(gr. agape; lat. caritas; in. Charity; fr. Charité; al. Nüchstenliebe; it. Carita).
É a virtude cristã fundamental porque consiste na realização do preceito cristão fundamental: “Ama o próximo como a ti mesmo”. S. Paulo foi quem mais insistiu na superioridade da caridade em relação às outras virtudes cristãs, quais sejam a fé e a esperança. “A caridade tudo suporta, em tudo tem fé, tudo sustenta… Agora existem a fé, a esperança e a caridade, essas três coisas; mas a caridade é a maior de todas” (Cor., I, 13, 7, 13). Para S. Paulo, a caridade é, substancialmente, o vínculo que mantém ligados os membros da comunidade cristã e faz dessa comunidade o próprio “corpo de Cristo”. Em seguida, a filosofia cristã viu na caridade sobretudo a ligação entre o homem e Deus. Tomás de Aquino define a caridade como “a amizade com Deus” e diz: “Essa sociedade do homem com Deus, que é quase uma conversa familiar com Ele, começa na vida presente por meio da graça e se aperfeiçoa no futuro por meio da glória; uma e outra são mantidas pela fé e pela esperança” (S. Th., II, 1, q. 65, a. 5). Sobre o conceito do amor cristão, v. Amor. Na linguagem comum, essa palavra às vezes é empregada no lugar de beneficência, isto é, para indicar a atitude de quem quer o bem do outro e se comporta generosamente para com ele. Mas a linguagem comum também conhece e usa o significado correto desse termo, ao dizer, p. ex., que “É preciso um pouco de caridade” a quem julga com demasiada severidade o seu próximo: nesse caso, obviamente, caridade significa amor ou compreensão. (Abbagnano)
Mencionada por S. Paulo, junto com a fé e a esperança, e chamada por ele a maior daquelas três. No Capítulo XIII da epístola I aos Coríntios, Paulo expôs a nova concepção cristã da caridade (agape). A posterior especulação teológica precisou o sentido do termo, designando a fé, a esperança e a caridade como virtudes teologais (teológicas), das quais a fé é a primeira como origem das outras, e a caridade é a primeira quanto à perfeição. A caridade, neste sentido teológico, é um princípio infuso por Deus, do qual emanam os atos daquela virtude. Em vista desse carácter infuso, a caridade cristã se distingue, fundamentalmente, da filantropia. A caridade é, primariamente, o amor de Deus, e, sem mudar a direção, secundariamente, o amor ao próximo e a si mesmo, considerando os homens nos laços sobrenaturais e naturais, que os unem a Deus, e na perspectiva, que vai além da vida terrestre.
Não obstante, a caridade tem em comum com a filantropia a preocupação pelo bem estar dos outros e daí resulta a acepção mais corrente do termo, que desconhecendo as perspectivas teológicas, identifica-o simplesmente com beneficência. Ainda assim, a caridade, concebida como beneficência, fica distinguida da virtude antiga da liberalidade, enquanto a caridade se deixa mover em virtude das relações existentes entre os homens, ao passo que a liberalidade é antes uma perfeição do indivíduo, e além disso não exclui segundas intenções egoístas.
A «bondade», por outro lado, é livre dessa suspeita e aproxima-se da caridade, porém muitas vezes designamos como bondade também um comportamento altruísta imprudente ou inativo.
Tanto na moral teológica, como na ética geral, é comum contrapor a caridade à justiça, como princípios diferentes do comportamento humano, conforme prevalece em um indivíduo a inclinação para o ideal de justiça ou para o de caridade. Assim podemos executar um e o mesmo ato no intuito de cumprir um dever sugerido pelo sentimento de justiça ou para atender a uma necessidade do próximo, que como caridade misericordiosa, sentimos como exigência nossa, cia nossa afetividade. O último procedimento se tem geralmente em conta de ser o mais perfeito. Mas, convém aplicar aqui dois pontos de vista diferentes, um da ética individual, e um sociológico, ante os quais, a justiça e a caridade aparecem em perspectivas diferentes. A compenetração mútua dos dois ideais é aludida pela fórmula encontrada em Leibniz: “A justiça é a caridade do sábio”. [MFSDIC]
AMOR — CARIDADE
VIDE: VIRTUDE; KHARIS; AGAPE; EROS
Paulo Apóstolo: I Coríntios, 13, 1-13, trad. do texto grego pelo cônego José Falcão
Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos Anjos, se não tiver caridade, não sou senão bronze que ressoa e címbalo que tange. Ainda que eu tenha o dom de profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que possua a fé em plenitude, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, nada sou. E ainda que reparta por inteiro os meus haveres e entregue o meu corpo a fim de ser queimado, se não tiver caridade, de nada me aproveita.
