harmonia

gr. harmonía: mistura de opostos, harmonia

1. A descoberta, geralmente creditada a Pitágoras, da redução dos intervalos musicais a razões matemáticas teve um efeito extraordinário no desenvolvimento da filosofia grega: primeiro sugeriu que o número era o princípio constitutivo de todas as coisas (ver arithmos); era usada para explicar as misturas (ver holon); provavelmente gerou a teoria da psyche como harmonia de opostos, descrita por Platão, Fédon 85a-86d (refutada por Sócrates, 91c-95e), e Aristóteles, De anima I, 407b-408a (ver psyche). Mas quer a linguagem dos relatos platônicos, quer a dos aristotélicos sugere que a harmonia é, não tanto um conceito matemático-musical, mas deve mais à teoria médica (Alcméon? ver Aécio, V, 30, 1). Qualquer tentativa para fundar uma teoria da alma na harmonia dos opostos físicos vai, certamente, conduzir à negação da imortalidade da alma; é certo que Pitágoras sustentou a imortalidade da alma (ver psyche, palingenesia) e assim é muito mais provável que a sua teoria da harmonia fosse mais matemática do que física.

2. Outra linha da teoria da harmonia conduz à extensão do conceito de razão tanto ao som como às distâncias dos planetas e ao desenvolvimento da doutrina da «harmonia das esferas» incorporada por Platão no seu «Mito de Er» (Republica 617b), e descrita por Aristóteles, De coelo II, 290b-291a e Cícero, Somn. Scip. 5. As implicações éticas podem ser vistas nas noções de katharsis e sophrosyne (qq. V.), na descrição platônica da «vida misturada» no Phil. 64a-66a (ver agathon), na doutrina aristotélica do «meio» (ver meson), e em teorias antigas sobre a natureza do prazer físico (ver hedone); para a teoria da «harmonia», de Heráclito, ver logos. A «harmonia» pitagórica faz parte da educação do filósofo em Platão, Republica VII, 530c-531c, onde há passagem ao estudo da dialektike (confrontar Timeu 47c-d e ver psyche tou pantos).

Para a fórmula da ética estóica «em harmonia com a natureza», ver nomos. [FEPeters]


harmonía (gr.) : harmonia. Latim: harmonia.

Qualidade de ordem e organização inerente ao cosmos.

Esse termo já é abundantemente encontrado nos pitagóricos. Para eles, o conjunto dos seres é estabelecido de acordo com a harmonia (DL., VIII, 33; Hipólito, Contra as heresias, I, II, 13); as relações entre os números constituem harmonias (Aécio, I, III); a alma humana é uma harmonia (Filolau, fr. 13; Macrobio, Sonho de Cipião, I, XIV, 19); a justiça é uma harmonia da alma (Ateneu, IX, 54), assim como a virtude em geral (D.L.,VIII, 33).

Heráclito professa uma harmonia dos contrários (fr. 8 e 10, ‘); mas é uma harmonia oculta (fr. 54). Assim também, para Nicômaco (Aritmética, II): “A harmonia é universalmente a concordância dos contrários.”

Também em Platão, o mundo é um conjunto harmonioso (Epínomis, 991e), organizado pelo Demiurgo (Timeu, 56c). Mas, sobretudo, a virtude é a harmonia da alma (Laques, 188d; Timeu, 90d) e a justiça é a harmonia das virtudes (Rep., IV, 443); a vida política é resultante de uma harmonia entre governantes e governados (Rep., IV, 430e). Quanto à música, deve esforçar-se por imitar a harmonia divina (Timeu, 80b).

Os estoicos empregaram muitos sinônimos para designar a harmonia do mundo: diakósmesis / diakosmesis (D.L.,VII, 158); symphonía / symphonia (Epicteto, Leit., I, XII, 16); diátaxis / diataxis (ibid., XII, 17); sympátheia / sympatheia (ibid., XIV, 1); episyndesis (Marco Aurélio,VI, 38); syndesis (ibid., VII,9): hénosis kai táxis / henosis kai taxis, união e ordem (ibid., VI, 10).

Também para Plotino, o mundo, esseser vivo inigualável”, está em simpatia (sympathés / sympathes) consigo mesmo; ou então está de acordo (symphronos) consigo mesmo. Ele é ordem: táxis / taxis (IV, IV, 35). [Gobry]


(gr. harmonia; lat. harmonia; in. Harmony; fr. Harmonie, al. Harmonie; it. Armonià).

A ordem ou a disposição finalista das partes de um todo, como p. ex. do mundo, ou da alma, foi denominada “Harmonia”, pelos pitagóricos, por ser proporção ou mescla dos elementos corpóreos (cf. Platão, Fed., 86 c). Empédocles valeu-se desse conceito para definir a natureza do esfero (Fr. 122, Diels). Esse termo foi usado por Leibniz na expressão Harmonia preestabelecida, para designar determinado sistema de comunicação entre as substâncias espirituais (manadas) que compõem o mundo. Leibniz acredita que tais substâncias não podem influenciar-se reciprocamente, já que cada uma está “fechada em si mesma”, e assim exclui a doutrina comumente aceita, da influência recíproca. Exclui também a doutrina por ele denominada assistência, que é própria do sistema das causas ocasionais de Guelinx e Malebranche, segundo a qual a comunicação entre as várias mônadas seria estabelecida cada uma por sua vez diretamente por Deus. A Harmonia preestabelecida é a doutrina segundo a qual as várias mônadas, como muitos relógios perfeitamente construídos, estão sempre de acordo entre si, mesmo seguindo cada uma sua própria lei. Assim, a alma e o corpo vivem cada um por conta própria, contudo em harmonia, porque Deus coordenou as leis de ambos. O corpo segue a lei mecânica, a alma segue sua própria espontaneidade: a H. entre eles foi predisposta por Deus no ato da criação (Phil. Schriften, ed. Gerhardt, IV, p. 500).

Esse termo encontra-se com frequência no espiritualismo, especialmente em Ravaisson. Whitehead utilizou-o para explicar a beleza, a verdade, o bem, assim como a liberdade, a paz e toda “a grande aventura cósmica”. “A grande H.” — diz ele (Adv. of ldeas, p. 362) — “é a H. de individualidades duradouras conexas na unidade do fundamento. É por essa razão que a noção de liberdade nunca abandona as civilizações mais avançadas; a liberdade, em cada um de seus muitos sentidos, é a exigência de vigorosa auto-afirmação”. [Abbagnano]