axioma

(gr. axioma; lat. axioma; in. Axiom; fr. Axiome; al. Axiom; it. Assioma).

Originariamente, essa palavra significava dignidade ou valor (os escolásticos e Vico usavam-na por dignidade) e foi empregada pelos estoicos para indicar o enunciado declarativo que Aristóteles chamava de apofântico (Dióg. L., VII, 65). Os matemáticos usaram-na para designar os princípios indemonstrávéis, mas evidentes, da sua ciência. Aristóteles fez a primeira análise dessa noção, entendendo por axioma “as proposições primeiras de que parte a demonstração” (os chamados axiomas comuns) e, em cada caso, os “princípios que devem ser necessariamente possuídos por quem queira aprender qualquer coisa” (An. post., I, 10, 76 b 14; I, 2, 72 a 15). Como tal, o axioma é completamente diferente da hipótese e do postulado. O princípio de contradição é, ele próprio, um axioma, aliás, “o princípio de todos os axiomas” (Met., IV, 3, 1.105 a 20 ss.). Esse significado da palavra como princípio que se mostra evidente de imediato, pelos seus próprios termos, manteve-se constante por toda a Antiguidade e a Idade Moderna. “Os princípios imediatos”, diz Tomás de Aquino (In I Post., Lição 5), “não são conhecidos mediante algum termo intermediário, mas por meio do conhecimento dos seus próprios termos. Dado que se saiba o que é o todo e o que é a parte, reconhece-se que ‘o todo é maior do que a parte’, já que, em todas as proposições dessa espécie, o predicado está compreendido na noção de sujeito”. A verdade do axioma é, em outros termos, manifestada pela simples intuição dos termos que entram na sua composição. Na verdade, o exemplo escolhido por Tomás de Aquino presta-se sobretudo a revelar o caráter fictício da evidência intuitiva de que dependeria a validade do axioma. A pouca distância cronológica de Tomás de Aquino, Ockham verificava que o princípio “a parte é maior do que o todonão vale quando se trata de todos que compreendem infinitas partes e que não se pode dizer que no universo inteiro haja mais partes do que numa fava, se numa fava há infinitas partes (Quodl, I, q. 9; Cent. theol., concl. 17, C). Após as pesquisas de Cantor e de Dedekind, sabemos hoje que esse pretenso axioma é, simplesmente, a definição dos conjuntos finitos (v. infinito). Por muitos séculos procurou-se justificar de um modo ou de outro a validade absoluta dos axiomas, mas essa validade não foi posta em dúvida. Bacon julgava possível obter axioma por via de dedução ou de indução (Nov. Org., 1,19), ao passo que Descartes julgava-os verdades eternas, que residem em nossa mente (Princ. phil., I, 49); ambos, porém, acreditaram que eram verdades imutáveis. Locke considerou os axiomas como proposições, experimentos, experiências imediatas (Ensaio, IV, 7, 3 ss.) e Leibniz, ao contrário, considerou-os princípios inatos na forma de disposições originárias que a experiência torna explícitas (Nouv. ess., I, 1, 5); mas ambos lhes atribuíram o caráter de verdades evidentes. Os empiristas não duvidaram de sua evidência mais do que os racionalistas; Stuart Mill afirma que eles são “verdades experimentais, generalizações da observação” (Logic, II, 5, § b). Para Kant, os axiomas também são evidentes, mas apriori; define-os como “princípios sintéticos apriori, na medida em que são imediatamente certos”. Para Kant, a certeza imediata, isto é, a evidência, é a característica dos axiomas A matemática possui axioma porque procede mediante a construção de conceitos. A filosofia, porém, que não constrói seus conceitos, não possui axioma Os próprios axiomas da intuição, que Kant pôs entre os princípios do intelecto puro, não são realmente axioma segundo o próprio Kant, mas simplesmente contêm “o princípio da possibilidade dos axiomas em geral” (Crít. R. Pura, Doutrina transc. do mét., Disciplina da razão pura, I).

Foi no mundo contemporâneo que a noção de axioma sofreu a transformação mais radical. A característica que o definia, ou seja, a imediação da sua verdade, a certeza, a evidência, foi negada. Esse resultado deve-se ao desenvolvimento do formalismo matemático e lógico, isto é, à obra de Peano, Russell, Frege e Hilbert. Segundo o ponto de vista formalista, que é o mais difundido atualmente, os axiomas da matemática não são nem verdadeiros nem falsos, mas são assumidos por convenção, com base em motivos de oportunidade, como fundamentos ou premissas do discurso matemático (Hilbert, “Axiomatischen Denken”, em Math. Annalen, 1918). Desse modo, os axiomas não se distinguem mais dos postulados e as duas palavras são hoje usadas indiferentemente. A escolha dos axiomas de certo modo é livre e, nesse sentido, diz-se que os axiomas são “convencionais” ou “assumidos por convenção”. Mas, na realidade, essa escolha é limitada por exigências ou condições precisas que podem ser resumidas do seguinte modo:

1) Os axiomas devem ser coerentes, sob pena de o sistema que deles depende tornar-se contraditório. Sistema contraditório é o que permite a dedução de qualquer coisa e a demonstração de qualquer proposição, bem como a sua negação. Como a prova da nãocontradição não pode ser obtida dentro de um sistema (v. axiomática), é costume lançar mão do sistema da redução a uma teoria anterior, cuja coerência pareça bem confirmada, como, p. ex., a aritmética clássica ou a geometria euclidiana. Esse procedimento sem dúvida não equivale a uma demonstração de não-contradiçào, mas fornece um indício importante. Outro procedimento é a realização, isto é, a referência do sistema a um modelo real, com base no pressuposto de que aquilo que é real deve ser possível, portanto não-contraditório.

