VIDE provas da existência de Deus
Finalmente, o terceiro postulado da razão prática é a existência de Deus. A existência de Deus é igualmente trazida pelas necessidades evidentes da estrutura inteligível moral do homem. Porque nessa estrutura inteligível moral do homem, que nos permitiu chegar a esse mundo de coisas em si, que não é o mundo dos fenômenos, aí nos encontramos cora um certo número de condições metafísicas que hão de se cumprir, visto que são condições da consciência moral humana. Já vimos uma delas: a liberdade da vontade. Outra delas é a imortalidade da alma. A terceira é a garantia de que neste mundo não há abismo entre o ideal e a realidade; a certeza de que neste mundo não há separação ou diferenciação entre aquilo que eu queria ser e aquilo que sou. Entre aquilo que minha consciência moral quer que eu seja e aquilo que a fraqueza humana no campo do fenomênico faz que seja.
A característica de nossa vida moral, concreta, neste mundo fenomenológico é a tragédia, a dor, a dilaceração profunda que produz em nós essa distância, esse abismo entre o ideal e a realidade. A realidade fenomênica está regida pela natureza, pela engrenagem natural de causas e efeitos, que são cegos para os valores morais. Porém nós não somos cegos para os valores morais, antes, ao contrário, os percebemos, e constatamos que na nossa vida pessoal, na vida pessoal dos demais, na vida histórica, esses valores morais, a justiça, a beleza, a bondade, não estão realizados. Na nossa vida, verificamos que quereríamos ser santos, mas não o somos, antes somos pecadores. Na nossa vida coletiva comprovamos que quereríamos que a justiça fosse total, plena e completa, mas constatamos que muitas vezes prevalece a injustiça e o crime. E na vida histórica acontece a mesma coisa. Há, pois, essa tragédia do abismo que dentro de nossa vida fenomênica, neste mundo, existe entre a consciência moral, que tem exigências ideais, e a realidade fenomênica, que, cega para essas exigências ideais, segue seu curso natural de causas e efeitos, sem se preocupar em nada da realização desses valores morais. Portanto, é absolutamente necessário, que após este mundo num lugar metafísico além deste mundo, esteja realizada esta plena conformidade entre aquilo que “é” no sentido de realidade e aquilo que “deve ser” no sentido da consciência moral.
Esse acordo entre aquilo que “é” e aquilo que “deve ser”, que não se dá na nossa vida fenomênica, porque nela predomina a causalidade física e natural, é um postulado que requer uma unidade sintética superior entre esse “ser” e o outro “deve ser”. A essa união ou unidade sintética do mais real que pode haver com o mais ideal que pode haver, chama Kant Deus. Deus é, pois, aquele ente metafísico no qual a mais plena realidade está unida à mais plena idealidade; em que não há a menor divergência entre aquilo que se considera bom mas não existente e aquilo que se considera existente. Pensamos um ideal de beleza, de bondade, e aquilo que encontramos ao nosso redor e dentro de nós mesmos está bem distante desse ideal de beleza e de bondade. Mas então necessariamente tem que haver, além do mundo fenomênico em que nós nos movemos, um ente no qual, com efeito, esta aspiração nossa, de que o real e o ideal estejam perfeitamente unidos, em síntese, se realize. Esse ente é, justamente, Deus.
Assim, pois, por estes caminhos, que não são os caminhos do conhecimento científico, mas que são vias que têm sua origem na consciência moral, na atividade da consciência moral, não na consciência cognoscente, por esses caminhos chega Kant aos objetos metafísicos que na Crítica da Razão Pura declarara inacessíveis para o conhecimento teórico. [Morente]
EXISTÊNCIA DE DEUS
VIDE: De Existentia Dei
Filosofia
Mário Ferreira dos Santos
Por não ser suficiente a muitos, a noesis pathica (a phronesis), com a Divindade, e por não terem estes, consequentemente, uma vivência de Deus, a prova de sua existência exige outros meios, os intelectuais, para fundamentá-la.
Deus não se prova, Deus é “provado”, dizia E. Le Roy. Mas nem todos têm essa experiência de Deus. Nos períodos de grande fé, não há necessidade da prova da sua existência. Esta surge entre os teólogos, quando há uma crescente descrença e a fé está ameaçada. Não se destina, é compreensível, àqueles que já têm Deus, mas apenas aos outros, aos que ainda duvidam, aos que ainda sentem vacilar as suas crenças.
