noêtón: capaz de ser compreendido pelo intelecto; o objeto do intelecto, o inteligível (contrário de aistheton)
1. O noeton é o objeto da operação da faculdade do noûs. Entre os pré-socráticos, onde a distinção do noûs do princípio geral cognitivo da psyche foi muito gradual (ver noesis 7), os objetos da primeira faculdade não eram muito considerados. Constituem, de fato, «verdadeiro conhecimento» (episteme), para Heráclito o conhecimento de «a natureza que gosta de se ocultar», para Parmênides o conhecimento do «verdadeiro ser». Com Platão as distinções tomaram-se mais agudas. Os noeta são os objetos da faculdade da alma chamada logistikon (ver psyche 15-18); são, em suma, os eide transcendentes. Mas, para Aristóteles, os eide são imanentes (ver eidos 15) e, assim, há a considerar mais distinções. O eidos nas coisas pode ser considerado sob dois pontos de vista. Com respeito à substância em que inere, é a causa formal dessa substância; com respeito ao noûs de outra, é potencialmente inteligível (noeton) por esse noûs. Mas antes de se tornar verdadeiramente noeton tem de ser levado e apresentado a esse noûs. Esta é a função do phantasma que é como uma imagem visual só que não tem matéria: o noûs pensa os noeta nos phantas-mata (De anima ni, 431b-432a). Na análise final, então, os noeta qua noeta estão no noûs, primeiro potencialmente, depois atualmente. Esta transição da potência ao ato ocorre no noûs pathetikos (ver noûs 11). Mas, em termos da teoria aristotélica potencia-ato, os noeta deviam estar todos presentes em ato no noûs poetikos (ver noûs 12). Mas Aristóteles nunca diz isto, recorrendo a uma comparação da operação do intelecto agente à de uma fonte luminosa: o intelecto ativo ilumina o intelecto passivo (ibid. III, 430a).
2. Durante o período do platonismo médio foi feita uma série de revisões na teoria do eidos, parte das quais era muito provavelmente uma sincretização extensiva do platonismo e do peripatetismo (mal exposto em Cícero, Acad. post. I, 17-18) de modo a incluir tanto o eidos transcendente platônico como o eidos imanente aristotélico dentro do esquema da causalidade (o seu progressivo desenvolvimento pode ser detectado em Sêneca, Ep. 65, 8 e Basílio o Grande, De spiritu sancto 76a). Os autores deste período começaram a traçar uma distinção entre o eidos que é imanente às coisas como sua causa formal e a idea que é a causa exemplar das coisas naturais (Sêneca, Ep. 58, 19; Albino, Epit. IX, 2; confrontar Aristóteles, Metafísica 1070a). Apelavam para textos-prova platônicos tais como o Timeu 48 e 50c-d (ver Calcídio, In Timeu 304, 9 onde idea — spccies intelligibilis e eidos — natura corporis; sobre o problema geral da imanência dos eide platônicos, ver genesis 10-11), e a invocação constante do exemplo do artesão, com os seus vestígios do demiourgos platônico, parece finalmente ter levado à descrição explícita das ideai como «os pensamentos de Deus» (Fílon, De opif. 17-20; D. L. III, 12-13; Sêneca, Ep. 65, 7; Albino, Epit. IX, 1: noeseis theou). Este não era, evidentemente, um conceito completamente novo. Parece, de fato, alheio a Platão para quem o noûs–demiourgos, embora sendo um Deus, estava nitidamente subordinado aos eide transcendentes (ver noûs 6). Mas Aristóteles fala (De anima III, 429a) como se alguém na Academia sustentasse que o noûs era «o lugar das Formas» (topos eidon) e, como já vimos, a direção da própria teorização de Aristóteles parecia sugerir que os noeta estão realmente presentes no noûs poietikos e, possivelmente, também no noûs cósmico (ver noûs 9).
3. Dois pontos são de assinalar na história subsequente dos noeta transcendentes, as ideai de Albino, que servem de causa exemplar das coisas. Primeiro, dado que o primeiro princípio de Albino é o noûs e um dos demiourgos (ver noûs 15), nada há a opor ao fato dos noeta serem os pensamentos (noesis) de Deus. Mas entre Albino e Plotino a transcendência do Uno deslocou o noûs do primeiro lugar na hierarquia das hipóstases, e este fato levantou logo de início o problema de saber se os noeta são os pensamentos do Uno e se, na verdade, há qualquer atividade noética no Uno. Segundo, concedendo que os noeta estão no noûs cósmico, qual é exatamente o seu estatuto ontológico?