2) Um sistema de axiomas deve ser completo no sentido de que, de duas proposições contraditórias formuladas corretamente nos termos do sistema, uma deve poder ser demonstrada. O que significa que, em presença de uma proposição qualquer do sistema, pode-se sempre demonstrá-la ou refutá-la e, portanto, decidir sobre a sua verdade ou falsidade em relação ao sistema dos postulados. Nesse caso, o sistema chama-se decidível.

3) A terceira característica de um sistema de axioma é a sua independência, isto é, a sua irredutibilidade recíproca. Tal condição não é tão indispensável como a da coerência, mas é oportuna para evitar que as proposições primitivas sejam excessivamente numerosas.

4) Enfim, o menor número possível e a simplicidade dos axiomas são condições desejáveis que conferem elegância lógica a um sistema de axiomas. [Abbagnano]


A proposição evidente por si mesma. — Distingue-se do postulado, que é simplesmente posto sem ser evidente. “Não há mais axioma na matemática moderna” (Legendre) e o valor dos princípios se mede pela riqueza das consequências. [Larousse]


Em grego de axios, valor, e axioma, estimativa.

a) Diz-se de cada proposição universalmente válida, que é evidente «ex ipsis terminis intelectis» (pela compreensão dos termos, sujeito e predicado: pela ligação intrínseca das respectivas ideias) e que, portanto, não precisa ou não pode ser provada.

b) Num sentido mais preciso ainda, chamam-se axiomas as proposições que constituem uma regra geral do pensamento lógico, em oposição aos postulados, que são concernentes a uma matéria especial.

c) Kant deu à palavra axioma um sentido mais estreito ainda, aplicando-a somente àqueles princípios a priori do entendimento puro, que são apreendidos pela intuição (Axiome der Anschauung, axiomas da intuição), o que significa que são relativas à categoria da quantidade e limitadas à esfera do espaço e do tempo.

d) Além dessas três definições bem estabelecidas, a palavra tem nos mais diferentes autores, em todos os tempos», um emprego muito confuso e às vezes arbitrário, que, porém, geralmente, gira em torno dos significados que o uso grego antigo fez da palavra.

Em síntese:

I) Eram entre os gregos, considerados axiomas as opiniões, ou dogmas de uma escola filosófica.

II) Consideração, estima, dignidade.

III) O que se julga verdadeiro e bom: opinião, doutrina.

IV) Proposição geral, enunciação, teorema.

V) Principio admitido como verdadeiro, do qual parte uma demonstração.

VI) Em geral, considerado como uma premissa evidente, que desnecessita de demonstração. Assim «-;o todo é maior do que qualquer de suas partes» é um axioma. [MFSDIC]


Originariamente, o termo “axioma” significa dignidade. Por derivação, chamou-se “axioma” a “aquilo que é digno de ser estimado, acreditado ou valorizado”; assim, na sua acepção mais clássica, o axioma equivale ao princípio que, pela sua própria dignidade, isto é, por ocupar certo lugar num sistema de proposições, se deve considerar como verdadeiro. Para Aristóteles, os axiomas são princípios evidentes que constituem o fundamento de qualquer ciência. Nesse caso, os axiomas são proposições irredutíveis, princípios gerais aos quais se reduzem todas as outras proposições e nos quais estas se apoiam necessariamente. O axioma tem, por assim dizer, um imperativo que obriga ao assentimento uma vez enunciado e entendido. Em suma, Aristóteles define o axioma como uma proposição que se impõe imediatamente ao espírito e que é indispensável, ao contrário da tese, que não se pode demonstrar e que não é indispensável. Os axiomas podem chamar-se também noções comuns, como os enunciados do tipo seguinte: “duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si”, “o todo é maior que a parte”. Por não se conseguir demonstrar esses axiomas houve a tendência para cada vez mais, se definirem os axiomas mediante as duas notas já atrás apontadas: indemonstrabilidade e evidência. às proposições que podiam ser demonstradas e não eram evidentes chamou-se teoremas. E as que não podiam ser demonstradas nem eram evidentes por si mesmas receberam o nome de postulados. Esta terminologia tradicional sofreu grandes alterações. Com efeito, baseia-se em grande parte numa concepção do axioma como proposição “evidente” e, portanto, está eivada de certo “intuicionismo” (em sentido psicológico), que nem todos os autores admitem. Impôs-se a mudança na terminologia a partir do momento em que se rejeitou que os axiomas fossem noções comuns e em que se viu que podem escolher-se diversos postulados, cada um dos quais dá origem a um sistema dedutivo diferente. Isto produziu um primeiro efeito: atenuar e até abolir completamente a distinção entre axioma e postulado. Para estas mudanças contribuíram sobretudo a matemática e a metalógica contemporâneas. Estas distinguem entre axiomas e teoremas. Os primeiros são enunciados primitivos (por vezes chamam-se também postulados) aceites como verdadeiros sem provar a sua validade; os segundos são enunciados cuja validade se submete a prova. Axiomas e teoremas são, portanto, elementos integrantes de qualquer sistema dedutivo. Usualmente, a definição do conceito de teorema requer o uso do conceito de axioma (bem como o uso dos conceitos de regra de inferência e de prova), enquanto o conceito de axioma se define por enumeração.

Pode, pois, dizer-se que houve duas correntes diferentes na concepção dos axiomas. Uma dessas correntes destaca a intuitividade e auto-evidência dos axiomas; a outra destaca a sua formalidade e inclusive recusa-se a adscrever a qualquer axioma o predicado “é verdadeiro”. Esta última corrente, dita formalista, foi a que mais se impôs no nosso tempo. [Ferrater]