E tais argumentos, surgidos em diversas ocasiões em que há perigo de descrença, tomaram tal vulto e tal forma, que hoje os argumentos em favor da existência de Deus, conservam apenas a autoria da origem, mas são do patrimônio comum do pensamento humano.
São inúmeras as provas apresentadas, bem como os argumentos opositivos.
Iremos expor as principais, acompanhadas dos argumentos favoráveis e dos contrários, tecendo, sempre que conveniente, uma crítica aos argumentos expostos.
Quanto à ordem de apresentação, usaremos o método mais empregado, que é o de dividir as provas em: 1.°) a priori e 2.°) a posteriori. Outros costumam dividi-las em provas metafísicas, provas físicas e provas morais. Mas o que nos interessa não são as classificações, mas as provas.
As provas a priori são as que partem de noções que incluam uma existência, e não de um facto da experiência, como procedem as provas a posteriori.
As provas a priori fundam-se no princípio de identidade, enquanto as outras fundam-se no de razão suficiente.
Antes de procedermos a análise das diversas provas e refutações oferecidas, teríamos que partir da solução de um dilema: ou Deus é evidente, ou não é. Se é evidente, não há necessidade de provar a sua existência. Se não é, convém prová-la. Mas é demonstrável a existência de Deus? Eis outra pergunta que exige resposta. E se é, que é, em suma, Deus?
Heraldo Barbuy
Deus não é uma criação histórica, uma fabricação humana arquitetada no decurso dos tempos. Não foi a História que fez Deus, mas, ao contrário, a História se desenvolveu a partir do sentimento original de Deus, pois a História não é senão o desenvolvimento das possibilidades de certas visões do mundo, cujo ponto de partida está no divino. E, em certo sentido, a história é também a luta contra o sentimento inextirpável de Deus: não só a ideia de Deus não é um produto social, como ainda a história lutou contra o sentimento de Deus, transformando sua intuição original num problema racional e querendo solucionar sua existência ou inexistência, no campo dos conceitos, fora da experiência mística. Ao homem primordial, se o supuséssemos capaz de falar a nossa linguagem, teria sido impossível a propositura deste problema: Deus existe? — Deus não existe? — Porque, para o homem primordial, Deus não era um problema e sim uma certeza imediata, uma visão intuitiva profunda, um mistério e não um problema. A distinção entre problema e mistério, que G. Marcel julga ter feito, em realidade já se encontra em todos os místicos, os quais distinguem implicitamente entre o objeto da ex-periência mística, que é o mistério, e o objeto da experiência científica, que são os problemas criados pela ciência. Na proporção em que se luta contra a intuição de Deus, essa intuição vai se deslocando para o plano racional e convertendo-se num problema para a razão. Mas, o fato mesmo de ser Deus um problema para a razão, prova a intuição da sua existência. Por que, no caso contrário, como poderia ter vindo a surgir esse problema? Nada na razão humana poderia ter levado à propositura da existência de Deus, se Ele já não existisse como um selo original no espírito humano. A origem da metafísica, com as noções de Unidade, de Absoluto, de Perfeito, de Infinito, de Imutável está na intuição primordial de Deus. A crença em Deus não foi um resultado da filosofia, mas ao contrário a filosofia é que foi um resultado do pensamento dessa crença. Este fato se exprime claramente na fórmula de Santo Agostinho e Santo Anselmo: credo ut intelligam, non ‘intelligo ut credam. O intelligo medieval consiste na aplicação dos primeiros princípios da inteligência até suas últimas consequências, que nos levam necessariamente a Deus, pois esses princípios derivam de Deus. Todo pensamento medieval girou assim em torno de Deus (como caráter de uma idade teocêntrica) porque se constituiu do uso da Inteligência em sua total amplitude, do uso integral do intelligo, como forma consciente do credo. A origem do credo está na Revelação, pois, no caso contrário, como poderia o homem ter vindo a conceber a existência de um Deus, e de um Deus Uno e Trino, sem uma Revelação primordial? Assim como nada na razão poderia ter levado à inteligência do Ser, sem a intuição de Deus, assim também nada no espírito poderia ter levado à intuição de Deus sem uma revelação original.
EXISTÊNCIA DE DEUS
VIDE: De Existentia Dei
Filosofia
Mário Ferreira dos Santos
Por não ser suficiente a muitos, a noesis pathica (a phronesis), com a Divindade, e por não terem estes, consequentemente, uma vivência de Deus, a prova de sua existência exige outros meios, os intelectuais, para fundamentá-la.
