(in. Kantian antinomies; fr. Antinomies kantiennes; al. Kants Antinomien; it. Antinomie kantiané).
A palavra antinomias significa propriamente “conflito de leis” (Quintiliano, Inst. or., VII, 7, 1), mas foi estendida por Kant para indicar o conflito em que a razão se encontra consigo mesma em virtude dos seus próprios procedimentos. Kant falou das antinomias no campo da cosmologia racional, isto é, da doutrina que tem por objeto a ideia do mundo. Esta ideia, como todas da razão pura (v. ideia), nasce da tentativa — ilegítima, segundo Kant — de aplicar as categorias a si mesmas, isto é, do uso reflexivo àas categorias. A ideia do mundo é, de fato, a “unidade incondicionada das condições objetivas da possibilidade dos objetos em geral”. As “condições objetivas, etc.” são as categorias e os princípios delas derivados; e a unidade é ainda uma categoria. As antinomias que surgem desse modo são, segundo Kant, naturais ou inevitáveis; naturais porque a ideia de mundo que lhes dá origem, embora desprovida de validade empírica e, portanto, cognoscitiva, é formada pela razão com um procedimento natural que consiste em aplicar às categorias as próprias categorias, que só deveriam ser aplicadas aos fenômenos; inevitáveis porque, uma vez formada a ideia de mundo como a totalidade absoluta, incondicionada, de todos os fenômenos e das suas condições, não se pode absolutamente evitar chegar a proposições contraditórias. Kant enumera quatro antinomias que correspondem aos quatro grupos de categorias: segundo a qualidade, a quantidade, a relação e a modalidade. São elas:
1) Antinomia. Tese. o mundo tem um início no tempo e no espaço, está fechado dentro de limites. Antítese, o mundo não tem nem início no tempo nem limite no espaço, mas é infinito tanto no tempo quanto no espaço.
2) Antinomia. Tese. toda substância composta consta de partes simples e nada existe além do simples ou do que resulta composto do simples. Antítese, não existe no mundo coisa alguma composta de parte simples e não existe em lugar algum nada de simples.
3) Antinomia. Tese. a causalidade segundo leis da natureza não é a única causalidade pela qual possam ser explicados os fenômenos do mundo. É necessário admitir, para a explicação destes, também uma causalidade da liberdade. Antítese, não há nenhuma liberdade, mas tudo no mundo acontece unicamente segundo as leis da natureza.
4) Antinomia. Tese. no mundo há alguma coisa que, como sua parte ou como sua causa, é um ser absolutamente necessário. Antítese: em nenhum lugar existe um ser absolutamente necessário, nem no mundo nem fora do mundo, como sua causa.
Tanto a tese quanto a antítese de cada uma dessas antinomias é demonstrável com argumentos logicamente irrepreensíveis: entre uma e outra é, pois, impossível decidir. O conflito, portanto, permanece e demonstra a ilegitimidade da noção que lhes deu origem, isto é, da ideia de mundo. Esta, estando além de toda experiência possível, permanece incognoscível e não pode fornecer nenhum critério capaz de decidir por uma ou por outra das teses em conflito. A ilegitimidade da noção de mundo é evidenciada pelo fato de a tese das antinomias apresentar um conceito dele demasiado pequeno para o intelecto, ao passo que a antítese apresenta um conceito demasiado grande para o mesmo intelecto. Assim, se o mundo teve princípio, regredindo-se empiricamente na série dos tempos, seria preciso chegar a um momento em que esse regresso se detém; o que é um conceito de mundo demasiado pequeno para o intelecto. Se, ao contrário, o mundo não teve princípio, o regresso na série do tempo nunca pode esgotar a eternidade; o que é um conceito demasiado grande para o intelecto. O mesmo se diga para a finitude ou a infinitude espacial, para a divisibilidade ou a indivisibilidade, etc. Em todo caso, chega-se a uma noção do mundo que: ou restringe em limites estreitos a possibilidade de o intelecto ir de um termo a outro na série dos eventos, ou estende esses limites a tal ponto que torna insignificante essa mesma possibilidade. Logo, a solução da antinomias só pode consistir em não assumir a ideia do mundo como realidade, mas como uma regra que leva o intelecto a regredir na série dos fenômenos sem nunca poder parar em algo incondicionado (Crítica R. Pura, Antinomias, seção 8). A essas antinomias da razão pura Kant acrescentou uma antinomias da razão prática (Crít. R. Prática, I, livro II, cap. II, § 1), que consiste no conflito criado pelo conceito de sumo bem: “Ou o desejo da felicidade deve ser a causa móbil para o máximo de virtude ou o máximo de virtude deve ser a causa eficiente da felicidade”; e uma antinomias do juízo teleológico (Crít. do Juízo, § 70), que é formada pela tese: “Toda produção das coisas materiais é possível segundo leis puramente mecânicas”, pela antítese: “Alguns produtos da natureza não são possíveis segundo leis puramente mecânicas”. Hegel interpretava as antinomias kantianas como se Kant tivesse querido retirar a contradição do mundo em si mesmo e atribuí-la à razão. E acrescentava: “É sentir ternura demais pelo mundo querer afastar dele a contradição e transportá-la para o espírito, para a razão, deixando-a aí, sem solução. Na verdade, é o espírito que tem força suficiente para suportar a contradição, mas é também o espírito que lhe dá solução” (Wiss. der Logik, I, seção II, cap. II, C, nota 2). Na realidade, o método dialético (v. dialética), que é o método próprio da razão, segundo Hegel, procede exatamente passando da tese à antítese, e, portanto, exige sempre a contradição; mas é uma contradição que sempre se resolve na síntese, por isso nunca é uma antinomia.
As antinomias kantianas foram discutidas e interpretadas de várias maneiras, mas não deram origem a estudos aprofundados sobre a sua consistência lógica. Entre os próprios neokantianos, nem todos reconheceram sua validade; Renouvier, p. ex., aceitava sem reservas as teses e rejeitava as antíteses, reconhecendo assim a finitude do mundo no espaço e no tempo (Essais de critique générale, I, p. 282). No entanto, o resultado alcançado pela discussão kantiana das antinomias é importante. Consiste em ter posto de lado a ideia tradicional do mundo como totalidade absoluta e em ter ensinado o uso crítico do conceito de mundo. [Abbagnano]