analiticidade

Segundo a ideia (ou o princípio) de analiticidade, todo objeto complexo deve ser reduzido a elementos mais simples; e essa redução deve ser levada o mais longe possível. O simples passa a ser considerado como a chave do complexo e não o contrário. A ideia subjacente é a de que só compreenderemos uma realidade complexa quando soubermos de que efeitos ela é constituída e como esses elementos constituintes são agenciados, uns com relação aos outros, de modo a produzirem os efeitos de conjunto que podemos efetivamente observar. [Ladrière]


(in. Analyticity; fr. Analyticité; al. Analytizität; it. Analiticita).

Validade das proposições, que não depende dos fatos. Esse conceito é moderno e nasce com a distinção estabelecida por Hume, entre relações de ideias e coisas de fato, e com a distinção estabelecida por Leibniz, entre verdades de razão e verdades de fato (v. Experiência; Fato). Foram estabelecidos os seguintes fundamentos da analiticidade:

1) Certa operação do espírito. É o que faz Hume, ao afirmar que as proposições concernentes às ideias “podem ser descobertas com uma simples operação do pensamento” (Inq. Conc. Underst, IV, 1). A característica desta operação é não depender dos fatos, mas trata-se de uma característica negativa que pouco diz sobre o fundamento da analiticidade.

2) Certa relação de implicação entre sujeito e predicado. É o que faz Kant, ao definir o juízo analítico como o juízo em que “o predicado B pertence ao sujeito A como algo que está contido (implicitamente) nesse conceito A” (Crít. R. Pura, intr., IV). Sobre o caráter dessa implicação, porém, nada se diz; e o famoso exemplo, aduzido por Kant, da proposição “os corpos são extensos”, que seria analítica em face da proposição “os corpos são pesados”, que seria sintética, não esclarece por certo esse conceito, já que não se vê por que a extensão deve estar contida implicitamente no conceito de corpo, e não o peso.

3) A tautologia. Nesse sentido, Wittgenstein considerou as proposições analíticas como tautologias. “A tautologia”, disse ele, “não tem condições de verdade porque é incondicionalmente verdadeira” (Tractatus, 4.461). Mas, por outro lado, ela não é uma “representação da realidade” porque “permite todas as situações possíveis” Çibid, 4.462). Essa definição tem grande difusão na filosofia contemporânea. Carnap exprimiu-a dizendo que “um enunciado é chamado analítico quando é uma consequência da classe nula de enunciados (e, assim, uma consequência de cada enunciado)” (Logische Syntax der Sprache, § 14). Isso significa que um enunciado é analítico quando a sua negação é contraditória: caráter aceito por outros autores para definir a analiticidade e que faz das verdades analíticas “verdades necessárias” (Reichenbach, The Theory of Probability, 1949, § 4, p. 20; Lewis, Analysis of Knowledge and Valuation, 1950, p. 89, etc). A verdade analítica da tautologia deriva do fato de que ela exaure o nível das possibilidades e, portanto, é evidente pela simples forma do enunciado. Carnap exprimiu esse caráter com o conceito de “descrição de estado” (State-description), pelo qual se entende “a descrição completa de um possível estado do universo dos indivíduos relativamente a todas as propriedades e relações expressas pelos predicados do sistema” (Meaning and Necessity, § 2). A descrição de estado representa os “mundos possíveis” de Leibniz: um enunciado é analítico quando é válido para todos os mundos possíveis. Os lógicos, todavia, tendem hoje a fazer a distinção entre verdade lógica e verdade analítica. P. ex., a proposição “nenhum homem não casado é casado” é uma tautologia e, portanto, uma verdade lógica; mas a proposição “nenhum solteiro é casado” não é mais uma tautologia, mas ainda é uma proposição analítica, fundada na sinonímia entre “solteiro” e “não casado”. (Cf. Quine, From a Logical Point of View, 1953, cap. II).

4) A sinonímia. Esta pode ser estabelecida: a) mediante definições, como se costuma fazer na matemática e em todas as linguagens artificiais; b) mediante o critério da intercambiabilidade, com que Leibniz define a própria identidade; nesse caso, chamam-se sinônimos os termos intercambiáveis num mesmo contexto, sem que se altere a verdade do próprio contexto; c) mediante regras semânticas, como também ocorre nas linguagens artificiais. É de se notar que a dificuldade de se estabelecer, com esses procedimentos, o significado exato de sinonímia e, portanto, o de analiticidade levou alguns lógicos modernos a negar a existência de distinção nítida entre analiticidade e sinteticidade (Morton White, The Analytic and the Synthetic an Untenable Dualism, em Sidney Hook, ed. John Dewey, Nova York, 1950; W. V. O. Quine, From a Logical Point of View, Cambridge, 1953, cap. II). [Abbagnano]