Deus não se prova, Deus é “provado”, dizia E. Le Roy. Mas nem todos têm essa experiência de Deus. Nos períodos de grande fé, não há necessidade da prova da sua existência. Esta surge entre os teólogos, quando há uma crescente descrença e a fé está ameaçada. Não se destina, é compreensível, àqueles que já têm Deus, mas apenas aos outros, aos que ainda duvidam, aos que ainda sentem vacilar as suas crenças.
E tais argumentos, surgidos em diversas ocasiões em que há perigo de descrença, tomaram tal vulto e tal forma, que hoje os argumentos em favor da existência de Deus, conservam apenas a autoria da origem, mas são do patrimônio comum do pensamento humano.
São inúmeras as provas apresentadas, bem como os argumentos opositivos.
Iremos expor as principais, acompanhadas dos argumentos favoráveis e dos contrários, tecendo, sempre que conveniente, uma crítica aos argumentos expostos.
Quanto à ordem de apresentação, usaremos o método mais empregado, que é o de dividir as provas em: 1.°) a priori e 2.°) a posteriori. Outros costumam dividi-las em provas metafísicas, provas físicas e provas morais. Mas o que nos interessa não são as classificações, mas as provas.
As provas a priori são as que partem de noções que incluam uma existência, e não de um facto da experiência, como procedem as provas a posteriori.
As provas a priori fundam-se no princípio de identidade, enquanto as outras fundam-se no de razão suficiente.
Antes de procedermos a análise das diversas provas e refutações oferecidas, teríamos que partir da solução de um dilema: ou Deus é evidente, ou não é. Se é evidente, não há necessidade de provar a sua existência. Se não é, convém prová-la. Mas é demonstrável a existência de Deus? Eis outra pergunta que exige resposta. E se é, que é, em suma, Deus?
Heraldo Barbuy
Deus não é uma criação histórica, uma fabricação humana arquitetada no decurso dos tempos. Não foi a História que fez Deus, mas, ao contrário, a História se desenvolveu a partir do sentimento original de Deus, pois a História não é senão o desenvolvimento das possibilidades de certas visões do mundo, cujo ponto de partida está no divino. E, em certo sentido, a história é também a luta contra o sentimento inextirpável de Deus: não só a ideia de Deus não é um produto social, como ainda a história lutou contra o sentimento de Deus, transformando sua intuição original num problema racional e querendo solucionar sua existência ou inexistência, no campo dos conceitos, fora da experiência mística. Ao homem primordial, se o supuséssemos capaz de falar a nossa linguagem, teria sido impossível a propositura deste problema: Deus existe? — Deus não existe? — Porque, para o homem primordial, Deus não era um problema e sim uma certeza imediata, uma visão intuitiva profunda, um mistério e não um problema. A distinção entre problema e mistério, que G. Marcel julga ter feito, em realidade já se encontra em todos os místicos, os quais distinguem implicitamente entre o objeto da ex-periência mística, que é o mistério, e o objeto da experiência científica, que são os problemas criados pela ciência. Na proporção em que se luta contra a intuição de Deus, essa intuição vai se deslocando para o plano racional e convertendo-se num problema para a razão. Mas, o fato mesmo de ser Deus um problema para a razão, prova a intuição da sua existência. Por que, no caso contrário, como poderia ter vindo a surgir esse problema? Nada na razão humana poderia ter levado à propositura da existência de Deus, se Ele já não existisse como um selo original no espírito humano. A origem da metafísica, com as noções de Unidade, de Absoluto, de Perfeito, de Infinito, de Imutável está na intuição primordial de Deus. A crença em Deus não foi um resultado da filosofia, mas ao contrário a filosofia é que foi um resultado do pensamento dessa crença. Este fato se exprime claramente na fórmula de Santo Agostinho e Santo Anselmo: credo ut intelligam, non ‘intelligo ut credam. O intelligo medieval consiste na aplicação dos primeiros princípios da inteligência até suas últimas consequências, que nos levam necessariamente a Deus, pois esses princípios derivam de Deus. Todo pensamento medieval girou assim em torno de Deus (como caráter de uma idade teocêntrica) porque se constituiu do uso da Inteligência em sua total amplitude, do uso integral do intelligo, como forma consciente do credo. A origem do credo está na Revelação, pois, no caso contrário, como poderia o homem ter vindo a conceber a existência de um Deus, e de um Deus Uno e Trino, sem uma Revelação primordial? Assim como nada na razão poderia ter levado à inteligência do Ser, sem a intuição de Deus, assim também nada no espírito poderia ter levado à intuição de Deus sem uma revelação original.