4. A questão da atividade noética do Uno foi quase de certeza levantada pela descrição que Aristóteles faz da energeia do Primeiro Motor como noesis (ver noûs 9). Tal posição é irreconciliável com o ponto de vista que Plotino tem do Uno e ele dedica todo um ensaio (Eneadas V, 6) à refutação do ponto de vista de Aristóteles. Os argumentos são tirados duma variedade de fontes (são, de fato, tão esquemáticos que sugerem um repertório platônico sobre o assunto), mas detêm-se essencialmente sobre a necessária pluralidade em qualquer tipo de noesis e sobre o estatuto ontológico dos noeta que, na opinião de Plotino, não são de modo algum pensamentos. Proclo, porém, volta a uma posição mais aristotélica. Há uma atividade cognitiva em Deus que é não-dividida, necessária, e perfeitamente determinada, se bem que os seus objetos não o sejam; isto é possível porque o conhecimento (gnosis) de Deus não é dos particulares em si, mas dele como sua causa (Elem. theol., prop. 124); ver trias, noûs 9.
5. O segundo ponto, o estatuto ontológico dos noeta, é atacado por Plotino nas Eneadas V, 9, 7. A possibilidade de os eide serem meras ideias ou conceitos (noemata) tinha já sido levantada e negada no Parm. 132a-c. Mas a Academia passou por um período céptico com Arcesilau e Carnéades, durante o qual as ideai transcendentes caíram em desfavor (ver Cícero, Acad. post. I, 17; para a restauração das ideai por Antíoco de Ascalão, ibid. I, 30-33) e isto era, evidentemente, ainda um problema de importância para Plotino. Ele nega a sua realidade puramente conceptual. Os noeta não são propriamente descritos como pensamentos (noeseis) do noûs cósmico porque, ao contrário dos pensamentos, a sua existência não depende de serem pensados: aqui, pensar e pensamento são idênticos; o noûs eternamente ativado são os noeta (ver V, 9, 5). Além disso, se fossem pensamentos, teriam de existir objetos de pensamento (nooumena) anteriores a eles. Os noeta existem por si próprios, não porque o noûs os pense (v, 9, 7). Estão presentes no noûs cósmico como uma unidade do mesmo modo que um gênero contém todas as suas espécies (v, 9, 6) ou uma ciência contém todos os seus teoremas. Somos nós que os separamos no nosso modo discursivo de pensamento (v, 9, 8; ver noesis 19-20).
6. Para Plotino há dois graus de noeta: as ideai que existem num estado de unidade no noûs cósmico, e as que têm uma existência plural no nosso noûs imanente e humano e que nos são dadas pelo noûs transcendente que é dator formarum (ver noûs 21). Em V, 9, 8 ele diz que estas estão «próximas da realidade (aletheia)», mas em geral não insiste muito numa diferença entre as duas e somos informados que cada um de nós é um kosmos noetos, i. e., temos dentro das nossas almas todos os noeta (III, 4, 3). Estes conceitos estão um pouco alterados em Proclo. Os dois discordaram quanto ao problema do grau de contato entre o noûs transcendente e o imanente( ver as suas diferentes explicações da natureza intermitente da intelecção humana na rubrica noesis 21) e esta discordância reflete-se nos seus pontos de vista sobre os noeta nas nossas almas. Segundo Proclo (Elem. theol., props. 194-195) a alma possui os eide das coisas sensíveis (i. e., os logoi spermatikoi) de uma maneira exemplar (paradeigmatikos – paradeigma), sem matéria e sem extensão (ver physis). Possui as formas inteligíveis, os noeta de uma maneira refletida (eikonikos – eikon); não abrange os artigos genuínos mas meras radiações (emphaseis) deles.
Para hyle noete, ver aphairesis; para a relatividade da inteligibilidade, gnorimon. A faculdade que capta os noeta, quer a um nível cósmico, quer humano, é tratada nas rubricas noûs e psyche e a sua operação na rubrica noesis. A história primitiva dos noeta qua Formas é discutida na rubrica eidos. [FEPeters]