alegoria

gr. allegoria; e a queda da alma, kathodos 3; na interpretação dos mitos, mythos 1; na reconciliação do monoteísmo e do politeísmo, theos 4 (FEPeters)


Uma obra simbólica (ou o processo de execução da mesma) que se caracteriza:

1) Por uma constituição complexa e complicada em comparação ao símbolo, que pode ter um conteúdo simples.

2) Pela relativa arbitrariedade, que se conserva na escolha dos seus elementos significativos (distinguindo-se, também, com isto, do símbolo, o qual tomado no sentido próprio de «símbolo natural» funda-se em uma analogia natural). É uma alegoria a justiça representada por uma mulher com os olhos vendados e uma espada na mão. (Vide símbolo).

Sentido alegórico, aplicado aos textos bíblicos, significa uma interpretação dos mesmos, que não pode ter sido intencionada ou prevista pelo autor, ou provavelmente não o foi. [MFSDIC]


(gr. allegoria; lat. Allegoria; in. Allegory; fr. Allégorie; al. Allegorie; it. Allegoria).

No seu primeiro significado específico, essa palavra indica um modo de interpretar as Sagradas Escrituras e de descobrir, além das coisas, dos fatos e das pessoas de que elas tratam, verdades permanentes de natureza religiosa ou moral. A primeira aplicação importante do método alegórico é o comentário ao Gêneses de Fílon de Alexandria (séc. I). Fílon não hesita em contrapor o sentido alegórico ao sentido literal e em qualificar de “tolo” (euethes) este último. Eis um exemplo: “’E Deus acabou no sétimo dia as obras que Ele criou’ (Gên., II, 2). É absolutamente tolo crer que o mundo nasceu em seis dias ou, em geral, no tempo. Por quê? Porque todo tempo é um conjunto de dias e de noites necessariamente produzidos pelo movimento do sol que vai para cima e para baixo da terra; mas o sol é uma parte do céu, de tal modo que se conclui que o tempo é mais recente do que o mundo” (All. leg., I, 2). Por sua vez, Orígenes, que é o primeiro autor de um grande sistema de filosofia cristã, distinguia nos textos bíblicos três significados: o somático, o psíquico e o espiritual, que estão entre si como as três partes do homem: o corpo, a alma e o espírito (De princ, IV, 11). Na prática, porém, contrapunha o significado espiritual ou alegórico ao corpóreo ou literal e sacrificava decididamente este último em favor do primeiro, já que só o significado alegórico constitui a verdade racional contida nas Sagradas Escrituras (ibid., IV, 2). Em seguida, tornou-se dominante na Idade Média a distinção de três significados da Escritura (como se encontra, por exemplo, formulada por Hugo de S. Vítor, De scripturis, III) (v. vitorinos): significado literal, significado alegórico e significado anagógico. Eis como Dante expõe a doutrina: “As escrituras podem ser entendidas e devem ser expostas sobretudo em quatro sentidos. Um chama-se literale é o que não vai além da própria letra; o outro chama-se alegórico e é o que se esconde sob o manto das fábulas, sendo a verdade oculta sob belas mentiras… O terceiro sentido chama-se moral, e é o que os leitores devem atentamente ir descobrindo nas escrituras para utilidade sua e de seus discípulos… O quarto sentido chama-se anagógico, isto é, supra-sentido; e aparece quando se expõe espiritualmente uma escritura que, embora seja verdadeira também no sentido literal, pelas coisas significadas significa coisas supremas da eterna glória: como se pode ver naquele canto do Profeta que diz que, com a saída do povo de Israel do Egito, a Judeia tomou-se santa e livre. O que, embora seja verdadeiro segundo a letra manifesta, não menos verdadeiro é o que se entende espiritualmente, isto é, que na saída da alma do pecado, ela se toma santa e livre em sua potestade” (Banq., II, 1). Mas entre esses sentidos, como diz o próprio Dante, o fundamental, para o teólogo como para o poeta, é o alegórico. E, de fato, na Idade Média a alegoria tornou-se o modo de entender a função da arte e, especialmente, da poesia. João de Salisbury dizia que Virgílio, “sob a imagem das fábulas, exprime a verdade de toda a filosofia” e que Dante (Vita Nuova, 25) definia assim a tarefa do poeta: “Vergonha seria para aquele que rimasse coisas sob as veste de figura ou de cor retórica, e depois, interrogado, não soubesse desnudar as suas palavras de tal veste, de modo que tivessem real entendimento”.

No mundo moderno a alegoria perdeu valor e negou-se que ela possa exprimir a natureza ou a função da poesia. Viu-se nela a aproximação de dois fatos espirituais diferentes, o conceito de um lado, a imagem de outro entre os quais ela estabeleceria uma correlação convencional e arbitrária (Croce); e sobretudo, foi acusada de negligenciar ou impossibilitar a autonomia da linguagem poética, que não teria vida própria porque estaria subordinada às exigências do esquema conceituai a que deveria dar corpo.

Boa parte da estética moderna declara, por isso, que a alegoria é fria, pobre e enfadonha; e insiste na interpretação da poesia e, em geral, da arte, com base no símbolo, que pode ser vivo e evocador, porque a imagem simbólica é autônoma e tem interesse em si mesma, isto é, um interesse que não transforma sua referência convencional em conceito ou doutrina. Todavia, se levarmos em conta a potencialidade e a vitalidade de certas obras de arte que têm clara estrutura alegórica (p. ex., Divina Comédia e muitas pinturas medievais e renascentistas), deveremos dizer que a alegoria não impossibilita, necessariamente, a autonomia e a leveza da imagem estética e que, em certos casos, mesmo a correspondência pontual entre imagem e conceito pode não ser mortificante para a imagem nem lhe tolher a vitalidade artística ou poética. T. S. Eliot fez, justamente a propósito de Dante, uma defesa da alegoria nesse sentido (The Sacred Wood, 1920, trad. it., pp. 241 ss.). (Abbagnano)


-ESCRITURAS — ALEGORIA

Edgar de Bruyne: SENTIDO ALEGÓRICO

Steven Wasserstrom: A ALEGORIA SEGUNDO CORBIN, SCHOLEM E ELIADE

Henry Corbin

Debemos volver aquí a la distinción, que consideramos fundamental, entre alegoría y símbolo: la primera es una operación racional que no implica el paso a otro plano de ser ni a otro nivel de conciencia; es la figuración, en un mismo nivel de conciencia, de lo que muy bien podría ser conocido de otra forma. El símbolo propone un plano de conciencia que no es el de la evidencia racional; es la «cifra» de un misterio, el único medio de expresar lo que no puede ser aprehendido de otra forma; nunca es «explicado» de una vez por todas, sino que debe ser continuamente descifrado, lo mismo que una partitura musical nunca es descifrada para siempre, sino que sugiere una ejecución siempre nueva. Se impone, pues, la tarea de llevar a cabo un estudio comparativo y en profundidad del ta’wil para calibrar la diferencia entre la forma en que Averroes lo concibe y lo lleva a la práctica y la forma en que el shiísmo, o cualquier espiritualidad que de él proceda, fundamenta por su mediación su relación con la Revelación profética, pues el ta’wil consiste en llevarla a su término. El ta’wil shiíta discierne, por ejemplo, bajo las figuras y los acontecimientos, otras tantas referencias a personas terrenales que son ejemplificaciones de arquetipos celestes. Habrá que determinar si el ta’wil averroísta percibe todavía símbolos o bien elabora simplemente una alegoría racional, metafísicamente inofensiva. (HCIbnArabi)

René Alleau

René Guénon