A caridade é paciente, a caridade é amável, não é invejosa; a caridade não se pavoneia, não se ensoberbece, não é inconveniente; não procura o seu interesse, não se irrita, não leva o mal em conta; não se alegra com a injustiça, congratula-se, ao invés, com a verdade. Tudo encobre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
A caridade nunca fenece. E as profecias? Serão abolidas. E as línguas? Hão-de cessar. E a ciência? Eliminar-se-á. É, de fato, imperfeitamente que nós conhecemos e imperfeitamente que profetizamos. Mas, quando vier o que é perfeito, o que é imperfeito abolir-se-á. No tempo em que eu era criança, falava como criança, sentia como criança, raciocinava como criança; mas, quando me tornei homem, desfiz-me do que era infantil. É que nós, presentemente, vemos em um espelho, de maneira confusa; então, será face a face. No presente, conheço de maneira imperfeita; então, conhecerei exatamente como fui conhecido.
Agora, subsistem a fé, a esperança e a caridade, essas três; mas a maior delas é a caridade.
Frithjof Schuon: O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA
-*O fundamento da caridade não é apenas compreender que os outros são nós mesmos — sendo todo homem “eu” -, mas, também, querer o nosso próprio bem. Se nossa personalidade imortal não fosse digna de amor, a do próximo também não o seria. “Odeia a tua alma” significa: odeia aquilo que, em ti mesmo, prejudica os teus últimos interesses.
-*…a caridade não poderia implicar que compartilhemos dos erros dos outros, nem que os outros escapem a um castigo que nós mesmos teríamos merecido, se compartilhássemos dos seus erros ou dos seus vícios, e assim por diante.
-*Na alma nobre há sempre um certo instinto de abnegação, pois o próprio Deus é o primeiro a transbordar de caridade e, antes de tudo, de beleza.
-*Não temos muito de que nos desculpar, visto que na religião do “nosso tempo” repete-se incansavelmente que o reino de Deus está fora de nós e que se deve admiti-lo por humildade, até por caridade.
-*…para eliminar um defeito, deve-se não só ter a intenção de eliminá-lo com vistas a Deus, e não para agradar os homens, como também entrar ativamente no molde da perfeição. E se é evidente que não se deve fazê-lo para agradar os homens, no entanto, é evidente que se deve fazê-lo também para não escandalizá-los e para não lhes dar mau exemplo. Aí está uma caridade que Deus exige de nós, visto que o amor de Deus exige o amor do próximo.
-*Seja como for: se o homem tradicional se anula por trás de uma regra de comportamento, certamente não é por hipocrisia; é por humildade e por caridade. Por humildade, por reconhecer que a regra tradicional tem razão e que é melhor do que ele. Por caridade, por não querer oferecer aos seus próximos o escândalo dos seus defeitos, muito pelo contrário: quer manifestar uma norma salutar, mesmo que pessoalmente não se situe ainda no seu nível.
-*A essência da dignidade não é somente a nossa deiformidade, mas também a humildade acompanhada da caridade. Essas duas virtudes compensam os riscos resultantes da nossa qualidade de imagem de Deus, participando ao mesmo tempo das Virtudes divinas, o que as integra em nosso teomorfismo. Este poderia nos tornar orgulhosos e egoístas, mas, quando apreendemos sua verdadeira natureza, vemos que, pelo contrário, nos obriga às perfeições não só do Senhor como também do servidor. É nesta complementaridade que reside todo o mistério do pontifex humano.
-*A caridade não exclui a cólera santa, assim como a humildade não exclui a altivez santa, ou a dignidade não exclui a alegria santa.