Pureza: a «camada» fenomenológica dos vividos não é uma propriedade particular do psiquismo de um ser da natureza que se chamaria «homem». Compreender aquilo que é uma natureza, aquilo que é o próprio ser, exige, com efeito, o retorno à evidência originária do vivido no qual eles são dados. A não factualidade do vivido só parece paradoxal se se admitir a concepção corrente do ser do psiquismo como um meio existente no mundo, como um acontecimento. A clarificação do sentido completo da relação intencional (consciência de) implica, pelo contrário, o afastamento do princípio do vivido fenomenológico em relação a qualquer acontecimento do mundo. Este afastamento remete, bem entendido, a uma anterioridade teórica e não temporal: afirmar a não factualidade do vivido na sua essência é afirmar simplesmente que ele é dado não como fato psíquico, mas como forma universalmente pressuposta: nisto consiste a sua pureza. Esta propriedade parecerá menos estranha se se notar que é já unicamente em virtude da sua forma pura, ou ainda da sua idealidade que o vivido se reporta a ele mesmo na consciência.
Mas a transformação desta pureza universalmente implicada em tema contém em si a possibilidade de uma reflexividade ainda mais radical. Uma reflexão dum primeiro tipo, a que constrói a abstracção eidética, permite sem dúvida aceder à pureza das essências, incluindo a da consciência. Ela não lhe faz ainda surgir a unidade. A evidência das essências indica diversos sistemas fechados de «regiões» do ser. Mas ela não dá ainda o método próprio para aceder a uma reflexão radical sobre o ser e sobre «o enigma» do conhecimento. [Schérer]