apolíneo e dionisíaco

(in. Apollonian-dionysian; fr. Apollinien-dionysiaque; al. Apollinisch-dionysisch; it. Apollineo-dionisiacó).

A antítese entre apolíneo e dionisíaco foi expressa por Schelling como a antítese entre a forma e a ordem, de um lado, e o obscuro impulso criador, do outro. Esses dois aspectos devem ser reconhecidos em cada momento poético (Phil. der Offenbarung, 24, em Werke, II, 4, p. 25). Hegel, por sua vez, referia-se a essa antítese: “O verdadeiro é um triunfo báquico, onde não há ninguém que não esteja ébrio; e, como esse momento resolve todos os momentos que tendem a separar-se, ele é também uma transparente e simples tranquilidade” (Phänomen. des Geistes, intr., III, 2; trad.; it. p. 40). Retomada por Richard Wagner (Die Kunst und die Revolution, 1849), essa antítese foi popularizada por Nietzsche, que dela se valeu em Nascimento da tragédia (1871), para explicar a arte e a vida da Grécia antiga. O espírito apolíneo domina as artes plásticas, que são harmonia de formas; o espírito dionisíaco domina a música, que é, ao contrário, desprovida de forma porque é embriaguez e exaltação entusiástica. Foi só graças ao espírito dionisíaco que os gregos conseguiram suportar a existência. Sob a influência da verdade contemplada, o homem grego via em toda a parte o aspecto horrível e absurdo da existência: a arte veio em seu socorro, transfigurando o horrível e o absurdo em imagens ideais, por meio das quais a vida se tornou aceitável (Geburt der Tragödie, § 7). Essa transfiguração foi realizada pelo espírito dionisíaco, modulado e disciplinado pelo espírito apolíneo, e deu lugar à tragédia e à comédia. Mais tarde, Nietzsche viu no espírito dionisíaco o próprio fundamento da arte enquanto “corresponde aos estados de vigor animal” (Willezur Macht., § 361, ed. Kröner, 802). O estado apolíneo não é senão o resultado extremo da embriaguez dionisíaca, uma espécie de simplificação e concentração da própria embriaguez. O estilo clássico representa esse estado e é a forma mais elevada do sentimento de potência. A exemplo de Nietzsche, Spengler chamou de apolínea “a alma da cultura antiga que escolheu o corpo individual, presente e sensível, como tipo ideal de extensão”. Apolíneos são “a estática mecânica, os cultos materiais dos deuses do Olimpo, as cidades gregas politicamente isoladas, a sorte de Édipo e o símbolo fálico” (Untergang des Abendlandes, I, 3, 2, § 6). Essa caracterização, assim como a correspondente do faustismo é perfeitamente arbitrária e fantástica. (Abbagnano)


Essa oposição entre dionisíaco e apolíneo no interior da alma grega é um dos grandes enigmas pelo qual me senti atraído diante da essência grega. No fundo, me esforço para desvendar por que justamente o apolinismo grego havería de medrar a partir de um subsolo dionisíaco: o grego dionisíaco tinha necessidade de tornar-se apolíneo: isto é, tinha necessidade de quebrar a sua vontade de monstruoso, múltiplo, incerto e horrível com uma vontade de medida, simplicidade, ordenamento pela regra e o conceito. O sem medida, selvagem [Waste], asiático jaz em seu fundo: a coragem do grego consiste na luta com o seu asiatismo: a beleza não lhe é presenteada, tampouco como a lógica e a naturalidade do costume — ela é dominada, querida, conquistada com luta — ela é a sua vitória… [NIETZSCHE, Friedrich. A Vontade de Poder. Tr. Marcos Sinésio Pereira Fernandes e Francisco José Dias de Moraes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011, § 1050]