história e subjetividade

A partir deste alargamento, da mesma maneira que se fala de um a priori universal da constituição, abarcando todas as intencionalidades, poder-se-á falar de um a priori da intencionalidade intersubjetiva, correspondente à constituição do mundo objetivo e à sua história. Estes dois a priori, aliás, fundam-se um no outro, de tal maneira que a realização da compreensão teórica de si implica necessariamente a de todas as idealidades constituídas intersubjetivamente no mundo da cultura. Uma compreensão de si (não somente no sentido empírico mas também no sentido transcendental) é uma compreensão histórica de si (La Crise des Sciences Européennes, primeira parte).

Este último tema, que só aparece de maneira explícita bastante tardiamente na obra de Husserl — mas que, como a maior parte dos temas husserlianos, se pode revelar como tarefa antes que seja descoberta a técnica da sua exposição — dá todo o seu alcance à constituição genética. O conjunto concreto da vida, no qual se misturam todos os elementos estaticamente constituídos, é o todo da História com a sua finalidade imanente. A análise genética explorará o fundo dos elementos sedimentados no inconsciente da vida individual e no inconsciente histórico. Paradoxalmente, a filosofia da consciência que a fenomenologia é, reencontra, como último horizonte da sua pesquisa, a ideia de um inconsciente ou, como escreverá Marleau-Ponty, a reflexão «suscitará sempre de novo ura irrefletido» («Le Philosophe et son Ombre», in Signes). É verdade que o inconsciente, compreendido fenomenologicamente, é «um modo limite da consciência» (Logique, p. 412). Ela não é o outro absoluto, não obedece a outra lógica que não seja a da própria consciência que pode reavê-lo no presente vivo da reflexão.

A abertura para a História, para as transmissões inconscientes das comunidades históricas no decurso de sedimentações sucessivas, far-se-á na clausura do ego que medita, que pode, em direito, constituir, quer dizer, possuir, na evidência atual, todos os sentidos: «Nós permanecemos no horizonte da única humanidade na qual vivemos nós próprios agora. Deste horizonte temos uma consciência viva e permanente, e isto como horizonte de tempo implicado no nosso presente de cada instante» (L’Origine de la Géométrie, p. 199). A desobstrução deste horizonte fará aparecer, não uma massa de factos, mas um a priori universal de estrutura, o da historicidade que penetra toda a vida constituinte da subjetividade transcendental e forma, de algum modo, «a arqueologia» do sujeito. O retorno permanente ao mundo da vida, que suscita sempre novas reduções e alarga o campo das possibilidades apriorísticas, completa, portanto, a ideia da ciência na explicação de uma gênese intencional total.

Se retomamos a questão do objeto da fenomenologia como ciência, ressalta que este objeto que se alarga até compreender a totalidade do mundo e do seu horizonte, não é outro senão «o sersujeito». E é precisamente pela descoberta do sersujeito que ela funda a sua pretensão à ciência, a uma ciência «das origens» que pode, em cada etapa do seu percurso, proceder à sua própria legitimação. Por isso, a unidade interna da obra de Husserl, ao longo das modificações nominativas, da descoberta de novas técnicas de análise, dos deslocamentos de interesses para novos problemas, explica-se pela continuidade do seu projeto. [Schérer]