amizade

gr. philia em Platão, eros 4; em Aristóteles, ibid. 9 [FEPeters]


(gr. philia; in. Friendship; fr. Amitié; al. Freundschaft; it. Amicizia).

Em geral, a comunidade de duas ou mais pessoas ligadas por atitudes concordantes e por afetos positivos. Os antigos tiveram da amizade um conceito muito mais amplo do que o admitido e usado hoje em dia, como se infere da análise que Aristóteles fez dela nos livros VIII e IX da Ética a Nicômaco. Segundo Aristóteles, a amizade é uma virtude ou está estreitamente unida à virtude: de qualquer forma, é o que há de mais necessário à vida, já que os bens que a vida oferece, como riqueza, poder, etc, não podem ser conservados nem usados sem os amigos (VIII, 1, 1.155 a 1). A amizade deve ser distinguida das duas coisas com as quais parece ter mais afinidade: amor e benevolência. Distingue-se do amor (philesis) porque este é semelhante a uma afeição; a amizade a um hábito. De tal modo que o amor também pode dirigir-se a coisas inanimadas, ao passo que corresponder ao amor, que é próprio da amizade implica uma escolha que provém de um hábito (VIII, 5,1.157 b 28). Além disso, o amor é acompanhado por excitação e desejo, que são estranhos à amizade; além disso, diferentemente da amizade, é provocado pelo prazer causado pela vista da beleza (IX, 5, 1.166 b 30). A amizade distingue-se também da benevolência porque esta também pode dirigir-se a desconhecidos e permanecer oculta: o que não acontece com a amizade (IX, 5, 1.167 a 10). A amizade é, certamente, uma espécie de concórdia, mas uma concórdia que não repousa na identidade de opiniões, mas, assim como a concórdia entre cidades, na harmonia das atitudes práticas, de sorte que, a justo título, chama-se de “amizade civil” a concórdia política (IX, 6, 1.167 a 22). A amizade é, certamente, uma comunidade no sentido de que o amigo se comporta em relação ao amigo como em relação a si mesmo (IX, 12, 1.171 b 32). Há tantas espécies de amizades quantas são as comunidades, isto é, as partes da sociedade civil: entre os navegantes, entre os soldados, entre os que fazem um trabalho qualquer em comum (VIII, 9, 1.159 b 25). Pode haver também amizade entre senhor e escravo, se o escravo não for considerado apenas um instrumento animado, mas um homem. Só na tirania há pouca ou nenhuma amizade, pois nela nãonada em comum entre quem manda e quem obedece, e a amizade é tão mais forte quanto mais coisas comuns houver entre iguais (VIII, 11, 1.161, b 5). Há também tantas amizade quantas são as formas do amor: entre pai e filho, entre jovem e velho, entre marido e mulher. Esta última é a mais natural e nela se unem a utilidade e o prazer (VIII, 12, 1.Í61 b 11). Quanto ao fundamento da amizade, pode ser a utilidade recíproca, o prazer ou o bem, mas é claro que, enquanto a amizade fundada na utilidade ou no prazer está destinada a acabar quando o prazer ou a utilidade cessarem, a amizade fundada no bem é a mais estável e firme, portanto a verdadeira amizade (VIII, 3, 1.156 a 6 ss.). Essa análise de Aristóteles, a mais completa e bela que em filosofia já se fez sobre o fenômeno amizade, apoia-se nos seguintes pontos: 1) a amizade é uma comunidade ou participação solidária de várias pessoas em atitudes, valores ou bens determinados; 2) está ligada ao amor, tem formas semelhantes, mas não se identifica com o amor; 3) aproxima-se mais da benevolência e, por isso, está vinculada aos afetos positivos, que implicam solicitude, cuidado, piedade, etc. Assim, segundo Aristóteles, a amizade é mais ampla do que o amor, que é limitado e condicionado pelo prazer da beleza. E é diferente do amor pelo seu caráter ativo e seletivo, pelo que Aristóteles diz que o amor é uma afeição (pathos), isto é, uma modificação sofrida, ao passo que a amizade é um hábito (assim como hábito é a virtude), isto é, uma disposição ativa e compromissiva da pessoa. Depois de Aristóteles, a amizade foi exaltada pelos epicuristas, que nela basearam um dos fundamentos de sua ética e de sua conduta prática. Nessa escola, porém, assume caráter aristocrático; é uma das manifestações da vida do sábio, e não está, como em Aristóteles, vinculada às relações humanas como tais. Nos testemunhos epicuristas que nos chegaram, reaparecem alguns reparos aristotélicos, como, p. ex., que “A amizade nasce do útil, mas é um bem por si. Amigo não é quem procura sempre o útil, nem quem nunca o une à amizade, pois o primeiro considera a amizade como um tráfico de vantagens, e o segundo destrói a esperança confiante de ajuda, que é parte importante da amizade” (Sent. Vat., 39-24, Bignone).

Com o predomínio do Cristianismo, a importância da amizade como fenômeno humano primário declina na literatura filosófica. O conceito mais amplo e mais importante passa a ser o do amor, do amor ao próximo, que carece dos caracteres seletivos e específicos que Aristóteles atribuíra à amizade. De fato, “próximo” é aquele com que deparamos ou que está comumente em relação conosco, seja quem for, amigo ou inimigo. A máxima aristotélica da amizade, “comportar-se com o amigo como consigo mesmo”, ver nele “um outro eu” (Et. nic, IX, 9, 1170 b 5; IX, 12, 1171 b 32), é estendida pelo Cristianismo a todo próximo. [Abbagnano]