritas (pois o conceito de coisa enquanto um dos modos de ser do ente tem maior extensão do que o conceito de coisa material).

Mais aceitável – embora não isento de dificuldades – é ligar o conceito de coisa ao conceito de substância. Em muitas ocasiões, ao falar de uma falamos da outra, como quando se diz, por exemplo: “a coisa com as suas propriedades”. Seja como for, uma vez que se introduziu o conceito de coisa, é mister indicar ainda de que coisas se trata quando se aplica aquele conceito. Um dos modos de entender o conceito de coisa consiste em contrapô-lo ao conceito de pessoa. Segundo alguns autores, esta contraposição é meramente mental ou conceptual. Certos pensadores (chamados impersonalistas) consideraram, com efeito, que a noção de pessoa pode sempre reduzir-se – ontológica ou metafisicamente – à de coisa. Outros pensadores (chamados personalistas) consideraram que a noção de coisa pode sempre reduzir-se – ontológica e metafisicamente – à de pessoa. Em ambos os casos, só uma das noções corresponde à realidade. Os autores impersonalistas eram normalmente metafisicamente realistas; os autores personalistas eram normalmente metafisicamente personalistas. Outros autores inclinam-se para considerar que a noção de coisa não exclui a de pessoa nem a de pessoa a de coisa; ambas se referem a realidades fundamentais cuja relação é mister então explicar. Do ponto de vista histórico, pode considerar-se que nos conceitos de coisa e de pessoa se expressam certas “concepções do mundo” prévias às várias filosofias alojadas em cada uma delas. Em certo sentido, do vocábulo coisa pode dizer-se que o pensamento grego clássico se inclinou para o predomínio da coisa. Isto equivale a um pensar do tipo “coisista” e substancialista. O conceito de pessoa, em contrapartida, vai-se introduzindo à medida que se reconhecem tipos de realidade não redutíveis ao fixo, ao estável, ao exterior, à figura, etc. De entre esses tipos de realidade, destacam aquilo a que se chama “vida íntima” ou “espírito”. O cristianismo contribuiu para destacar esses tipos de realidade. Em geral, pode dizer-se que na medida em que se predomina a ideia de ser como ser em si, predomina também a noção de coisa, e na proporção em que predomina a ideia de um ser como ser para si, predomina a noção de pessoa. [Ferrater]